Separando o trigo do joio nos mitos (proto)jurídicos da Oresteia

July 17, 2017 | Autor: Miguel Almeida | Categoria: Law and Literature, Ancient Greek Law
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DOUTORAMENTO

&

MESTRADO

MIGUEL RÉGIO DE ALMEIDA

SEPARANDO O TRIGO DO JOIO NOS MITOS (PROTO)JURÍDICOS DA ORESTEIA

SÉRIE D

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EDIÇ ÃO I n st i t u t o Ju r í d i c o Fa c ul da d e d e D i re i t o d a U n i v e r si dad e d e C oimbr a

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ISBN 978-989-8787-04-0

© OU TU B RO 2 0 1 4 INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA

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Doutoramento

& Mestrado SÉRIE D | 5

MIGUEL RÉGIO DE ALMEIDA

SEPARANDO O TRIGO DO JOIO NOS MITOS (PROTO)JURÍDICOS DA ORESTEIA

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Separando o trigo do joio nos mitos (proto)jurídicos da Oresteia Miguel Régio de Almeida

RESUMO: O Movimento Direito e Literatura já há muito que encontrou na Oresteia de Ésquilo um munus de diversos mitos jurídicos, apropriando-se desta tragédia do séc. V a.C. de modo a justificar distintas teorizações. É em oposição a esta atitude que, expondo um levantamento tão exaustivo quanto ilustrativo dessas leituras e relevando as especificidades da Tragédia grega, acentuamos a autonomia do Direito enquanto projeto e a sua abertura à responsividade social. PALAVRAS-CHAVE: Direito e Literatura; Tragédia; Direito Grego; mitos jurídicos; Direito como projeto.

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Separating the wheat from the tares in the Oresteia (proto)juridical myths ABSTRACT: The Law and Literature Movement has found long ago in Aeschylus’ Oresteia a munus of many juridical myths, adapting this V century BC Tragedy for justifying distinct theorizations. It is in opposition to this attitude that, exposing a weighing as exhaustive as illustrative of these readings and highlighting Greek Tragedy specificities, we vindicate Law’s autonomy as a project and its openness to social responsiveness. KEY-WORDS: Law and Literature; Tragedy; Greek Law; juridical myths; Law as project.

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ANTELÓQUIO

O texto que aqui se apresenta é o fruto resultante da investigação desenvolvida no seio do Seminário de Direito e Literatura – da nova hermenêutica à desconstrução, do narrativismo comunitarista à jurisprudência dos princípios no Curso de Doutoramento de 2013-2014, sob o magistério do Senhor Doutor José Manuel Aroso Linhares, cujas sageza e dedicação pedagógica encontram sempre espelho na admiração imediata que desperta a todos que o ouvem, e a quem estamos cordialmente gratos, entre tantos motivos, pela oportunidade de partilhar o presente estudo. Ao marcarem feliz e oportuna presença no caminho percorrido, ficamos também deveras agradecido ao Senhor Doutor Delfim Ferreira Leão e à Senhora Dra. Sofia de Carvalho, do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pelas iluminadoras discussões e precioso auxílio na recolha bibliográfica. Ainda retrospetivamente, cumpre por fim confessar que, sendo certo que o nosso ponto de partida foram os elos entre o Direito e a Literatura, o iter palmilhado conduziu-nos veramente a uma reflexão sobre o Direito e o (seu) Tempo, em nada sendo despiciendas a passagem pelo Direito Grego e a alusão ao Direito a devir. Resta desejar que a leitura do que aqui se versa seja tão proveitosa quanto frutíferas foram as aprendizagens para quem escreveu. 1. A Hélade na ilustração do Direito Escreveu Fernando Namora que “[t]emos sempre que nos referenciar pela literatura. Mesmo que se não queira. Está lá tudo, nessa amarga penumbra que se ilumina por dentro: o mistério e a decifração.”1 E veramente para o Direito, filho das Humanidades, 1

Fernando Namora, URSS mal amada, bem amada, 22.

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a ilustração que a Literatura potencia foi já repetidas vezes firmada pelo Movimento que liga estas áreas interdisciplinarmente (com as devidas moderações e reservas2). Estamos com Costas Douzinas e Adam Gearey quando recomendam que o texto literário não deve ser abordado como uma fonte de informação sobre o modo de operação de um determinado sistema, mas antes enquanto repositório geral das experiências culturais, narrativas e valorativas associadas à lei. Adotando um termo claramente psicanalítico, a Literatura assume-se assim como o “sonho do Direito”, expondo alguns dos sintomas não reconhecidos e explanados desta ordenação3, ajudando à compreensão dos mesmos. Tal punctum crucis iluminador tem especial força quando diz respeito às Tragédias da Antiga Grécia, dado o papel seminal que estas têm na caracterização da cultura mediterrânea, sendo continuamente revisitadas por encerrarem em si questões – tão nevrálgicas quanto fraturantes – atinentes à fundação (da Ordem) do Direito. A Tragédia grega, como atesta Michel Foucault, pode mesmo ser vista na sua essência como uma tragédia sobre o Direito, dada a ligação fundamental entre a tragicidade das emoções e a regulação da ordem pública, entre a narração de um caso e o problema da delimitação de normas4, estando ademais reconhecido pela comunidade jus-helenista um continuum conceptual que une a Tragédia ao pensamento político e proto-jurídico ateniense5. Importa esmiuçar que na Hélade, de acordo com a sistematização de Castanheira Neves, Jane Baron, Law, Literature, and the Problems of Interdisciplinarity, 10731082. Para uma síntese da História da interdisciplinaridade nos estudos jurídicos remetemos e.g. para Jack Balkin - Sanford Levinson, Law and the Humanities: An Uneasy Relationship, 166-173. 3 Costas Douzinas - Adam Gearey, Critical Jurisprudence – The Political Philosophy of Justice, 339-340. 4 Michel Foucault, “Il faut défendre la societé” – Cours au Collège de France, 1976, 175. Com outra ótica, François Ost ilustrativamente descreve como rivais os imaginários de juristas e tragediógrafos – vide Raconter la Loi – Aux Sources de l’imaginaire juridique, 7. 5 Danielle Allen, Greek Tragedy and Law, 374; Josiah Ober, Law and Political Theory, 411. 2

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a polaridade cultural radicava no Ser – “a ontológica última pré-determinação de tudo” – e na Tragédia – onde se expressava a vulnerabilidade dos Homens ao fatum divino6 –, sendo precisamente este o pólo por nós aqui explorado, experienciando o estímulo reflexivo privilegiado que a “realização-performance” do texto dramático (Aroso Linhares) propicia para o pensamento jurídico7. De facto, a Tragédia grega representa para o Direito uma Literatura muito especial, pois não cai no mesmo âmbito da mera ilustração com que muitas obras são lidas no seio deste Movimento. Pelo contrário, importa ter sempre em mente que os poetas épicos e trágicos foram bastamente considerados os principais pensadores da Grécia Antiga, tendo os seus escritos equiparados aos tratados de filósofos e historiadores de então. Como nota Martha Nussbaum, Platão toma os poetas não como colegas, prosseguindo fins distintos, mas sim como perigosos rivais8, não sendo isto despiciendo para que os expurgue das suas cidades na Politeia e nos Nomoi. É que, como atenta Paulo Ferreira da Cunha, a teatrocracia da Hélade desempenhava diversos papéis assaz determinantes, como o de testemunho sociológico; de opinião pública, particularmente através do Coro; de diálogo entre o profano e o divino; de discurso legitimador; e ainda como vetor de mudança. Urge realçar que a Tragédia tem uma função claramente cívica, de formação política, como melhor visaremos infra, e também uma protojurídica, ensinadas através da humanização dos deuses e da sua vinculação à Díkê. Pelo que a reflexão sobre a(s) Filosofia(s) do Direito (e da Política) encontra aqui um campo frutífero, continuando a sentir-se hoje a necessidade de recuar aos clássicos gregos (e romanos) de modo a inspirar a deA. Castanheira Neves, Pensar o Direito num Tempo de Perplexidade, 7-8; Uma reconstituição do Sentido do Direito – na sua autonomia, nos seus limites, nas suas alternativas, 6-7. 7 J. M. Aroso Linhares, O logos da juridicidade sob o fogo cruzado do ethos e do pathos – da convergência com a literatura (law as literature, literature as law) à anologia com uma poiêsis-technê de realização (law as musical and dramatic performance), 86. 8 Martha Nussbaum, The fragility of goodness – Luck and ethics in Greek tragedy and philosophy, p. 12; e no mesmo sentido Kevin Crotty, Law’s Interior: legal and literary constructions of the self, 89. 6

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manda da construção do Direito do Futuro9. O que nos legitima a manter o pé na embarcação grega – não na de Caronte, mas na de Ésquilo (n. 525-4 a.C., Elêusis), significativamente conhecido como “o criador da tragédia”, de acordo com o epíteto cunhado por Gilbert Murray. Reconhecidamente, a tragédia Oresteia é uma peça literária nuclear no estudo do papel da lei na sociedade, dotada de um especial valor para a educação jurídica – designadamente pela importância da dimensão emocional na mentalidade de um jurista10 –, sendo tomada como um referente fundacional externo ou extralegal do Direito, apud Huber Rottleuthner.11 Esta trilogia representa o contraste e o progresso de uma ordem marcada pela lex talionis e vindictas intergeracionais para a fundação de uma outra assente num julgamento judicial, marcado pela participação de um júri, admitindo causas de exculpação, atenuantes e inclusive o próprio perdão12. É desta arte uma ilustração trágico-literária da fundação de uma ordem protojurídica e da violência judiciada que subjaz a tal momento, assumindo-se as Euménides em particular como um mito sobre origens, uma verdadeira mitopoesis. No seguimento do teorizado por Richard Posner, esta é uma daquelas peças que largamente superou o “teste do tempo”13, sendo incontornável no panteão dos referentes plumitivos. 2. O trigo: o mito da Oresteia Como sintetiza Manuel de Oliveira Pulquério, esta tragédia de dimensões cósmicas trata essencialmente da realização mais perPaulo Ferreira da Cunha, Reler o direito clássico: um desafio jurídico do séc. XXI. Grécia e Roma, fontes e exemplos da juridicidade, 152-155. 10 Paul Gewirtz, Aeschylus’ Law, 1044, 1050. 11 Huber Rottleuthner, Foundations of Law, 31. 12 Apud Paulo Ferreira da Cunha, Reler o direito clássico, 155; e Michael Dirda, «The Oresteia: Law & Order», disponível em (acedido em 06.03.2014). �� Richard Posner, Law and Literature, p. 31; e também C. W. MacLeod, Politics and the Oresteia, 144. 9

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feita de Justiça, em que o direito da mãe – Clitemnestra – se ergue contra o do filho – Orestes –, retratando a oposição do direito dos velhos deuses ao dos novos na recomposição do mundo ordenado14. Em rigor, a Oresteia é uma trilogia composta pelas peças Agamémnon, Coéforas e Euménides, sendo que será nesta última que mais nos focaremos pela sua dimensão judicial, autêntico embate deus ex machina. Todavia, impera que rememoremos resumidamente a narrativa completa, pois há que compreender as três peças no seu conjunto de modo a apreender o inerente círculo hermenêutico15, algo que a dramatização da Tragédia expressa de modo paradigmático. Na primeira peça acompanhamos o regresso do Atrida Agamémnon da Guerra de Troia, vindo a encontrar uma morte trágica às mãos da própria esposa, (uma masculinizada) Clitemnestra, que assim vinga a morte de Ifigénia, filha de ambos. Esta virgem inocente havia sido sacrificada pelo pai a Zeus, de acordo com uma suposta obediência a Ártemis, de modo a obter os ventos favoráveis à saída da armada sob o comando de Agamémnon. O dilema ético inicial deste último, em que de um estado de horror evolui para um sequente de plena confiança16, com a consciência de incorrer em hybris (o que culmina com a sua entrada erroneamente triunfal sob o tapete púrpura), leva a que o eixo desta tragédia derive da culpa pessoal do Atrida pelo nefasto sacrifício – e demais sangue das hostes tombadas em Troia – e da culpa hereditária que carreia pelas muitas ações da sua família, como o banquete antropofágico de Tiestes orquestrado pelo seu pai Atreu.17 É este daimon sangrento de pretensa expiação que desvela as forças divinas que pelejarão entre si e justifica a espiral de violência subsequente. Decorridos alguns anos, as Coéforas narram as ações de Orestes: filho de Agamémnon e de Clitemnestra, cresceu no exílio e é sob o mando de Apolo que deverá vingar o pai, sabendo que o matricíManuel de Oliveira Pulquério, in Ésquilo, Oresteia, 9-11. 15 Pat Easterling, Theatrical Furies: Thoughts on Eumenides, 234-235. 16 Martha Nussbaum, The fragility of goodness, 34-36, 41-44, 47-49. 17 Huber Rottleuthner, Foundations of Law, 33-34. 14

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dio o fará incorrer na fúria das Eríneas, da ancestral ordem divina. Graças aos receios de Clitemnestra, que ao sonhar que uma serpente lhe suga sangue do peito intenta aplacar os efeitos do seu crime através de rituais fúnebres em honra do esposo assassinado, Orestes reencontrará Electra, sua irmã, encarregada dessas libações. Não obstante algumas dúvidas naturais entre a “opção” de vingar o pai assassinado e o horror inato a um matricídio – desvelando a oposição dos dois modelos de regulação societária subjacentes e respetivos tipos de Justiça –, ambos conspiram para assassinar a sua mãe e o respetivo amante, (um efeminizado) Egisto (filho ou neto de Tiestes). Consumado o duplo homicídio e derramado o sangue familiar, Orestes foge de Argos perseguido pelas gorgónicas Eríneas. Após estes episódios sangrentos, na última peça aquelas divindades ancestrais encontram finalmente Orestes (que passou por todo um ritual de purificação, surgindo como um neófito) em Atenas18 agarrado a uma estátua da filha de Zeus, invocando a sua ajuda e a de Apolo.19 As Euménides focam o racionalizante julgamento de Orestes, defendido por Apolo e acusado pelas Eríneas, sob a sindicância da andrógena Atena (e que ademais nasceu da cabeça de Zeus, reforçando-se a ausência do elo matrimonial), opondo em A mudança de local entre as peças reforça a ideia de um novo começo, dado que a variação espacial era pouco comum às tragédias de então. Cf. Martin Rivermann, Aeschylus’ Eumenides, Chronotopes, and the Aetiological Mode, 246-247. Ali���� ás, e por oposição ao meticuloso registo cronológico característico do Judaísmo, a mitologia helénica destaca-se pela importância fundacional dos espaços, como o revelam as narrativas míticas associadas à expansão colonial grega e, ao que imediatamente nos importa, o facto de o Areópago a devir significar (e localizar-se efetivamente sobre a) “Colina de Ares”. 19 Aproveitando as Eríneas a oportunidade para zombar de tais apelos e dirigir ao filho de Agamémnon o seu feitiço amaldiçoador. Este encantamento (306) está intimamente correlacionado com o uso de tabuletas que visavam amaldiçoar os litigantes nos julgamentos em Atenas no séc. V a. C. (a música seria a forma precedente das tais tabuletas), toldando a sua capacidade de pensar e falar claramente de modo a minar a defesa dos respetivos opositores. Esta referência de Ésquilo atesta a importância política deste julgamento, visto que as Eríneas, ao ensombrarem a defesa de Orestes, têm principalmente em vista vencer o pleito a Apolo. Cf. Christopher A. Faraone, Aeschylus’ ὔμνος δέσμιος (Eum. 306) and the Attic Judicial curse Tablets. 18

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pleito a antiga ordem de deuses à dos novos.20 São deduzidos os argumentos de defesa e condenação, sendo que os de Apolo assentam na panegírica do tríptico esposo/rei/ masculino em detrimento do arcaico esposa/rainha/feminino, defendendo a superioridade do elo matrimonial face ao do relacionamento por sangue, a primazia do pai sobre a mãe, dominando toda a conceção do matriarcado através da redução aristotélica à estrita associação uterina (desprovida desta funcionalidade biológica, a própria figura maternal seria dispensável). Face ao impasse a que chega o Coro – que é inovadoramente constituído por juízes humanos (elevados “a uma dignidade insuperável”21) e que figura como um júri, correspondendo aos Areopagitas –, Palas Atena decide em favor de Orestes e Apolo, agindo como “traidora ancestral do movimento feminista”22, todavia pondo fim ao ciclo de violência iniciado com o “pecado original”23 de Atreu. Decorrem então os dois eventos concludentes da peça24: as Eríneas, após urdirem as suas derradeiras ameaças, acabam persuadidas pela deusa e convolam-se As Euménides retratam assim um cenário situado entre a prática empírica e o imaginário do mundo da performance teatral, sendo este julgamento um retrato fiel, mas adaptado, do discurso forense ateniense real, do qual são exemplos a exigência por parte das Eríneas de um juramento de Orestes e o facto de o júri de cidadãos vir substituir o júri de deuses olímpicos do mito original. Ademais, como Alan Sommerstein e Delfim Leão fazem notar, Orestes não enfrentaria um julgamento no Areópago, dado que admite desde o início o matricídio; ao advogar que o ato foi cometido de modo justo – não sendo consequentemente um crime – seria contudo conduzido aos ephetai, um conselho de sábios do Delphinium. Atestando a veracidade do modelo de julgamento retratado na peça, há que relevar os numerosos elementos convencionais que são propositadamente colocados fora do lugar, dos quais importa destacar precisamente a questão dos juramentos, pois estes eram um eixo nuclear do iter judicial ateniense, sendo a sua falta inadmissível nos casos ordinários, todavia dispensáveis nos julgamentos do Areópago e dos ephetai. Cf. Michael Gagarin, The Unity of Greek Law, 88-90; Alan H. Sommerstein, Orestes’ Trial and Athenian Homicide Procedure, 25-32; Delfim F. Leão, The Legal Horizon of the Oresteia: The Crime of Homicide and the Founding of the Areopagus, 46-52. 21 Manuel de Oliveira Pulquério, Oresteia, 178. 22 Huber Rottleuthner, Foundations of Law, 37. 23 Kenneth Burke, Form and Persecution in the Oresteia, 383. �� C. W. MacLeod, Politics and the Oresteia, 135. 20

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em Euménides, passando assim a ser reverenciadas nesta qualidade como as bem-aventuradas e assinalando a mudança dos tempos, fundando-se a precedência da pólis sobre o génos25; e, também com esta marca, é constituído o grande tribunal ateniense, o Areópago – doravante o Homem assumirá mais responsavelmente o seu próprio destino, sob o olhar vigilante dos deuses26. 3. O joio: leituras (proto)jurídicas Como aludimos ab initio, o Movimento Direito e Literatura conta com significativas abordagens à Tragédia esquiliana, lendo-a de diversas maneiras e adaptando-a a diversos postulados de compreensão e teorizações. Ergo, apresentamos nesta secção um levantamento profundo e elucidativo das mesmas, agrupadas em cinco núcleos temáticos (encontrando-se por vezes interligados), focando em particular a abordagem sobre os modelos de Justiça e sequente evolução do mundo (proto)jurídico, por ser o núcleo que mais sobressai e se encontra melhor fundado. 3.1. Mente narrativa

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Principiando naturalmente com a leitura de James Boyd White, a Oresteia é tomada como o paradigma da mente narrativa para a discussão da Justiça, caracterizando a tensão que perpassa a característica literária da imaginação de um advogado, entre a mente narrativa e a mente analítica – a primeira sendo aquela que conta estórias, que encontra o seu significado na representação de eventos ou na experiência imaginada, e a segunda sendo a mente que procura razões, explicações sistémicas ou teóricas27. Deste modo, o académico estadunidense convoca esta obra afirmando que a mesma descreve o movimento da passagem de um mundo Huber Rottleuthner, Foundations of Law, 38. Apud Manuel de Oliveira Pulquério, Oresteia, 182. 27 James Boyd White, The Legal Imagination – Abridged Edition, 243-247. 25 26

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primitivo de conflitos, de hostilidades eternas, em que um homicídio cria o dever de vingança perpetuando outro, para um mundo de Direito, onde um tribunal apura a estória verdadeira e determina as punições, findando com tal ciclo. É uma peça que “visa obviamente celebrar a instituição e o progresso que representa”.28 Serve-lhe assim paradigmaticamente para ilustrar a dimensão narrativa com que caracteriza o Direito, defendendo que o tragediógrafo de Elêusis marcou a conexão central entre os mundos jurídico e trágico, em que a peça celebraria a lei como drama, contando uma estória, atribuindo-lhe um significado e permitindo a prossecução da vida com tais certezas firmadas. É esta a função atribuída ao Areópago, integrante das novas forças sociais, instituição cuja autoridade lhe permite narrar as diversas estórias fixando-lhes um significado que não poderá mais ser misteriosa e intoleravelmente deturpado. Será através da lei que surge o “resgate” das insuportáveis incoerências do mundo e dos sujeitos que o compõem, com as suas estórias, ações e modos de inteligir.29 Para James Boyd White a Oresteia representa assim o movimento de passagem de um mundo narrativamente impossível – pois ninguém conseguiria manter uma estória pessoal que não se sobrepusesse à dos demais, obscurecendo-as com a respetiva parcialidade – para um possível. A lei e a tragédia apresentam-se como esferas públicas nas quais as muitas versões podem ser colocadas em comparação e competição, integrando os contrários num espectro maior, determinando-se uma versão final – tal ação é dotada de uma autoridade que nenhuma das outras versões, isoladas, poderia atingir, assumindo-se assim como “uma ação pública exercida sobre uma estória publicamente determinada”30.

James Boyd White, Telling stories in the law and in ordinary life: the Oresteia and “Noon Wine”, 174 (tradução nossa). 29 James Boyd White, Telling stories in the law and in ordinary life, 180. �� James Boyd White, Telling stories in the law and in ordinary life, 190 (tradução nossa). 28

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3.2. Estudo de género Num ensaio marcante para o Movimento Direito e Literatura, Paul Gewirtz centra-se na imagem que a Oresteia projetaria da lei, imagem que enucleia dois aspetos marcantes desta: o lugar central e necessário da paixão e das emoções, e a apresentação da lei como um fenómeno de géneros, em que a subordinação feminina é incluída na nova ordem fundada. Caberão assim aos Homens – o júri, Apolo – a razão e a institucionalização legal, e às Mulheres – Clitemnestra, Eríneas – a paixão e a sede de vingança arcaica, relevando que o papel de juiz seja desempenhado por Atena, uma deusa andrógena que manifesta a sua preferência pelos Homens. A inclusão do feminino na ordem masculina, tanto numa leitura de harmonia ou noutra oposta de subordinação sexista, é particularmente simbolizada pela convolação das Eríneas em Euménides.31 Em suma, Ésquilo teria um olhar assaz assertivo sobre a complexidade da ordem legal dado que, não deixando de elogiar o papel desta na evolução social Não sendo este o lugar para aprofundar tal discussão, não deixaremos de ilustrar que se reconhece aqui um atentado contra as mulheres enquanto classe, não só porque inseridas numa ordem onde o Amor é melhor expresso homossexualmente, mas especialmente visto que na peça a sua função biológica reprodutora é desvalorizada (Kenneth Burke, Form and Persecution in the Oresteia, 384). A Oresteia é vista por muitos como um paradigma da tradição misógina que perpassa o pensamento grego, projetando as inter-relações do binómio masculino-feminino para a organização social, dramatizando-se a resistência feminina (padecendo de um “complexo de Amazona”) em que o matricídio funciona como o catalisador irresistível. Para uma leitura da trilogia assente na resistência feminina à subordinação do casamento patriarcal e à sucessão patrilinear remetemos e.g. para Froma Zeitlin, The Dynamics of Misogyny: Myth and Mythmaking in the Oresteia. Atestando ainda a heterogeneidade destas leituras, veja-se como Slavoj Žižek talha um significativo tríptico feminino de perfis psicológicos: (1) Ifigénia representa o modelo do auto-sacrifício incondicional, a “livre-aceitação” da morte ao serviço da comunidade; (2) Clitemnestra, pelo contrário, insere-se no modelo das mulheres dos excessos destrutivos, como um agente monstruoso de vingança; e (3) Electra é uma exceção aos dois paradigmas, assumindo um papel repulsivo face à vindicta através da sua insistência para com Orestes, mas fazendo-o por fidelidade à memória do pai traído, por “uma boa causa”, não obstante o histerismo do apelo, gozando o tempo que antecede a consumação do matricídio pelo seu irmão. Cf. Slavoj Žižek, From Antigone to Joan of Arc, 51-53. 31

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retratada, expõe em simultâneo as muitas contradições e dualidades conflituantes daquela ordem: ligada fundacionalmente à ordem divina, todavia de realização humana; procurando a objetividade, mas deparando-se com a inescapabilidade da subjetividade; visando o Futuro, contudo sempre ligada ao Passado; predominantemente masculina, não obstante impulsionada pelo feminino; visando pautar-se pela razão, porém subordinada também à batuta do temor.32 Igualmente neste sentido, Kevin Crotty releva que uma das inovações claramente expressa no novo modelo fundado por Atena é a possibilidade da absolvição em situações onde antes tal seria impensável, representando uma autodefinição da cidade através do veredicto do júri. É uma demonstração de autoridade de grande força, pois a absolvição do matricida representa a imposição do júri – e da pólis – sobre a antiga lei natural, ficando esta destarte superada e tendo portanto muito mais impacto do que uma condenação. A suposta reconciliação dos opostos – incorporando na totalidade o que antes era marginalizado – é uma qualidade da pólis que edifica a ideia de que a nova ordem masculina pode integrar a feminina, reordenando os valores domésticos. O papel da mulher é contudo claramente subordinado, o que permite ler a nova decisão como uma vitória mascarada, uma dominação que fica velada pela ênfase nas possibilidades abertas de reconciliação.33 3.3. Parole e peitho A dimensão da Linguagem é outro núcleo temático proficuamente explorado, e autor que neste campo do Movimento claramente se destaca é François Ost, cuja heurística de «droit raconté» é uma teoria do direito articulada com a normatividade subjacente ao seu curso hermenêutico – apodado em Paul Ricoeur34 – centrada Paul Gewirtz Aeschylus’ Law, 1044, 1050-1055. Kevin Crotty, Law’s Interior, 59-63. �� François Ost, Raconter la Loi, 29. 32 33

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na ideia de narrativa jurídica, em acordo com o imaginário social estabelecido.35 O jusfilósofo belga identifica cinco temas/“vozes” presentes em cada peça da Oresteia, descrevendo-a como uma “composição polifónica”: o (1) tema jurídico (a passagem da vingança privada taliónica à Justiça pública); a (2) importância e atribuições da parole (espelhadas principalmente no elo posterior da Justiça a um discurso dialógico e argumentado); a (3) motivação dos atos (problematizada como uma incipiente questão de responsabilidade individual); a (4) natureza teológica (com o confronto de ordens divinas); e a (5) temática política (a reflexão subjacente às mudanças pelas quais passava Atenas). Cinco vozes que contribuem para a “invenção da Justiça”36. Nesta “polifonia” em que são as diversas voltas que a linguagem dá a marcar toda a tensão dramática das peças37, é reconhecido retrospetivamente que toda a trilogia surge como uma meditação sobre o poder do verbo: designadamente um discurso intrigado, constrangido e falso no Agamémnon; um discurso libertador, violento e mortífero nas Coéforas; e um discurso eficaz e persuasivo nas Euménides.38 Ademais Ost toma estas últimas como o paradigma literário que narra a constituição de um modo de Justiça pública, em rutura com a ordem arcaica da retaliação, acumulando as duas funções inerentes ao ato de julgar (de acordo com Ricoeur): o da repartição (suum cuique tribuere) e o da participação pelo juiz. François Ost realça o facto de que tal julgamento não repõe o estado original da ordem divina, antes vai mais além, reforçando os laços sociais e contribuindo para a paz da pólis, o que é conseguido nomeadamente com a integração das Eríneas por via da acutilante persuasão (peitho) argumentativa de Palas Atena.39 Umbilicalmente ligados à dimensão François Ost, Raconter la Loi, 34. François Ost, Raconter la Loi, 96-97, 102-107, 112-114, 123-124, 135-144. 37 François Ost, Raconter la Loi, 106. 38 François Ost, Raconter la Loi, 124. 39 François Ost, To Avenge, to Forgive or to Judge?, 47-49. Vale a pena atentar nas suas elogiosas palavras: “Peitho; le charme de la voix, la magie des mots, la puissance qu’exerce la parole sur autrui; mystérieuse alchimie qui mobilise à la foi l’argumentation qui 35 36

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discursiva, estão assim o poder e a eficácia inerentes à persuasão. Também nesta linha, Timothy Sandefur centra-se na importância da lei e da peitho, advogando que Atena criaria lei – não Justiça – delimitando portanto o uso da coerção. Defendendo que a Justiça pré-existe à ação, o busílis da Oresteia será apenas a formalização e domínio daquela, domesticação obtida com a canalização dos desejos primitivos de acordo com a razão pública, assim transfigurados em lei. E daí a importância da persuasão, ação que evolui no decorrer da trama (como visto em Ost): enquanto que em Agamémnon a persuasão se encontra ainda pervertida pela “luxúria por glória”, estando essencialmente ligada à hybris e recorrendo-se à linguagem como um apelo às emoções de modo a se superarem objeções legítimas; já nas Euménides encontramos Palas Atena a tecer um hino a peitho, celebrando-a como a ferramenta para a explicação e síntese da nova ordem, servindo os fins da Justiça. Doravante os julgamentos judiciais operarão de acordo com a persuasão pelos argumentos e pela razão em benefício da ordem pública, ao invés de pelo inflamar das paixões privadas. É aliás através desta persuasão racionalizada que as Eríneas, entidades do foro privado, se transformarão nas Euménides do foro público, sendo que as suas demandas de Justiça encontrar-se-ão sistematizadas de acordo com princípios de racionalidade e passarão a ser uma das fundações da nova ordem política, um processo metamorfoseado através da linguagem. É de atentar que, como é muitas vezes espelhado pelos escritores helenos, as leis (nomoi) são vistas como análogas aos muros das cidades, pelo que aquelas operam como barreiras invisíveis que separam os gregos dos bárbaros, o corpo político da restante massa de indivíduos. Daí que as Eríneas-Euménides pudessem beligerar contra quem está fora da cidade, mas não contra quem está dentro desta circunscrição linguístico-dialógica: os politai que merecem respeito mútuo e se regem através da persuasão. De acordo com convainc l’esprit et la séduction qui charme le coeur.” Cf. Idem, Raconter la Loi – Aux sources de l’imaginaire juridique, 122.

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o jurista estadunidense, a conclusão da Oresteia é assim conseguida através de uma metáfora matrimonial (em clara oposição com a rutura inicial do casamento de Agamémnon e Clitemnestra), civilizando as paixões da Justiça do mesmo modo que o casamento formaliza as paixões físicas e espirituais e incorporando pelas duas partes a promessa de cooperação e união, através da deliberação mútua e do consenso, que por sua vez operam por via da razão e da persuasão pública40. 3.4. Lei e Violência Neste topos mui controvertido, deparamo-nos desde logo com Costas Douzinas a propugnar que nas Euménides a lei e a autoridade política ficariam assentes na violência e na força, no argumento racionalizado, na persuasão e nos poderes sagrados, assim ordenados pela Moira e por Díkê e asseguradas pelas Eríneas-Euménides. Pelo que a Justiça arcaica da lei taliónica é deposta através de um ato de violência “injusta” perante aquela, trazendo à existência uma nova lei através do cometimento de um crime que, no fundo, é condenado. Destarte, Díkê torna-se technê, idem est, a Justiça torna-se mensurável e operável através de argumentos, procurando-se o “meio-termo” da justa medida. É esta violência mascarada que justifica que Atena promova um uso racional e domesticado da violência ancestral das Eríneas-Euménides de modo a pacificar o conflito entre a razão e a emoção.41 Também François Ost se reporta ao ato da instituição da nova ordem como um “coup de droit”, assente numa legitimidade retroativa e que se inscreve num Futuro-anterior.42 Argumenta ainda que a “revolução jurídica” das Euménides tem uma forma de AufheTimothy Sandefur, Love and Solipsism: Law and Arbitrary Rule in Aeschylus, Shakespeare, Sophocles, and Anouilh, 984-990; Pat Easterling, Theatrical Furies: Thoughts on Eumenides, 231-232. 41 Costas Douzinas - Ronnie Warrington, Justice miscarried – Ethics and aesthetics in law, 72; Costas Douzinas - Adam Gearey, Critical Jurisprudence, 113-115. �� François Ost, Raconter la Loi – Aux sources de l’imaginaire juridique, 127. 40

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bung, uma revogação que integra, mais do que uma vera supressão.43 O perdão que absolve Orestes seria aliás o resultado mais elevado da Justiça, um ato de memória que se projeta no Futuro, um gesto de reconciliação.44 Paralelamente, Martha Nussbaum tem defendido45 que o perdão das Eríneas nas Euménides permite uma leitura alternativa sobre a sua integração; contudo, esta pode ser uma raiva disfarçada, ressentida, como já Nietzsche havia atentado nA Origem da Tragédia46. Neste domínio importar-nos-á ainda atentar em Christoph Menke, que perspicazmente sistematiza que o problema da Lei e da Violência radica na relação entre duas proposições contraditórias: (1) a atinente aos discursos de legitimação do Direito que advogam que a Lei é o oposto da Violência, pois o processo de tomada de decisões de acordo com o modus jurídico interrompe o ciclo de conflitos; e (2) a inerente aos discursos de crítica do Direito, que defendem que a Lei é por si própria uma forma de violência, dado que a decisão per se exerce uma violência externa, física e espiritual, sobre um agente. De acordo com a primeira ótica, não importa quão duros sejam os veredictos legais para quem é sentenciado, dado que são justificados e destarte não violentos, pois não se pode confundir a “violência” legalizada e validada com a violação de uma norma. Já na segunda perspetiva, aqueles veredictos são impostos através do uso ou da ameaça da coerção, pois não existe lei que abdique desFrançois Ost, Raconter la Loi – Aux sources de l’imaginaire juridique, 132. Significativamente comparado aos processos pós-Apartheid na África do Sul. Cf. François Ost, Raconter la Loi – Aux sources de l’imaginaire juridique, 135. 45 Por exemplo na conferência The John Locke Lectures 2014: ‘Anger and Forgiveness’, cujo relato pode ser compulsado em (acedido em 09.05.2014). 46 Podendo aqui conciliar-se com a leitura nietzschiana do surgimento do Areópago como uma espécie de autossuperação piedosa da Justiça, lidando com o ressentimento que a memória implica. Cf. a interpretação de Daniel Telech, «Mercy at the Areopagus: A Nietzschean account of Justice and Joy in the Eumenides», in Crime in Law and Literature Conference (The University of Chicago, February 7-8, 2014), disponível em (acedido em 09.05.2014). 43 44

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te seu elemento, independentemente da legitimidade de tais veredictos: a Lei não revela o modo de por termo à violência, mas sim um modo de lhe dar continuidade noutra forma. Tal paradoxo não pode ser resolvido através da escolha de um dos discursos, dado que ambas as estatuições estão corretas, não obstante se contradizerem. Contudo, é precisamente aqui que surge a mais-valia da Tragédia: antes ainda de uma conceptualização filosófica, pode ilustrar este relacionamento entre lei e violência, um paradoxo que no fundo seria a conceção trágica da lei. O filósofo alemão defende que o julgamento legal pode assim ser concebido como uma violência distinta, como o “outro” da violação de uma norma, visto carrear a mobilização de uma lei geral. Seria por isso que o ciclo arcaico de vindictas encontra o seu terminus: porque a lei e as sentenças são válidas para todos. O que nos é revelado pela situação de Orestes é que a pretensão de a lei se mostrar radicalmente diferente da violência é frustrada perante a evidência fenomenológica da sua similaridade: tanto a violência da punição legal como a violência do ato de vingança se assemelham. A sua diferença é de índole formal, dado que uma está moldada por um julgamento: do ponto de vista de quem sofre a(s) violência(s), esta diferença não tem relevo, surtindo na prática o mesmo efeito. Assim, para Orestes, a violência retorna no novo modelo legal, precisamente através do julgamento com o qual quer quebrar o ciclo de violência das vinganças. A Tragédia propiciar-nos-ia assim a imagem paradoxal da lei, qual Janus. Por um lado, através da forma do seu veredicto, a lei apresenta-se categoricamente diferente da vingança, sendo o seu oposto. Mesmo que pareça uma violência, o julgamento não é uma contra-violência como a vingança, estando dotado de um elemento essencial – a sua imparcialidade –, dado que é realizado em nome de uma norma geral que rege os dois lados do pleito e é portanto válida para ambos. Apesar de o julgamento legal ser sempre um tipo de violência para quem é condenado – especialmente se a sentença é punitiva –, aquela é uma violência que decorre de uma lei, sendo um

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elemento intrínseco à mesma, uma violência justificada. Por outro lado, o facto de a violência não desaparecer e de portanto a lei não ser não-violenta pode parecer irrelevante, dado que a coercibilidade é inerente à própria noção de lei. Contudo, esta não é uma questão trivial, pois a assunção de que a lei é uma violência justificada surge não como uma fórmula de solução, de acordo com os discursos de legitimação da lei, mas como um problema, inclusive um paradoxo. E Orestes experienciá-lo-ia ao ver assemelhadas a lei e a vingança, em que a diferença formal do julgamento se revela uma máscara que encobre a parcialidade da tomada de uma posição. É isto que leva a que, por exemplo, a lei surja como a Justiça de uma classe ou dos vencedores de um conflito. Esta dimensão de violência da lei obscurece aquela diferença formal (e essencial) que a legitima, pelo que a fórmula “a Lei é violência justificada” será a fórmula de um problema, revelando-se instável: os seus dois elementos encontram-se numa relação de tensão perpétua, pois a violência justificada da lei pode sempre tornar-se indistinguível da violência que surge antes da lei, tornando-se assim injustificada.47 3.5. Modelos de Justiça e evolução do Direito Importa acompanhar em particular nesta temática a investigação de Kevin Crotty, que recorre à Literatura – e em especial à Oresteia – de modo a ilustrar a abertura do Direito à mudança, não reconhecendo a este uma pura autonomia estática, inserindo ao invés a prática legal no generalizado tecido social. A temporalidade da ordem jurídica reflete o próprio entendimento mutável da relação entre a lei e o indivíduo, designadamente a influência e delimitação sobre a formação psicológica e moral deste último.48 Neste sentido, ao dramatizar as origens do Direito, a tragédia esquiliana sublinharia a intenção de este se querer apresentar como autónomo do mundo envolvente, com todas as dúvidas 47 48

Christoph Menke, Law and Violence, 1-9. Kevin Crotty, Law’s Interior, 11-12.

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que inervam tal institucionalização.49 Assim, o Direito surge da tentativa de restringir as particularidades da “vida moral” de cada um, estabelecendo uma arena de contacto onde os significados dos atos de cada um possam ser controlados, podendo destarte ter em consideração a voluntas de um agente, uma simplificação que permite a resolução de problemas na regulação da vida em sociedade. Esta facilitação, contudo, tende a relegar a dimensão moral, dado que apresenta em primeira linha um modelo de comportamento e em segunda a (ameaça de) punição caso se infrinja a primeira, razão que leva a obnubilar a cogitação sobre aquele modelo definido, tornando-o irrelevante de certo modo. Cria-se destarte um “homo simplificans”, de complexidade ética domesticada. Por outro lado, é precisamente o foco na coercibilidade de modo a assegurar o sucesso das injunções do Direito que leva este a perpetuamente se legitimar, para que se distinga da mera força. Assim, o Direito tem que responder sempre à complexa natureza moral humana de modo a se ter por legítimo, evitando aquelas simplificações de segunda ordem quando estas se tornam redutoras desta natureza; isto leva a que a legitimidade do Direito opere enquanto projeto, um esforço contínuo para incorporar conceções sempre emergentes dos indivíduos e da sociedade50. Seria a caracterização da nova dimensão moral que a Oresteia procura: por via da projeção nos heróis míticos do Passado, dramatizada em festivais, a cidade tomava consciência e refletia sobre os ideais cívicos do seu Presente. A ambiguidade e tensão inerentes ao facto de as transgressões de outrora estarem a ser sujeitas a um novo e distinto escrutínio legal, através da responsabilidade (proto) jurídica de Orestes pelo seu matricídio, seriam refletidas pela própria forma da Tragédia, dado que se intenta modelar novos ideais cuja racionalidade subjugaria as paixões inatas àquela. A performance per se seria reveladora da resistência do mito à sua dominação pela cidade, questionando a estabilidade da passagem da visão trágica 49 50

Kevin Crotty, Law’s Interior, 16. Kevin Crotty, Law’s Interior, 32-33, 85.

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da Justiça sobre a nova ótica que se intenta impor. A trilogia dramatizaria assim a insegurança na instituição do modelo societário legal, dado que os novos ideais – de consenso, recurso a argumentos e domínio da razão – derivariam em parte dos ideais heroicos rejeitados – da autossuficiência dos indivíduos, da ação espetacular e do império das emoções –, expondo destarte os limites da ideologia democrática. Mais do que a constituição da ordem (proto)jurídica, a Oresteia visaria o surgimento da pólis democrática, marcada pelas suas características repressivas, designadamente o modelo patriarcal e a dependência no receio pela punição dos atos transgressores das leis da cidade.51 Importa-nos deste modo caracterizar adequadamente os dois modelos em confronto. 3.5.1. A antiga Justiça: o modelo da vendeta

É mormente descrito que o modelo arcaico da Justiça assentava numa matriz de vindicta, o que no seio do Movimento é particularmente ilustrado por Richard Posner, na senda de Oliver Wendell Holmes. Considera o cultor do Law and Economics e do Law and Literature que a vingança é um sistema de controlo social, à semelhança da lei, mais do que um sinal de ausência de tal controlo, caracterizado por elementos como uma fúria implacável, a imperdoabilidade e acima de tudo a rejeição de um comportamento racional, o que virá a retardar o surgimento de modos de cooperação social, nomeada e apropriadamente a economia de mercado. A Justiça enquanto vingança revela-se consideravelmente simples do ponto de vista moral, dado que opera de acordo com um padrão/sistema próprio (assaz dispendioso na visão economicista do juiz estadunidense, de custos-benefícios particulares e públicos). Determina o autor que a “liability” (que face ao ethos da Hélade devemos rigorosamente tentar determinar como a junção das ideias de obrigação, dever, compromisso e responsabilidade, uma noção consideravelmente riquíssima perante qualquer redução terminológica à oikonomia) é aqui absoluta, 51

Kevin Crotty, Law’s Interior, 40-45.

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não existindo diferenças entre culpabilidade, justificabilidade ou exculpabilidade, tornando o vingador tão “culpado” quanto o agressor original, o que tornaria esta Justiça de vindictas mais lógica do que patológica52. Em contraste com tal redução, temos que Kevin Crotty – de acordo com o seu entendimento do Direito como uma “instituição anti-trágica” que pretende afastar as ambiguidades morais dos indivíduos – considera que a Tragédia mostraria a pressão constantemente exercida sobre a lei pelas necessidades da natureza humana, revelando em particular o terror (o deinos helénico) da vida. Toma como exemplo o modo como o dilema inicial de Agamémnon está colocado – levando a refletir sobre as dimensões da liberdade, da vontade e da responsabilidade, desafiando assim a própria conceção de Justiça –, revelando que, apesar de a lei dizer respeito ao que de mais íntimo e emocional há na existência humana, fá-lo evitando quaisquer paixões, purgadas através dos seus procedimentos e regras. Assume, apud Posner, a insuficiência da vingança como sistema de Justiça na manutenção da ordem e da paz. Mas faz notar que a vingança para Agamémnon, Egisto, Clitemnestra e Orestes surge como uma demanda irresistível: estas personagens não podem não matar a pessoa que originou o respetivo dever de vingança, o que é repetidamente expresso ao longo da trilogia quando os futuros homicidas se debatem consigo próprios, ainda antes de perpetuarem os inevitáveis(?) crimes. Assim, a Díkê invocada por estes vingadores é o que designa a urgência que têm em “fazer o que deve ser feito”: mesmo questionando o ato em si, dados os laços que as personagens têm umas com as outras, este é o dever que têm para cumprir, sendo simultaneamente a ação correta e a necessária, não caindo propriamente no escopo da vontade do vingador53. Seria asRichard Posner, Law and Literature, 75-86. Atente-se, contudo, que os motivos do crime de Clitemnestra podem ser também outros, ficando sugerido que esta poderia querer vingar a ausência do marido pela abstenção sexual imposta e ainda para se impor como o elemento dominante na sua casa, como é induzido pela descrição da morte de Agamémnon – que é facilmente associável ao prazer sexual –, à própria união extramatrimonial 52

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sim difícil distinguir aqui entre a sensação de coerção e um sentido de dever moral: Ésquilo retrataria enfim o sentimento de discórdia (eris), dado que a vingança não é um simples evento inevitável, mas um compromisso inerente à própria condição humana. Daí tal dever acompanhar as diversas gerações, entrando-se num círculo aparentemente interminável e inexorável. O Direito apareceria então como o meio de canalizar e conter a violência, não obstante a sua evidente improbabilidade de sucesso, face às densas raízes desta cadeia de conflitos. É aqui que o surgimento do Coro de juízes-jurados humanos irá permitir que se determine “o” significado do(s) evento(s) ocorrido(s), impondo-se um consenso (com a violência que carreia a exclusão de outros significados possíveis) que permitirá a vida em comum, ao surgir a partilha de significados.54 Ficará destarte firmado o significado de uma nova noção de Justiça. 3.5.2. A nova Justiça: o modelo (proto)jurídico

O novo modelo de Díkê apresenta assim diferenças substanciais face ao anterior, refletido naturalmente no seu modo de expressão e operação. Richard Posner advoga em comparação, por exemplo, que o julgamento na Grécia Antiga tem um molde muito mais anglo-americano do que romano-continental, assentando mais numa dramática peleja privada do que num inquérito oficial. Afirma todavia que mesmo que o julgamento tenha uma estrutura dramática, “o espírito da lei” não o é, dado que o “fim” desta é o de mediar o conflito, mormente resolvendo-o e raramente o agravando; e que a maioria das leis revelam compromissos e a grande maioria das com Egisto e ainda com a descrição genericamente masculinizada desta personagem feminina. 54 Kevin Crotty, Law’s Interior, 42-56; também neste sentido Christoph Menke, Law and Violence, 3-4. Cogitamos que Kevin Crotty se aproxima neste ponto de James Boyd White, pois é esta comunhão (consensual?) de significados que permitiria o surgimento de uma comunidade interpretativa e o assento necessário para a vida em comum.

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disputas legais são resolvidas fora do tribunal, sendo que os juízes tentam dirimir as tensões sociais. Deste modo, as semelhanças entre a Tragédia e um julgamento serão superficiais, levando a que quaisquer empréstimos por aquela deste último se tornem metafóricos.55 Por seu lado, Paul Gewirtz foca-se nas duas grandes inovações que concluem as Euménides. Para o académico estadunidense, o tribunal constituído por Atena é público e político, onde se impõe um terceiro (um juiz) face às partes com poder de decisão, tudo operando através de um processo controlado que envolve a audição dos elementos em pleito, a ponderação de um júri e a discussão racionalizada, deduzindo-se argumentos de princípios abstratos de Justiça, princípios esses que são debatidos; assim se supera uma ordem de matriz privada e familiar, onde só os membros envolvidos tomam ação, o que desencadeia a violência incontrolada, cuja invocação de Justiça é uma mera explanação dos atos de vingança. O processo judicial aspira pois à resolução de um conflito, em direta oposição com o sistema deposto, que não obstante ser regido por regras, está subordinado a um ciclo de violência sem fim – é com a lei que surgiria a possibilidade de se colocar um fim, tanto aos casos individuais como às disputas sistémicas. Quanto ao (vantajoso) papel das Eríneas, estas assumir-se-iam no final da Oresteia como veras parceiras da lei, reforçando o respeito pelo sistema legal, ressurgindo como um seu espírito impulsionador. É aqui que radicaria a grande reivindicação de Ésquilo: a lei e a paixão seriam inseparáveis, aquela não transcenderia esta, antes aí estaria enraizada. É por isso que a convolação das Eríneas em Euménides não alteraria as suas energias primitivas, mas apenas as canalizaria para a operacionalidade da lei. Esta transformação faz realçar, contudo, que a lei se torna um instrumento da violência e não o seu substituto, ficando clara a conexão da nova ordem legal com os seus fundamentos no terror e na violência. As Eríneas-Euménides trariam não só o temor, que potencia a ordem, mas também dor, a qual contribui para a sabedoria, atributo essencial para 55

Richard Posner, Law and Literature, 33-34.

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quem tem a função de julgar.56 Nesta sequência, importa atentar doravante em Kevin Crotty, que afirma ser a nova ordem instituída na sequência de uma suplicação, elemento assaz relevante pois é um elo com o modelo antigo, dado que a purificação do miasma é parte integrante dos tempos arcaicos: Orestes, enquanto neófito, suplicaria pela inauguração da lei57 de modo a obter uma decisão válida sobre o seu ato moralmente complexo. O que conduz àquela visão da lei proporcionadora de abrigo face à desorientação moral dos indivíduos, à profusão de significados que podem atribuir aos seus atos, assim assegurados por uma responsabilidade já determinada e significados previamente assentes. É esta segurança que permitirá à sociedade operar como um sistema cooperativo, mas que por outro lado carreia um empobrecimento do indivíduo e da sua responsabilidade moral face à perspetiva trágica. Gewirtz, Aeschylus’ Law, 1045-1048. Uma leitura que também não é estranha aos cultores dos Estudos Clássicos. Por exemplo, em oposição à interpretação tradicional da Justiça em Zeus como narrada por Ésquilo na Oresteia (e.g. J. Peter Euben, Justice and the Oresteia, 28-29) – atribuindo ao deus a qualidade de justo e ao tragediógrafo um carácter pio, de ateniense devoto –, David Cohen advoga alternativamente que esta teodiceia esquiliana visa fundar uma ordem tirânica assente na força e no medo. De facto, é através da continuidade ao longo da trilogia da Justiça de Zeus que tudo é legitimado e imbuído de uma aura de determinabilidade irrefutável, inclusive o suborno das Eríneas por Atena, que assim garante que o temor e a força que lhes são característicos estejam ao serviço da nova ordem. Deste modo, fica (re-)instituída a justiça dos mais fortes. Cf. David Cohen, The Theodicy of Aeschylus: Justice and Tyranny in the Oresteia, pp. 129-140. É de atentar que as Eríneas-Euménides – para além de uma faceta laminar, repetidamente colocadas num interstício espácio-temporal – têm uma estrutura trágica intrinsecamente etiológica, pois é já expectável para o público que durante a dramatização elas se convolem de seres que induzem a loucura em outros que inspiram medo, desde logo pelo facto de só ganharem corpo na última peça, dado que nas Coéforas só estão presentes através das alucinações de Orestes. Cf. Pat Easterling, Theatrical Furies: Thoughts on Eumenides, 221-223; Martin Rivermann, Aeschylus’ Eumenides, Chronotopes, and the Aetiological Mode, 243. 57 É de relevar o papel de suplicante em Orestes: é por ele – e através daquela purificação – que se demarca dos outros mortais e em particular dos outros assassinos da trilogia, conferindo-lhe legitimidade para recorrer ao tribunal e obter absolvição, restaurando o seu lugar na casa dos Atridas. Cf. C. W. MacLeod, Politics and the Oresteia, 140. 56

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A lei surgiria então como uma resposta à suplicação de Orestes, estando descrito o alívio que lhe é trazido por Atena e Apolo. Esta origem levaria a tomar a lei como uma forma de deus ex machina, dado que a conclusão da Oresteia é mais ou menos imposta externamente, relegando os meios puramente humanos que até então haviam sido utilizados. A lei constituiria destarte o cumprimento do desejo enunciado por Orestes, o qual à primeira vista poderia parecer inatingível, o mesmo se podendo dizer da inovação revolucionária que as decisões legais representam, ao poderem colocar um fim a conflitos outrora intermináveis. A decisão dada é considerada final porque derivaria de um júri formado com tal fito, sendo assim atribuída àquela uma validade que advém de padrões de justeza visíveis por todos. Ergo, a nova Justiça englobaria uma dimensão procedimental, levando a que haja um desprendimento do caso em julgamento dos eventos trágicos que lhe deram origem, como que uma semi-autonomização juridicamente ficcionada. A transformação da Justiça presente no Agamémnon e nas Coéforas pareceria ser assim uma mudança de um conflito para uma competição, de eris para agôn, de uma contenda sem limites para um formato pré-estabelecido de disputa. Não é que a decisão do júri necessite ser substancialmente satisfatória, mas antes meramente válida, derivada do consenso surgido pelo voto da maioria, um princípio neutro. Modelo que valeria também para a nova ordem erigida da pólis, o que é ilustrado com a incorporação das Eríneas através da persuasão.58 Outra importante leitura de Kevin Crotty a relevar seria a exemplar redução ética de Orestes, já aludida: este deixaria de ser um herói trágico e tornar-se-ia como que num agente legal, um sujeito determinado de acordo com os ditames da lei. O filho de Agamémnon e Clitemnestra passaria assim de um estado trágico, vulnerável à loucura provocada pelas Eríneas e ao remorso pelo matricídio, a um “homo legalis” cuja culpa é determinada pela ordem pública. Nas Euménides, Ésquilo como que exorcizaria a própria Tragédia, dado que a simplificação das personagens é o que tornará os confli58

Kevin Crotty, Law’s Interior, 57-60.

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tos passíveis de resolução, não obstante à custa de um certo esvaziamento da pessoa. Este estreitamento da vida ética derivará da prioridade que a lei atribui aos deveres, dissolvendo consequentemente os conflitos ao determinar a precedência e a hierarquia de um dever sobre outro (neste caso o dever de vingar o pai sobrepor-se-ia ao dever de fidelidade para com a mãe). O autor estadunidense releva por fim o facto de que com a lei se criaria uma fronteira entre a violência “boa” e a “má”, sendo a primeira aquela que permite conter o comportamento das pessoas, permitindo que a sociedade funcione. A coercibilidade é assim um meio autoritário de simplificação da deliberação ética e dos conflitos trágicos, dado que a escolha da ação a seguir fica onerada, levando a que a lei possa ser vista como uma instituição veramente anti-trágica. Esta redução ética é intencionada pela lei, recorrendo à força e ao temor que esta inspira para garantir que os sujeitos não caiam no vórtice das emoções, como aquele que condenou a casa dos Atridas. Deste modo, a Oresteia ilustraria uma certa superficialidade da lei: por muito que esta permita aos cidadãos evitar as intempéries do modelo arcaico, erigindo limites que afastam as complexidades morais, tais fronteiras podem apenas ser provisórias – é que a complexidade do Mundo estará sempre sob pressão com tais muros, o que requer que estes sejam continuamente construídos59. 6. Principiando a separação: a Tragédia enquanto paideia politizante Expostas tantas leituras (proto)jurídicas marcantes do Movimento Direito e Literatura, é chegado o momento de apartar as águas e de atentar nas particularidades originais da peça em análise, começando a trazer à evidência as aludidas moderações devidas aos estudos interdisciplinares. Defeito marcante das abordagens apresentadas – e comum a tantas outras no seio daquele Movimento – é o de tratar linearmente as obras literárias, sem atender às suas especifici59

Kevin Crotty, Law’s Interior, 64-68.

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dades ou, desde logo, ao género em que se inserem. Principiemos pois por adequadamente analisar nesta secção as particularidades da Tragédia. Como elucida Peter Euben, urge relevar que o género trágico ocupa um lugar fundamental na Atenas do séc. V a.C., tendo uma função cívico-pedagógica que é difícil ser hoje imaginada. Em gritante contraste com a abolia política generalizada dos tempos correntes, para os atenienses desta época tal apatia seria desde logo uma contradição nos próprios termos: associando a participação na esfera pública à vida humana (não tendo portanto lugar a dissociação liberal entre a vida pública e a privada), quem quer que optasse por não participar naquela esfera seria por consequência considerado menos vivo e menos humano. Estando a Tragédia umbilicalmente ligada à vida pública, uma posição favorável à apatia política seria considerada um ataque à própria Tragédia: visavam-se politai, não idiotai – os cidadãos efetivamente ativos na pólis, não os virados para o interesse privado.60 Ademais, nesta época a separação entre Moral e Política ainda não se encontrava claramente delineada, o que revela quão errónea será a leitura da trilogia esquiliana à luz das distinções hoje vigentes, urgindo ter presentes os inerentes postulados de compreensão. Pelo que ao falar de “Política” há que fazê-lo num sentido lato, enquanto preocupação com os sujeitos como parte integrante da comunidade.61 Delfim F. Leão, A Globalização no Mundo Antigo – do polites ao kosmopolites, 85-88. 61 Espelho desta unidade é a celebração do dia de Choes, festividade pública ateniense que retratava a etiologia de Orestes e o miasma que o matricídio trazia perante a comunidade, alterando-se radicalmente as festividades enológicas de modo a que toda a população repudiasse tal poluição. A conceção de vingança e fúria derivada de um crime particular não pode ser isolada da hybris que cobre toda a comunidade, uma marca que tem pois que ser coletivamente purificada. Os atenienses tinham também rituais públicos no início e no final de cada ano precisamente para levar a cabo tal cura, implicando a assunção da responsabilidade comunal pela violência cometida e portanto também a punição conjunta, só podendo o novo ano principiar após estas assunções e respetivas purificações. A discórdia entre os cidadãos perturbava obviamente o relacionamento pacífico na pólis, pelo que aplacar tais raivas através de punições era também um meio de 60

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Ainda de acordo com aquele classicista, foi sob a bandeira do tirano Pisístrato que a cidade-estado ateniense assumiu o seu lugar como capital cultural da Hélade, promovendo leituras dramatizadas de Homero e criando um festival de teatro – as Grandes Dionísias – no qual os cidadãos-dramaturgos competiam por honrarias e prémios do mesmo modo que os heróis homéricos o haviam feito no campo de batalha, sendo este o espírito subjacente à obra esquiliana. A Tragédia tornou-se destarte uma instituição política tão assinalável quanto os tribunais ou as assembleias, visto ser representada em público, provavelmente com os próprios cidadãos como atores, e aquilatada por uma audiência já educada para essa específica ação de julgar as performances. Falar de teatrocracia é assim atentar que a Tragédia consistia num tipo de discurso público que visava inculcar na audiência as virtudes cívicas e estimular a sua capacidade de julgar com razoabilidade, levando a que o tragediógrafo relevasse enquanto educador político. O teatro operava como uma “paideia politizante” que promovia a responsabilidade para com a pólis e permitia a identificação dos cidadãos com as suas tradições ancestrais, era uma performance que fazia parte da democracia em ação, o que assume especial relevo numa época em que Atenas passava por profundas transformações ao nível das suas políticas interna e externa. Ésquilo criou assim um quadro de inteligibilidade que equilibrava a proximidade dos eventos do seu tempo e da fundação ancestral ateniense com a distância do cenário de uma Argos mítica e de heróis lendários, promovendo um contexto de compreensão sapientemente recuado e um horizonte de reflexão do Presente mais alargado do que aquele que os próprios agentes políticos dispunham, dramatizando a complexidade da ligação entre as emoções e o intelecto de modo a obter responsividade pela audiência. Como nota Delfim Leão, o enquadramento proto-histórico e mitológico – nomeadamente a partir da Odisseia – está já bem estabelecido antes de 458 a.C., ano de estreia restaurar a ordem pública e manter estáveis as estruturas de Poder. Cf. Danielle Allen, Greek Tragedy and Law, 376-386.

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da Oresteia, o que acentua a originalidade de Ésquilo ao fundir a narrativa mitológica com os eventos reais da Atenas na qual viveu.62 A dramatização das tragédias gregas era então um meio de lidar com as tensões dentro da cidade – idem est, com os conflitos de classe –, contribuindo para uma acalmia social que permitisse a resolução ritualística de tais tensões. O conflito da Oresteia na oposição das duas ordens divinas é assim uma duplicação-derivação da pólis nesse plano, levando a que a transformação de consciência dos espectadores esteja umbilicalmente ligada à emergência das novas instituições políticas. O que é primevamente tratado como relações pessoais e familiares fica convolado em relações cívicas, daí que a discórdia civil possa ser tratada numa mistura de legalismo e mitologia, de notória índole conciliatória, transmitindo a ideia de que as cisões dentro da cidade são transcendidas pela unidade da mesma63. Tenhamos em conta que em 458 a.C. Atenas entrava no período do Alto Classicismo, com a pólis erigida sobre os módulos da organização social tribal, sendo que o mito arcaico do herói poderia pôr em causa os novos valores da cidade fundada, se não fosse devidamente incorporado na nova ordem.64 A própria Oresteia é adequadamente rica em referências às ocorrências políticas da época, relevando o reforço democrático perante a aristocracia arcaica. Por exemplo, a política externa ateniense tinha-se recentemente afastado de Esparta, através de um tratado com Argos (a Aliança Argiva, de 462/1 a.C.), evento a que Ésquilo certamente se reporta no final da trilogia, com a promessa feita por Orestes de amizade eterna entre as duas cidades, invertendo os horrores do passado. Mais importante ainda, o estabelecimento do Areópago (462 a.C.) como um tribuJ. Peter Euben, Justice and the Oresteia, 22-24, 33; Franz Stoessel, Aeschylus as a Political Thinker, 113-114; C. W. MacLeod, Politics and the Oresteia, 129132; Simon Goldhill, Civic Ideology and the Problem of Difference: the Politics of Aeschylean Tragedy, Once Again, pp. 34-35, 41-42; Danielle Allen, Greek Tragedy and Law, 393; Delfim F. Leão, The Legal Horizon of the Oresteia: The Crime of Homicide and the Founding of the Areopagus, 39-40; Idem, A Globalização no Mundo Antigo – do polites ao kosmopolites, 66-69. �� Kenneth Burke, Form and Persecution in the Oresteia, 391-394. 64 Kevin Crotty, Law’s Interior, 19. ��

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nal que julgaria os casos de homicídio, nas Euménides, é uma referência notória à reforma democrática de Efialtes, que havia despido esta instância da sua potestade aristocrática, reduzindo-a somente àquela função jurisdicional. Perante uma forma de Arte deveras adequada à expressão do pensamento filosófico-político e a lidar com as questões prementes do seu foro político contemporâneo, Ésquilo – presumível mas não necessariamente apoiando a fação democrata – indubitavelmente participou nas discussões públicas do seu tempo65. Reforcemos ainda que não se deve olvidar a união das esferas pessoal e pública no pensamento helénico, pelo que tomar o homicídio como um crime privado e uma revolução social como um evento da esfera político-pública é uma dissociação estranha à teoria política da Hélade. Nos sécs. V e IV a. C. a conceção e a prática da Política eram mormente feitas como se de um sistema de rivalidade entre indivíduos se tratasse, uma espécie de escada competitiva a nível de carreiras políticas. Uma das vias de acesso ao poder político decorria através dos tribunais, e a derrota de um opositor na assembleia era feita perante um júri. Pelo que não se pode rigorosamente dissociar o homicídio e a stasis: a autoridade que pune aquele crime representa o primeiro estágio na passagem para a vida em comunidade, e é na preservação dessa autoridade que assenta a existência da comunidade, em derradeira análise, tanto que os gregos falam frequentemente de ciúme, assassínio e stasis num mesmo contexto.66 Daí que o Areópago, figurando como um tribunal para os crimes de homicídio, tenha precisamente a função-maior de operar enquanto guardião da comunidade como um todo. Se a Aliança Argiva protege Atenas em caso de guerra, a constituição do tribunal assegura Franz Stoessel, Aeschylus as a Political Thinker, 133-139; C. W. MacLeod, Politics and the Oresteia, 124-131; Kevin Crotty, Law’s Interior, 40; François Ost, Raconter la Loi – Aux sources de l’imaginaire juridique, 85; Danielle Allen, Greek Tragedy and Law, 375; Huber Rottleuthner, Foundations of Law, 38-39; Delfim F. Leão, The Legal Horizon of the Oresteia: The Crime of Homicide and the Founding of the Areopagus, 47-48, 55. 66 J. K. Dover, The Political Aspects of Aeschylus’ Eumenides, 234. 65

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a sua ordem interna face aos crimes de sangue: a cidade está duplamente protegida, unindo a harmonia interna à segurança perante terceiros67. Por último, há que fazer notar que as tragédias não foram escritas para serem lidas intemporalmente, mas para serem representadas num particular momento, importando pois todo o descrito circunstancialismo que envolvia a dramatização. O elemento temporal, o kairós da performance, não é em nada despiciendo e deve acompanhar sempre qualquer reflexão jurídica nesta área, assim como a ideia de envolvimento dos politai. 7. Reflexão crítica: Direito e Literatura como ferrugem de trigo

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Adensando esta separação do trigo do joio, podemos pois advogar que a apropriação jurídica da Tragédia clássica vale somente no campo metafórico e na distância ganha para uma discussão mais abrangente ou principiológica, desprendida dos eventos de facto ocorridos; qualquer adaptação anistórica ou instrumentalizadora abre de imediato o flanco às devidas e esperadas críticas. O que o somatório das leituras apresentadas nos parece consequentemente espelhar, com ou sem vontade dos seus autores, é que a autonomia do Direito fica reforçada face àquelas apropriações. Se umas se revelaram profícuas para ilustrar determinados problemas do pensamento jurídico – Paul Gewirtz, Timothy Sandefur, Christoph Menke, Kevin Crotty –, outras mostraram-se demasiado simplificadas, sendo convocações pouco convincentes – James Boyd White, Richard Posner, François Ost –, ao imputarem a uma obra leituras anacrónicas e juridificantes desfasadas dos postulados de compreensão originais, numa adaptação de acordo com uma subversiva intentio lectoris, subordinando o texto às teorizações prévias daqueles autores, dando fundamento às suspeitas de Jane 67

C. W. MacLeod, Politics and the Oresteia, 129.

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Baron sobre este Movimento68. Deparamo-nos desde logo com a perspetiva errada de tomar aquela obra como o prius do modelo jurídico. Por um lado pelo argumento cronológico: enquanto o séc. V a. C. via nascer em Atenas uma ordenação de núcleo democrático e a fundação de um novo sistema judicial, o berço latino trazia à existência e era regido pela Lei das XII Tábuas, marco do Direito Romano arcaico, em que ius e fas se confundiam na sua matriz religiosa.69 Nesta senda, atentemos no facto de Martin Rivermann relevar que nas Euménides se recorre com peculiar proeminência ao termo thesmos ao invés de nomos (391, 484, 490 f., 571, 615), sendo que o primeiro vocábulo tem uma distinta conotação com a santidade e a antiguidade, diferença que seria facilmente percetível para a audiência70 e que reforça a dissociação aqui advogada. Recorde-se que o termo arcaico thesmos denota a decisão ou o decreto de uma pessoa singular, tendo uma conotação autoritária; já nomos está relacionado com a aceitação e validação de uma lei por aqueles que se sujeitam a viver sob a mesma71. Por outro lado, pesa o argumento subjacente ao originarium jurídico, dado que as particularidades que fundam o Direito como Direito ainda não se encontram reunidas numa altura e num lugar em que a Política está fundida com a Moral e em que a Filosofia do Direito ainda se não dissociou sequer da Filosofia Política. A Oresteia trata claramente de Justiça, não de Direito, e tem esta conexionada com o modelo social ateniense, sendo portanto uma questão de organização da pólis e da sua regência pelas novas leis e sequente coercibilidade revalidada72, discussão essa que é a marca Jane Baron, Law, Literature, and the Problems of Interdisciplinarity, 1071-1073. A. Santos Justo, Breviário de Direito Privado Romano, 14. 70 Martin Rivermann, Aeschylus’ Eumenides, Chronotopes, and the Aetiological Mode, 248. 71 Danielle Allen, Greek Tragedy and Law, 389-390. 72 Atestando este seu valor fundacional, tomemos como mui significativo exemplo a dramatização da Oresteia nos Jogos Olímpicos de Berlim (1936), na produção de Lothar Müthel, que foi feita com o intuito explícito de expor à alta 68 69

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de água do Direito Grego, como acentuam os seus especialistas73. A performance da Oresteia visa testar a responsividade da audiência de politai às reformas pelas quais passa Atenas, sendo esses mesmos espetadores os sujeitos que irão desempenhar as muitas funções decorrentes de tal transformação. Esmiuçando ainda a clivagem entre as duas margens de um rio comum, sabemos pacífica a dissociação entre a Filosofia Política, (socraticamente) mais helénica, e o Direito, romano ab origine. Foi este último povo que – com inspiração nos gregos – constituiu de modo autónomo o Direito como scientia ou episteme, através do processo histórico do ius redigere in artem (pelo qual o Direito se convola numa ars, uma arte própria, em sentido técnico) – podendo também aqui cogitar-se o Isolierung (o isolamento germânico correspondente à autonomia derivada da separação de outras funções) postulado por Schultz, notando ser a sua uma compreensão normativista do Direito –, sendo certo que uma das razões que subjazem à autonomização romana do mundo do Direito foi a excessiva imiscuição da Política na prossecução da Justiça. Não obstante, e repescando a nossa metáfora, a Filosofia do Direito navega ainda no caudal que toca a margem romana, precedendo-a e estando pois cientificamente livre da sua tutela, pois ela é “filosofia da normatividade em toda a sua dimensão.”74 Sendo sempre de acentuar aqui que a autonomização propugnada surge por via da phrónêsis, distinta pois daquele isolamento no campo epistemológico. Importa assim relevar a imagética simbólico-antropomórfica aqui presente, deveras reveladora dos eixos de compreensão subjacentes ao pensamento jurídico grego, os quais importa ter em mente face à sua distinção dos postulados do pensamento jurídico romano. Destarte, e apud Santos Justo, sabemos caracterizar a deusa Díkê, que tem os olhos claramente abertos (simbolizando a 38

dignitária audiência internacional a reivindicação de que a Alemanha Nazi seria a sucessora da Grécia Antiga. Cf. Erika Fischer-Lichte, Resurrecting Ancient Greece in Nazi Germany – the Oresteia as Part of the Olympic Games in 1936. 73 Josiah Ober, Law and Political Theory, 394. 74 Paulo Ferreira da Cunha, Reler o direito clássico, 157-159.

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sapientia, virada para um Direito especulativo, abstrato, voltado para a Verdade), uma espada na mão direita (exprimindo a urgência de executar o Direito, o ius-dicare) e na mão esquerda uma balança de dois pratos, sem fiel (expressando o entendimento “democrático” e pitagórico-aristotélico que reduz o Direito a uma questão de igualdade na administração da Justiça). Diferentemente, a deusa Iustitia tem (supostamente) os olhos vendados (representando a prudentia, reforçada pelo sentido do ouvido, que indica a valoração prática, concreta), não empunha qualquer espada (pois é mais importante o ius-dicere do que a sua execução, e daí o peso da iurisprudentia) e segura uma balança com fiel, tendo os dois pratos ao mesmo nível (traduzindo uma conceção aristocrática de Direito, o fiel simbolizando o pretor que declara o Direito e o iudex que julga, pois este é um problema de equilíbrio entre interesses opostos)75. São, claramente, duas figuras assaz distintas. Por outro lado, a proximidade formal entre o modelo protojurídico helénico e o anglo-saxónico, como avançado por Posner, não tem também razão de ser, pelas mesmas razões que o paralelismo com o modelo romano-germânico não o tem.76 Ademais, é de atentar que os membros dos tribunais populares atenienses julgavam não só de acordo com as leis, mas também segundo a sua consciência ou a opinião que tivessem por mais justa, inclusive de modo a corrigir a lei caso esta não se revelasse o espelho da equidade ou da Justiça enquanto equação ou igualdade77, de acordo com a conceção pitagórico-aristotélica. O que desta arte reforça a A. Santos Justo, Nótulas de História do Pensamento Jurídico (História do Direito), 13, 19; Josiah Ober, Law and Political Theory, 396; Paulo Ferreira da Cunha, Reler o direito clássico, 159-162. Para uma leitura das raízes mitológico-jurídicas – Themis, Dikê, nomos, Moira – remetemos para Costas Douzinas - Ronnie Warrington, Justice miscarried – Ethics and aesthetics in law, 68-75. 76 Não sendo este o momento adequado para versarmos sobre o Direito Grego, mas meramente de modo a reforçar a sua especificidade, remetemos para Michael Gagarin, Early Greek Law, 92-93; e Idem, The Unity of Greek Law, 37, onde está clara a importância da lei escrita para o foro ateniense. 77 A. Santos Justo, Nótulas de História do Pensamento Jurídico (História do Direito), 13-14; vide ainda Michael Gagarin, Early Greek Law, 34-35. 75

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pluralidade original e arcaica de referentes extrajurídicos. No que à fundação violenta da Lei diz respeito, importa aludir telegraficamente a Walter Benjamin e Jacques Derrida, cujos densos ensaios originaram bastas e floridas discussões. Na senda do esquematizado pelo intelectual judeu alemão, e seguido pelo filósofo francês, a crítica da violência assenta na exposição da sua relação com a Lei e o Direito, sendo que a Justiça representa o critério para os fins e o Direito o critério para os meios, sintetizando-se numa dicotomia que opõe a violência que funda o Direito (atinente a uma Justiça natural) àquela que o conserva (relativa a uma Justiça legal).78 Perante estas ferramentas de análise, cogitamos que a passagem na Oresteia de uma ordem arcaica a outra mais olimpicamente civilizada não decorre propriamente nos termos da violência fundadora como enunciada por estes autores, não havendo nenhuma revolução social, até porque as Eríneas – que seriam o potencial alvo da aludida violência – são integradas na nova ordem mantendo a sua potestade. Não é que haja aqui propriamente uma estratégia de “Leopardo”, mudando apenas alguns elementos para que tudo fique na mesma, dado que a Oresteia retrata reformas estruturais da pólis, espelhando as transformações sociais que se operavam na sociedade ateniense real. A convolação das Eríneas em Euménides visa refletir mitologicamente a ideia de que a sociedade deve ser madura o suficiente para incluir todos os seus membros, de acordo com a ideia inovadora de (re)integração e da sua exequibilidade através da peitho, doravante um discurso lógico assente na força do convencimento através de argumentos. Contudo, podemos assumir que as Eríneas representam a violência que irá conservar a nova ordem fundada – está-lhes nitidamente atribuída tal função, ademais –, dado que não deixam de refletir a integração da potestas que garante as relações de domínio social, sempre mobilizável em último recurso. Tecidos os argumentos dissociativos, e adensando esta leitura Ratione materiae remetemos para Walter Benjamin, Zur Kritik der Gewalt, 277-280, 287; e Jacques Derrida, Force of Law: The “Mystical Foundation of Authority”, 1015-1017. ��

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acentuadora da autonomia do Direito, temos que a dramatização da Oresteia pode também ilustrar a abertura daquele à responsividade social e à passagem do Tempo, nomeadamente se olharmos para o Direito como um projeto com uma identidade própria. Cogitamos que, apud Giorgio Agamben, a Arte é em si própria constitutivamente política, dado que, ao visar os sentidos e os gestos habituais do Homem, os abre para um novo uso possível, aproximando-se e confundindo-se inclusive com a Política e a Filosofia.79 Precisamente na linha do que se passava na Antiga Grécia com a Tragédia e na mitopoesis das Euménides, dado que os politai hodiernos continuam a espelhar a sua receção à mudança do sistema de Direito. Advogamos que há uma ideia de progressão aberta, continuamente validada, presente em sistematizações e quadros de referentes tão distintos – e inconciliáveis – como a «Teoria Pura do Direito» e sua Grundnorm (Hans Kelsen) ou como o «projeto social global» (Orlando de Carvalho), na tradição da Interessenjurisprudenz. Vale a pena retomar aqui a abordagem de Kevin Crotty, que apontava para a instabilidade inerente à legitimação da lei, a qual devia ser assumida pela teorização do Direito. Como de certa forma retratado pelo tragediógrafo de Elêusis, deparamonos com um certo progresso paradoxal, pois é à custa de uma visão eticamente redutora dos sujeitos que se obtém uma maior clareza ficcional e operacional. Esta simplificação inerente leva a que se cometa necessariamente um certo tipo de violência sobre a complexidade moral dos sujeitos jurídicos, não podendo assim a Ordem Jurídica assumir uma legitimidade absoluta. Deste modo, ao invés de encontrarmos as fronteiras da legitimidade do Direito bem definidas, deparamo-nos com um movimento pendular perpétuo entre aquela dimensão ética e a redução da vida em comum a um conjunto operacional de normas jurídicas, uma prática que busca incessantemente tornar-se mais justa e menos injustificadamente coercível. Este movimento é no fundo o seu catalisador: os valores que legitimam o sistema de Direito são ideais concebidos dentro de 79

Giorgio Agamben, Arte, Inoperatividade, Política, 49.

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um certo momento histórico, pelo que a evolução daqueles impele o Direito a constantemente os acompanhar de modo a estar legitimado. Fica, pois, compreensivelmente condenado à instabilidade, dado que os limites erigidos serão continuamente contestados.80 É a perpétua abertura à mudança. E tal ideia de progressão está efetivamente assumida na Oresteia, sendo que cogitamos que o apelo feito aos cidadãos-politai para expressarem a sua consciência comum (de classes) é indissociável daquele movimento pendular. Se tal responsividade é testada através da própria dramatização da Tragédia, no que respeita ao mito nas Euménides está personificada na figura dos Areopagitas, o Coro de cidadãos que é convocado para ajuizar sobre a transformação do modelo societário. Apoiando-nos no pensamento de Martha Nussbaum e defendendo os benefícios da imaginação literária para a reflexão jurídica, cogitamos que este Coro opera como um semi-espectador judicioso (David Hume e Adam Smith) na Oresteia. É sabido como o filósofo e economista escocês defendeu que a responsividade emocional do espectador-cidadão era importante para a adequada regulação da ordem pública, orientação moral que a Literatura proporciona, daí que por sua vez a intelectual norteamericana advogue que este «espectador judicioso» seja destarte um ótimo modelo de jurado, dada a especial sensibilidade para detetar as hierarquias de classe, género e racial, derivada da identificação empática e da distância crítica externa, enquanto terceiro81. A diferença, note-se, é que este “nosso” espetador é também parte ativa na pólis que habita, inclusive manifestando tais sensibilidades vindo a realizá-las a posteriori. Tal visão da Justiça e do Direito como um projeto em contínua legitimação, apoiado na responsividade dos cidadãos, carreia ecos da ideia do referido «projeto social global» postulada por Orlando de 42 Kevin Crotty, Law’s Interior, 68-69. Martha Nussbaum, Poetic Justice: the literary imagination and public life, 72-77; Idem, Emotion in the Language of Judging, 26-28. 80

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Carvalho82 (dissociado da ideia de uma estrita autonomia do Direito assente no seu específico Sentido e entendimento como validade normativa83). Advogamos haver na Oresteia um exemplo literário de excelência, uma mitopoesis que ilustra esta conceção de projeto, assim se compreendendo a necessidade perpétua de o Direito se ir legitimando ao longo dos tempos e as inerentes violências que comporta. É de atentar contudo nas distintas conceções de «projeto» aqui mobilizadas: se a de Kevin Crotty se dirige à singularidade dos indivíduos, a de Orlando de Carvalho tem o coletivo como destinatário. Duas visões de «projeto», com distintos postulados de compreensão, que no entanto não deixam de tornar patente Mui sucintamente, recordemos a teorização do eminente Professor de Coimbra, que tomava o projeto social global como um paradigma interpretativo, um “critério da justeza ou não justeza dos resultados que a interpretação logra atingir”, assumindo este paradigma enquanto resquício da subordinação do mundo jurídico a ideias ou fins prescritos heteronomamente, colocando a dúvida sobre o tradicional debate acerca da autonomia do Direito (Orlando de Carvalho, Para um novo paradigma interpretativo: o projecto social global, 1). O projeto corresponde ao modelo de convivência que a sociedade realiza ou quer ver realizado, modelo composto por um aglomerado de elementos – jurídicos, políticos, económicos, sociais, et caetera –, sendo que é através do Direito, e da sua coercibilidade, que tal projeto opera. O facto de ser global – excedendo assim os limites impostos pela juridicidade – e um projeto – em contínuo devir, sempre em revisão ou superação, nunca concluído – leva a que se lide com a sociedade como ela é e devém, numa dinâmica constitutiva. Tem assim o sentido de eidos, de archê, assumindo-se como o princípio conformador para um momento histórico determinado (ibidem, 8-9). Este projeto está inscrito num certo grau de consciência adquirida, constituindo esta como que a sua anima, sendo que no caso de o projeto se distanciar ou afrontar esta consciência do populus surgirão inevitavelmente conflitos e tensões. Estamos pois mormente perante uma ebulição polemizante, em face da procura de um equilíbrio entre um certo consenso de interesses e a harmonia que a civilização exige e busca, sendo que os projetos entram em falência quando tais limiares não são respeitados, designadamente com a imposição absoluta dos interesses dominantes – é que o projeto é a síntese dos subjecti e dos potentes, dos pulsares de toda a sociedade, daí que por vezes surjam projetos alternativos ou contraditórios (ibidem, 13-15). 83 E.g. A. Castanheira Neves, Pensar o Direito num Tempo de Perplexidade, 11-18, 25-28; Idem, Uma reconstituição do Sentido do Direito – na sua autonomia, nos seus limites, nas suas alternativas, 10-19. 82

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a abertura e identidade própria do Direito. A Justiça helénica é a que visa o meio-termo, a mesura da boa regulação da pólis, e esse é o sentido claramente expresso por Ésquilo. Dissociado, por consequência, da especificidade – e autonomia – da Iustitia romana, que opera por via do Ius e responde a uma archê própria, conferindose identidade ao Direito ao tomá-lo como projeto orientador de exigências, do constituendo. Assim se constrói a identidade do Direito face à Política e à Moral, para além das circunscrições históricoculturais destes dois campos. Em suma, é o conflito de modelos societários – de projetos globais, portanto – que a Oresteia expressa, dramatizando distintas noções de Díkê, numa metáfora para a alternância dos elementos dominantes e dominados. Ajuizamos pois que os benefícios da imaginação literária ou da projeção ficcional para a compreensão do Presente (jurídico) mantêm hoje validade análoga à de outrora, permitindo o termo de comparação entre diferentes realidades e operando entre os interstícios dos discursos de fundamentação e crítica do Direito. É que a realidade, por muito que seja mais rica do que a imaginação, não deixa de operar de acordo com esse devir projetado, com o aludido “sonho do Direito”. Daí não ser de estranhar, e como acutilantemente nota Huber Rottleuthner, que de certo modo o mito ainda se encontra preservado como fonte de legitimidade no mundo jurídico grego hodierno, tendo em conta que os seus Tribunais Supremos Civil e Penal se continuam a chamar Areios Pagos84.

44 Huber Rottleuthner, Foundations of Law, 40; vide e.g. (acedido em 21.07.2014). ��

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