“Sepulturas Armoriadas do Claustro do Convento de Nª Srª. dos Remédios - Évora”, Raízes e Memórias nº 32 (2014), revista da Associação Portuguesa de Genealogia (Lisboa), pp. 67-76

June 24, 2017 | Autor: Antonio Rei | Categoria: Heraldry, Nobility
Share Embed


Descrição do Produto

In Raízes e Memórias nº 32 (2014), Revista da Associação Portuguesa de Genealogia (Lisboa), pp. 67-76

SEPULTURAS ARMORIADAS DO CLAUSTRO DO CONVENTO DE Nª SRª DOS REMÉDIOS – ÉVORA – António Rei, Ph.D. Ins ti tuto de Es tudos Medi eva i s / FCSH-UNL e Ins ti tuto Português de Herá l di ca Bol s ei ro BPD / FCT a ntoni orei @fcs h.unl .pt

1 - Convento dos Remédios: Fundação e Fundador O edifício actual do Convento de Nossa Senhora dos Remédios foi começado a construir a partir de 1601 e foi sagrado pelo Arcebispo D. José de Melo, em 1614, o qual se tornou o primeiro padroeiro da Igreja do mesmo Convento, desde 1625.

Apesar de ilegítimo e de ter frequentado a Universidade de Coimbra com o nome de José Pimenta, possivelmente porque então ainda não tinha sido reconhecido por seu pai, as suas armas ostentam um esquartelado de Bragança, a varonia, em I e IV, e Melo, em II e III, encimadas por coronel e cruz a que se sobrepõem o chapéu eclesiástico e as borlas de arcebispo (v. infra). O facto de D. José de Melo, devido à sua condição ilegítima, ter sido colocado de lado pela sua família paterna, cujo chefe (o seu sobrinho também chamado D. Francisco de Melo, 3º Marquês de Ferreira) lhe negou sepultura no panteão dos Melos,

na Igreja de S. João Evangelista dos Lóios, fez com que acabasse por ter tomado como local de eterno repouso a própria Igreja de Nª Srª dos Remédios, de que era padroeiro1 . D. José de Melo deixou forte marca heráldica da sua passagem pela Arquidiocese de Évora, pois não apenas deixou as suas armas, em dupla representação, na fachada da Igreja do Convento dos Remédios, como as colocou a encimar o portal do antigo paço arquiepiscopal, edifício que hoje alberga o Museu de Évora.

2- O Convento dos Remédios como espaço de inumação (1612-1833) Apesar de algo incerta a data a partir da qual se sabe haver inumações na Igreja e no Claustro deste Convento, para além da do próprio Arcebispo em 1633, e da trasladação de seu irmão D. Constantino de Bragança, sua cunhada D. Brites de Castro e sua sobrinha D. Maria de Castro, em 1639, parece que só após 1665 terá existido um mais livre acesso aqueles espaços. A ter sido realmente assim, ter-se-ão dado várias trasladações, pois constatam-se datas de óbitos não apenas anteriores a 1665, mas mesmo até anteriores à do falecimento do próprio prelado, em 16332 . Como sucedeu em muitas Igrejas por todo o país, em função quer da dessacralização funerária das mesmas igrejas, quer de uma nova noção de salubridade, muitas sepulturas foram levantadas. No ato em causa, pedras que se quebraram e ou que não se apresentavam legíveis, foram liminarmente destruídas; ficando, por vezes,

1

Foi D. José de Melo (c.1555-1633) um filho ilegítimo do 2º Marquês de Ferreira, D. Francisco de Melo (c.1512-1588). Terá nascido em Évora, foi criado em Moura e estudou em Coimbra, onde foi condiscípulo de seu meio-irmão D. João de Bragança, também eclesiástico e que chegou a bispo de Viseu (sobre a origem familiar deste Arcebispo, v. António Francisco Barata, Esboços ChronologicoBiographicos dos Arcebispos da Igreja de Évora , Coimbra, Imprensa Litteraria, 1874, pp. 32-35; Túlio Espanca, «Cadernos de História e Arte Eborense, XXI – Duques de Cadaval», in A Cidade de Évora 4344 (1960-61), 2ª ed., septª, 120 pp. + 20 pp. Gravuras, Évora, 1999, pp. 24-30); e Chantre J. Alcântara Guerreiro, Galeria dos Prelados de Évora, Évora, 1971, pp. 59-60. 2 Túlio Espanca, “Alguns tumulados do convento de Nª Srª dos Remédios”, A Cidade de Évora 48-50 (1965-67), pp. 187-195.

apenas algumas esteticamente mais preservadas, aplicadas no chão, como marcas de um outro tempo e de uma outra forma de encarar a vida e a morte. Assim, e em função daquela expurgação que começou no século XIX, mas chegou também ao XX, no Convento de Nª Srª dos Remédios poucas pedras sepulcrais subsistem; mas, ainda assim, constata-se um pequeno núcleo de pedras armoriadas, que pretendemos analisar mais adiante. Existe, felizmente, um rol ou tombo de enterramentos que tiveram lugar naquele Convento, e que dá corpo ao códice CXXVI-2-213 que está na Biblioteca Pública de Évora. A partir do mesmo constata-se que terão chegado a haver, só na Igreja, um total de 56 sepulturas, mais meia centena entre o claustro e o adro. E se nos ativermos às datas extremas dos óbitos dos indivíduos inumados, o lapso temporal vai de 1612 a 1833. Ou seja 221 anos, que vão até pouco antes de terminar a Guerra Civil, a qual acabará por vir a propiciar, mais tarde a criação de cemitérios públicos e o fim dos enterramentos nas Igrejas e espaços adjacentes. As sepulturas armoriadas que subsistem estão todas num dos lados do claustro, o lado oeste, mais exactamente, e dispõem-se como se vê abaixo, sendo que apenas a nº 1 ocupa uma posição mais central, mais próxima do pátio central, enquanto todas as demais se situam ao longo da parede exterior norte do mesmo claustro. A disposição é como segue, e seguiremos na descrição a ordem numérica que lhe atribuímos.

3

Códice CXXVI-2-21: Memória das sepulturas deste Convento de Nossa Srª dos Remédios de Carmelitas Descalços de Évora e dos defuntos que nellas estão enterrados – 1742. O facto de arrolar em 1742 os até então sepultados, não impediu que até 1833 continuassem a ser registados os seguintes e sucessivos enterramentos.

3 - As sepulturas – identificações e leituras heráldicas 1- Sepultura de D. Jerónima de Almeida, mulher de Fernão de Goes de Lemos (1666). Escudo au balon, com um partido de Goes (I)4 e Almeida (II), composição feita a partir das eventuais varonias de ambos os esposos. Com elmo, paquife e virol, e timbre de Goes. O facto de apresentar brica, como diferença, faz pressupor a eventual concessão de uma Carta de Brasão de Armas. A inscrição já está muito desgastada, não permitindo a leitura. A identificação ficou a dever-se ao cruzamento da heráldica presente na pedra com a informação presente no ms. CCXXVI-2-21

2- Sepultura do Capitão Luís Perdigão Bocarro (1644), Capitão de cavalos do terço de Évora, e de sua mulher D. Isabel Pereira Soto. Escudo esquartelado de Perdigão (I e IV) e Pereira Soto (II e III). Com elmo, paquife e virol, e timbre de

Túlio Espanca diz que o marido se chamaria “Fernão Gomes de Lemos” (“Alguns tumulados do convento de Nª Srª dos Remédios”, p. 195, n. 13). Acontece que as armas não são de Gomes nem de Lemos, mas sim de Goes. Má leitura talvez influenciada também pelo facto de haver uma outra sepultura com armas de Lemos, mas sem perceber a diferença entre as 5 cadernas em sautor ou aspa nos Lemos; enquanto as cadernas em Goes estão em duas palas de 3, ou 3 faixas de 2. 4

Perdigão. O curioso deste conjunto são as armas assumidas de Pereira Soto, apresentando uma variante de Pereira, onde a cruz surge sobreposta a um escudete, e à qual foi amputado o braço à sinistra.

3- Sepultura de Sebastião Ribeiro de Faria (1673), Cavaleiro da Ordem de Cristo e fidalgo da casa dos Condes de Vimioso, de sua mulher D. Catarina Mascarenhas e de seus herdeiros. Escudo partido de Faria (I) e Ribeiro (II). Elmo, paquife e virol, e timbre de Faria. Ribeiro apresenta alguma diferenciação, quer no nº das palas (2-I e IV), quer no campo e nas faixas (2-II e III). Nesta sepultura a composição heráldica é feita a partir dos apelidos do marido com a exclusão da mulher, o que não acontece nos dois casos anteriores em que a composição integra nomes de família de ambos os cônjuges.

4- Sepultura de Francisco Ribeiro (?) (1612). Trata-se da mais antiga inumação no claustro, e, tudo leva a crer, que é o mais antigo óbito que acabou tendo

sepultura no Convento. O facto de só se conseguir reconhecer as armas, é que nos leva a colocar alguma dúvida sobre a identidade do indivíduo. O ms. CXXVI-2-21 fala de um Francisco Ribeiro, natural de Arraiolos, residente no Montinho da Cruz da Picada e falecido em 9 de fevereiro de 1612. Tratando-se de uma pedra de granito e não de mármore como as outras, também não facilitaria uma leitura, já de todo hoje impossível. A forma mais simples de representação, devido a um suporte menos propício e a um talvez menor apuro técnico, faz-nos colocar este trabalho no início do século XVII e de se trate efectivamente da sepultura daquele Francisco Ribeiro. Armas de Ribeiro, plenas, com elmo e paquife. Sendo o timbre de Ribeiro um Lírio, cremos que, por falta de espaço no suporte, o artista apenas terá esboçado duas folhas de lírio que se dividem a meio do elmo, e não pôde representar o virol.

5- Sepultura de Fernão de Lemos (1623), de sua mulher D. Luísa da Cunha e seus

herdeiros. Apresenta armas de Lemos, plenas, com elmo, paquife e virol. O timbre de Lemos costuma ser uma águia com uma caderna do campo no peito. Nesta pedra temos uma ave (não parece águia), e sem a caderna de crescentes no peito. Será, possivelmente, uma estratégia de diferenciação.

4- À laia de Conclusão Trata-se de um conjunto muito pequeno para se poderem extrair conclusões. Ainda assim temos o seguinte quadro: Plenas 1 Homem 1 (Ribeiro) 2 Homem e Mulher 3 Homem e Herdeiros 1 (Lemos) * apresenta brica. Possível CBA

Partidas

Esquarteladas

1 (Goes e Almeida) * 1 (Ribeiro e Faria)

1 (Perdigão e Pereira do Soto)

Os dois que referem herdeiros (Lemos / Ribeiro e Faria) parecem ter instituído algum tipo de vínculo, sendo mesmo um deles, o Ribeiro e Faria, Cavaleiro de Cristo, e fidalgo da Casa dos Condes de Vimioso. Os que referem o homem e a mulher (Goes e Almeida / Perdigão e Pereira do Soto) e compõem as armas entre ambos, têm uma particularidade: as mulheres sobrevivem, e se no primeiro caso, o do Capitão, é ele que já deixa a sepultura à mulher; no outro caso, foi a mulher que mandou fazer a sepultura para ela e para onde terá, eventualmente, feito trasladar as ossadas do marido. É o único conjunto heráldico neste claustro que apresenta brica, pressupondo a existência de uma prévia Carta de Brasão de

Armas. Apresenta um partido com a representação certa (homem na destra, e mulher na sinistra) e com o timbre do marido, como se tivesse sido o marido a mandar fazê-la; ou, talvez, tenha sido ele a pedir a Carta de Armas, e que a mesma só tenha chegado já após o seu falecimento. E que sua mulher fez perdurar na pedra sepulcral. A sepultura plena que terá sido apenas daquele Francisco Ribeiro, não nos adianta muito. O facto de a 4 (Ribeiro) estar logo abaixo da 3 (Ribeiro e Faria) faz-nos colocar a hipótese de que pudessem ter alguma afinidade familiar, direta (avô) ou colateral (tio-avô), estas em função das respectivas datações dos óbitos, respectivamente 1612 e 1673, embora nos inclinemos mais para a segunda hipótese.

4.1- Contextos e representações Enterramentos entre 1612 e 1673, acontecem ao longo de um período de quase um século, entre 1580 e 1668, em que há uma nova abertura para o assumir de armas. Entre 1580 e 1640, porque a corte é longe, em Madrid, e os mecanismos de controle, neste aspeto, se tornam lassos. E também porque a nobreza portuguesa nas suas “cortes na aldeia” vai ajudar a que tal ocorra: porque querem dar uma imagem de algum protagonismo, fausto e riqueza, com muitos funcionários e cortesãos, que se não fossem fidalgos, ao menos que fossem nobres. E para isso que assumissem armas. E após 1640 e até 1668, durante a Guerra da Restauração ou da Aclamação, há novas formas de procura de nobilitação, pelas armas ou em outros serviços de apoio ao esforço guerreiro contra Espanha. Basta comparar o Livro da Nobreza e Perfeição das Armas, da década de 30 do século XVI, que tem armas de 243 linhagens; com o Tesouro da Nobreza, da década de 70 do século XVII, com 496 armas de linhagens, e que estabelece assim um novo horizonte heráldico em Portugal, pós-guerra da Restauração, e onde mais nomes de família e respectivas armas passam a figurar nos Armoriais oficiais. Entendemos ainda que neste processo de assumir armas e de uma quase “auto – nobilitação”, há, pelo menos, dois aspectos e um meio para lhe garantir uma chancela que ninguém, então, quereria, ou mesmo ousaria, desafiar.

O meio é o eclesiástico, é o espaço sacralizado; os dois aspectos serão, preferencialmente, a instituição de um vínculo, com naturais deveres religiosos; e / ou, ao menos, uma sepultura armoriada. O facto de a sepultura se encontrar em espaço sagrado (aquele onde se concitam todas as esperanças para os devotos, e de onde se proferem todas as maldições para os réprobos), faz dela algo inviolável, e passa a garantir, ad aeternum, aos herdeiros, um direito consuetudinário de uso do conjunto simbólico que o seu antepassado colocou naquele espaço matricial porque final, e que passa a certificar uma linha de gente, uma linhagem. O epitáfio, testemunho in extremis, e o símbolo heráldico, tornam-se assim instrumentos fundadores da mesma linhagem. O fim da Guerra levou a uma novo contrôle dos mecanismos de nobilitação, mas algo se produziu durante aquele período que deixou marcas irreversíveis no tecido social da sociedade portuguesa de então. Lugares em Vereações, Ordenanças, Misericórdias, Universidade e lugares de Letras passaram a ser acessíveis a muitos cujos antepassados, em meados do século XVI, estariam muito longe de sequer imaginar.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.