Seria a capacidade cognitiva um suporte necessário e suficiente para justificar o Aconselhamento Filosófico?

June 13, 2017 | Autor: Edson Siquara | Categoria: Philosophical Counseling
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EDSON SIQUARA DE SOUZA Aconselhamento Filosófico

Seria a capacidade cognitiva um suporte necessário e suficiente para justificar o Aconselhamento Filosófico?

2015

Seria a capacidade cognitiva um suporte necessário e suficiente para justificar o Aconselhamento Filosófico?

Resumo: Este trabalho pretende argumentar que a prática de Aconselhamento Filosófico como uma terapia que vise a ajudar a pessoa com problemas precisa se basear em fundamentos que a tornem completamente distinguível de qualquer outra empresa do ramo da ajuda, tais como a psicologia e as diversas psicoterapias, quais sejam, o método filosófico e o uso da razão. É com o uso destes fundamentos na análise e discursões sobre o problema a ser resolvido, utilizando-se do conhecimento filosófico sobre o homem e sua relações com o mundo e a vida e de métodos comuns de outras terapias como empatia, que o Aconselhamento Filosófico pode se tornar uma prática efetiva para ajudar as pessoas de forma consistente e duradoura desenvolvendo a capacidade e competência cognitiva delas.

Abstract: This essay will argue that the practice of the Philosophical Counseling as a therapy that tries to help a person with problems needs to be built upon a solid foundation that makes it completely different from any other enterprise that is in the business of helping, such as psychology and a variety of psychotherapies, which are, the philosophical method and the use of reasoning. It is with the use of those foundations in the analyses and discursions about the problem to be solved, using the available philosophical knowledge about mankind and its relations with the world and life and with common approaches from other therapies like empathy, that the Philosophical Counseling can become an effective, consistent and enduring practice to help people developing their cognitive competency and capacity.

Palavras chaves: Aconselhamento Filosófico, empatia, razão, cognição Key words: Philosophical Counseling, empathy, reason, cognition

1 Introdução: O Aconselhamento Filosófico (AF) é uma prática no ramo da filosofia surgida no início dos anos 80 onde o filósofo com seu conhecimento sobre filosofia e com o uso do método filosófico busca ajudar uma pessoa que esteja sofrendo com algum tipo de angústia, problemas com relacionamentos, insegurança, falta de sentido na vida, questões profissionais, perda de entes queridos, medo da morte, entre outros. De uma maneira geral esta prática pode ser vista como próxima de outras terapias psicanalíticas, tais como a Terapia Cognitiva-Comportamental, mas com diferenças importantes que a distingue destas outras disciplinas. O presente trabalho visa posicionar o AF não como uma terapia, mas como um conjunto de exercícios de cunho intelectual que busca desenvolver o aparelho cognitivo da pessoa com o uso da razão crítica, ou seja, a pessoa que está sofrendo deve, idealmente, se reconhecer como intelectualmente ou cognitivamente competente ou capaz de desenvolver o potencial nela presente para lidar com os problemas inevitáveis que afligem a todos indiscriminadamente. É esperado, portanto, que a pessoa não esteja necessitando de medicamentos ou internações em hospitais especializados em problemas mentais ou com qualquer problema de ordem biológica, nem com traumas onde as técnicas desenvolvidas por Sigmund Freud seriam melhor indicadas. Para esta demonstração faremos uma rápida exposição histórica sobre a evolução do Aconselhamento Filosófico desde seu surgimento, indicaremos a proposta de AF que julgamos mais consistente com o sentido filosófico do termo e caracterizaremos a verdadeira contribuição e, portanto, sua principal diferenciação quando comparada as outras terapias que dele se aproximam. 2 Evolução Histórica É importante inicialmente indicarmos como e porque surge esta iniciativa, a de usar conhecimentos e técnicas filosóficas para ajudar pessoas que sofrem. O AF pode ser visto como fazendo parte de um leque de ações para levar a filosofia para as ruas de tal forma a estimular as pessoas a pensarem sobre suas vidas individuais, sobre as sociedades em que vivem, sobre política, religião, etc., de forma crítica e racional. Para aqueles que tiveram contato com a filosofia e com sua história, identificam a Filosofia como uma empresa que possui um método próprio, moldado pela razão, para

entender a fundo qualquer aspecto de um problema, principalmente aqueles que possuem caráter subjetivo como os relacionados a natureza humana. Este movimento, na verdade, teve inspiração naquele que é conhecido como o Pai da Filosofia, Sócrates (469 a.C. – 399 a.C.), que saia pelas ruas de Atenas indagando as pessoas sobre o que elas sabiam ou pensavam saber, estimulando-as ao raciocínio para encontrar a verdade. Sócrates, pode ser assim entendido, levava a filosofia para o povo e a praticava, ou seja, sua filosofia era um modo de vida que possuía dois aspectos fundamentais para o AF: o filósofo como praticante e como divulgador do método. Segundo HADOT (2014) com Sócrates e seu método dialético, O interlocutor se dá conta então de que ele não sabe verdadeiramente por que age. Todo o seu sistema de valores lhe parece bruscamente sem fundamento. Até então ele se identificava de algum modo com o sistema de valores que comandava sua maneira de falar (e sua vida). Agora se opõe a ele. O interlocutor está então cortado em dois: há o interlocutor que, no constante acordo mútuo, se identificou com Sócrates e, doravante, não é mais o que ele era antes. (p.102). Sócrates afirmava que seu único saber era de que nada sabia, e costumeiramente levava seu interlocutor a aporia1, mas no AF este é um estado que podemos considerar como inicial e necessário, pois o espanto de sermos confrontados em nossas crenças abre o caminho para o saber, para o novo, para uma descoberta empreendida por aquele que sofre. Na era moderna a Filosofia pode ser vista como sendo uma atividade puramente acadêmica, onde aqueles que nela se envolvem profissionalmente desenvolvem teorias filosóficas ou comentam sobre as teorias filosóficas dos outros e, com o tempo, distanciando a filosofia da vida na sociedade. O AF faz parte de um conjunto de iniciativas que busca então devolver a filosofia às suas origens, sem, no entanto, retirá-la do meio acadêmico, local propício para sua evolução. Este movimento faz da filosofia um empreendimento social, já que ele permite dar a sociedade ferramentas para que seus indivíduos busquem uma vida melhor para si e para todos

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Segundo ABBAGNANO (2012), aporia é um termo usado no sentido de dúvida racional, de dificuldade inerente a um raciocínio, e não no estado de subjetivo de incerteza. É portanto, a dúvida objetiva, a dificuldade efetiva de um raciocínio ou da conclusão a que leva um raciocínio.

na comunidade. Aqui não queremos dizer que passa a haver duas filosofias, uma praticada na academia e outra na rua. Na verdade elas interagem sempre, uma espécie de sistema que se retroalimenta, pois a prática se fundamenta na teoria que por sua vez evolui com a prática. Neste contexto surge então movimentos como Café Filosóficos criado por Marc Sautet (1947 – 1998), na França, onde pessoas se reúnem especificamente para tratar de assuntos de cunho filosófico em bares, cafés, livrarias e restaurantes; programas de TV e rádio falando sobre filosofia e discutindo questões da sociedade com filósofos, como por exemplo sobre o tema do aborto; cursos livres para leigos e participação de filósofos em debates e palestras de todo o gênero. Encontramos agora filósofos atuando também como consultores de empresas para ajudar executivos a organizar o pensamento e torná-los mais críticos ou apoiá-los em decisões de natureza ética. Com estes movimentos surge um interesse renovado pela filosofia, onde nota-se então um aumento na procura de cursos de filosofia para formação em nível superior e em pós-graduação. Foi dentro deste contexto de retorno da Filosofia a Ágora2 que surge então a ideia do AF como uma “terapia para o são” (MARINOFF, 1999). Mas neste ponto a filosofia entra em um campo onde já atuam outras disciplinas, apesar de não ser possível negar que desde a Grécia antiga a filosofia como um modo de vida é praticada e muitos dos filósofos antigos poderiam ser vistos como aconselhadores filosóficos. Das disciplina que atuam no campo da saúde mental, talvez a mais conhecida seja a Psicologia, cujas raízes podem ser traçadas até Sócrates, Platão e Aristóteles (ATKINSON, 2009), quando perguntas como o que é consciência? As pessoas são naturalmente racionais ou irracionais? Existe realmente livre escolha? (ibid.) Entre outras de natureza similar, já eram feitas. A psicologia moderna tem início em 1879 com Wilhelm Wundt (1832 – 1920), filósofo Alemão com sua pesquisa sobre introspecção para estudar processos mentais. Desde então novos ramos e propostas surgem, como o Estruturalismo, Funcionalismo, Comportamental, Gestalt, Psicanálise com Freud, e mais recentemente uma vasta gama de possibilidades de tratamento, cada uma aderente a uma determinada perspectiva, tais como psicologia Biológica, Cognitiva, Desenvolvimentista, Personalidade e Social, 2

Ágora, praça principal das antigas cidades gregas.

Clínica e Aconselhamento, Educacional e Escolar, Organizacional e Engenharia (ibid.); além das que mais se aproximam do AF, como Cognitivo-Comportamental e Terapia Racional, Emotiva e Comportamental. Dado esta multiplicidade de opções terapêuticas e sendo a filosofia critica por natureza, é de se esperar que ela possua justificativas importantes para retornar a esta área de atuação, pois assim como a física passou a ser uma ciência independente mesmo tendo sua origem na filosofia, por que mesmo com surgimento de diversas ciências que tratam da saúde mental a filosofia acredita poder contribuir de forma diferenciada delas? 3 Desenvolvimento da Proposta do AF A filosofia como esclarecedora e, talvez por isto, consoladora é uma perspectiva antiga. HADOT (2014) nos diz sobre aprender a viver que para os estoicos, ... a filosofia é um exercício. A seus olhos, a filosofia não consiste no ensino de uma teoria abstrata, ainda menos na exegese de textos, mas numa arte de viver, numa atitude concreta, num estilo de vida determinado, que engloba toda a existência. (p. 22). Esta mesma perspectiva perpassa todas as escolas helenísticas e romanas. Para estas escolas filosóficas, ... a principal causa de sofrimento, desordem, inconsciência para o homem são as paixões: desejos desordenados, medos exagerados. A supremacia da preocupação o impede de viver verdadeiramente. A filosofia aparecerá, em primeiro lugar, como uma terapêutica das paixões. (ibid., p. 22 e 23). Sêneca (4 a.C – 65 d.C.), filósofo romano, escreveu 124 cartas a seu discípulo Lucílio, cujo conjunto forma a principal obra do pensador. Em praticamente todas Sêneca procura estimular seu discípulo a exercitar a filosofia todos os dias e impedir que qualquer outra atividade o afaste deste objetivo, pois para Sêneca, por exemplo na carta de número 16, O objetivo da filosofia consiste em dar forma e estrutura à nossa alma, em ensinar-nos um rumo na vida, em orientar os nossos atos, em

apontar-nos o que devemos fazer ou pôr de lado, em sentar-se ao leme e fixar a rota de quem flutua à deriva entre escolhos. Sem ela ninguém pode viver sem temor, ninguém pode viver em segurança. (SÊNECA, 2014, p.55) Na interpretação de CAMPOS3 (2014), ... a filosofia cumpre o papel de uma pedagogia e também o de uma terapia, implicando este termo um maior empenhamento do sábio no desempenho da sua missão do que uma tarefa meramente pedagógica exigiria. A filosofia deve curar os males da alma, e não somente definir em que eles consistem... Se tal suceder, a filosofia terá falhado o seu objetivo.(p.XXX) Importante notar nesta posição de CAMPOS que a filosofia e, como consequência o AF, não deve se limitar apenas aos seu aspecto didático-educativo, comum ou esperado na interação professor-aluno, mas estimular o exercício “espiritual” que possa “curar os males da alma”. Assim, nos parece, o AF também se diferencia das outras terapias pois nele o filósofo deve ser praticante daquilo que defende e acredita. O exercício espiritual requerido ao cliente para que ele possa se ajudar deve, idealmente, ser também feito pelo aconselhador, o que neste aspecto coloca na relação potencialmente entre iguais, mas sem sê-lo, pois o aconselhador precisa ser aquele que deve “iluminar” o caminho para que o cliente dê, ele mesmo, os passos. Mas uma relação entre iguais cria mecanismos no campo da empatia que potencializa a assimilação do cliente das orientações e métodos que a filosofia oferece. Neste ponto já é possível perceber que esta relação que inicialmente pode ser vista como a existente entre mestre e discípulo, evolui para tornar o discípulo também mestre, ou seja, um filósofo como o mestre. Para a filósofa americana NUSSBAUM (2009), A ideia de uma filosofia prática e benevolente – uma filosofia que exista para o bem dos seres humanos, de forma a endereçar suas mais profundas necessidades, de enfrentar suas mais urgentes perplexidades, e tirá-los da miséria existencial e colocá-los em alguma medida em um estado de crescimento – traz a ideia do estudo da ética Helenística revigorante para

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J. A. Segurado e Campos, tradutor, autor do prefácio e das notas de Cartas a Lucílio

o filósofo que se pergunta o que a filosofia tem a ver com o mundo. (p. 3; tradução nossa). Seria esperado então uma uniformidade metodológica no exercício do AF, já que este se baseia no método dialético entre o filósofo e seu interlocutor (aquele que está em busca de ajuda) e do pensamento filosófico de séculos. No entanto não é o que tem acontecido com esta nova empreitada. Diversas metodologias vem sendo tentadas, não havendo ainda uma que seja reconhecida como fundamental, o que RAABE (1999) coloca como uma “falta de identidade” (p. 1). Para este filósofo, É geralmente aceito que os três principais objetivos e propósitos básicos do aconselhamento filosófico sejam a resolução de problemas, o aumento da autonomia do cliente e de sua força interna para evitar ou resolver por ele mesmo problemas futuros de certos tipos. Para que isto ocorra o cliente deve ser ajudado a desenvolver conhecimentos de ordem prática e teórica assim como um tipo particular de disposição. O Aconselhamento Filosófico deve consequentemente ajudar o cliente a desenvolver um tipo de consciência que aprofunda o autoconhecimento e uma vigilância moral (ibid., p. 160). Aqui é indicado uma outra característica do AF que pode também ser usada para diferenciá-lo das outras terapias e da psiquiatria, pois em ambos nota-se a notória busca da solução de um determinado problema, como um trauma de infância ou uma deficiência específica de algum neurotransmissor. No AF a ideia é de fortalecimento do sujeito de forma que ele possa enfrentar qualquer problema que não seja de ordem química ou traumática, o que acaba sendo verdadeiramente um tipo de ajuda que potencialmente é perene. BOÉCIO (480 d.C. – 525 d.C.), sendo ele mesmo um filósofo, estadista e teólogo, se vê injustamente acusado e condenado a morte e impiedosamente torturado. Entre as torturas físicas e o sofrimento pela perda do poder, das posses, da vida que levava e a havia perdido, usa figurativamente uma conselheira na própria prisão, a filosofia em pessoa para curá-lo. As sessões com sua aconselhadora resultam no livro A Consolação da Filosofia4, o mais lido na idade média depois da Bíblia, e que poderia

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BOÉCIO, Anício M.S.; A Consolação da Filosofia; 2012

ser aqui citato em sua totalidade de tão alinhado ao método do AF. Mas destacamos apenas um pequeno trecho onde Boécio pergunta À Filosofia sobre se há a possibilidade de livre arbítrio ou se “o encadeamento do destino abrange também os movimentos da alma humana?” (BOÉCIO, 2012, p. 134), em que a Filosofia responde: Sim, o livre arbítrio existe, e nenhum ser dotado de razão poderia existir se não possuísse a liberdade e a faculdade de julgar. Com efeito, todo ser naturalmente capaz de usar a razão possui a faculdade do juízo, que lhe permite distinguir cada coisa. Portanto, é ele que julga o que deve ser evitado e o que deve ser procurado.(ibid.) Donde se pode depreender que mesmo com problemas extremos onde a morte se apresenta como um fim injusto, como no caso de Boécio, a Filosofia e o uso da razão podem ser as únicas ferramentas que permitem algum tipo de consolação e enfrentamento dos momentos mais difíceis de nossa vida. O filósofo RAABE (1999), aqui já mencionado, estudou para a sua tese as diversas formas de AF disponíveis na literatura, inclusive comparando esta prática com a de diversas psicanálises. Ele chega a conclusão que o método ideal, aquele que responde a todas as expectativas expostas nos outros métodos, é o que ele desenvolveu e se apresenta em quatro estágios: 1) “free floating” (mover-se livremente); 2) resolução imediata do problema; 3) ensinar e aprender; 4) transcendência. (p. 171). De forma bastante resumida estes estágios apresentam as seguintes características: 1o estágio – O aconselhador passa a conhecer o cliente e este o método do AF. É também aqui que o aconselhador vai saber se deve partir para “cuidar” do problema imediato trazido, ou até se seria o caso de informar que o AF não é indicado para o problema em questão. Talvez o cliente não saiba exatamente o que o perturba o que deverá ser identificado paulatinamente nas entrevistas; 2o estágio – Neste estágio RAABE indica que o problema tendo sido identificado ou caracterizado no estágio anterior deve se seguir então o “tratamento”. Neste estágio o aconselhador ajudar o cliente a entender o problema, colocá-lo em uma perspectiva que possa ser analisado, discutido, debatido, pensado, ajudando o cliente a resolvê-lo, sem, no entanto, dar uma solução.

3o estágio – Aqui RAABE coloca o problema da falta de estudo de cunho filosófico da maioria das pessoas, quer dizer, a falta de preparo das pessoas de serem analistas críticos de seus próprios sentimentos e de suas vidas como um todo. A experiência no estágio anterior, aquele que endereça especificamente o problema trazido pelo cliente, deve estimulá-lo a não apenas acreditar no método filosófico para uma “cura”, mas confiar no seu próprio desenvolvimento cognitivo e no crescimento ocorrido e que deve, assim, ser perpetuado. Neste caso, diferentemente de outras terapias, como indicado por RAABE, o aconselhador filosófico deve buscar tornar seu cliente, ele mesmo, um filósofo para que a partir destes encontros ele possa se autoanalisar e se tornar autônomo na solução de seus próprios problemas. Para tal, o aconselhar precisa verdadeiramente ensinar seu cliente no processo complexo de pensamento crítico. Nossa interpretação é que este estágio é onde o AF se faz realmente importante e o que o diferencia fundamentalmente das outras disciplinas que cuidam do bem estar mental. O que se deseja neste estágio é que o aconselhador possa simultaneamente desenvolver em seu cliente a capacidade de raciocínio e entendimento de questões de cunho filosófico, o que pode ser interpretado como um desenvolvimento cognitivo com o trato de questões filosóficas. O sucesso da empreitada do aconselhamento filosófico é então incutir no cliente a capacidade para que ele possa “desenvolver suas (próprias) habilidades filosóficas” (RAABE, 1999, p.187), melhorando sua competência em pensar de forma crítica, criativa, construtiva e produtiva. 4o estágio – Neste estágio o cliente é levado a pensar fora de suas questões individuais e transcender ao mais abrangente, a um contexto onde sua relação se expande para aquela onde a família, a comunidade e o mundo passam a ter uma perspectiva diferente. Segundo HADOT (1995), Então, todos os exercícios espirituais são, fundamentalmente, um retorno ao eu, no qual o eu é liberado de um estado de alienação no qual foi colocado por preocupações, paixões e desejos. O “eu” libertado desta maneira não é mais meramente um egoísta apaixonado por sua individualidade: é a nossa moral pessoal,

aberta a universalidade e objetividade, e participando do pensamento e natureza universal. (p. 103, tradução nossa).5 RAABE identifica algumas perguntas que ilustram esta fase, lembrando que filosofia é muita mais fazer perguntas do que respondê-las: ao invés da pergunta mais natural ligada a ética na qual se quer saber o que é a coisa certa a fazer, pergunta-se “Como alguém encaminha a questão sobre o que é certo e errado?” (p. 198), ou “Como devemos viver? Ou por que razões?” (p. 200). RAABE oferece uma outra analogia que parece descrever este estágio de forma mais clara, a da caverna de Platão, onde o escravo que vivia na caverna acorrentado vendo sombras passa a viver livre fora da caverna (p. 199). Com relação aos métodos aplicados ao AF existem diversos como já apontado, inclusive defensores de que o uso de um determinado método é limitador para o AF, como o do próprio iniciador deste movimento, o filósofo Achenbach. Mas mesmo que não haja um método único que seja aceito por todos os aconselhadores filosóficos e estudiosos desta empresa, nos parece que ter a meta de tornar o aconselhado um filósofo ele mesmo um ponto em que todos concordariam. O que significa dizer que é esperado que o aconselhador filosófico seja uma pessoa que use a filosofia como forma de vida, pois em algum momento, o aconselhador e o cliente terão uma relação entre iguais. 4. Conclusão Pelo exposto, podemos concluir que o AF pode ser visto e interpretado de forma resumida como aula particular de filosofia orientada ao cliente buscando tornálo um filósofo. No entanto é esperado, até mesmo para filósofos, sofrimento como aqueles trazidos pelos clientes e não deve ser exatamente raro filósofos buscarem ajuda terapêutica, mesmo que não estejam precisando de medicamentos ou tenho sofrido algum tipo de trauma. Então o AF deve ser mais do que simplesmente dar conhecimento às pessoas que não tiveram acesso as ferramentas e conhecimentos filosóficos, tornando-as filósofas. O que defendemos aqui é que com a busca do conhecimento filosófico utilizando o raciocínio crítico e sistemático, típicas ferramenta do filósofo; o engajamento e aprofundamento na relação com o complexo em um crescente, onde a

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RAABE 1999 menciona uma parte reduzida deste trecho à p. 197

superação e o entendimento de questões fundamentais da filosofia e da existência passam a ter um teor prazeroso para aqueles que aceitam tal desafio e o superam; e com o tipo certo de disposição mencionada por RAABE, o que ocorre é um crescimento da capacidade cognitiva do sujeito, habilidades que o fazem compreender sua própria situação no mundo e a entender o mundo como agente influenciador do próprio sujeito, dando a ele condições de administrar as pressões externas e internas e assim permitir uma vida serena de entendimento. O AF é uma empreitada que dá resultado para aquele que o procura quando este na busca por se tornar um filósofo, atinge um nível de desenvolvimento cognitivo que o permite ver o todo, entender sua situação como vivente e como relação com o mundo. Esta potência racional adquirida na busca inicial de uma solução para um determinado problema, perpassa a consolidação para a gestão autônoma de qualquer problema pessoal como um filósofo praticante e atinge seu ápice na percepção de que a consequência do esforço foi o desenvolvimento cognitivo e intelectual. Assim, nosso entendimento das diversas metodologias disponíveis para o AF ou até mesmo o não método como método, devem buscar o desenvolvimento cognitivo do cliente utilizando do saber e do método filosófico, pois tratam do que é fundamental para a nossa existência e principalmente possuem características subjetivas e simultaneamente complexas que permitem este desenvolvimento cognitivo, como uma espécie de subproduto da empreitada, mas que aqui identificamos como sendo o principal objetivo. Com isto acreditamos ter respondido de forma afirmativa a indagação sobre se seria a capacidade cognitiva um suporte necessário e suficiente para justificar o Aconselhamento Filosófico.

Referências Bibliográficas:

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Disponível

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