Série entrevistas - Francis Fukuyama / Q&A Series - Francis Fukuyama

July 8, 2017 | Autor: Claudia Antunes | Categoria: Political Economy, Gilded Age and Progressive Era, Social Inequality, Francis Fukuyama
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ENTREVISTA/ FRANCIS FUKUYAMA
O fim do fim da história
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Cientista político Francis Fukuyama defende 'novo populismo' e maior
regulação estatal contra problemas do liberalismo
O cientista político americano Francis Fukuyama, que há 23 anos previu a
vitória global do liberalismo econômico e político no famoso artigo sobre o
"fim da história", está preocupado com o futuro dessa conquista do "século
americano".
Em artigo na primeira edição de 2012 da revista "Foreign Affairs", ele
afirma que a ausência de competição ideológica resultou em políticas
ultraliberais regressivas, que acentuam o declínio da classe média nos
países desenvolvidos, pondo em risco a própria democracia.
No texto, Fukuyama convoca agentes políticos e teóricos a desenvolverem um
"novo populismo", que "reafirme a supremacia da política democrática sobre
a economia". Ele explica sua proposta, decorrente da preocupação com a
"latino-americanização" dos EUA.

Folha - Quando o sr. diz que preceitos do liberalismo viraram pura
ideologia, está propondo que a democracia abandone o rótulo "liberal"?
Francis Fukuyama - Não é uma questão de abandonar o liberalismo, é uma
questão de grau. Houve uma revolução liderada por [Ronald] Reagan e
Margaret Thatcher nos anos 80 que reduziu o tamanho do Estado e aumentou a
liberdade individual.
Essa correção era necessária, mas a revolução foi longe demais e aprisionou
os EUA numa ideologia muito rígida.
Uma sociedade liberal será sempre necessária, mas vamos precisar de uma
volta de maior regulação estatal e políticas sociais que preservem os
ganhos da classe média e encorajem a ascensão dos pobres para a classe
média.
O sr. diz que a social-democracia não é uma resposta adequada. Por quê?
Acho que as velhas formas social-democratas não vão funcionar porque em
muitos casos o Estado é problemático e não tem a habilidade de implementar
políticas.
Isso explica bastante a debilidade da esquerda nos EUA e na Europa. Só uma
volta à velha social-democracia não será sustentável fiscalmente nem
melhorará os serviços públicos. Esse é o dilema.
Quando o sr. propõe um novo populismo, quais são as referências históricas?
O problema com alguns movimentos populistas é que eles não são
democráticos, querem mudanças tão grandes que se apoderam do Estado. Não é
o tipo de populismo de que precisamos. Seja o que for, tem que ser na
tradição democrática.
Acho que nos EUA há dois precedentes. Um do início do século 20, o
movimento progressista liderado por Theodore Roosevelt [1901-09], que teve
o objetivo de limpar a política da influência do poder econômico e aprovou
leis antitruste que desmembraram o monopólio Rockefeller.
O outro foi, claro, o presidente Franklin Roosevelt [1933-45], que usou a
crise dos anos 30 para criar uma coalizão em torno do New Deal que ficou no
poder por 40 anos. Todo mundo esperava que Obama fizesse algo semelhante,
mas por várias razões -eu acho que ele não era um político habilidoso o
bastante- isso não aconteceu. Ele nunca explicou o problema que enfrentamos
de maneira mais ampla; as soluções também não tinham amplitude.
O sr. vê nos EUA forças capazes de construir essa ideologia alternativa?
Não, por isso escrevi o artigo. Estamos precisando.
Por que se criou nos EUA e na Europa um fosso entre as medidas contra a
crise e os sentimentos das pessoas comuns?
É um mistério. Nos EUA, em contraste com a Europa, boa parte da classe
média tendeu, nos últimos 30 anos, a votar nos republicanos, em
conservadores, mesmo quando as políticas implementadas por eles
prejudicaram seu interesse econômico.
Há razões para isso. Uma é que esse eleitorado tende a ser culturalmente
conservador e não se sente representado por democratas ou esquerda
tradicional. Outra é o enfraquecimento de sindicatos e organizações
sociais.
Finalmente, há na cultura política a crença de que esta é uma terra de
oportunidades, de que você pode se dar bem no futuro mesmo que seja pobre
agora. Então as pessoas são contra aumento de impostos para os ricos
porque, se elas ficarem ricas...
Essa fatia se identificaria mais com o Tea Party do que com o "Ocupe Wall
Street"?
Acho que há uma divisão. Houve grande controvérsia a respeito do "Ocupe"
porque ele é formado principalmente por jovens, com uma ideologia de
esquerda, que não representam os sindicatos ou a classe média trabalhadora
em termos mais amplos.
Não aposto muito nas perspectivas do movimento a longo prazo. Sua base
social é muito estreita. Se a classe média trabalhadora se mobilizar por
políticas mais progressistas, terá a forma de um movimento populista
poderoso.
Nos EUA, é a direita que tem sido populista, no ataque às elites culturais,
aos poderosos. Ao mesmo tempo, se opõe à regulação financeira, a aumento de
impostos. Por que os democratas resistem ao discurso populista?
É outra peculiaridade da cultura política americana. Em certo sentido, a
esquerda ainda é dominante na academia, na mídia. A direita tem sido mais
bem-sucedida na política, controla hoje as duas casas do Congresso, muitos
governos estaduais.
Apesar disso, muita gente de direita ainda acha que os liberais [esquerda,
nos EUA] controlam o establishment. Isso não reflete o balanço real de
poder, mas o sentimento continua forte e alimenta o ressentimento populista
contra as chamadas "elites liberais" que teriam destruído o país. Obama é
parte delas.
O sr. associa a força da classe média com a consolidação da democracia, mas
em países como China e Índia a nova classe média pode ser bastante
conservadora.
O fortalecimento da democracia depende de que proporção da sociedade chega
à classe média. Quando a classe média é pequena e parte da elite
tradicional, ela vê o governo como protetor de seus interesses e teme que,
se houver uma democracia integral, ela sairá perdendo.
É o que acontece na China agora. Na Índia, é mais complicado. A questão lá
é que a grande massa de pobres se beneficia da democracia por meio de
clientelismo, que a classe média considera como uma forma de corrupção.
Como avalia a democracia em países como Brasil, Indonésia, onde parte dos
pobres está entrando no mercado?
Essas democracias estão emergindo justamente porque mais gente começa a
alcançar um status de classe média. Mas a situação ainda é muito frágil; se
houver uma grande recessão global e a economia brasileira voltar a ter mau
desempenho, muitos vão recair na pobreza.
No passado, foi a desigualdade que provocou a polarização política no
Brasil e em toda a América Latina, em que se enfrentavam uma direita
autoritária e uma esquerda populista que nem sempre tinha compromisso com a
democracia liberal. Para superar isso, só criando uma classe média ampla e
reduzindo o fosso entre os pobres e a elite privilegiada.
O que é de fato importante no Brasil agora é que a desigualdade está
diminuindo, em parte devido ao crescimento econômico, em parte a programas
sociais como o Bolsa Família. Mais brasileiros poderão fazer parte da
economia, ter propriedades e um maior interesse no sistema político
democrático.
Os EUA estão se latino-americanizando?
Uma das coisas que me chocam é que os EUA começam a parecer a velha América
Latina. Se você pedir aos ricos que paguem mais impostos, eles vão dizer
que não, que o governo desperdiçará o dinheiro com corrupção e serviços de
má qualidade.
O desempenho do governo não pode melhorar, já que não tem fundos
suficientes, mas ninguém quer pagar mais impostos porque o desempenho é
ruim. Os EUA saíram dessa armadilha nos anos 30 e agora voltam a cair.
O seu artigo é uma mudança de 180 graus em relação ao do fim da história?
Não concordo. Eu ainda acredito que a democracia liberal é o melhor sistema
político. A questão é que está sob ameaça nos EUA e devemos preservá-la.
Meu objetivo é o mesmo, só que em 1989 estávamos nos primeiros anos da
virada conservadora e agora a realidade mudou, a desigualdade aumentou, as
instituições se deterioraram.
Há um deficit democrático nos EUA e na Europa?
São situações diferentes. O deficit democrático nos EUA tem a ver com o
poder do dinheiro e de grupos de interesse, de lobbies, cujo peso no
sistema político é desproporcional em relação aos grupos sociais que eles
representam. Na Europa em geral, o maior problema não é em cada país, mas
em nível europeu, uma vez que a tentativa de integração resultou em
instituições falhas, com união monetária mas sem união fiscal.
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