Série entrevistas - Linda Weiss / Q&A Series - Linda Weiss

July 8, 2017 | Autor: Claudia Antunes | Categoria: Innovation Policy, Industrial policy, US economy, Política Industrial
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ENTREVISTA/LINDA WEISS

Redução do papel do Estado na economia sempre foi mito
Para especialista em desenvolvimento, compras militares dos EUA são maior
exemplo de política industrial que gerou inovação tecnológica


CLAUDIA ANTUNES


A PESAR de todas as manchetes sobre a volta do Estado à economia, ele nunca
se retirou, e os EUA são o maior exemplo disso, afirma Linda Weiss,
especialista em desenvolvimento e professora do Departamento de Governo e
Relações Internacionais da Universidade de Sydney (Austrália). Weiss cita
especificamente a política de inovação tecnológica americana, organizada
por meio de encomendas da área militar do governo, como exemplo do que
chama de "ativismo estatal" que nunca diminuiu nas economias mais ricas.

Weiss afirma que a China está adaptando o modelo americano para começar a
produzir tecnologias próprias, e sugere que o Brasil estude o exemplo. Ela
deu entrevista à Folha depois de participar, no Rio de Janeiro, de
seminário no Instituto de Economia da UFRJ sobre Reposicionamentos
Estratégicos, Políticas e Inovação em Tempo de Crise. Abaixo, os principais
trechos.


FOLHA - A senhora diz que não é possível falar em volta do Estado à
economia porque ele nunca foi embora. Pode explicar?
LINDA WEISS - A ideia predominante no debate sobre a globalização e a sua
relação com as opções de política econômica é que o Estado foi posto numa
camisa de força e recuou da economia.
Fez isso para atrair investimentos num mundo de capitais móveis. O melhor
governo é o que reduz impostos e regulações. O Estado atua nas margens da
economia, sem presença ativa e muito menos desenvolvimentista. Contesto
essa ideia olhando para o que os Estados mais poderosos vêm fazendo.
FOLHA - E quais são os principais exemplos?
WEISS - O primeiro é o paradoxo de que a desregulamentação requer
rerregulamentação. Por exemplo, o governo privatiza, mas acaba se tornando
muito ativo na arena regulatória, criando agências.
Isso de certo modo aumentou o envolvimento do Estado, sem necessariamente
passar pelas autoridades executivas, que têm que responder ao eleitorado.
FOLHA - Mas, no mercado financeiro, houve menos regulamentação, não? WEISS -
Houve uma opção por não regulamentar. Foi uma opção movida a razões
nacionalistas, porque tanto o Reino Unido quanto os EUA viam o setor
financeiro como o que liderava a projeção do seu poder na arena econômica
internacional.
Com Wall Street de um lado e a City do outro, para eles fazia sentido ser
liberais.
O Japão fez o mesmo, de modo diferente. Ao desregulamentarem o setor
financeiro, os burocratas quiseram manter sua presença e escreveram as
regras com esse objetivo, sem permitir mais autorregulamentação.
Além disso, há uma forma de ativismo que é a intervenção recorrente do
Estado para resgatar o sistema bancário em crises. O que vemos hoje não é
excepcional, é parte do padrão da internacionalização das finanças nos
últimos 200 anos.
FOLHA - Que outros exemplos a senhora reuniu?
WEISS - Um fundamental é no campo da inovação e da tecnologia. Na OMC
(Organização Mundial do Comércio), os Estados líderes escreveram normas que
lhes dão margem para promover sua indústria nascente, ao mesmo tempo em que
reduziram essa margem para países em desenvolvimento.
As regras da OMC permitem políticas de subsídio à ciência e tecnologia, que
é a forma da indústria nascente nas chamadas economias de conhecimento
intensivo.
Você vê intervenções muito focadas dos governos dos Estados Unidos, da
Europa e do Japão no setor de alta tecnologia, incluindo comunicação e
informação, novos materiais, novas energias. São áreas vistas como
plataformas de sua prosperidade futura.
FOLHA - Como a senhora compararia o ativismo estatal nos EUA e na Europa
com o na Ásia?
WEISS - Eu diria que o ativismo asiático está acima do radar, os países da
região não se envergonham de mostrar que têm política industrial. As
populações também apoiam o uso do poder do Estado na economia.
No caso dos EUA, não há consenso sobre o ativismo estatal.
Então, ele aparece abaixo do radar. A área que explica de onde vieram as
inovações nos EUA, país que é líder em alta tecnologia, é a máquina de
encomendas ligada ao setor militar.
Os EUA construíram um sistema formidável de inovação baseado no fato de
responderem por 50% dos gastos militares mundiais. Dessa forma existe apoio
popular e político, porque a linguagem usada é a da segurança nacional.
Esse sistema de encomendas públicas de inovações é tão importante que os
europeus agora estão vendo como podem adaptar a seu próprio setor civil. A
China está fazendo a mesma coisa.
FOLHA - Como a China está seguindo o exemplo dos EUA?
WEISS - A China, por exemplo, quer desenvolver sua própria indústria de
software e está usando encomendas de tecnologia para isso. Ela está
definindo o que é uma empresa chinesa com base no "Buy American" [cláusula
do pacote de estímulo econômico aprovado nos EUA no início deste ano].
Para o "Buy American", uma empresa americana tem pelo menos 50% de capital
americano, está baseada nos EUA e usa trabalhadores americanos. Essa é a
definição que os chineses estão usando em sua estratégia de compras
governamentais, com o objetivo de construir sua própria indústria de alta
tecnologia. [No Brasil, a emenda constitucional nº 6 acabou em 1995 com a
distinção entre empresas de capital nacional e capital estrangeiro].
FOLHA - Apesar do ativismo estatal, o Estado de bem-estar social diminuiu?
WEISS - Quando olhamos os números da OCDE, a Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico, que reúne cerca de 30 países
industrializados, vemos que o Estado previdenciário na verdade cresceu.
O gasto total aumentou em média de 26% para 40% do PIB entre 1965 e 2006. E
o componente social desse gasto aumentou de 15% para 22% em 30 anos. Houve
reestruturações no destino do dinheiro, mas não declínio.
FOLHA - Mas o Estado como produtor recuou, não?
WEISS - Sim, claro. Mas é enganoso ver isso como enfraquecimento do Estado.
Quando os serviços eram públicos, qual era o papel do Estado, afinal?
Mandar contas de luz e gás? Não era exatamente um ator no sentido do
desenvolvimento.
FOLHA - A resistência que vemos hoje nos EUA ao envolvimento estatal com o
sistema de saúde não é paradoxal?
WEISS - Esse debate mostra que o sistema político americano não legitima um
programa civil de tecnologia. O Programa de Tecnologia Avançada, civil,
teve vida curta no governo Clinton [1993-2001] e recentemente perdeu seu
orçamento. É principalmente por meio do setor militar que são criadas
estruturas híbridas, agências com função de investimento e que não são nem
puramente públicas nem privadas em seu comportamento. Elas fazem essas
encomendas de alta tecnologia.
FOLHA - E como os produtos chegam ao mercado civil?
WEISS - Não há uma cerca entre a Defesa e o setor civil. A CIA (Agência
Central de Inteligência dos EUA), por exemplo, tem seu próprio fundo de
investimento e assume participações em empresas privadas. Financia
tecnologia que é usada para objetivos militares, mas também tem que ser
viável comercialmente.
FOLHA - Que observações a senhora fez sobre a posição do Brasil nesse
debate?
WEISS - Foi interessante ouvir outro dia que a política industrial
brasileira tem dois pontos problemáticos: a falta de uma política agressiva
para a exportação de manufaturados e a política de compras governamentais,
que não teria decolado. Sugiro trazer o caso americano para debate no
Brasil. As compras governamentais são um instrumento poderoso de
desenvolvimento. O importante é separar as compras ordinárias, como papel e
mobília, das encomendas de tecnologia, de algo que ainda não existe. Nisso
você estabelece uma competição entre quem pode produzir tal coisa e como o
Estado pode ajudar. Não é só o governo dizendo como deve ser, mas há uma
interação. De um só programa americano, o Small Business Innovation
Research Program, de onde vieram nomes como a Microsoft, centenas de firmas
receberam financiamento. Não são somas grandes, poderiam ser US$ 750 mil,
por exemplo, para levar a tecnologia da fase da ideia na cabeça ao
protótipo.
O programa foi lançado em 1982, quando nos EUA temia-se perder a corrida
tecnológica para Japão e Alemanha, e envolve muitas agências
governamentais, incluindo o Instituto Nacional de Saúde, que faz encomendas
ao setor farmacêutico e de biotecnologia, a Nasa e a Defesa.
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