Série entrevistas - Maria da Conceição Tavares / Q&A Series - Maria da Conceição Tavares

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ENTREVISTA/MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

"Não tem mais centro e periferia"

CLAUDIA ANTUNES

DO RIO

A ascensão da China, com uma demanda por produtos primários que vai durar
décadas, mudou a divisão internacional do trabalho e tornou datada a
dicotomia entre industrialização e produção de commodities que marcou a
trajetória brasileira desde os anos 1930.
Quem afirma é a economista Maria da Conceição Tavares, veterana expoente do
desenvolvimentismo, que durante o século 20 propôs a ação do Estado para a
industrialização, a fim de superar a desvantagem nas relações de troca no
antigo sistema sob hegemonia econômica dos EUA --que, ao também produzirem
matérias-primas, forçavam a baixa de seus preços.
"Não tem centro e periferia como antes. Há países de desenvolvimento
intermediário, entre os quais estamos", afirma Conceição.
Ela deu entrevista à Folha às vésperas de ser homenageada amanhã, no Rio,
no lançamento do livro O Papel do BNDE na Industrialização do Brasil, fruto
de pesquisa que coordenou para o Centro Internacional Celso Furtado de
Políticas para o Desenvolvimento.
O novo cenário não quer dizer, afirma, que o país deva descuidar do parque
industrial. Ela se preocupa com a avalanche de importações e defende o
papel do BNDES no apoio a grandes empresas nacionais.
Petista, Conceição aposta que Dilma Rousseff mudará a orientação ortodoxa
do BC, caso eleita, e diz que o tucano José Serra, colega do tempo da Cepal
(Comissão Econômica para a América Latina) com quem há 40 anos escreveu um
artigo marco, "Além da Estagnação", é conservador na área social. Abaixo, a
íntegra da entrevista.
Um dos problemas recorrentes do período de industrialização abordado no
livro é o déficit no balanço de pagamentos. Hoje essa preocupação surge de
novo. Os riscos são os mesmos?
Não, naquela altura o problema era basicamente a rigidez da pauta de
exportações, que não é o caso agora. A gente só tinha produtos primários e
o único período em que houve aumento de preços das matérias-primas foi
durante a Guerra da Coreia (1950-1953).
Além disso, o processo de substituição de importações não poupava divisas,
pelo contrário, era para substituir importações por produtos internos. Ao
fazer isso, ampliava o mercado interno e ampliava a demanda [por bens de
capital importados para aumentar a produção]. Hoje em dia você tem uma
indústria montada. O problema é o câmbio.
Mas há toda a preocupação com a primarização da pauta de exportações
brasileiras.
Isso não tem nenhum cabimento, porque a primarização da pauta de
exportações de hoje não se parece nada com a de então. Ao contrário daquela
época, quando havia relações de troca desfavoráveis, as relações são
favoráveis. Quem demanda produtos primários é a China e a Ásia inteira, que
crescem muito mais do que o resto do mundo. Naquela época, os EUA eram
nossos concorrentes.
O candidato José Serra fala muito do risco de desindustrialização no
Brasil. A sra. acha que existe esse risco?
Desindustrialização houve no governo deles, do Fernando Henrique, com uma
política de câmbio completamente irresponsável, uma taxa de juros alta, que
começou a afrouxar a partir do segundo mandato.
O problema de agora é que, com a crise mundial, o dólar desvalorizou e
todas as moedas valorizaram, exceto a moeda chinesa, que está amarrada ao
dólar e controlada, com controle de capitais. O resto foi para o diabo.
Agora é um problema de valorização e isso não afeta as exportações. Isso
afeta as importações, que estão disparando. A gente não sabe se estão
disparando como reação apenas ao câmbio ou à recuperação da economia. Eu
acho que são os dois. A indústria sofreu um abalo em 2009, e neste ano
recuperou com muita força. Agora está desacelerando. Tem que estar sempre
avaliando. Se você deixar entrar à galega acaba desindustrializando.
E o que pode ser feito?
O próprio ministro da Fazenda já avisou que tem que controlar essa taxa de
câmbio, não pode deixar rolar.
Mas o câmbio não tem relação com os juros do Banco Central, que atraem
capital de fora?
Tem, mas não só. Porque a valorização deu em todos os países, mesmo os que
praticam taxas de juros negativas, que é o caso do Japão. É a situação
particular do dólar agora que está fazendo isso.
A situação, portanto, não se parece nada com a do período entre 1950 e
1980. Não tem crise no balanço de pagamentos no sentido clássico. E muito
menos dívida externa. Conseguimos passar essa crise sem problemas na dívida
externa, com reservas, coisa que nunca aconteceu em nenhuma crise
internacional desde o século 19. Agora, tem que ter uma política industrial
mais clara, uma política cambial obviamente controlada, que não se resolva
apenas com os juros.
Outra discussão que tem uma analogia com o período atual é a ideia de criar
um mercado de capitais privado, bancos de investimentos privados que
financiem investimentos de longo prazo, o que foi tentado pelo Roberto
Campos no primeiro governo da ditadura.
A ideia do mercado de capitais estava lá na reforma administrativa Bulhões-
Campos. O problema é que ele veio com a ideia dos bancos de investimentos,
que não funcionaram.
Mas essa discussão volta agora, não?
A dos bancos de investimentos, não. O problema é que nem os bancos nem os
mercados de capitais não estão financiando desenvolvimento em longo prazo.
E é possível que isso, que nunca aconteceu, aconteça agora?
Eu não acredito muito. Porque na verdade o mercado de capitais serve
basicamente em toda parte não é para financiar desenvolvimento, é para
transformar patrimônio. Mas enfim, essa é uma ideia antiga, continuam a
fazer esforço. O financiamento na verdade depende mais do crédito de longo
prazo, e aí é que se tem que arrumar um jeito de que haja um crédito em
longo prazo que não dependa apenas do BNDES e da Caixa Econômica, que
carregam nas costas.
Como avalia às críticas feitas ao perfil dos empréstimos do BNDES, para
grandes grupos?
A imprensa conservadora, que nunca gostou do BNDES, vem com esse papo de
que a capitalização [do banco] vai para a dívida pública, o que não é
verdade. Formalmente vai para a dívida fiscal, mas na verdade não é assim
em longo prazo. Porque você empresta, mas eles retornam. E o retorno do
investimento é sempre positivo. O BNDES não está emprestando a ninguém com
retorno negativo.
Mas até o Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES afirma que o banco deveria
ser mais exigente sobre investimentos no Brasil ao fazer empréstimos a
grandes empresas.
Lessa nesse particular discrepa do Luciano Coutinho, que tem a visão do que
ocorreu na Ásia, no Japão, na Coreia, do "pick the winner" [escolha o
vencedor], que tem que escolher as empresas vencedoras para que elas sejam
competitivas lá fora, para que elas se internacionalizem com poder de
mercado. Essa é a única diferença, porque o Lessa é desenvolvimentista, o
Coutinho também. Só tem desenvolvimentista agora. Liberal, só tem a
charanga.
A Dilma e o Serra também são desenvolvimentistas.
Do ponto de vista da operação fiscal, o Serra é ortodoxo, e isso é ruim.
Ele quer acelerar a contração do gasto público. No fundo, ele não leva a
sério as políticas de bem-estar social, a universalização da educação, da
saúde, que tornaram o Orçamento mais pesado. Se cortar, não se pode fazer
nada de política universal, tem que ficar só com política para pobre.
Mas não há dúvida de que o Serra também é desenvolvimentista do ponto de
vista industrial. O problema dele são os programas sociais, o aumento da
Previdência, do salário mínimo, todas as medidas de alcance social mais
profundo que o Lula tomou. Nas políticas compensatórias, eu não creio que
ele voltaria atrás, que ninguém é maluco. A universalização é que é o
problema, as políticas sociais de longo alcance. O gasto com educação,
saúde, Previdência.
No segundo governo Vargas [1951-1954], quando começa o Plano de
Reaparelhamento Econômico, o ministério lembra o do primeiro governo Lula,
com empresários e monetaristas no comando da política econômica. Como
interpretar essa coincidência?
Por sorte, depois do interregno monetarista do Eugenio Gudin, ministro da
Fazenda de Café Filho, entre 1954 e 1955, veio o JK, que era
desenvolvimentista. O Horacio Lafer, ministro da Fazenda de Vargas, queria
fazer presidente do BNDE o Gudin, e não conseguiu, porque o Vargas não
dormia de touca. O que ele fez é foi compor uma parte da diretoria do banco
com pessoal que veio da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos [1951-1953],
entre os quais o Roberto Campos e o Glycon de Paiva, que ficaram como
diretores, e colocou o homem dele, que era o gaúcho Ari Frederico Torres,
como superintendente.
O problema é que o homem dele não entendia muito de economia, e por aí não
foi. Mas havia os diretores que eram da Assessoria Econômica do Vargas.
Então a assessoria do banco era composta metade de conservadores e metade
de nacionalistas.
No que diz respeito a Lula, graças a Deus caiu o ministro da Fazenda
[Antônio Palocci] e entrou o Guido Mantega, que é desenvolvimentista. O
problema foi o Banco Central. O Banco Central é problema sempre, porque a
estrutura do BC foi montada de tal maneira que os que não pensam da mesma
maneira não têm futuro.
Um dos meninos mais brilhantes da atual Fazenda é o Nelson Barbosa
[secretário de Acompanhamento Econômico]. Ele é um keynesiano um pouco
ortodoxo. Ele é originariamente do BC, fez concurso e passou. O Luiz
Eduardo Melin [chefe de gabinete da Fazenda] também é do BC. Mas eles não
podem fazer nada, porque começam uma carreira e tem em cima a diretoria que
é toda conservadora.
Tem é que fazer com o BC o mesmo que foi feito no BNDES pelo Vargas, uma
diretoria mista, metade conservadora, para agradar os banqueiros e eles não
encherem muito o saco, senão eles enchem mesmo, e outra metade para ajudar
o desenvolvimento, fazer uma política monetária menos estúpida.
Quer dizer, o conservador no governo Lula foi só a política monetária. E
não foi pouca porcaria, eu concordo. Briguei para burro.
Mas isso num governo Dilma pode mudar?
Com certeza vai mudar. É só esperar e ver. Mas não é mole, porque o pessoal
mais desenvolvimentista tem muito pouca prática de mercado. Tem que ter os
que têm prática de mercado, porque senão você não consegue operar o banco.
Houve sempre uma tensão muita grande entre a Fazenda e o BC [no segundo
mandato de Lula], que nunca foi o caso na história do Brasil, em que sempre
Fazenda e BC eram conservadores e Planejamento, Indústria e Comércio eram
desenvolvimentistas. Mas isso não é mais assim.
Mas é melhor ter a tensão?
Por mim não, mas, como eu estou dizendo, não tem economista progressista
com domínio de BC, com exceção desses dois que eu mencionei, que foram do
BC. Foram meus alunos, trabalharam comigo, conhecem teoria monetária. A
esquerda tem mania de não gostar de política monetária. A única monetarista
de esquerda era eu, mas é óbvio que eu não posso ser presidente do BC com
80 anos e com esse temperamento que eu tenho. Tem também o Luiz Gonzaga
Beluzzo, o próprio Luciano Coutinho.
Então hoje, ao contrário da década de 90, começa a haver um predomínio do
pensamento desenvolvimentista?
No Brasil sim, mas não no mundo. Olha para a Europa. A Europa está num
reacionarismo conservador que é uma desgraça, está pior que os EUA. Nos
EUA, até os conservadores viraram keynesianos por causa da crise. Na
Europa, os caras estão fiscalistas ao extremo, estão arrebentando com a
Europa, tem uma tendência japonesa de estagnação acentuada.
Essa conjuntura internacional, em que a China é o grande demandante,
favorece o Brasil?
É favorável. Quem é hoje o grande centro manufatureiro no mundo? É a Ásia,
ninguém compete em produtos manufaturados com eles, mesmo com a taxa de
câmbio melhor. Então aqui tem que ter um certo controle das importações,
mesmo disfarçado. Mas como, por outro lado, eles são realmente os maiores
demandantes de matérias-primas, hoje, sobretudo para a América do
Sul Brasil, Argentina, Chile, isso faz uma diferença cavalar.

E dumping de produtos chineses?

A China não está tendo o sucesso que está por causa de dumping, é por causa
da política inteira. Se houver dumping é feito pelas multinacionais que lá
estão, porque, ao contrário do Japão, a China não fez restrições a que na
área exportadora entrassem as multinacionais.
Você não pode deixar de levar em conta que mudou a divisão internacional do
trabalho. Paradoxalmente, não vejo muita gente mencionar isso. Houve uma
mudança radical da divisão internacional do trabalho, na qual nós estamos
bem colocados porque a gente exporta para todo mundo. E, em particular, no
que diz respeito a matérias-primas, exportamos mais para a China do que
para a Europa, por exemplo. Nunca exportamos matérias-primas para os EUA.
Mas a China também pode competir com os produtos industriais brasileiros em
terceiros mercados.
Ela pode competir com quem ela quiser. Claro que temos que nos precaver.
Por que a tendência hoje entre países em desenvolvimento é de acordos
bilaterais, quando sempre fomos multilateralistas? É porque o comércio
multilateral está de pernas para o ar. A crise americana arrebentou com o
sistema todo, com o sistema monetário, o sistema de comércio internacional.
Estamos num período de transição, no qual acho que o Brasil tem chance. Ter
uma disponibilidade de recursos naturais como nós temos, que vai da água ao
petróleo, não é qualquer país que tem. Isso ajuda, ao contrário de antes.
Não estamos baseados no café, mas numa pauta totalmente diversificada. E a
coisa do pré-sal vai ajudar.
Quando teve o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, com o Geisel (1975-
1979), ele tentou dar um salto qualitativo tecnológico.
Tentou, e nós começamos a exportação de manufaturas para valer.
Mas o Brasil ainda tem dificuldade de desenvolvimento tecnológico, por
exemplo em computadores.
Tem menos do que tinha na época. No Geisel, ainda estávamos começando e a
área de computadores fracassou. O projeto Cobra foi um desastre. Aí só
avançamos na área bancária, temos a mais desenvolvida em matéria de
computação do mundo. Estamos com tecnologia avançada em aviões, em
perfuração de petróleo, o que não é pouca porcaria.
Mas em relação à competição chinesa em informática, máquinas?
O que tem que entender é que a China é um híbrido. Não pode ser considerada
mais um país em desenvolvimento, mas tem uma área subdesenvolvida, com uma
população gigantesca, no campo. A China ainda tem que caminhar para dentro,
desenvolver o mercado interno. Mas ela tem um solo esgotado. Ao contrário
da mudança de centro [capitalista] da Inglaterra, que não tinha produtos
primários, para os EUA, que tinham, o que levou ao fim do modelo primário-
exportador na América Latina, a China vai ter décadas ainda importando
produtos primários, tanto na parte alimentar quanto na de minério e
petróleo. Para nós está bom.
Mas quando se fala do risco de desindustrialização...
É por causa das importações e do câmbio. O resto quem fala está fazendo blá-
blá-blá, porque toda a indústria está aí ainda.
Mas um argumento é que a indústria é que dá emprego de qualidade para os
jovens, e não o setor primário.
Não é verdade. Os empregos de qualidade costumam ser no setor terciário,
nos bancos e nos serviços de utilidade pública. Pelo lado do emprego eu não
estaria preocupada. Estamos com problema de desemprego estrutural, mas
devido à pobreza. Com uma política de combate à pobreza e com uma política
de educação você repõe as bases de um país desenvolvido. Desta vez, acho
que a maldição do Celso Furtado, que era desenvolvimento junto com
subdesenvolvimento, pode terminar.
Na indústria, a parte de capital estrangeiro em geral não faz
desenvolvimento tecnólogico, traz da matriz, o que é um problema. Mas, como
a divisão internacional do trabalho está mudando, também há a tendência de
adaptar produtos a cada mercado em que as empresas estão instaladas.
Quanto à indústria nacional, o Ministério de Ciência e Tecnologia e a Finep
[Financiadora de Estudos e Projetos] continuam fazendo o que podem para
fazer semeadura de tecnologia, sobretudo na pequena e na média empresas. O
BNDES faz também para a grande empresa, até porque ninguém acredita que
seja possível competir lá fora sem isso. Se não tivéssemos tido avanço
tecnológico em aços especiais, claro que a Gerdau não estaria com filiais
até nos EUA.
Eu tenho trabalhado na questão da internacionalização do capital, e tenho a
impressão que por esse lado não estamos tão mal. O nosso problema é fechar
a brecha entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento nosso, que é menos
problema do que para a China e para a Índia.
São situações muito díspares. Não tem centro e periferia como antes. Tem
países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos. A Rússia
sim desmantelou a indústria toda. Só exporta gás e petróleo. Isso é que é
uma situação ruim. Está lá no Bric [Brasil, Rússia, Índia e China] um pouco
fora de propósito.
A discussão agricultura versus indústria é datada, do pós-Segunda Guerra.
Ninguém vai fazer uma opção por um outro. Precisa de agricultura familiar,
de agrobusiness, da indústria de transformação.
Agora, estou de acordo que, na indústria eletroeletrônica, por causa da
Zona Franca de Manaus, montamos uma fábrica de montagem e não avançou
ainda. Mas vai avançar, não tem dúvida. Até porque o BNDES tem política
setorial, como na farmacêutica e na química.
E a acusação de que o governo Lula escolhe as empresas beneficiadas?
Política industrial só horizontal não vai para lugar nenhum. Tem que
continuar as horizontais, mas tem que fazer as setoriais. Se não escolher
setores e empresas, não avança. Não estamos num mundo de concorrência
perfeita. Estamos num mundo monopolista. Se não tiver grande empresa aqui,
não vamos para lugar nenhum.
O período do livro é caracterizado como a "modernização conservadora" do
Brasil. O Brasil ainda vive esse fenômeno ou pode acertar contas nesse
ponto?
A parte da modernização conservadora que diz respeito ao grande capital,
bancário, industrial, uma parte das construturas, vive. Grande capital é
grande capital, está pouco se lixando para ideologia. É conservador no
sentido de que não teve uma democratização da propriedade.
Não teve reforma agrária.
Tem que terminar, com a pequena produção agrícola independente, e a pequena
e a média empresas com tecnologia e apoio. Essa ideia do cartão BNDES, que
aliás foi o Lessa que inventou, com o qual se pode pedir R$ 1 milhão para
fazer uma padaria, montar uma pequena empresa. O Lessa botou o BNDES outra
vez no espírito de ser um banco de desenvolvimento. No governo de Fernando
Henrique, era só um banco da privataria. Só não foi ameaçado porque tem a
indústria que demanda recursos.
A senhora está otimista, então?
Pela primeira vez na história do Brasil não há uma crise da dívida externa.
Em segundo lugar, voltamos a usar o BNDES, desde o começo do governo Lula,
para promover o desenvolvimento. A coisa social mudou também radicalmente.
Consolidou-se a inflação baixa, não precisa ter taxa de juros lá em cima
para que ela caia. Está estabilizada.
Isso muda tudo, porque a inflação é uma praga para os salários. O pessoal
da esquerda não levava isso em conta, o que era uma asneira. Com inflação,
nenhuma política salarial resolve. Lembra que tinha indexação dos salários
e a inflação corria na frente.
Estamos numa situação bem melhor do que nunca estivemos desde a década de
30. E também com estabilidade política, por mais que façam esse banzé. Se
você afirmou a democracia, se está afirmando as políticas sociais, se está
continuando a política industrial, eu estou otimista, pela primeira vez,
para dizer a verdade, porque em geral sou pessimista. Espero não me
equivocar, mas, também, se me equivocar não vou estar viva para ver.
E como a sra. vê a situação dos EUA?
Estou com os keynesianos de lá, como o Paul Krugman. Acho que fizeram pouco
e mal feito. Mas isso não é culpa do presidente. Ele tem um Congresso
desvairadamente conservador.
Isso sim me preocupa no Brasil. O pessoal só presta atenção na eleição para
a Presidência, mas é importante ver o Congresso. Vamos ver se dá um Senado
um pouco melhor, mas de qualquer maneira a capacidade de negociação
continua. Nisso o velho [economista ortodoxo] Otavio Gouveia de Bulhões
[1906-1990], meu mestre antigo, tinha razão, que o Executivo é mais forte,
mas para fazer reformas tem que passar pelo Congresso.
Algumas coisas, como reforma tributária e política, dependem do Congresso,
e em geral os congressistas não querem mudar o status quo. São reformas que
eu vejo que são importantes, e que o Congresso provalmente vai continuar no
chove não molha. Vamos ver se a gente consegue.
Mas a reforma tributária deve reduzir a carga como proporção do PIB ou a
natureza dos impostos?
Como vai mudar a carga sobre o PIB, com as demandas de política pública que
você precisa fazer? Não, tem que mudar a carga mal distribuída e a
estrutura dos tributos, que é muito complexa, muito atrapalhada. Continua
aquela briga entre os Estados sobre o ICMS [Imposto sobre Circulação de
Mercadorias].
Hoje o Lula já sacou que precisa fazer aliança nos dois sentidos, com o
PMDB para uns fins e com os partidos minoritários da esquerda para o outro.
Acho que não está tão difícil como já esteve.
Mas a sra. acha que, qualquer que seja o sucessor do Lula, vai ter o jogo
de cintura dele?
Qualquer que seja é problema seu. Eu acho que já está decidido. Mas pode
ser de novo que eu esteja otimista demais. O fato é que, com Dilma ou
Serra, haverá o mesmo problema no Congresso, essas duas reformas serão
difíceis. Depende de quem eles botarem para ser o negociador com o
Congresso.
Evidente que a capacidade do Lula ninguém vai ter mais neste país, porque o
único com capacidade semelhante foi o Vargas. Acabou mal, coitado, o que
não é o caso do Lula, que negociou durante oito anos e está terminando
muito bem. Isso também é uma novidade. Você já viu algum presidente que
veio do povo como esse, apesar de todos os percalços e denúncias, ter
conseguido isso? Além do fato de hoje o Brasil estar no cenário
internacional graças a ele.
São coisas que, para mim, marcam uma mudança e uma transição. Estou
convencida de que estamos numa transição e que efetivamente, ganhe quem
ganhe, não vão arrebentar com o Brasil, embora eu prefira a Dilma porque
conheço o caráter progressista dela e o Serra ficou mais conservador.
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