Seringais do Amazonas: Cotidiano e doenças (1880/ 1925)

July 25, 2017 | Autor: Antônio Emilio Morga | Categoria: Cultural History
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Resumo: Nas primeiras décadas de 1900, os seringais do Amazonas sofreram um acentuado aumento populacional. Este aumento populacional deu-se devido à corrente migratória oriunda, principalmente, do nordeste brasileiro. Seduzidas pela borracha, milhares de pessoas migraram para os seringais com a esperança de que, por meio da exploração do látex, pudessem acumular riquezas e conquistarem uma vida melhor. Contudo, diante da riqueza farta que jorrava dos seringais não só as condições sanitárias, mas também as condições de vida dos seringueiros eram precárias. Acometidos pela febre amarela, cólera, malária e outras moléstias, os seringueiros que se aventuravam no interior da floresta viviam, constantemente, uma luta contra a morte que rondava os seringais. Acuados muitas vezes pelas doenças e fome, os seringueiros tornavam-se presas fáceis das epidemias, as quais assolavam os seringais do Amazonas no período analisado neste artigo. Palavras-Chave: Seringal; seringueiro; epidemias; Amazonas.

Rubber tree plantations of the Amazon: Daily life and diseases (1880-1925) Summary: In the first decades of 1900, the rubber tree plantations of the Amazon suffered a sharp population increase. This population increase was due to the arising migration stream, mainly from the Brazilian northeast . Seduced by rubber, thousands of people migrated to the rubber tree plantations with hope that, by exploiting latex they could accumulate wealth and to enjoy a better life. However, given the abundant wealth that was pouring from the rubber not only health conditions, but also the living conditions of the rubber tappers were harsh. Affected by selvatic yellow fever, cholera, malaria and other diseases, tappers who ventured into the woods, constantly lived a fight against death that haunted the rubber plantations. Often Cornered by disease and hunger, tappers became easy prey to epidemics which ravaged the rubber tree plantations of the Amazon during the period analyzed in this article. Keywords: rubber tree plantation; tapper; epidemics; Amazonas.

Resumen: En las primeras décadas del 1900 , las plantaciones de caucho de la Amazonia sufrieron un aumento de la población agudo. Este aumento de la población se debe a la corriente migratoria procedente principalmente del noreste de Brasil. Seducido por el caucho, miles de personas emigraron a la goma con la esperanza de que , a través de la explotación de látex , podría acumular riqueza y de disfrutar de una vida mejor. Sin embargo , dada la abundante riqueza que estaba vertiendo el caucho no sólo las condiciones de salud , sino también las condiciones de vida de los recolectores de caucho eran precarias . Afectado por la fiebre amarilla , el cólera , la malaria y otras enfermedades , los extractores que se aventuraron en el interior del bosque vivían constantemente una lucha contra la muerte , que estaba cerca de goma. Acorralado menudo por la enfermedad y el hambre , el caucho se convirtió en presa fácil de la epidemia, que devastó las plantaciones de caucho de la Amazonía en el período analizado en este artículo.

Palabras clave: plantación de caucho ; recolector ; epidemias ; Amazonas.

Seringais do Amazonas: Cotidiano e doenças (1880/ 1925)

No final do século XIX, quando começaram a surgir os primeiros seringais no entorno dos rios amazônicos, as condições de moradia e de saúde dos desbravadores que ousaram viver da exploração do látex, eram precárias. Constituídos em lugares de isolamento, os seringais, segundo Bárbara Weinstein,

eram grandes “extensões de área de florestas, administradas por um patrão, que coordenava a produção da borracha, mediante arrendamento de estradas de seringa a seus fregueses: os seringueiro”.1 Neste cenário, poucas eram as alternativas que os moradores tinham para lidar com as doenças, com as epidemias e com os problemas de saúde que assolavam a população. Segundo Arthur César Ferreira Reis, no início da formação dos seringais a impressão que se tinha era a de que seria impossível conquistar a mata por meio de concentrações humanas, as doenças e as epidemias eram muitas, as condições sanitárias péssimas e a mortalidade principalmente na época da vazante dos rios eram altíssimas. As condições sanitárias na Amazônia, durante o período áureo do assalto a floresta, no “rush”, autorizavam a impressão de que não seria possível conquistá-la social e economicamente pela permanência de concentrações humanas. Nenhuma sociedade vingaria ali, impondo a sua vontade na disciplinação do ambiente. 2 A mortalidade era alta, em particular na época das vazantes.

A literatura indica como os moradores dos seringais, nesta primeira fase de exploração da borracha se organizaram, em busca da sobrevivência. O patrão, aquele a quem os seringueiros deviam obrigação e respeito, estabelecia seu barracao de madeira em um ponto estratégico do seringal. Ao redor, e respeitando determinada distância, eram estabelecidos os pequenos casebres de madeira que serviam de moradia para os seringueiros trabalhadores, em volta ficavam as extensas estradas de seringa, onde os seringueiros passavam a maior parte do dia.

1

WEISNTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência, 1850-1920. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade de São Paulo, 1993. P 21. 2 REIS, Artur César Ferreira. O Seringal e o Seringueiro. 2. ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas. Governo do Estado do Amazonas, 1977. p 132.

Figura 01 – Barranco onde os seringueiros se abasteciam de mercadorias Além dos relatos deixados pelos viajantes, é possível saber sobre os hábitos de vida dos habitantes do interior do Amazonas, analisando relatórios deixados por agentes sanitários. Homens que percorreram a floresta levando remédios, roupas e oferecendo assistência. Este profissional da saúde era enviado para as regiões mais remotas da mata, e sua função também era a de observar os hábitos higiênicos e as condições de moradia da população e, desta forma, relatar e propor as autoridades de Manaus medidas para amenizar a dor e o sofrimento das pessoas. Neste artigo, pautaremos nossas análises em alguns relatos deixados por viajantes que percorreram os autos rios amazônicos, onde relataram sobre o que viram, sentiram e analisaram, bem como no relatório publicado no ano de 1924 pelo senhor Dr. Belizário Pena, que na época era diretor do serviço de saneamento

e profilaxia rural do Amazonas. Esse relatório é conhecido como: “Dois anos de saneamento”. Por fim trabalharemos à luz de alguns jornais que circularam as vilas e comarcas, próximas aos seringais. Trataremos também a respeito da solidariedade mútua que contagiava os habitantes da floresta.

Figura 02 – Seringueiro sangrando as árvores de seringas

Muitos foram os viajantes que percorreram a região da Amazônia. La Condamine, Martius, Spix, Ave-Lallemant, Louis Agassiz, Henry Walter Bates, Wallace, dentre outros. Alguns desses viajantes passaram pela região antes do “boom” da borracha na Amazônia, período em que a região sofreu suas maiores transformações sociais, políticas e culturas. Outros, porém, puderam presenciar este momento importante na história da região, é o caso, por exemplo, de Bates e Wallace. Esses viajantes geralmente eram naturalistas que vinham para o Brasil em busca de ampliar seus conhecimentos em determinadas ramificações da ciência. Ao chegarem, os viajantes se depararam com situações nunca vivenciadas, era o contraste entre o “mundo civilizado”, e a selva. O trabalho deles consistia em observar os hábitos da população e, colher espécies de animais e plantas para estudar sua composição e origem. Como parte do processo de adaptação, os viajantes tiveram que suportar o calor intenso da mata, se alimentar do que a selva oferecia e muitas vezes passaram pelos mesmos problemas que a população passava. Segundo Ana Maria de Morais Belluzo, Henry Bates não ficou imune às doenças que assolavam a população, ele foi vítima por várias vezes das constantes epidemias que castigava os habitantes da floresta. Diante de sua enfermidade Bates relata: Minha febre parecia ser a culminância da deteriorização da saúde, que vinha processando a alguns anos. Expusera-me demais ao sol, trabalhara além das minhas forças, seis dias por semana, além de 3 tudo, sofrerá muito com a alimentação má e insuficiente.

Os fatores que ameaçavam a saúde da população eram muitos: terrenos alagadiços, calor intenso, insetos, má alimentação, tudo isso associado a falta de hábitos saudáveis, resultava em constantes doenças e epidemias propiciando um cenário de morte e sofrimento. “As doenças que mais dizimam a população eram

3

BELLUZO; Ana Maria de Morais. O Brasil dos viajantes. São Paulo: Metalivros, 1994. p. 130.

a malária, a beribéri e a polinevrite palustre, essas doenças provocavam desfalques espantosos na população”.4

Figura 03- Manipulando ervas medicinais

A luta das autoridades do Amazonas para por fim às constantes epidemias que assolavam a população e dizimavam inúmeras vidas, começou logo cedo. À medida que os seringais foram se desenvolvendo e pessoas foram chegando, mais doenças foram surgindo. Esta situação exigia respostas rápidas por parte das autoridades e uma das alternativas encontradas foi a de publicar diariamente nos jornais informações contendo conselhos médicos, medidas de prevenção e algumas soluções para os casos mais graves. Conselhos Médicos: O paludismo é nosso supremo mal, é pela sua extincção que devemos fazer convergir todos os esforços possíveis. Outro morbo aqui não existe que tenha tanta influência perniciosa, tanta tendência congestiva para o lado das vísceras abdominaes,

4

Idem, p 133.

arruinando a saúde, predispondo o organismo a outras moléstias que elle implica e agrava.5

Além dos conselhos médicos, publicados nos jornais diariamente, que serviam

como

medidas

preventivas,

as

autoridades

do

Amazonas

disponibilizavam postos itinerantes de atendimento clínico, eram barcos que passaram regularmente pelos seringais, distribuindo remédios e divulgando informações sobre hábitos de higiene e prevenção de doenças. O paciente convalescido era atendido com os devidos cuidados, entretanto, em casos de recaída após a passagem do barco, o doente ficava a mercê da sorte, a espera de uma nova oportunidade de atendimento. O que não se verifica com os nossos postos itinerantes, pois após a passagem do clinico vizitador, o doente se vê privado de recursos médicos e pharmaceuticos para fazer face a uma recaída ou uma 6 convalescência necessária.

Os surtos de malária chegavam muitas vezes a dizimar metade da população. E os postos de atendimentos itinerários não eram suficientes para atender a todos. A doença de manifestava inicialmente através de uma forte indisposição seguida de febres, dores de cabeça, calafrios, calor intenso e em casos mais graves pelo comprometimento visceral. O único remédio capaz de amenizar o sofrimento era o quinino e os pacientes podiam adquiri-lo através dos postos itinerantes. “sabemos que é a quinina o específico do palludismo por excellência, cumpre, pois, administrá-la systematicamente desde que a absorpção seja possível”7. Porém, nem sempre o organismo aceitava o remédio, e havendo rejeição a morte era inevitável. “Por carta que nos foi gentilmente mostrada, sabemos haver fallecido no rio Pauhiny, deste município a senhora Cândida Rodrigues Cavalcante de Souza, victima de um terrível ataque de febres”. 8 Estes postos itinerantes de atendimento e assistência aos seringais tiveram um papel importantíssimo na vida dos moradores. Além de servirem como elo entre a cidade de Manaus e o interior do Amazonas, trazendo notícias, informações sobre as ultimas novidades com relação a borracha enviada para a 5

Jornal Senna Madureira – 27 – 04- 1911

6

Relatório “Dois anos de saneamento” 1924. P.13.

7

Jornal O Alto Purus – 05-10-1918

8

Jornal do Purus – 17-06-1911

capital, orientações sobre hábitos higiênicos e alimentares, eles eram esperados com ansiedade, pois neles era depositadas a esperança de cura e de sobrevivência. Estes homens que passavam dias e dias sobre as águas, percorrendo longas distancias, levando saúde e esperança às comunidades também sofriam suas agruras, alguns deixavam seus lares, suas famílias e se colocavam sobre os rios enfrentando épocas de calor intenso, outras de chuvas torrenciais e ventos fortes. E ao final de cada ano, deveriam entregar às autoridades um relatório contento informações sobre os caminhos percorridos por entre os rios amazônicos. Um dos agentes, no relatório de viagem, descreve minuciosamente os caminhos percorridos no atendimento das populações que viviam nos seringais Consegui realizar em 1922 três viagens, percorri o rio Amazonas até os limites do Pará, e do rio Javary, do lago o Solimões até o Remate de Males, o Purus até Lábrea, parte do rio Javary, do lago Ayapuá com os igarapés que lhes ficam próximos. 9

E com o tempo, as ações dos agentes sanitários, através dos postos itinerantes, não foram mais suficientes para resolver os problemas de saúde da população que se multiplicava. Surge então a necessidade de criação de hospitais, e estes deveriam ser criados não apenas nos maiores centros urbanos, ou seja, nas comarcas, mas também nas vilas e vilarejos próximos aos seringais, garantindo assim assistência médica à todos. Além da creação de hospitaes nas cidades principais e postos itinerantes para descobrir os necessitados de auxilio médico e difundir rudimentos de hygiene, deveriam ser creados hospitaes em todos e qualquer núcleo de mais de quinhentos habitantes, quer fossem fazendas, seringais, ou povoados. Hospitaes esses para prestar socorro não somente as pessoas do núcleo mais também aos habitantes da circunvizinhança.10

Além do atendimento dos postos de saúde itinerantes e da assistência medica hospitalar, exista entre os moradores dos seringais do Amazonas um sistema de solidariedade mútua. Providenciar uma receita caseira feita com ervas e plantas oferecidas pela floresta, e compartilha-la com os conhecidos eram atitudes corriqueiras, procurar um curandeiro, feiticeiro ou benzedor para atender o doente, e em casos mais graves, percorrer longas distâncias em canoas e barcos

9

Relatório “Dois anos de saneamento”, 1924, p 51.

10

Idem, p.13.

com o convalescido a bordo em busca de um farmacêutico que pudesse lhes prestar socorro, eram algumas alternativas recorridas. “Nos seringais, como era natural não havia nem medico nem farmacêutico.”11 Arthur César Ferreira Reis relata que muitos seringueiros faziam uso de “café beirão” e outros medicamentos que julgavam apropriados em momentos de crise, porém essa medida pouco resolvia. A medida mais sensata era procurar ajuda nos grandes centros urbanos, porém o autor ressalta ainda, que as remessas de enfermos para Manaus ou Belém nas gaiolas e lanchas eram interrompidas constantemente para enterrar nas beiras dos barrancos os doentes que faleciam no percurso.

Figura 04 – Casa de palha onde viviam os seringueiros

11

REIS, op.cit.; p. 134

A prática de recorrer a benzedores, feiticeiros e curandeiros também surgiu como alternativa nos seringais. A pesar de ter sido proibida pela Coroa Portuguesa desde o período colonial, essa prática era bastante difundida entre os moradores do interior do Amazonas, talvez pela necessidade de se apegar a alguma solução imediata, eles recorriam a tais práticas. Segundo Laura de Melo e Souza12, um significativo número de feiticeiros e curandeiros veio degredado de Portugal logo no início da colonização, essas pessoas, incursas no crime de feitiçaria e curandeirismo em Portugal, disseminaram tais práticas por onde passaram. Na ausência de um curandeiro buscavam-se com a sabedoria dos pages as várias formulas de cura das sociedades indígenas. Entre os seringalistas os pages tinham preferência, pois acreditavam por serem profundos conhecedores da floresta e por viverem nelas sabiam exatamente como lidar com as ervas e quais eram as mais adequadas para as várias enfermidades que assolavam os seringalistas. No interior do Amazonas, a feitiçaria, a pajelança, o curandeirismo e a benzedura eram práticas extremamente comuns entre os moradores. Apesar dos jornais instruírem a população quando a ineficácia e quanto aos perigos de destas práticas, os moradores da mata insistiam em recorrer a elas, pois acreditavam, tinham fé, que a magia e feitiçaria poderia os livrar das enfermidades. Victimão, grandemente os habitantes do Purus, as moléstias agudas das vias respiratórias, o tratamento empregado é igualmente defeituoso e temos visto em vez de uma poção de Laennec, os doentes mandarem buscar um curandeiro qualquer, a que dão o nome de resador ou benzedor o qual os medica bensendo a parte em que o acham que manifesta pela dor agudíssima. 13

Segundo o cronista, do jornal Purus, buscar por curandeiros, feiticeiros, pages e benzedores contava com a simpatia de pessoas de vários segmentos sociais.

12

SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. 13

Jornal do Purus 10-04-1904

Isso vê-se em todas as classes e o concurso de tal superstição mantêm se invencível no preparo da mortalidade, pela educação do povo em parte e muito mais pelo abandono em que se acham longe do auxilio medicinais, a instancia da dor e a tendência de acreditar no maravilhoso, a míngua de socorros inteligentes e apropriados impellem o doente de apegar-se as tradições paternas das velhas raças tupy-lusa, de que descendem. 14

A grande maioria dos moradores vivia em casas de madeira, construídas com madeiras “Paxaúba”, essas casas eram erguidas do chão, suspensas por grandes pernas de paus que serviam para protegê-las das constantes inundações que aconteciam em épocas das cheias dos rios. Esse era o período de maior proliferação das doenças, a água invadia o seringal e juntamente com ela, vinham moscas e insetos. O ideal a se fazer era tomar as providencias de higiene e proteger as janelas e portas das casas com telas de forma a não permitir a entrada dos insetos. Entretanto, mesmo com todos os cuidados necessários as epidemias assolaram os seringais e dizimam muitas pessoas.“Devido a vazante do rio, como sempre acontece nesta época do ano, desenvolveu-se em diversos pontos cazos de febre palustre, sendo que algumas delas foram fatais”.15 Muitas notícias publicadas nos jornais dizem da falta de asseio da população nos seringais, e muitos relatos de viajantes também mencionam esta condição entre os moradores da mata. Entretanto, Wallace, viajante que percorreu a Amazônia no séc. XIX saiu em defesa dos moradores e afirmou que eles viviam em harmonia com as condições oferecidas pela mata. Essa impressão de falta de asseio e ordem desapareceu ao admitir que essas características “são decorrentes do clima”, porque os amplos e altos cômodos, com pisos de tabuas, escasso mobiliário, e meia dúzias de porta e janelas em cada um, podem parecer a primeira vista desconfortáveis, mas são absolutamente adequados para a região tropical na qual seriam absolutamente insuportáveis os quartos cheios de tapetes, cortinas e almofadas.16

As doenças nos seringais do Amazonas não se restringiam apenas aos surtos epidêmicos de malária, a beribéri ou as febres palustres. No caso das mulheres, por exemplo, os jornais registravam que as principais doenças sofridas 14

Idem

15

Idem

16

ALVES; José Jerônimo de Alencar. Determinismo climático e salubridade Amazônica na percepção de Bates e Wallace. In: Caderno, história e ciências. v.4. n.2. Rio de Janeiro, 2008. p 43.

por elas eram conhecidas como flores-brancas, hemorragias, cólicas uterinas, dores reumáticas e irregularidades menstruais, sempre seguidas de febres altas. Alguns jornais traziam colunas semanais sobre a saúde da mulher, informando as mulheres quanto as principais doenças da região, sobre os métodos de prevenção e divulgação de tratamentos. Elizabeth Agassiz, esposa de Louis Agassiz, importante viajante que percorreu a floresta amazônica por volta de 1865, dedicou parte de sua viajem para auxiliar o marido em seus relatos, mas também, deixou algumas de suas observações sobre o modo de vida das mulheres indígenas. E neste contexto, registrou suas impressões sobre as doenças que elas sofriam, principalmente nos olhos e na pele. Mesmo quando se mostra surpresa pela beleza das indígenas de Tefé, no Amazonas, Elizabeth relata na mesma oportunidade a recorrência de doenças às quais os índios estariam predispostos, especialmente nos olhos e na pele. Apesar da perspicácia, Elizabeth não imagina que a condição precária de saúde dos indivíduos indígenas podia dever-se à situação de contato, e chega a dizer que "estes estão mais sujeitos às doenças do país que os estrangeiros.17

Entre os moradores havia solidariedade. De acordo com os jornais as receitas caseiras que obtinham sucesso eram repassadas entre a comunidade, e muitas vezes apareciam nos jornais em forma de depoimentos, registrando assim, sua eficácia diante do tratamento. Declaro que minha sobrinha Mariana, 15 annos de idade, achava-se gravemente doente do peito. Sentia grandes palpitações de coração, tosse desesperadora e dores agudisimas no peito e nas costas, quando tomava respiração. Lembrei-me, depois della ter usado muitos medicamentos sem resultado, dar-lhe o elogiado “peitoral de cambara ”descoberta do Sr. Visconde de Souza Soares, e com o uso deste medicamento, achou-se completamente livre de tão terrível enfermidade. 18

Além da circularidade de notícias publicadas nos jornais, médicos e farmacêuticos que residiam nos grandes centros próximos aos seringais, tinham 17

SANTOS; Fabiane Venente. Brincos de ouro, saias de chita: Mulher e civilização na Amazônia segundo Elizabeth Agassiz em viajem ao Brasil (18651866) In: História, ciência e saúde – Manguinhos, v.2 n.1. Rio de janeiro. 2007. p 15. 18

Correio de Purus 13-05-1900

por hábitos elaborarem os “guias médicos”, que eram manuais contendo informações básicas sobre saúde e, estes manuais eram deixados à disposição dos moradores. “Acha-se a venda na typographia do jornal do Purus, à ultima edição da utilíssima obra “Guia medico” para uso dos habitantes do interior, pelo Ilustre Dr. Hermenegildo Lopes de Campos”. 19 Um remédio muito usado no tratamento de várias doenças entre os moradores dos seringais era conhecido como emulsão Scott. Feito a base de óleo de fígado de bacalhau, esse medicamento era utilizado na prevenção de várias doenças, auxiliando também, no tratamento de infecções pulmonares. Sua eficácia era difundida pelos jornais, que alertavam os moradores a comprarem a legitima emulsão scott, levando o leitor a entender que imitações do remédio percorriam a região. Houve um período da historia da extração do látex, onde havia fartura de mercadorias circulando os seringais, estudos têm mostrado20 que no auge da exploração da borracha no Amazonas, as casas aviadoras abasteciam os barracões com produtos diversos, desde produtos alimentícios à remédios e roupas adequadas para o viver na mata. Neste período a alimentação dos moradores dos seringais não era mais tão precária, principalmente, a daqueles que tinham condições de adquirir os produtos oferecidos pelos barracões. Porém ao chegar a crise da borracha, muitas pessoas foram abandonando os seringais e os poucos seringueiros que permaneceram na floresta voltaram a viver naquela condição de miséria que marcou os primeiros anos de exploração do látex. Muitas pessoas que ali permaneceram passaram a alimentar-se basicamente de farinha e peixe e essa alimentação empobrecida deixava o organismo exposto a mais doenças. As crianças vêem nuas a beira dos barrancos a passagem dos navios, não tem os homens a mínina noção de higiene e de conforto, não sonham ambições, não economizam, o que aliás seria impossível com a crise presente, de modo que se acham a comer farinha e peixe, e são incapazes de enfrentar contratempos, mesmo as moléstias que lhes minam o organismo pauperado.21

19

Jornal do Purus 04- 06- 1911

20

LEONARD, Victor. Os Historiadores e os rios: Natureza e ruína na Amazônia brasileira. Brasília: Paralelo 15. Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 98. 21

Relatório – “Dois anos de saneamento”. 1924, p 11.

Mariana Pantoja, pesquisadora que acompanhou a vida, as histórias e o cotidiano de uma família por varias gerações nos seringais mais distantes do Amazonas, revelou através da fala do Sr. Milton que no período da crise, havia barracões onde nas prateleiras não havia sequer os produtos necessários a sobrevivência na floresta. “[...], os seringais estão cheios , os seringueiros trabalham e produzem borracha, o patrão está lá no barracão, mas não há nas prateleiras fartura dos artigos de estiva necessários a vida dos grupos domésticos na floresta”.22 Apesar de todas as diversidades que a floresta impunha aos seringalistas e diante de todos estes problemas e dificuldades em que viviam os moradores dos seringais do Amazonas buscavam soluções para seus problemas. Como demonstra a historiografia o seringalista era um sobrevivente por natureza. Conhecedor das entranhas da floresta espessa estes homens reinventaram sua existência diante das epidemias, buscando nas plantas nativas, nas pajelanças, nas rezas das benzedeiras o conforto e a cura para as doenças. A fé e o desejo de ser livre da doença eram fatores que os motivavam a buscarem uma saída diante da morte que os espreitavas no seu labor diário.

22

PANTOJA, Mariana. Os Milton: Cem anos de história nos seringais. Recife: Fundação Joaquin Nabuco / Editora Massagana, 2004. p 102.

Referências: ALVES; José Jerônimo de Alencar. Determinismo climático e salubridade Amazônica na percepção de Bates e Wallace. In: Caderno, história e ciências. v.4. n.2. Rio de janeiro 2008. BELLUZO; Ana Maria de Morais. O Brasil dos viajantes. São Paulo: Metalivros , 1994. LEONARD, Victor. Os Historiadores e os rios: Natureza e ruína na Amazônia brasileira. Brasília: Paralelo 15. Editora Universidade de Brasília, 1999. PANTOJA, Mariana. Os Milton: Cem anos de história nos seringais. Recife: Fundação Joaquin Nabuco / Editora Massagana, 2004. REIS, Artur César Ferreira. O Seringal e o Seringueiro. 2. ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas. Governo do Estado do Amazonas, 1977. SANTOS; Fabiane Venente.

Brincos de ouro, saias de chita: Mulher e

civilização na Amazônia segundo Elizabeth Agassiz em viajem ao Brasil (18651866) In: História, ciência e saúde – Manguinhos, v.2 n.1. Rio de janeiro. 2007 SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência, 18501920. São Paulo: HUCITEC – Editora da Universidade de São Paulo, 1993. Fontes: Arquivos/ Amazonas Museu Amazônico Relatório – Dois anos de saneamento – 1923 IGHA – Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas Jornais: Correio de Purus – 13 -05 - 1900 Jornal do Purus - 17/06/1911 - 04/06/1911 - 10/04/1904 Senna Madureira – 27 – 04 - 1911 O Alto Purus – 05 – 10 - 1918

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