SERTÃO VIVO, EM CORES: linguagem fotográfica, leitura de imagem e percepção visual

May 24, 2017 | Autor: S. Pereira da Silva | Categoria: Visual and Cultural Studies, Educación, Fotografia
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SERTÃO VIVO, EM CORES: linguagem fotográfica, leitura de imagem e percepção visual. Antenor Rita Gomes1 Sergio Luiz Pereira da Silva2

Resumo Este artigo aborda a percepção estética visual do Sertão através dos aspectos cromáticos de nove fotografias de Sérgio Luiz Silva, produzidas para o Projeto “Cores do Sertão” do Núcleo de Cultura Visual, Educação e Linguagem (Cult-VI) da UNEB – Campus IV. O texto aborda, ainda, aspectos cognitivos e epistemológicos que envolvem os processos de percepção e leitura das imagens, procurando compreender as implicações disso na construção de representações sobre o universo sertanejo. Palavras chave: Sertão Nordestino. Imagem Fotográfica. Percepção visual

Abstract This article deals with the visual aesthetic perception of Sertão through the chromatic aspects of nine photographs of Sérgio Luiz Silva, produced for the "Colors of the Sertão" Project of the Center for Visual Culture, Education and Language (Cult-VI) of UNEB - Campus IV. The text also addresses cognitive and epistemological aspects that involve the processes of perception and reading of images, trying to understand the implications of this in the construction of representations about the sertanejo universe. Keywords: Keywords: Northeastern backwoods, Photographic Image, Visual perception.

Introdução A expressão da realidade através do realismo estético, presente nas imagens fotográficas, vídeo, cinema e nos meios de comunicação, constituise como um senso comum que permeia a percepção do cotidiano na modernidade (JAGUARIBE, 2007, p.15). Realismo e ficção, disputam status 1 Professor Titular da Universidade do estado da Bahia – UNEB/ Capus IV 2 Professor Associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO

de representação objetiva da realidade nessa sociedade da informação visual de valores efêmeros. O Processo de reprodução da imagem e as referências simbólicas nela incorporados, são estruturados procurando atingir setores diferenciados por seguimentos de classes, grupos, respeitando valores ideológicos relativos a comunicação visual. Há nesse processo, uma lógica instrumental e tencnicamente elaborada de se produzir uma comunicação visual, com base na qual os elementos ideológicos da cultura ocidental são publicizados. É importante lembrar que a imagem tem sido objeto de estudo de vários ramos da Ciência que a tomam como problemas decorrentes da própria realidade, portanto, pode ser estudada pela Psicologia, pela História, pela Arte, pela Literatura, pela Neurologia etc, fazendo com que cada vez mais a imagem seja entendida como objeto de leitura transversal e multidisciplinar. Essa lógica interdisciplinar, em certa medida, tem na centralidade do olhar e da imagem, uma relação de afinidade entre imagem, simulacro e realidade. Sendo assim a disputa pela representação do real, constituído imageticamente, entra em choque com a própria realidade. O paradoxo do realismo consiste em invenções e ficções que pareçam realidades.(...) A realidade é socialmente fabricada, e uma das postulações da modernidade tardia é a percepção de que os imaginários culturais são partes da realidade e que o nosso acesso ao real e a realidade somente se processa por meio da representação, narrativas e imagens. (JAGUARIBE, 2007, p. 16). A cultura visual pressente nesse processo de construção social da realidade pelo olhar ancora uma ação social na forma de ver e um diálogo sobre o que vemos. Consumidores de imagens, que somos todos nós, lidamos com formas de representações dentro de uma lógica da ação social, ou seja dotamos um sentido ao que vemos e é a partir dele que se instaura o nosso processo de sociabilidade na sociedade da informação. A ação social do nosso olhar, nos permite uma compreensão do mundo imediato dentro da nossa cultura.

A ação social do olhar no ator do ver se constitui em um canal privilegiado de aprendizagem, pois o gesto de olhar e observar se traduz em um tipo de experiência e estabelece relações diretas com a pessoa e com os sentidos. Lemos com os olhos ou com outras formas táteis de percepção. O ato de observar é uma experiência formativa. Em alguns tipos de pesquisa a observação é a principal forma de conhecer. Observar é um gesto de produção de sentido desde o momento da escolha do objeto, do anglo da observação e das alterações provocadas no cenário. É por causa disto que se diz que o observador altera a cena observada e é modificado por ela. Ademais o alcance da observação depende da capacidade do olhar da pessoa. Assim, ler é olhar e interpretar o que se ver. O olhar de cada pessoa vai até onde a sua capacidade de produzir sentido é capaz de chegar. É comum que duas pessoas observem a mesma cena e tenham entendimentos distintos, por que são distintas as formações e as informações que cada um detém sobre o mundo e sobre os fatos. De qualquer forma, a experiência do olhar estabelece uma relação privilegiada com a memória, com a pessoa e com as aprendizagens. As imagens possuem uma materialidade que possibilitam a observação. Diferentemente das palavras que se ancoram em representações mentais, as imagens já são elas mesmas formas de representações que carecem, não de intermediação, mas de atenção e sensibilidade para ler e reproduzir aquelas ou novas representações.

São, portanto, materiais decisivos na construção de

significados e de aprendizagens significativas. São matérias para serem lidas. Dentro desse sentido do olhar, são construídas as representações dos diversos espaços. As representações visuais socializadas, sobretudo pelos meios e processos de comunicação se incorporam à nossa memória dando origem ou manutenção às percepções que temos dos lugares, pessoas, fatos e coisas. Assim passamos a distinguir e valorar o campo e a cidade, o novo e o velho, o sertão e o litoral etc. No caso do sertão brasileiro, associado, à pobreza, à seca, à miséria e ignorância, as percepções visuais que nos chegam comumente retratam-no com poucas cores e prioritariamente em tons acinzentados. Esta percepção

socialmente partilhada ao longo de anos torna difícil a compreensão do colorido da vida que pulsa em um sertão em movimento intenso e profundo. Para que isto ocorra é necessário que se crie e se partilhe novas percepções. Pensando, pois nisso e no fato de compreender que o gesto de olhar uma realidade, percebê-la e retratá-la é um gesto de leitura e interpretação que envolve uma epistemologia e o domínio de uma linguagem é que nos dedicamos, neste artigo, a pensar nas contribuições da linguagem fotográfica para a construção da memória visual. Tomamos aqui, como referencia e ponto de partida as fotografias do projeto “Cores do Sertão”, desenvolvido pelo Núcleo de Cultura Visual, Educação e Linguagem – Cult-Vi do Departamento de Ciências Humanas, UNEB – Campus IV, Jacobina – BA, para ilustrar um sertão vivo e dinâmico. 1. Sertão ao Vivo e em Cores

Imgem 01 - Foto Sergio Luiz Silva - Fonte: Projeto Cores do Sertão, 2012 – Cult-Vi, UNEB – DCH4

Imagem 02 - Foto Sergio Luiz Silva - Fonte: Projeto Cores do Sertão, 2012 – Cult-Vi, UNEB – DCH4

O impressionismo fez com que a pintura, se emancipasse em relação a retratação da realidade, como queria o renascimento, esse salto emancipatório influenciou a todas as áreas das artes visuais e como não poderia deixar de ser, influenciou também a fotografia. Pessoas de lugares distintos e em momentos distintos, disseram que as duas fotografia acima, produzidas para o projeto “Cores do sertão”, mais parecia uma pintura impressionista. Ficamos lisonjeados e felizes, mas longe de querer parecer impressionista na fotografia, ou coisa do gênero, fizemos essa fotografia sob a

inspiração

de

um

processo

estético.

O

que

intentávamos,

era

recontextualizar o sertão em sua ampla magnitude cromática e em sua forma de expressão viva em cores. Nada contra os tons de cinzas que brilhantemente expressam a alma do sertão através de fotógrafos renomados como Evandro Teixeira. Queríamos dar um olhar, mais cromático e mais saturado ao sertão, por esse motivo, tentamos transbordar em cores. As formas, o cotidiano e a cultura aqui representada por uma linguagem fotográfica na qual a cor é o elemento de fundamentação da nossa fotografia. A fotografia como linguagem de expressão e representação visa capturar a expressão cromática de uma

realidade sertaneja. Não sei se podemos chamar a isso de realismo cromático, expressionismo cromático, mas em sendo possível, acreditamos que essa saturação cromática nos revela outro sertão, que por motivos outros não o vemos quando estamos imersos em seu cotidiano. Essa capacidade que as imagens têm de representar a realidade é uma das características que faz da linguagem visual, em particular a fotográfica, uma das mais potentes formas de linguagem e persuasão. O cérebro tende a acreditar no que ver. A visão é um dos nossos sentidos mais confiáveis. Através dele o mundo em nossa volta ganha forma e se materializa, portanto, até mesmo as mais toscas representações visuais fixam um fato num plano mental. Isto lhe dá um enorme poder argumentativo e possibilita outras formas de aprendizagem, posto que ler imagem é como viajar, conviver, aventurar-se etc. uma vez que ao aceitar a representação e interagir mentalmente com ela, o leitor expectador está de certa forma, vivendo e dialogando com ela. O simulacro criado pela linguagem visual pode possibilitar um rápido acesso a certas compreensões que, de outro modo, seriam necessários muitos argumentos. A representação visual, diferentemente da representação verbal forja e traz consigo a cena, o fato, o cenário, o foco da observação e o ponto de vista a um só tempo. Este modo relativamente “pronto” de dizer, esta forma condensada de falar para seu leitor/expectador cria uma espécie de impacto visual que desperta a atenção e se liga diretamente com o sentido e a cognição. Embora a representação visual antecipe e imponha elementos que a representação verbal deixa a cargo da imaginação do leitor/ouvinte, a imagem, ao traduzir um ponto de vista, é densa e subjetiva o que abre novas possibilidades de sentido e oportuniza a organização de situações significativas de leitura e aprendizagem. 2- O olhar estrangeiro e o simulacro imagético Uma das questões mais importantes a ser considerada na leitura das imagens é a questão do simulacro. Segundo Baudrillard (1981) nesta nossa era as imagens e os símbolos têm mais força do que a própria realidade. Os

simulacros são as simulações do real, que contrariamente, são mais atraentes ao espectador do que a própria realidade representada. Portanto, entender que a imagem não é a realidade, mas a representação dela, uma simulação, um simulacro já é em si uma grande tarefa da atividade de leitura. Esta percepção é condição básica também para se ler a imagem COM e COMO reflexão crítica da realidade. Entender que as imagens são representações é uma grande oportunidade de aprendizado sobre a gramática das imagens, sobre as ideologias dos discursos e, sobretudo, sobre a própria realidade e as representações existentes dentro dela. Além do mais, as imagens que criam o simulacro, também colocam a realidade em questão e desafiam o espectador a sua reflexão. Ao representar por meio do simulacro, a imagem pressupõe histórias, experiências e sentidos que se aproximam da experiência cotidiana dos leitores/espectadores, possibilitam ações e projeções mentais através das quais os sujeitos vivem os dramas e aventuras que levam a diversas descargas emocionais que possibilitam a purificação dos seus sentimentos. Viver a aventura projetada na imagem é uma forma de viver determinadas realidades sem sair do seu tempo e espaço, por esta razão é um excelente meio para viver as aprendizagens de modo significativo. É, em síntese, a forma mais profunda de viver e se representar dentro das representações. Quando a leitura da imagem chega a este ponto é o mesmo que chegar ao clímax, ao êxtase e ao gozo, pois confunde expectador com a cena observada e os limites entre ficção e realidade tornam se tênues. Levar os sentidos a este ponto durante o processo de leitura de uma fotografia é tornar a experiência significativa, não só do ponto de vista intelectual, mas também do ponto de vista espiritual e isto se faz de modo encarnado à vida do sujeito. A fotografia se expressa como interpretação da realidade, a parti de um jogo de representação. Ao vermos registramos sentidos e não a realidade. A fotografia é um exemplo disso. Expressa um sentido composto pelo assunto, a técnica, o cromatismo, o contraste e a composição na produção de um sentido representado.

Imagem 03 - Foto Sergio Luiz Silva - Fonte: Projeto Cores do Sertão, 2012 – Cult-Vi, UNEB – DCH4

Esse cromatismo fotográfico, no caso em questão, nos revela apenas uma diferente forma de ver cores e imagens, com base num conjunto de representação de uma realidade, nesse caso uma realidade “severina”, “árida” e “dura”, dos grandes sertões brasileiros. Esta percepção nos leva a discutir o processo de construção de uma cultura visual, no qual a intervenção cromática, com técnica de saturação e contraste, com captura e manipulação digital, é parte da ação social do nosso olhar, na forma subjacente de produção fotográfica. Não podemos nos furtar de dizer que os olhares gerados pela cultura visual resultam de técnicas criadas na modernidade e acabam por influenciar a nossa forma de perceber as condições sociais presentes nas cores. Benjamin (1996) já havia assinalado o caráter técnico dessa cultura visual e seu processo de descontextualização histórica, ou seja, o deslocamento da consciência do homem mediante a representação da imagem em sua forma de reprodução técnica. Benjamin referiu-se à forma de aparência presente na objetivação técnica do olhar na modernidade nos seguintes termos:

uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem. (...) Porque não é uma renovação autêntica que está em jogo, e sim uma galvanização. (...) Qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós? (...) Sim, é preferível confessar que essa pobreza de experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade. Surge assim uma nova barbárie (1996, p. 168) A forma de visão estruturada no aparato tecnológico constitui-se no olhar que se realiza pela verossimilhança e retira o seu conteúdo histórico. É uma forma de olhar instrumental, que atende a critérios de uma pretensa realidade objetiva, o olhar do outro fetichizado que me compele a olhar como ele, roubando de mim a liberdade e a unidade existente entre o olhador e o que é escolhido para ser olhado e usufruído. (BRASIL, 1982). É neste contexto que as imagens do Projeto “Cores do Sertão” aqui trabalhadas ganham relevância e status de percepção de sertão vivo pois, impele à construção do belo sertanejo além de construir um conhecimento que vai da regulação para a emancipação. O caráter transversal da linguagem visual Outro fator importante para o a compreensão da fotografia é a natureza da linguagem visual que é transversal e híbrida. É muito freqüente que os textos visuais, em particular as fotografias se apresentem ao observador de forma híbrida, articulando-se, em sua constituição, com outras formações de linguagem. Além disso, o texto visual é eminentemente transversal e extrapola a todas as áreas do conhecimento. A linguagem imagética é aberta, imprecisa e plural. Os sentidos produzidos a partir delas são incomensuráveis e renitentes, por isto é uma linguagem de difícil substituição pelo aparato verbal. Representa uma dificuldade para as práticas escolares afeitas às nominalizações, previsões, disjunções e reduções. Como signo linguístico a imagem é uma representação socialmente partilhada que se presta a diversos fins e intenções; transmite mensagens e

informações, de modo pouco explícito e não literal, criando uma rede de significados sub-reptícios que contraria a lógica da objetividade estruturante. Os sentidos do imagético escapam à mera tradução verbal. Cria um espaço próprio do dizer; faz transgressões e transmutações; forja sentidos insuspeitados relacionados ao inconsciente e ao enigmático. Uma cadeia flutuante de significados que atravessa e vai além do sentido conotativo e denotativo, simplesmente. O processo de produção de sentido das imagens é complexo, híbrido e transversal. A cognição que dá sentido a imagem não é aquela da fragmentação ou mapeamento dos territórios do conhecimento, ao contrário, é um pensar sem fronteiras e de aparente falta de nexo. O texto verbal é apenas aproximativo do texto imagético, a linguagem de um não pode ser traduzida pela do outro, apesar da coexistência “pacífica” e da relação de complementaridade que elas podem estabelecer entre si.

Não existem

parâmetros ou estruturas que regule o sentido, sobretudo, não há como regular o sentido das imagens. Não se pode prever com segurança o sentido que uma imagem vai tomar frente a seu intérprete, por isso, quando um texto de linguagem imagética é exposto aos alunos, a cultura estruturante da escola, pautada no texto verbal, fica em suspenso ou em risco. (GOMES, 2012, p 13-14). A narrativa visual fotográfica e o Sertão Vivo em Cores O saber fotográfico, aqui presente intenta emancipação, na forma de perceber o retratável, que é definido pelo visível e pelo sensível.

As

camponesas (foto abaixo) seguindo a trilha de chão batido, são parte de uma dinâmica ontológica dessa realidade feita pelo saber diário e nômade, em busca da vida. A retração estética tenta ser mais que um registro documental, e sim uma forma alegoricamente cromática de representar a realidade.

Imagem 04 - Foto Sergio Luiz Silva - Fonte: Projeto Cores do Sertão, 2012 – Cult-Vi, UNEB – DCH4

Não podemos negar a inspiração dessa imagem no Exodus, do fotografo mundialmente conhecido, Sebastião Salgado. Essas duas senhoras em seu deslocamento migratório nos compeliram a conhecê-las e pedir permissão para capturar suas imagens. Seguramente,

havíamos feitos

alguns clicks inicias, antes de suas aproximações, mas nos mostramos inteiros no sentido de nos conceder permissão e manter a captura daquela imagem e outras novas que desejávamos.

Imagem 05 - Foto Sergio Luiz Silva - Fonte: Projeto Cores do Sertão, 2012 – Cult-Vi, UNEB – DCH4

Reproduzimos essas imagens destacando a forma de olhar sobre o todo e as partes, o punctun e studium, para citarmos Barthes (1984) em sua explicação sobre epistemologia fotográfica, o chão quente e amarelado pelo barro, as marcas de pneus impressas no chão pela passagens de veículos, a aridez do lugar e seu clima seco e quente, a saturação do terreno pela baixa presença de chuva, a distancias das casas, o calor caustico sobre as nossas cabeças duas mulheres se deslocando num ato de migração na busca de uma melhor forma de vida, dentro desse sertão diverso. Chama-nos atenção no primeiro momento as cores das vestes das duas senhoras. Cores vivas, tons cromáticos fortes: o amarelo da blusa, o vermelho nas listas das saias e do chapéu, dentre outros detalhes que adereçavam as duas senhoras, é uma forma de afirmar a presença no lugar. O uso das cores vivas nas vestimentas, os espaços das casas são formas de alegrar a vida de todos. As cores são formas de afirmação identitária e são pautadas em duas questões: a percepção da beleza e da alegria. Nesse sentido, os tons quentes das cores formam uma pertença cromática frente a aridez do ambiente.

Seguindo viagem nos deparamos com novas pertenças cromáticas no interno das residências e das pessoas; é o caso da cerca de arame farpado, que funciona como um colorido varal de secagem ao sol. As roupas (calças, toalhas, camisas, blusas dentre outras peças) penduram cores sob o sol, flamulam ao sabor do vento do sertão, em Paraíso, Jacobina/BA.

Imagem 06 - Foto Sergio Luiz Silva - Fonte: Projeto Cores do Sertão, 2012 – Cult-Vi, UNEB – DCH4

O céu compõe com seu tom celeste e branco a moldura superior. O chão cinza e marrom com a vegetação seca e morta, compõe a moldura inferior da tela multicor. Esta imagem é a representação de um sensorium, da realidade. Segundo Benjamin (1996) o processo de reprodutibilidade da imagem na sociedade moderna, em particular a imagem fotográfica, se insere numa formação tecnificante de desenvolvimento, com base no qual se instaura um novo sessorium, o qual é hiperdesenvolvido no âmbito da cultura ocidental. A técnica da visualidade é parte constitutiva do efeito que a modernidade impôs a cultura visual, hoje presente nas mais variadas formas de sociabilidade. Imagens e formas, esteticamente definidas, dão referencias que guiam as ações sociais dos sujeitos nos espaços públicos e privados.

A imagem desse varal é uma representação técnica da exposição do olhar no espaço público. A fotografia das vestimentas, exposta no espaço publico da rua nos leva a perceber uma relação entre publico e privado na composição das formas de representação do sujeito. Expor as vestimentas é uma forma de se expor e se relacionar livremente com o espaço. Não se trata apenas na possibilidade de secá-las ao sol. Há neste gesto uma relação de pertencimento e domínio do espaço que é ao mesmo tempo, público e privado. A auto-referência do sujeito e sua representação estética retratada na sua imagem e na imagem de seu ambiente social, dá ao sujeito a possibilidade de se auto-construir visualmente perante o mundo social. (...) as representações sociais da imagem têm uma relação dialética entre realidade e sistema de interpretação que terá como síntese sua identificação, ou seja, a identidade da imagem. Por exemplo, na produção documental videográfica e fotográfica de uma determinada cultura, é possível enxergarmos os ícones simbólicos de significação de poder, reconhecimento, representações sociais e ideologias que demarcam o conjunto simbólico das identidades em questão, em um determinado espaço social. A auto-referência da imagem é recheada de significantes identitários que equilibram realidade e representação que são, ao mesmo tempo, estética e documentalmente relevantes. (SILVA, 2006, p. 40).

Nesse caso muito particular, vemos a bases de consolidação do olhar como uma ação social, que dentre outras coisas possibilita uma forma de inclusão visual. Ou seja, o sujeito ver a si próprio dando assim ao auto-retrato certo poder de produzir uma mensagem estética de si mesmo.

Nesse

sentido, o varal de roupas, exposto publicamente é uma pratica comum desta cultura, uma marca identitária das comunidades do sertão. No exterior e interior das residências as formas e as cores não são diferentes, a força cromática dos tons vivos, verde, róseo, vermelho, azul, etc. manteem a mesma forma de representação cromática da alegria e da beleza. Abaixo vemos o exterior da casa do Sr. Paulo em Paraíso (Jacobina). O tom

verde piscina é uma opção cromática que contrasta com o a cor areia de todo o entorno da residência. Na parte interna dessa mesma casa, se vê, curiosamente, um ambiente vazio de mobília, mas cheio de cor. Nesse caso, a presença da cor verde claro forte, representa um valor estético, certamente, vinculado a esperança. O detalhe de uma manta de Chita colorido (tecido muito encontrado na região) compõe a imagem como objeto complementar.

Imagem 07 - Fotos Sergio Luiz Silva - Fonte: Projeto Cores do Sertão, 2012 – Cult-Vi, UNEB – DCH4

Situação semelhante, temos no interior da casa acima. O detalhe de adereços e objetos instalados na parede vermelha e branca, a manta que se fixa na parede de cor igualmente forte como um backgroud do sofá, coberto por outra manta feita de lindos retalhos coloridos, é uma representação da alegria presente naquele lar.

Imagem 08 - Foto Sergio Luiz Silva - Fonte: Projeto Cores do Sertão, 2012 – Cult-Vi, UNEB – DCH4

Os elementos estéticos nos torna visíveis e identificáveis aos olhos alheios. Nossa pertença visual é assim: nosso emblema, cartão de visita, rótulo; Este fato ocorre quando se valoriza mais a fotografia do que a imagem concreta da pessoa vista a olho nu.

Valoriza-se mais a cor captada ou

saturada do que o ato representado. Nesses casos há a superação do valor da coisa representada pelo valor da representação.

Considerações finais Percepções visuais se pautam numa epistemologia que favorece a desconstrução de olhares estereotipados posto que contém especificidades ligadas ao tipo de texto e de linguagem que exige atenção para algumas questões . A leitura da imagem mantém uma relação muito próxima da estrutura narrativa, não só porque se presta ao serviço de narrar, mas, sobretudo,

porque traz em si uma narrativa interna: um antes e um depois. As narrativas visuais contam histórias e organizam percepções sobre temas e situações. São muito comuns as historietas visuais que dispensam as palavras. Além disso, um quadro visual ao retratar uma cena se revela como parte de uma narrativa e representa um determinado momento, pressupondo uma sequência de fatos. Nas práticas pedagógicas a estrutura narrativa subjacente as imagens possibilita

a

organização

de

atividades

criativas

de

montagem

e

desmontagem de organização e reorganização de seqüência, criação e recriação de narrativas sejam elas paralelas ou complementares. Desse modo, o caráter narrativo da imagem possibilita um trabalho de manipulação que se aproxima do trabalho de edição o que possibilita ao estudante o conhecimento da gramática e da arquitetura dos grandes textos e peças visuais. Referencias BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulação. Lisboa: Relógio D´Agua. 1981 BARTHES, Roland. A Câmera Clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984. BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense, 1996. BRASIL, Sérgio de Souza. Sobre o olhar nas imagens. Revista Contracampo, n. 2. UFRJ. 1982. Disponível em:< http://www.uff.br/mestcii/sbrasil1.htm > Acesso em 20/07/2012. CULT-VI. Cores do Sertão: Visualidade e Educação para além da seca. Núcleo de Cultura Visual, Educação e Linguagem, Departamento de Ciências Humanas, Campus IV - Universidade do Estado da Bahia/ UNEB. 2012. GOMES, Antenor. Lectura de imagen y aprendizaje significativo. Revista Hachetetepe número 04. Grupo de Investigación para la Educación en Medios de Comunicación, Departamento de Didáctica de la Universidad de Cádiz, Espanha. 2012. p. 137-146 JAGUARIBE, Beatriz. O Choque do Real: estética, mídia e cultura. Rio de janeiro, ROCCO, 2007. SILVA, Sérgio Luiz P. Identidade e novas mídias: a cultura visual no processo de investigação das ciências sociais. Rio de Janeiro. In, Interseções: revista de estudos interdisciplinares. 2006.

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