Sexo e as Negas Hipersexualizacao da Mulher negra na televisao brasileira

June 24, 2017 | Autor: Carla Candace | Categoria: Racismo, Feminismo, Mulher Negra, Hipersexualiade
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“SEXO E AS NEGAS”: HIPERSEXUALIZAÇÃO DA MULHER NEGRA NA TELEVISÃO BRASILEIRA1 Carla Caroline J. Dos Santos2

Resumo O estereotipo da mulher negra na televisão brasileira atravessa anos e continua intacto. A visão da mulata rebolativa só reafirma um preconceito velado acerca do corpo da mulher negra e de como ela se relaciona com sua vida. O presente artigo vem analisar e elencar alguns dos estereótipos mais recorrentes na história da televisão, e como eles estão presentes na série Sexo e as negas com o intuito de continuar a reafirmar o papel subalterno da população negra e principalmente a hipersexualização da mulher negra na teledramaturgia brasileira.

Palavras-chave: (Mulher negra; Racismo na TV; sexo e as negas )

Introdução A ausência do negro na programação da televisão brasileira é impressionante. Contudo, penso que uma reflexão acerca do assunto pode contribuir para entendermos melhor os fatores históricos que vêm corroborando com essa discriminação. O Brasil viveu mais de trezentos anos, mais precisamente, trezentos e cinquenta oito anos de regime escravista negroafricana. Homens, mulheres e crianças foram sequestrados de várias regiões de África e trazidos para o Brasil, a fim de servir ao sistema comercial e exploratório que a escravidão perpetuou.

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Trabalho apresentado como avaliação da disciplina Comunicação e Política, sob a orientação da professora Verbena Córdula Almeida, no segundo semestre de 2014. 2 Estudante do 4º semestre do curso de Comunicação Social – Rádio e TV da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC

A ideologia do branqueamento, perpetuada intrinsecamente, juntamente com o mito da democracia racial, pela qual o nosso país é reconhecido mundialmente foram metas sociais construídas para apagar a herança africana e contribuíram com a dificuldade de cultivar a auto-estima na população afro-brasileira, que resiste, apesar de todos os obstáculos. As mulheres negras, que além de vítimas do racismo são vitimadas pelo machismo e toda a carga de objetificação que ele carrega, sentiram (e ainda sentem) o peso de uma dupla opressão. As negras escravizadas também “serviam” sexualmente aos seus senhores, que, por serem propriedades, eram usadas da maneira como a eles lhes convinha, inclusive ser objeto de violência sexual (estupro). Mulheres africanas que aqui aportaram vilmente tiveram sua força de trabalho explorada, sua cultura expropriada, e sua sexualidade abusada. Dizer que apenas 2% dos estudantes da Universidade de São Paulo - USP são negros pode parecer tão espantoso quanto afirmar que menos de 2% dos médicos e pouco mais de 1% dos juristas deste país são afro-descendentes, além do fato de o negro ganhar 36% menos do que o não negro, segundo pesquisa no IBGE3 deste ano. No entanto, é possível observar que os empregos mais precarizados e menos remunerados são ocupados, em sua maioria, por pessoas negras. Como os meios de comunicação refletem, em grande medida, a sociedade, os negros também estão ausentes nesses espaços; poderíamos citar a ausência do negro em outros espaços socialmente representativos. A não presença do negro em esferas mais elevadas da sociedade nada mais é que o reflexo da escravidão e da tentativa de branqueamento da sociedade brasileira, quando após abolição da escravatura o governo financiou a vinda maciça de trabalhadores vindos da região ibérica da Europa, na tentativa de tornar o Brasil um país ainda mais branco. Na teledramaturgia brasileira esse

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Dados retirados do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: < www.ibge.gov.br/>. Acesso em: 22 Out. 2014.

reflexo pôde ser visto através da telenovela “Terra Nostra”, de Benedito Ruy Barbosa, exibida pela Rede Globo, entre os anos 1999 e 20004. Apesar de o Brasil ser um país miscigenado, com predominância negra, a ausência do negro na TV - ou sua presença subjugada - são implicações de um preconceito racial causado pela exclusão social das populações negras do país, as mais marginalizadas e que apresentam os indicadores sociais mais baixos. Na teledramaturgia brasileira foi apenas em 1969 que o primeiro ator negro protagonizou uma telenovela – “Vidas em Conflito”, na extinta TV Excelsior. Ainda assim, o enredo da trama depreciava a imagem do personagem negro. A namorada dele, uma mulher branca, só tinha um relacionamento para vingar-se da própria mãe. Outro exemplo na TV brasileira foi a telenovela “Da cor do pecado”, a primeira a ser protagonizada por uma mulher negra. Porém, o próprio nome já imputava o estigma de lascividade atrelado à figura do(a) negro(a). No entanto a novela “Lado a lado”, também exibida pela Rede Globo em 2013, trouxe o negro como nunca se havia visto na televisão brasileira. Isabel, a protagonista, era uma mulher forte, de luta e destemida. Nessa novela os personagens negros eram pessoas alegres e com auto-estima. São de extrema importância referencias de pessoas negras em todas as mídias, principalmente para a construção de auto-estima e valorização da cultura, já que com o branqueamento cultural, o ideal de beleza tido como modelo é cada vez mais distante do negro, e, principalmente, da mulher negra. Na obra A negação do Brasil: O negro na telenovela brasileira (2000), Joel Zito Araújo destaca que apenas nas décadas de 1980 e 1990 ocorreu o que ele denomina de ascensão do negro na televisão, foi quando pela primeira vez o negro foi representado em uma novela em um lugar onde não era o de subalternidade. Ao considerar as questões supracitadas, o presente artigo tem como objetivo apontar a reprodução do machismo e do racismo para com a mulher negra na

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Essa telenovela teve 221 capítulos, contou com índices de audiência bastante altos

televisão brasileira em produtos audiovisuais que reforçam o preconceito e perpetuam ideologias de ridicularização do povo negro. O corpus de análise é formado por três episódios da série, levados ao ar dia 16, 30 de setembro, e 14 de outubro respectivamente. A análise considerará três parâmetros a serem observados: a linguagem, o figurino e os relacionamentos sexuais/amorosos das quatro protagonistas. A partir desses parâmetros busca-se evidenciar hipersexualização da representação social da mulher negra na referida série. O motivo pelo qual esta série se tornou objeto de análise se baseia na reafirmação do negro como subalterno na sociedade. A série tem seguido a tendência cristalizada na mídia brasileira de associar a população negra à pobreza, à favela, ao samba. Através da observação da postura das quatro protagonistas em relação a sua sexualidade, em seus relacionamentos e como ocorre a busca destas mulheres por parceiros amorosos - um dos principais eixos da trama -, analisarei, no presente artigo, a hipersexualização da mulher negra na televisão brasileira, a partir do “Sexo e as negas”, de modo a constatar se esta programação televisiva veio para reafirmar a subalternidade em que a população negra é representada nas mídias. Fato que chamou a atenção de muitas pessoas para a série foi a péssima repercussão que mesma teve, sobretudo no segmento de mulheres negras. Muitas destas se sentiram não representadas, ou mal representadas na série, e resolveram manifestar sua indignação através das redes sociais. Apesar de o autor Miguel Falabella afirmar que sua séria não apresenta preconceito, é possível ressaltar que as quatro protagonistas não vivem uma boa situação socioeconômica, estão em empregos estigmatizados e mal remunerados. Não é que não haja negras camareiras, domésticas ou costureiras; mas também existem

negras

médicas,

advogadas,

comunicólogas,

entre

outras

profissionais, que não foram retratadas pelo autor. Este preferiu o lugar de subordinação delegado à população negra, ao longo da história, principalmente as mulheres.

A mídia e a representação do corpo da mulher

O corpo das mulheres é constantemente hipersexualizado nas mídias; seja nas propagandas, nas telenovelas, nos programas de esporte, de auditório ou de humor. Todas as mulheres são objetificadas culturalmente e usurpadas de qualquer autonomia. Para o gênero feminino, há um processo a ser vivido para que a soberania sobre a própria sexualidade seja retomada. Quando a mulher é negra, a sexualização é ainda maior; A imagem da “mulata” sensual e provocante é vendida e representada constantemente pela televisão para o mundo; quase sempre pela ideia de que a mulher negra é um “sabor diferente” e “mais apimentado”, o corpo feminino negro é considerado exótico e pecaminoso. Essa é a brecha que sobrou para que o racismo continue a ser imposto às mulheres negras: a dicotomia entre o gostoso, o exótico e o diferente, que é, ao mesmo tempo, o proibido, o impensável, o pecaminoso que não servem para o matrimônio ou monogamia. Perante o exposto, a mulher negra ocupa o mais baixo nível da escala social. A representação social desta ampara-se no esteio dos resquícios escravistas presentes na nossa sociedade. Nossa sociedade já considera geralmente que o racismo é algo ruim; o problema, em grande parte, está em identificar o racismo dentro de atitudes e políticas do dia a dia. E segregar sexualmente as mulheres negras também é uma forma de racismo, embora socialmente aceitável atualmente. A mercantilização do corpo das mulheres é representada pela grande mídia como valorização. Exemplo disso é o concurso da Globeleza, organizado pela Rede Globo, no qual uma negra seminua é o símbolo do Carnaval, que sempre aparece sambando e seu corpo coberto apenas por pinturas. Nesse concurso, tentam mais uma vez afirmar mulheres negras como coisas, objetos sexuais, sendo assim, nulas de vontade, nascidas para atender ao desejo masculino. Uma das grandes lutas da mulher negra brasileira é a desvinculação de sua imagem a de objeto sexual, a mercadoria mais barata do mercado, do domínio e exploração machista e do turismo sexual, cada vez mais vendido pela mídia

brasileira ao exterior para “gringo ver”. Um lucrativo produto vendido nas propagandas, no Carnaval, nas Copas do Mundo e esquinas das avenidas

A representação da mulher negra

A série “Sexo e as negas”, exibida pela Rede Globo, é de autoria do ator e diretor Miguel Falabella e estreou em setembro. De acordo com o autor, Sexo & as Negas é uma versão de Sex & the City (estadunidense), ambientada no bairro de Cordovil, na Zona Norte do Rio de Janeiro. No lugar das mulheres profissionalmente bem sucedidas da série original, a versão brasileira conta uma camareira, uma cozinheira, uma recepcionista e uma desempregada. A série global tem a primeira temporada dividida em capítulos de 30 minutos cada. A série conta as histórias de quatro mulheres negras: Zulma dos Santos, uma camareira (interpretada pela atriz Karin Hils); Matilde da Silva desempregada, (interpretada pela atriz Corina Sabbas); Soraia Souza, cozinheira, (interpretada pela atriz Maria Bia); e Lia, recepcionista (interpretada pela atriz Lilian Valeska). A trama gira em torno dessas quatro mulheres e da busca incessante das mesmas por parceiros sexuais. As protagonistas sempre se encontram em um bar, que pertence a uma amigas em comum delas Jesuína que é quem conta a história. No primeiro episódio - Moto Contínuo - já é possível notar uma sexualização da mulher negra muito forte. As quatro mulheres negras são apresentadas a partir de estereótipos perceptíveis: todas andam sempre maquiadas, com roupas sempre curtas ou justas, propositalmente para realçar as curvas, e andam sempre desfilando e rebolando bastante, reafirmando o estereótipo da ‘’Mulata rebolativa’’. Apesar de o autor ressaltar que o protagonismo é das quatro mulheres negras, história é contada pela visão de Jesuína (interpretada pela atriz Claúdia Jimenez), uma radialista da comunidade do Cordovil, e dona de um bar onde

as personagens principais sempre se encontram. O fato de Jesuína ser uma mulher branca já demonstra outro preconceito. Ou seja, nem dentro de uma série que, apesar das críticas, seu autor afirma ter o objetivo de dar visibilidade a atrizes negras na televisão, as negras não são protagonistas de suas histórias - ainda que estereotipadas e controversas. Nesse mesmo episódio aparecem falas de alguns inserts personagens dando opinião sobre acontecimentos da narrativa. O primeiro insert é de Zulma, se referindo acerca do transporte público e do direito de ir e vir; logo em seguida Big, (interpretado pelo ator Rafael Machado ) um garçom do Bar da Jesuína, aparece com uma fala extremamente machista: “As mulheres querem casar. Branca, preta, amarela. Elas todas têm a mesma coisa na cabeça. Arrumar quem pague as contas”. Durante todo o primeiro capítulo da série é possível observar atitudes e falas machistas e racistas. Vale ressaltar que a mulher negra sofre ainda mais a opressão do machismo, por estar em uma condição social abaixo da mulher branca. A fala do personagem Big reafirma um preceito do patriarcado, no qual a mulher deve ser preparada sua vida inteira para o matrimônio, sem escolha. O patriarcado nos ensinou que toda mulher quer e deve se casar, não obstante, as mulheres que fazem outra escolha não são bem vistas pela sociedade,

nos

é

passado

que

para

uma

mulher

estar

completa

sentimentalmente, a mesma deve casar-se e ter filhos. Atualmente essa visão tem mudado, mas ainda se encontra muitos setores conservadores da sociedade que mantêm essa visão a respeito das mulheres. O patriarcado é um sistema social no qual o homem (no papel de marido ou de pai) é o ator fundamental da organização social, e exerce a autoridade sobre as mulheres, os filhos e os bens materiais e culturais. Para justificar a submissão da mulher, muitas vezes se fez uso da biologia, justificando uma opressão de característica social como biológica. No patriarcado o sexo masculino compreende a medida primeira pela qual o mundo inteiro era medido, incluindo as mulheres, sendo elas definidas e julgadas por este padrão. O mundo pertence aos homens. As mulheres eram o “outro” não essencial.

Simone Beauvoir no livro ‘’O segundo sexo’’ desmistifica pela primeira vez o conceito de patriarcado e discorre sobre a desigualdade social entre os sexos: ‘’ A disputa durará enquanto os homens e as mulheres não se reconhecerem como semelhantes, isto é, enquanto se perpetuar a feminilidade como tal”. Logo em seguida á fala do personagem Big outro personagem e aparece pela primeira vez, Adilson Brascia – Vinagre- (interpretado pelo ator Frank Borges) um pedreiro, que completa a frase com mais uma reflexão machista: “A única coisa que bota o cara na cadeia no Brasil é não pagar pensão alimentícia. Resultado; primeira coisa que elas fazem é arrumar um filho.” A observação do personagem Adilson chama a atenção para um importante dado acerca dessa questão. Muitos homens não assumem a responsabilidade pelas crianças que ajudam a colocar no mundo. E, em conseqüência disso, conforme uma pesquisa do IBGE realizada em 2012, aproximadamente de 38% das famílias brasileiras são comandadas por mulheres, sendo que a maioria das mulheres abandonadas grávidas é formada por negras. Das quatro protagonistas, a que mais chama atenção pela excessiva voluptuosidade é a cozinheira Soraia Souza, a mais sexualizada. Suas roupas são as mais curtas e justas, e seus decotes os maiores. A todo momento a personagem busca por um parceiro sexual, insinuando-se para todos os homens com os quais convive e/ou encontra, sobretudo através de comentários machistas, que colocam as mulheres na condição de objeto sexual. Soraia tem o cabelo vermelho, que é cor que representa a paixão, a luxúria. Em uma cena de sexo dentro do carro com um mecânico, ela aparece nua, já no primeiro capítulo. A cena é extremamente erótica, chegando a lembrar a Pornochanchada5 da década de 1970. As curvas do corpo da personagem são deixadas à mostra e o seu parceiro não passa de um mero coadjuvante que mal aparece em frente às câmeras.

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A pornochanchada é um gênero do cinema brasileiro comum na década de 1970. Ela é chamada assim por conter uma dose alta de erotismo e por esse fato chegou a ser censurada no país.

Soraia é cozinheira na casa de um jovem casal recém casado, e em uma cena onde ela aparece em seu local de trabalho fica subentendido que a personagem mantém um caso amoroso com seu patrão. Essa forma de representação remete à violência sofrida no passado por mulheres negras escravizadas que serviam sexualmente ao seu senhor. As escravas eram obrigadas a prestar favores sexuais a seus patrões e a quem mais eles desejassem, já que eram tratadas como objetos. Muitas dessas mulheres engravidavam e eram obrigadas a abortar ou seus filhos, ou a mantê-los em sigilo, dando origem ao estigma de “mãe solteira”. A personagem Zulma, ainda no primeiro capítulo, aparece duas vezes em cenas de sexo. Estas, assim como as de Soraia, são bastante eróticas, mas com uma diferença: o parceiro dela, interpretado pelo ator Paulo Zulu - um homem negro e também muito sexualizado em ambas as cenas. As duas cenas acontecem em contra-luz, marcando e realçando as formas e curvas dos personagens. Outro fator a ser considerado na série também é quanto aos papeis de vilãs: Gaudéria Brascia – Gaúcha - (interpretada pela atriz Alessandra Maestrini) e Bibiana Brascia (interpretada pela atriz Alessandra Verney), ambas brancas. Em todas as cenas, estas inferiorizam e subjugam as personagens negras, realçando a rivalidade entre negros e brancos, de modo a reforçar esses comportamentos, os quais devem ser rechaçados, a fim de combater o racismo. O terceiro episódio da série, que foi ao ar dia 23 de setembro tem o nome de Narciso Negro, e tem como tema visibilidade e narcisismo, a dicotomia entre se ver e viver. No começo do capítulo apresenta-se a história de Narciso6 e logo é feita uma ligação com a moda do narcisismo atualmente na pós-modernidade, com o advento das tecnologias e a supervalorização da própria imagem nas

6 Um belo rapaz que todos os dias ia contemplar sua própria beleza num lago. Era tão fascinado por si mesmo que certo dia caiu dentro do lago e morreu afogado.No lugar onde caiu,nasceu uma flor que chamaram de narciso.Diz a lenda que Narciso morreu,vieram as Oréiades deusas do bosque e viram o lago transformado,de um lago de água doce,num cântico de águas salgadas.

redes sociais. O tema visibilidade entra na séria a partir da personagem Zulma, que no capítulo anterior teria sido exposta pelo seu parceiro sexual que foi responsável por disseminar comentários machistas a respeito das relações sexuais que os mesmos mantiveram; ‘’Você é um babaca sabia? Um bosta. Agente se curtiu numa boa, e você fica pagando de otário contando pros caras que me comeu aqui no teatro? Olha, só estou me dando o trabalho de vir aqui falar contigo que é pra deixar bem claro que a partir de hoje pra mim você é invisível, eu não te vejo mais, vou te olhar através. Psiu, e tem mais; quem te comeu, fui eu. Quem tem a boca, meu amor, sou eu.’’ O Porn Revenge 7também entra como assunto nesse episódio. Em um insert de vídeo aparece uma garota falando como sofreu com esse tipo de violência machista: ‘’ Eu tive que sair da faculdade por causa de um vídeo que meu namorado postou na internet. Agente tava transando, e ele gravou sem eu saber’’. O que mais chama a atenção nesse depoimento, é a forma plácida com que a garota aparece falando sobre a violência que sofreu. Mais uma vez é possível perceber que ao colocar uma mulher que acabou de ter sua intimidade exposta, e ser obrigada a largar seus estudos falando sobre a violência que sofreu com uma naturalidade impressionante, houve, novamente uma tentativa de naturalização do porn revenge, uma violência machista e covarde, que só vem crescendo ao passar dos anos. Zulma, que é camareira, é vítima de racismo pela sua chefe, uma famosa atriz de teatro; ‘’Aproveite esse momento de fama Zulma! ... Então sua boba aproveita, a peça acaba daqui a um mês, você não tem nada a perder. Eu se fosse você experimentava, mas enfim, se eu fosse você eu não seria estrela... (Ela olha Zulma da cabeça aos pés, com desprezo) seria camareira.’’ Nesta cena Zulma é menosprezada pela sua chefe que subentende que ela jamais chegaria a ser uma estrela e que seu lugar é como camareira onde ela estava no momento. Como é recorrente no histórico de cenas de racismo em produtos audiovisuais exibidos pela rede Globo, a vítima não se defende, pelo 7 A pornografia de vingança (em inglês, revenge porn) é uma expressão que remete ao ato de expor na internet fotos e/ou vídeos íntimos de terceiros sem o consentimento dos mesmos, geralmente contendo cenas de sexo explícito que mesmo quando gravadas de forma consentida, não tinham a intenção de divulgá-las publicamente.

contrário, permanece calada e carrega aquela opressão como se fosse normal. A lógica da omissão e naturalização da violência sistêmica recai sobre o povo negro, é vetor principal da invisibilização do trabalho doméstico, criminalização e extermínio da juventude negra, e da culpabilização da mulher pela violência sofrida. Um dos vários estereótipos que recaem sobre o povo negro e do subúrbio que estão presentes na série é que tudo acaba em festa, nesse caso por ser um subúrbio do Rio de Janeiro, tudo acaba em baile funk. É possível notar que segundo a série, todos os dias têm festa no Cordovil, e que sempre, todos os personagens então presentes em todos os bailes. Matilde da Silva, a única das quatro protagonistas que está desempregada, vive um relacionamento complicado com o pedreiro Adilson Brascia também chamado de Vinagre, um homem branco, que apesar de se relacionar com Tilde, a mantém bem longe dos amigos, a trata como uma colega e não assume o relacionamento em público, por vergonha de estar com uma mulher negra. Este relacionamento entre Tilde e Vinagre apresenta resquícios escravistas claros; Era muito comum, homens brancos manterem mulheres negras como amantes longe das vistas da grande sociedade burguesa/racista que abominava esse tipo de relação. Essa mulheres, eram mantidas em casas longe da cidade, pagas pelo seu amante/senhor que fazia visitas regulares a elas. Mais um local de subordinação colocado ao negro centenas de anos atrás, é reafirmado nesta série; ‘’- Eu já saquei que toda vez que tu ta com teus amigos tu me trata como seu eu fosse tua amiga. - Para com isso, não tem na a ver! - Claro que tem Vinagre! Agora mesmo.Tu só me ver quando te interessa Vinagre.Só quando te interessa. ‘’ Como no primeiro capítulo, nesse capítulo também estão presentes diversas cenas de sexo. Dessa vez quatro casais aparecem em cenas alternadas, todas abusando do erotismo e de uma forte sexualização. Em uma das ultima cenas desse capítulo, as quatro protagonistas estão passeando de carro quando

avistam uma blitz policial, elas torcem para não serem paradas; ‘’Quatro pretas dentro de um carro a essa hora, não precisa nem ter dúvida que vão nos parar. Essa hora agente tem visibilidade de qualquer jeito.’’ Diz Zulma. Soraia, a mais sexualizada das protagonistas, não perde a oportunidade, e assedia o policial que as param, dá o cartão com o número dela e pede para ele ligar. O quinto capítulo da série, se chama Preconceito puro, e foi ao ar no dia 14 de outubro. O episódio se inicia com as quatro protagonistas indo as compras. Elas entram e saem de lojas e em todas são mal atendidas por serem negras. Na ultima loja em que elas entram, Soraia leva um vestido até o closed para experimentar, e quando está saindo da loja demonstra interesse e deixa seu cartão com o segurança que a destrata: ‘’Se tu quiser me ligar qualquer hora dessas.

-Cadê o vestido!? (...) O vestido que você levou para o provador, eu

vou precisar olhar sua bolsa. Depois de uma discussão na loja, todas vão para delegacia prestar queixa de racismo, e são acompanhadas pela chefe de Zulma, Leonor, uma famosa atriz de teatro, que é quem, na saída da delegacia da entrevista a uma rede de televisão de cobria o caso. O mais intrigante é que novamente, o protagonismo é tirado da vítima de preconceito racial. São as quatro mulheres que sofrem o preconceito, porém, é a chefe de uma delas quem é entrevistada, nessa cena a repórter em questão, nem se dirige a nenhuma das protagonistas, que se mantém ao fundo da cena. O caso de racismo é deixado para segundo plano na notícia. A primeira informação presente na fala da repórter, se da pelo fato de uma atriz famosa ter acompanhado as vítimas, e não pelo ato de preconceito cometido contra as moças, preconceito esse que nem é denominado pela repórter. ‘’A atriz Leonor Canhoto fez questão de acompanhar as quatro moças à delegacia, elas que foram vítima de preconceito em uma loja hoje na cidade.’’ Logo em seguida, aparecem alguns inserts de vídeos de personagens da trama falando sobre preconceito. O que mais chama atenção é o de Gaúcha; ‘’ Eu acho que as pessoas sofrem mais preconceito por ser preta Né? Porque o

pobre tem como melhorar, mas já o preto não pode embranquecer. Só se for o Michael Jackson.’’ Mais uma vez é possível ver a presença do racismo em um texto de um personagem da série. As palavras de Gaúcha partem do pressuposto de julgamento de todos a partir do modelo de beleza eurocêntrico, de que a beleza só estar no ser branco, alto, loiro e de olhos claros. Ela usa o verbo ‘’ melhorar’’ como se a melhoria de vida da população negra estivesse em se embranquecer, e não em ter suas diferenças respeitadas e colocadas em lugar de igualdade para com todos. Depois de perder seu emprego, Soraia sai a procura de um novo trabalho, e já na entrevista é vítima de racismo por parte de sua possível futura chefe. ‘’Adorei você Soraia, acho que vamos nos dar super bem. Só tem uma coisa: Eu quero que você fale pouco, sabe, assim o mínimo possível, e tudo você resolve comigo, só comigo, ta bom? È que eu tenho filhos em fase de formação, e não quero que eles aprendam a falar errado.’’ O fato de acreditar que pessoas negras são menos inteligente que não negros já foi até tema de uma teoria. O biólogo americano James Watson disse ao jornal britânico The Sunday Times que estava preocupado com o futuro da África, afirmando que “todos os testes de inteligência” negam a idéia de igualdade intelectual entre brancos e negros. Depois, o próprio cientista se desculpou, explicando que a idéia de superioridade racial não tem comprovação científica. O estigma da mulata rebolativa também entra na série, e recai sobre uma das protagonistas. Tilde, que é a única desempregada e está prestando trabalhos para uma empresa de festas, é contratada para participar de um evento vestida de passista e sambando: ‘’ Essas mulatas são seu grupo, agora senta ai, coloca o biquíni e vá se maquiar! E se você me deixar na mão Tilde, comigo você não trabalha mais, nunca mais! Ah, e é bom que você saiba sambar, é meu amor, sambar ! Toda mulata sabe sambar, nunca te disseram!?

Tilde é obrigada a dançar para diversas pessoas vestida de passista e sambando, Mas o que mais chama atenção na cena é o fato de mesmo ter ido contra a vontade Tilde sabe sambar (e muito bem) e gosta de se apresentar para as pessoas. Mais uma vez a mulher negra é representada como atração carnavalesca, ‘’para gringo ver’’ e anulada de todas suas vontades, já que apesar de tudo, a Tilde, no primeiro momento se coloca contra a ideia de se apresentar para várias pessoas semi nua e sambando. Na cena seguinte, Tilde é discriminada pelo seu ex namorado, o Vinagre, por estar com aquelas vestes ele não a respeita; ‘’Vem cá, me responde uma coisa; você ta comprando aqueles panos de pratos e aqueles lençóis pra que?Pra ficar rebolando pra gringo?Sabe o nome que se dá a isso lá no sul?’’ Tilde é desrespeitada pelo seu ex companheiro que a ataca com palavras machistas pela pouca roupa que ela está vestida. Uma atitude misógina , pois ele acredita que uma mulher deve estar ‘’bem vestida’’ para merecer o respeito de um homem, e por esse motivo a desrespeita e ainda deixa subentendido que Tilde estaria se prostituindo. Em uma das ultimas cenas desse capítulo, Zulma é convidada por um dos atores da peça onde ela trabalha para ir a uma festa. Zulma aceita o convite, e é vitimada pelo preconceito racial e social também. Uma das convidadas pede ajuda a Zulma na composição de um papel onde ela será uma ‘’favelada, drogada e prostituta’’ , deixando entender que nas periferias todas as pessoas se encaixam nesse padrão. Zulma sussurra algo no ouvido da mulher e deixa a festa.

Conclusão Ainda que mal representada nas mídias, a população negra do Brasil resiste lutando contra o preconceito racial que subjulga e mata todos os dias. A representação digna da população negra na televisão brasileira se dará quando enfim, os espaços sociais disponíveis para essa população estiverem em igualdade com todos; ou seja, ninguém melhor do que um negro para falar de seu povo. No entanto na série em questão, nenhum dos roteiristas ou diretores são negros. A série se trata de brancos, falando para negros como eles são ou devem ser, o protagonismo não é dado nem em um produto, que ainda que controverso, diz que viria para dar visibilidade a essa população. Compreende-se que para desmontar esse sistema de exploração, e construir uma comunicação que de fato retrate as minorias de forma que condiz com sua realidade a democratização dos meios de comunicação é questão estratégica e fundamental. Queremos que as trabalhadoras possam pensar e produzir seus próprios meios de comunicação, falando de si mesma. Só assim seremos de fato representados. O Racismo no Brasil existe é construído e reproduzido pela sociedade e sempre será alimentado se esta mesma sociedade não repudiar as práticas racistas no seu dia a dia. A responsabilidade de extirpá-lo de nosso meio é de toda a sociedade e não só da população negra, e os meios de comunicação, por disseminar ideologias é uma arma muito importante nessa luta. A representação do negro que está posta, é essa a partir da visão da rede globo, e ainda que essa não represente os anseios dessa população, é essa representação estereotipada que permeará nas mentes de todos os brasileiros que assistem, assimilam e acreditam nessas ideologias reproduzidas pela rede globo de televisão. Sexo e as negas não é a afirmação da identidade, nem da cultura e muito menos da beleza do povo negro. Sexo e as negas, é mais uma vez a reprodução de um lugar e de um papel que só acumulam para a burguesia. Não é assim que queremos nos ver na televisão. Essa série não representa os anseios das mulheres negras, trabalhadoras e lutadoras.

Referências ARAUJO, Joel Zito Almeida de. A negação do Brasil: O negro na telenovela brasileira. São Paulo: Editora SENAC, 2000. BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Tradução Sérgio Milliet. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. CÓRDULA, Verbena Almeida. Rede Globo, Sexo e as Negas, representação social e reação do público receptor, 2014 KOLONTAI, Alexandra. A nova mulher e a moral sexual. 2ª Ed. São Paulo; Expressão Popular, 2011 SCHNEIDER, Daniel. Brancos são mais inteligentes que negros?Veja os passos da tensa relação entre ciência, raça e inteligência. Revista Istoé, 2007.

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