Sexo mentiras e televisao

May 23, 2017 | Autor: Vasco Coelho | Categoria: Social Media, Media, Televisão, Meios De Comunicação, Manipulação Mediática
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Sexo, mentiras e televisão por Vasco Coelho 02/02/2003

Um repórter de televisão em queda de popularidade (Dustin Hoffman) aproveita o acto tresloucado de um guarda de museu (John Travolta) recentemente despedido, para relançar a carreira. Perfeito conhecedor da realidade e do que é mediatizável, o jornalista estabelece uma estratégia de recuperação de imagem junto da opinião pública, através de uma correcta manipulação dos media que dão cobertura ao acontecimento. Quem acaba por sair manipulado é o próprio jornalista e o suposto criminoso, em virtude da guerra das audiências que, antes de o homem ser preso, ditam a sua sentença e a tragédia que se sucede. “Cidade Louca”, um filme de 1997, levanta duas questões-chave essenciais: uma é a de saber até que ponto o poder dos media poderá decidir a vida das pessoas; a outra reporta-se à instabilidade da opinião pública facilmente manipulável pelos primeiros. O cenário apresentado pelo filme é um cenário-choque, uma consequência extrema da necessidade de espectacularização da informação por parte dos media que tentam obedecer a lógicas de mercado. Estas, cada vez mais complexas, resultam da constituição de grupos empresariais multimédia, por exemplo, mas sobretudo da realidade, simultaneamente causa-efeito, do processo de desenraizamento social que transforma as idiossincrasias de cada povo/indivíduo numa miscelânea inodora, um mundo heterogéneo num mundo homogéneo, em que prosperam o vazio, a alienação e a apatia generalizadas. O exercício pleno de direitos por parte dos telespectadores é posto em causa, a partir do momento em que estes, por incompetência própria, deixam de ter poderes para contrariar a manipulação a que estão sujeitos. Sem querer entrar no caminho da teoria da conspiração, são vários os exemplos que demonstram a transformação da sociedade através do vazio: a massificação de programas que são, na maior parte das vezes, formatos importados dos países que regulam o próprio processo da globalização mundial (económica e cultural) e que se caracterizam por fazerem do telespectador um ser cada vez menos pensante; e a consequente selecção/filtragem, por parte das televisões, daquilo que o público, que atravessa diferentes classes sociais, realmente deseja: a emoção própria da vivência interna das pessoas.

A televisão torna-se cada vez mais “perversa”. Será ela apenas e só o “reflexo da sociedade”? A fronteira entre aquilo que é a causa ou efeito está mais difusa e perturbante, na medida em que, ao não se saber onde começa o problema, torna-se difícil encontrar a sua solução. Não se estabelecem limites para o que é do domínio da esfera privada ou para os princípios éticos que devem nortear a oferta televisiva. Acabe-se, por isso, com o multissecular alheamento da sociedade portuguesa, a sua crónica doença da vontade, produto de um constante adiar de uma verdadeira reforma, sobretudo educativa, panaceia para a necessária consciencialização e esclarecimento da opinião pública. A televisão, para além de os relegar para segundo plano, esvaziou o discurso político, o debate de ideias e o confronto de opiniões. Salvo raras excepções, a televisão em Portugal é hoje um desenrolar de estrelas efémeras das novelas da vida real, de espectáculo gratuito que se pauta pelo facilitismo das coisas com que nos deparamos. Está assim criado, se nada for feito (leia-se Governo, grupos empresariais multimédia privados e cidadãos conscientes), o caminho que nos conduzirá ao suicídio televisionado e aplaudido de um qualquer desempregado tresloucado.



Palavras de Carlos Cruz no programa “Conversa Privada”, transmitido pela RTP2 em Janeiro de 2001. Também em 1911, Raul Proença apelava, na revista “A Águia”, a uma opinião pública esclarecida, o que, parece, nunca se verificou, apesar da aparente facilidade no acesso à informação/entretenimento. 

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