SEXUALIDADE INFANTIL: INEXISTÊNCIA OU NEGAÇÃO

June 4, 2017 | Autor: Mônica P.Santos | Categoria: Sexualities education, Inclusive Education, Omnilectical Perspective
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Professora Associada – Faculdade de Educação – Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ - [email protected]
Mestranda em Educação na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - [email protected]
SEXUALIDADE INFANTIL: INEXISTÊNCIA OU NEGAÇÃO
Leyse Monick França Nascimento
Mônica Pereira dos Santos
Resumo
O presente artigo se propõe a fomentar um debate sobre o porquê de se acreditar que sexualidade não pertence ao mundo infantil? Argumentamos, em concordância com vários autores, que ela está presente desde a mais tenra infância. No entanto, constatamos que as evidências sobre as manifestações de crianças em demonstrar sinais de sexualidade, ainda causam estranhamento e um profundo incômodo e medo entre pais, mães e a comunidade escolar, causando, inúmeras vezes, práticas excludentes e preconceituosas. É na contramão dos discursos das relações binárias - aquela que percebe o mundo como opostos que se excluem: isto ou aquilo; bonito ou feio; branco ou preto; hetero ou homo, etc… - que traçaremos uma linha de raciocínio que nos permita refletir e questionar em que se apóiam essas compreensões que ocasionam desconforto e exclusão às crianças, a evasão escolar e a ocultação do debate por parte das instituições escolares.
Palavras-chave: Sexualidade Infantil; Inclusão/Exclusão; Formação docente
Introdução
Quando Sigmund Freud anunciou sua descoberta sobre a sexualidade infantil, entre o fim do século XIX e o início do século XX, a moralidade burguesa foi ameaçada. À época, em particular na sociedade londrina, onde Freud habitava, vivia-se a falada mentalidade "vitoriana", segundo a qual os padrões morais eram rigidamente definidos. Não é difícil perceber o impacto que sua teoria causou quando lembramos que nesta época a sexualidade era uma das práticas humanas mais reprimidas. Se nem para adultos podia ser comentada no cotidiano, que dirá para crianças!
Dentro do tema mais amplo das sexualidades, a orientação sexual homossexual (que, à época, era chamada de pederastia, desvio, perversão, etc.) era um tabu ainda maior, inclusive passível de prisão, a exemplo do que aconteceu com o famoso escritor Oscar Wilde. Estas observações nos fazem questionar: se assim era com adultos (e, em parte, ainda é), como seria com as crianças? Será que elas também não estariam sujeitas a denotarem uma orientação sexual? Nossa hipótese é de que sim, mas que, como é até o presente momento (2015), era silenciada.
Este artigo pretende fomentar a discussão sobre como a escola (des)trata sinais de sexualidades na infância por meio de práticas de repressão, negação e silenciamento: práticas pedagógicas que se negam a perceber e respeitar tais sinais, vindo a fazer "vista grossa" para ações de agressividade, praticadas por outras crianças, pais e até mesmo por educadoras(es). Nos propomos aqui também, a acender o "sinal de alerta" sobre os impactos futuros que tal negação e silenciamento podem ter na subjetividade e na construção da identidade sexual das crianças.
Iniciaremos falando um pouco sobre a sexualidade infantil, localizando, dentro deste tema mais amplo, a orientação sexual. Discutiremos então observações cotidianas relativas à orientação sexual que sugerem sinais de homoafetividade em crianças na escola, tendo em vista argumentar que tal orientação pode estar presente desde cedo. Em seguida, exploraremos algumas práticas docentes para com esta maneira de afeto que pode revelar-se na infância e seus efeitos futuros, no intuito de abordar formas alternativas de acompanhamentos não discriminatórios, não excludentes e sem ocasionar danos especialmente às crianças que venham a manifestar-se homoafetivamente escola. Por fim, teceremos algumas reflexões no sentido de 'alinhavar' nossos propósitos com este artigo, deixando, se possível, contribuições às práticas educacionais.

Sexualidade Infantil
O termo sexualidade por si só é polêmico, complexo e controverso e ainda é visto como tabu na sociedade. Conceituá-lo é uma tarefa um tanto difícil, mas, Freud com sua abordagem psicanalítica, dá uma configuração tanto aquém como além do ato sexual, e neste contexto identifica o instinto sexual já na infância, detecta a presença dos germes dos impulsos sexuais no recém nascido, considera a homossexualidade e leva em conta a sublimação (BEARZOTI, 1993).
No final do século XIX e início do século XX, Freud causou discordâncias e muita polêmica na sociedade de sua época ao afirmar que a sexualidade começa na infância, isso porque esta fase de vivência e exploração da sexualidade era considerada inexistente na vida infantil. Associado à esta compreensão Freud (1969c) ainda confirma que os educadores repudiavam a sexualidade infantil, achando que a atividade sexual:

[...] torna a criança ineducável, pois perseguem como 'vícios' todas as suas manifestações sexuais, mesmo que não possam fazer muita coisa contra elas. Nós, porém, temos todos os motivos para voltar nosso interesse para esses fenômenos temidos pela educação, pois deles esperamos o esclarecimento da configuração originária da pulsão sexual, (FREUD, 1969c, p.168-169, apud BRAGA, 2002, p. 44).

Ao admitir a sexualidade infantil, Freud propôs seu desenvolvimento em fases desde a mais tenra idade, que têm a função primordial de formas de gratificação libidinal em consonância com as fases que ele chama de desenvolvimento psicossexual, a saber: fase oral, anal, fálica, de latência e genital, (BRAGA, 2002). Baseadas na teoria psicossexual, cada uma dessas fases diferencia-se pelo tipo de objeto ao qual a energia do impulso está dirigida, ou seja:
Fase Oral: corresponde ao primeiro ano de vida. A gratificação e necessidade do bebê estão concentradas na parte superior do trato digestivo, que compreende a boca, esôfago e boca, ou seja(...). Fase Anal: essa fase está situada entre o segundo e o terceiro anos de vida. Agora, novas áreas corporais passam a dar tensão e gratificação. A criança começa a ter controle dos esfíncteres anal e uretral (...). Fase Fálica: esse período é caracterizado pela faixa de idade compreendida entre três aos cinco anos de idade. Nesse período, aumenta o seu interesse por seu próprio corpo, por estar mais consciente de si mesma. Os órgãos genitais começam a ser explorados, numa exploração auto-erótica (...). Fase de Latência: este período vai aproximadamente dos cinco aos dez anos de idade. Sua principal característica é uma aparente interrupção no desenvolvimento sexual. a criança volta-se agora para novos campos, como a escola, as amizades, os jogos esportivos, entre outras atividades. Freud (1969c) esclarece que os interesses sexuais diminuem por causa das sublimações ou formações reativas que dominam o comportamento (...). Fase Genital: é o último período do desenvolvimento psicossexual. Começa na puberdade e seu término ocorre no final da vida de um ser humano. A libido volta a se concentrar nas regiões genitais e com maior intensidade, devido o amadurecimento físico desta região (BRAGA, 2002, p. 48-61)

Podemos concluir que a sexualidade infantil, precisa de um determinado período de tempo e de maturação biológica para se desenvolver, levando em consideração as fases do desenvolvimento psicossexual destacadas acima. Freud ainda dilata o conceito de sexualidade levando em conta, o ato sexual propriamente dito, o erotismo que envolve a excitação sexual como um todo, a procriação que garante a preservação da espécie, o afeto e ainda a sublimação que é o deslocamento da libido para outros objetivos não sexuais.
Diante de todo esse contexto da conceituação do termo sexualidade, em uma convergência para a sexualidade infantil, seria inevitável que Freud não chocasse a sociedade cem anos atrás ao propor a idéia de uma infância que se distanciava da tradicional noção de pureza e de felicidade ímpar, trazendo à tona uma criança dotada de afetos, desejos e conflitos (ZORNING, 2008).
Na atualidade, o que percebemos é que há uma linha tênue entre infância e vida adulta, ou seja, as crianças estão perdendo sua infância precocemente na tentativa de corresponder aos anseios, de superar as frustrações e alcançar os ideais dos pais do mundo contemporâneo, emergido nas tecnologias, na globalização, na exigência do mercado, etc. Sobre isso Zorning (2008) acrescenta:
Não estamos desconsiderando os avanços enormes do século XXI, que possibilitam às crianças uma ampla gama de informação, acesso ao mundo e muitas formas criativas de relacionamento; no entanto, não corremos o risco de apagar a infância, ao valorizarmos somente atribuições reconhecidas no mundo adulto, como competitividade, independência e uma sexualidade precoce mas não infantil? (ZORNING, 2008, p. 73-74)

Para Freud, a sexualidade infantil tem início com o nascimento da criança e sua conquista se dá ao longo da constituição de sua subjetividade. Diante disso, ainda acrescenta a pluralidade de seus componentes, mas, afastada da "moral repressora" de sua época, que associa sexualidade a instinto, manifestada na puberdade com fins exclusivamente reprodutivos. O referido autor denomina sexualidade infantil, como perverso-polimorfa, pois, se desloca da idéia do modelo genital, na relação sexual em si e destaca diversas possibilidades de gratificação sexual por meio da exploração de outras áreas do corpo (ZORNING, 2008). Neste contexto destacamos o termo autoerotismo, ou seja, na infância a sexualidade é autoerótica e é por meio de outras partes do corpo que essa gratificação sexual se consolida.
Um exemplo desta gratificação sexual alcançada por meio de outras partes do corpo é o bebê mamando, pois, ao mamar no seio da mãe, não apenas sacia uma necessidade orgânica de se alimentar, mas também emocional, pois constrói laços de afetividade por meio do olhar, do toque, do cheiro, da voz, etc. Neste contexto vale ressaltar a questão subjetiva do bebê, ou seja, sua interação com o mundo desde o nascimento, como um indicativo de capacidades e potencialidades que lhes tiram de uma condição passiva diante dos fatos ao seu redor, demonstrando como o psiquismo infantil se constitui a partir de trocas afetivas e interações que permitem uma experiência de co-construção e mutualidade (ZORNING, 2008).
Podemos considerar que o tema sexualidade ganha um novo cenário, um novo discurso a partir do século XVIII, quando, de acordo com Foucault (1979), "o sexo das crianças e dos adolescentes passou a ser um importante foco em torno do qual se dispuseram inúmeros dispositivos institucionais e estratégias discursivas" (p. 16). Assim, é possível que se tenha constituído, em adultos e crianças, uma maneira, aos olhos de muitos, desqualificada, direta, crua, grosseira de falar em sexo, mas que, talvez, não tenha passado de uma condição para que funcionasse outros discursos múltiplos e entrecruzados.
Indubitavelmente, a sexualidade começa na infância, nos primeiros contatos entre mãe e filho, nos contatos estabelecidos nessa relação, nas primeiras vivências de prazer, por meio do toque, do carinho, da relação de afeto construída ao longo da infância, constituindo assim o acervo psíquico do bebê. Mesmo que muitos considerem a abordagem dessa temática na infância, desnecessária por acreditarem ser cedo demais, ou por não saberem abordar o assunto, ela se faz cada vez mais necessária, para que muitos (pre)conceitos, ocultações e negações acerca da sexualidade infantil sejam desconstruídas ocasionando a formação de uma adolescência menos perturbadora e de uma fase adulta mais consciente de suas, vontades, desejos, e principalmente de saberes e atitudes que as (os) ajudem a contribuir para sua constituição humana.

Orientação Sexual Infantil: inexistente ou silenciada?

Quando falamos de orientação sexual nos remetemos a uma questão individual, seja ela homossexual, bissexual ou heterossexual, mas permeada por questões socioculturais que direcionam a imagem padronizada e consideravelmente tradicional de heteronormatividade (MAIA & MAIA, 2009 apud OLIVEIRA e MAIA 2011). Entende-se por heteronormatividade, de acordo Oliveira e Maia (2011), como padrões culturais que, por meio de práticas sociais, punem ou agem de forma coercitiva diante de qualquer pessoa que não se comporte de acordo com os pressupostos heterossexuais, ou seja, que se diferencia das díades macho - fêmea, homem - mulher. Para Louro (1997), a escola contribui para reforçar este quadro:
(...) o que está sendo proposto, objetiva e explicitamente, pela instituição escolar, é a constituição de sujeitos masculinos e femininos heterossexuais — nos padrões da sociedade em que a escola se inscreve. Mas, a própria ênfase no caráter heterossexual poderia nos levar a questionar a sua pretendida "naturalidade" (p.81-82)

A autora, criativamente, entretanto, questiona:

Ora, se a identidade heterossexual fosse, efetivamente, natural (...) por que haveria a necessidade de tanto empenho para garanti-la? Por que "vigiar" para que os alunos e alunas não "resvalem" para uma identidade desviante"? Por outro lado, se admitimos que todas as formas de sexualidade são construídas, que todas são legítimas mas também frágeis, talvez possamos compreender melhor o fato de que diferentes sujeitos, homens e mulheres, vivam de vários modos seus prazeres e desejos (idem).

E complementa sua visão sobre o papel da escola ao afirmar que:

Há ainda uma difícil barreira de sentido a superar: para que um/a jovem possa vir a se reconhecer como homossexual, será preciso que ele/ela consiga desvincular gay e lésbica dos significados a que aprendeu a associá-los, ou seja, será preciso deixar de percebê-los como desvios, patologias, formas não-naturais e ilegais de sexualidade. Como se reconhecer em algo que se aprendeu a rejeitar e a desprezar? (Idem, p. 83).

Ou seja: se tais desconstruções não se iniciarem pela escola, por onde mais se iniciariam? Neste sentido, inúmeros estudos têm sido realizados, na tentativa de explicar as causas da homossexualidade, orientação esta, ainda vista pela sociedade como anormal, patológica ou como uma aberração da natureza humana. No entanto, como aponta GUILHARDI, 2007 (apud OLIVEIRA e MAIA, 2011):
Não existe dentro da pessoa um entidade chamada homossexualidade, a qual seria responsável pelos atos, fantasias, desejos, sentimentos, etc., homossexuais. O que existem são comportamentos e sentimentos que podemos, provisoriamente, rotular com o adjetivo homossexual, sem que tal adjetivo implique em nenhum julgamento ético ou de valor moral. Os comportamentos e sentimentos homossexuais são instalados e mantidos como qualquer outro comportamento. São regidos, em suma, pelas mesmas leis e pelos mesmos princípios fundamentais que explicam as ações humanas, ou seja, estão suscetíveis como qualquer comportamento à herança genética (filogênese), aos eventos ambientais (ontogênese) e às práticas culturais da comunidade verbal. (p. 132)
Sendo assim, partindo da colocação acima, não se pode definir a orientação sexual de uma criança como homossexual, bissexual ou heterossexual. O processo de construção da identidade sexual é determinante na vida de qualquer indivíduo e compreendemos isso como um processo que não pode ser finalizado na infância, pois é necessário uma análise e confirmação de sentimentos que dependem da relação das práticas que o sujeito estabelece com seus pares, com seu meio, com sua cultura e que dependendo da forma como essas relações são estabelecidas pode ser um processo particularmente problemático.
Mas, será que essa problemática se estende ao sujeito que se reconhece com uma orientação heterossexual? Será que a sociedade e a escola reproduzem discursos de respeito às sexualidades, sejam elas heterossexuais, bissexuais ou homossexuais? Acreditamos que as barreiras, os preconceitos e o (des)preparo dos profissionais da educação ainda se estabelecem no cenário escolar de maneira brutal e a exemplo disso destacamos os casos de violência e discriminação contra indivíduos que mesmo com sua orientação sexual indefinida, mas, porque apresentam trejeitos afeminados, no caso dos meninos, ou trejeitos masculinizados, no caso das meninas na infância, começam desde a mais tenra idade a conviver num ciclo vicioso de exclusões e consequentemente de negação e silenciamento da "disparada" à sexualidade, quando esta tende para homossexualidade.
Certamente as concepções binárias, referendadas por Souza e Carrieri (2010, p. 49) como as que concebem a sexualidade humana dividida entre o masculino e o feminino como algo fixo, natural e indiscutível, limitam as diferentes manifestações da sexualidade, pois estão, provavelmente, apoiadas nas práticas pedagógicas que reprimem e marcam crianças nesta fase da vida escolar que, por ventura, apresentem comportamentos que subvertam a norma. Estas práticas precisam ser combatidas, dentre outras estratégias, por meio da formação continuada das(os) professoras(es) da educação infantil, pela adaptação dos currículos menos apoiados em conteúdos fragmentados e mais em princípios que fundamentem e perpassem os conteúdos. Nestes casos, pais e mães também precisam de especial atenção para receber de um profissional da escola as orientações adequadas e desprovidas de (pre)conceitos. Estes necessitam interagir com a escola no intento de dar o suporte necessário à criança em prol da sua saúde psíquica, física e social.

A Homoafetividade na Escola
Falar de sexualidade está longe de ser uma tarefa fácil tanto para professoras(es) (FREITAS, 2006) como para pais e mães de alunas(os). No entanto, esta tem sido uma temática de abordagem necessária tanto no âmbito escolar como nas demais instituições à exemplo da família. Apesar da atual dificuldade das escolas em abordarem a temática das sexualidades, as questões relacionadas à orientação sexual e outros temas correlatos, compreendemos que é urgente e necessária na formação continuada de professoras(es) para a garantia de uma formação cidadã dos indivíduos e que a escola deve ser um espaço promotor deste debate. Além disso, a forma como os pais, as mães e a escola lidam com o tema "sexualidades" é fator determinante no posicionamento saudável e responsável que crianças e adolescentes terão diante deste tema, afinal, como afirma Louro (1997), "a sexualidade está na escola porque ela faz parte dos sujeitos, ela não é algo que possa ser desligado ou algo do qual alguém possa se "despir" ( p. 81).
No Brasil, a década de 80 foi marcada por um aumento significativo nas abordagens da temática da sexualidade, devido ao considerável quantitativo de gravidezes indesejadas na população mais jovem e o aumento da contaminação do vírus HIV. Assim, neste período, levando em conta a efervescência do assunto, houve um interesse por parte das famílias em que, não só fossem tratadas na escola questões acerca do sexo seguro, mas outras relacionadas à introdução da orientação sexual no currículo escolar, (BRAGA, 2002, p.19). No entanto, vale ressaltar que esta abordagem sobre orientação sexual, era no sentido do desenvolvimento físico e biológico relativo à sexualidade humana, e não dizia respeito à questão da orientação sexual no sentido do desejo voltado para a pessoa do mesmo sexo.
Isso porque, muitas vezes, a juventude é colocada como problema: os pais não sabem como lidar, então, depositam a responsabilidade na escola e, na mesma medida, a escola devolve a responsabilidade para os pais. De acordo com Silva e Soares (2014), "o que permanece é a ideia de controle da sexualidade, pois as/os jovens são consideradas/os, ao mesmo tempo, indivíduos com o desejo sexual em evidência e imaturos" (p. 141), o que tem trazido desesperança e pânico para as novas gerações e para a educação escolar. .Ainda de acordo com as autoras Silva e Soares (2014):

Talvez uma das dificuldades resida no fato de que a "naturalidade" da sexualidade do gênero seja algo quase inquestionável. Ambos são ainda considerados, inclusive no âmbito escolar, atributos dados, essenciais a uma suposta natureza humana. Assim, é interessante questionar: que concepções de gênero e sexualidade se tornaram naturalizadas? (p. 140 e 141).

De acordo com Louro (2000), "a escola está absolutamente empenhada em garantir que seus meninos e meninas se tornem homens e mulheres verdadeiros, o que significa dizer homens e mulheres que correspondam às formas hegemônicas de masculinidade e feminilidade" (p. 41). Isso demonstra a falta de reflexão sobre gênero e sexualidade na escola para além do binarismo homem/mulher e da heteronormatividade. Além disso, "ao invés de se recorrer a uma prática pedagógica crítica e reflexiva, recorre-se à pedagogia repressora que visa invisibilizar a orientação sexual homossexual (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2014, apud TEIXEIRA-FILHO et al., 2011, p. 728).
Nesse sentido, Louro (1997), referindo-se a o quanto a escola institui normatividades, afirma que um dos mecanismos pelos quais ela os faz é pela linguagem. Daí a necessidade de estarmos sempre atentos aos discursos e suas sutilezas. Diz a autora:
(...) a linguagem institui e demarca os lugares dos gêneros não apenas pelo ocultamento do feminino, e sim, também, pelas diferenciadas adjetivações que são atribuídas aos sujeitos, pelo uso (ou não) do diminutivo, pela escolha dos verbos, pelas associações e pelas analogias feitas entre determinadas qualidades, atributos ou comportamentos e os gêneros (...) tão ou mais importante do que escutar o que é dito sobre os sujeitos, parece ser perceber o não-dito, aquilo que é silenciado — os sujeitos que não são, seja porque não podem ser associados aos atributos desejados, seja porque não podem existir por não poderem ser nomeados. Provavelmente nada é mais exemplar disso do que o ocultamento ou a negação dos/as homossexuais — e da homossexualidade — pela escola (...) A negação dos/as homossexuais no espaço legitimado da sala de aula acaba por confiná-los às "gozações" e aos "insultos" dos recreios e dos jogos, fazendo com que, deste modo, jovens gays e lésbicas só possam se reconhecer como desviantes, indesejados ou ridículos (idem, p. 67-68).
No âmbito escolar percebemos ainda limitações no que diz respeito à abordagem da temática "sexualidade" e uma certa preocupação com um risco (imaginário) de influenciar as crianças a serem "desviantes". Algumas iniciativas do Ministério da Educação são percebidas em meados de 1998, quando produziu, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEF), objetivando promover reflexões e discussões de toda a comunidade escolar, acerca da finalidade de sistematização da ação pedagógica no desenvolvimento dos alunos da Educação Infantil, enfatizando, prioritariamente, a necessidade dessa discussão na escola. Neste enfoque percebemos que o governo federal buscou tratar a sexualidade infantil tendo como pressuposto a Teoria Psicossexual de Freud e focaliza a compreensão da sexualidade infantil num processo global, social, cultural e biológico próprio de todas as crianças.
Possivelmente, falar de homoafetividade na escola não tem sido uma tarefa fácil embora ela esteja pulsando na curiosidade de professoras(es) e muito mais na cabeça das(dos) alunas(os). O que a tem tornado tarefa difícil são as crenças que o senso comum imprime como "verdade absoluta" e que tentam a todo custo padronizar as diferentes manifestações de sexualidade. Outro sintoma que também a torna uma tarefa difícil é não encontrar uma proposta curricular que envolva toda a comunidade escolar no esclarecimento dessa temática. Ainda hoje as ações isoladas, e na maioria das vezes ficam sob a responsabilidade de um só profissional, que fica com a missão, quase impossível, de transformar a cultura excludente de toda a escola.

Considerações Finais
Iniciamos este artigo com a pretensão de fomentar a discussão sobre como a escola (des)trata sinais de sexualidades na infância, em particular quando estas são de orientação homoafetiva. Para tanto, apresentamos alguns referenciais clássicos que defendem a presença da sexualidade já desde a tenra infância, ainda que não necessariamente de forma definitiva no que tange à orientação sexual que prevalecerá posteriormente. Argumentamos que as práticas institucionais (familiares, escolares e outras) contemporâneas são repressoras da manifestação destas sexualidades na infância e que tal repressão se faz pela opressão direta e pelo silenciamento, ou seja, pelo ato de se fingir que não ver, de se deixar passar manifestações de desapreço e de desaprovação à sexualidades manifestadas pela criança quando estas não correspondem aos padrões esperados pela sociedade. Argumentamos, ainda, que tais práticas de repressão, omissão, silêncio e omissão são profundamente prejudiciais á formação da criança como sujeito humano.

Neste sentido, nos propusemos a acender o "sinal de alerta" sobre os impactos futuros que tal negação ou opressão e /ou o silenciamento podem ter na subjetividade e na construção da identidade sexual das crianças, e clamamos pela necessidade de que as escolas, enquanto instituições de grande importância na formação social e cultural de um povo, de nosso povo, se ressignifique e reveja suas (pré)concepções, com o intuito de evitar a promoção de sofrimento, constrangimento, dor psicológica (e física), humilhação e exclusão de nossas infâncias e juventudes.

Postas as considerações para este debate acadêmico a respeito da sexualidade infantil, acrescentamos que também cabe à Academia propor novos desafios, proporcionando diferentes incursões acerca desta temática; e à escola cabe a decisão política de desconstruir (pre)conceitos e desafiar-se a aprender com as pesquisas, resignificando suas culturas no propósito de transformar, por meio do ensino, as infâncias em etapas mais significativas na constituição de sujeitos saudáveis do ponto de vista psicológico, físico, social e sexual.


Referências
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