Sexualidade, ‘religião’ e laicidade: a economia política do dogmatismo religioso

June 13, 2017 | Autor: Sonia Corrêa | Categoria: Biopolitica, Economia Política, Laicidade, Política Sexual1, Dogmatismos Religiosos
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Sexualidade, ‘religião’ e laicidade: a economia política do dogmatismo religioso Sonia Corrêa1 De onde vem essas reflexões? As ideias que se seguem são inspiradas em muitas fontes. Entre elas penso é necessário mencionar o livro que escrevemos com Rosalind Petchesky e Richard Parker (CORRÊA et al, 2008) , o ciclo de Diálogos Regionais sobre Sexualidade e Política organizados pelo Observatório em Sexualidade e Política entre 2009 e 2011 que tratou das várias intersecções entre política sexual e estado, ciência e tecnologia, economia mas também religião (CORRÊA e PARKER, 2011) e, uma nova linha de trabalho que estamos iniciando para refletir criticamente sobre sexualidade direitos e poderes emergentes. 2 É importante mencionar, talvez, que parte substantiva dessas ideias foram apresentadas e debatidas em outras oportunidades. Algumas das questões relativas aos limites da laicidade foram apresentadas no Fazendo Gênero de 2010 e as demais reflexões foram compartilhadas no Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Saúde (Novembro de 2013, Rio de Janeiro) e no seminário Curta o Gênero (Abril de 2014, Fortaleza). 3 Muito significativamente iniciei a revisão do material apresentado em oportunidades anteriores para preparar esse texto num hotel próximo ao aeroporto George W. Bush, em Houston no Texas, onde estive por 24 horas depois de perder uma conexão para o Rio de Janeiro. Esse inesperado stop é significativo no contexto das Texto apresentado na 29a Reunião Brasileira de Antropologia (Natal) no Simpósio Antropologia, Direitos Sexuais e Fundamentalismos 1

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O resultado final dos Diálogos será publicado na primeira semana de agosto de 2014 Nessas duas últimas apresentações os desafios políticos e conceituais que identifico em relação ao tema foram organizados em torno a alguns temas nodais: a) A globalidade ou caráter transnacional do “retorno do religioso” sob a forma de dogmatismo; b) Uma problematização do termo “fundamentalismo”; c) Questionamento quanto à dicotomia convencional Religião Vs. Sexualidade; e) Algumas interrogações sobre os limites e problemas da laicidadade. Ao revisar essas reflexões para o simpósio da ABA essa estrutura básica foi mantida em linhas gerais e a seção sobre laicidade foi ampliada. 3

reflexões que se seguem por que ao desembarcar em Houston e saber que teria que dormir no Texas me lembrei de um Programa 60 minutos da televisão pública americana sobre o crescimento do fundamentalismo evangélico que assisti por volta de 2004/2005. Isso por que o documentário percorreu o cinturão da Bíblia do Texas entrevistando pessoas que foram testemunhas do ‘renascimento em Cristo’ de George W. Bush então presidente dos EUA. Um momento contundente do filme se dá quando um desses entrevistado diz: “Reagan era nosso aliado, mas George W. Bush é outra coisa, ele é um de nós” . Penso que, por várias razões, é produtivo iniciar minha reflexão sobre o dito ‘retorno do religioso’ (DERRIDA E VATTIMO, 1999) e suas interseções com a política sexual examinando brevemente o fenômeno no contexto norte-americano. No livro que escrevemos com Richard Parker e Rosalind Petchesky analisamos o crescimento recente do ‘fundamentalismo’ nos EUA nos seguintes termos: ... os movimentos conservadores religiosos norte – americanos do século XIX início do século XX foram, de fato revivalismo de caráter espiritual que se deram exclusivamente a partir de círculos evangélicos. Contudo, em 1979 a reativação dessas forças teve outra trajetória. Decorreu da iniciativa política de um pequeno grupo de agentes republicanos seculares que tinham posições extremamente conservadoras, não só em 'questões morais ", mas também em segurança e defesa nacional e da intervenção do Estado na economia e que estabeleceram uma estratégia de longo prazo para conter o liberalismo político (no sentido norte americano) e o pluralismo moral que havia ganhado espaço a partir dos anos 1960. A estratégia que esses atores adotaram para ampliar seu poder político se apoiou, sobretudo, na mobilização deliberada e financiamento de grupos cristãos. Para atender esse objetivo, Jerry Falwell, o pastor evangélico e co-fundador da Moral Majority, seria um aliado ideal para liberalismo e o secularismo crescentes da sociedade americana. Para conseguir isso Falwell recrutou adeptos entre pentecostais e membros dissidentes de denominações protestantes tradicionalmente liberais, assim como os católicos conservadores, incluindo membros da hierarquia da Igreja (p. 55) A análise que então desenvolvemos também sublinha que essa nova onda de revivalismo religioso conservador nos EUA coincidiu no tempo como as demais manifestações do ‘dito retorno do religioso’. Entre elas contabiliza-se a eclosão do integrismo islâmico no contexto da revolução iraniana, que revelou da noite para o dia a

profundidade e extensão de extremismos religiosos que haviam se mantido, de algum modo, submersos sob o manto os regimes laicos – e no mais das vezes autoritários -- que se sucederam à descolonização dos países mulçumanos, após a segunda guerra mundial. Mas tampouco podemos esquecer que no mesmo ano de 1979 em que Khomeini chegou ao poder, assistiu-se em Roma a eleição do papa polonês nomeado como João Paulo II, que também inaugurou um ciclo da restauração conservadora na Igreja Católica, em resposta aos esforços de abertura doutrinal e política propiciados, desde os anos 1960, pelo Concílio Vaticano II e seu desdobramento na teologia da liberação com sua ênfase na justiça social, ecumenismo e absorção de premissas de direitos humanos pelo discurso eclesial. Finalmente, mas não menos importante, os anos 1980 foram também o palco da revitalização do nacionalismo hindu (Hindutva), cuja história remonta ao final do século 19 e inclui fortes confluências com o fascismo europeu dos anos 1920-1930 e que – embora sendo marcadamente um fenómeno político --- sistematicamente lança mão de princípios, imagens, símbolos cosmogônicos e, sobretudo, dos conflitos inter-religiosos religiosos como estratégia de acumulação de poder político. Retornando à minha parada forçada em Houston, duas décadas mais tarde mal bem havíamos começado a processar e consolidar nos planos global e nacional a pauta dos direitos reprodutivos e sexuais -- legitimada nas negociações intergovernamentais globais dos anos 1990 -- a eleição de George Bush (2000) deu nova escala à estratégia adotada pelos republicanos nos anos 1970, cujos parâmetros de moral sexual se tornaram diretrizes da política externa norte-americana, implicando, por exemplo, que os recursos da cooperação norte—americana para AIDS e direitos das mulheres passaram a ser condicionado por clausulas restritivas em relação à ‘promoção’ do aborto e do trabalho sexual e pela adoção das famosas estratégias ABC (abstinência, fidelidade e camisinha apenas como último recurso para para prevenção do HIV) e pela promoção

de leis para criminalização da transmissão do HIV (especialmente na África subsaariana)(GIRARD, 2005). Muito embora a vitória democrática de 2008 tenha alterado em vários aspectos os parâmetros da política externa norte-americana em relação aos direitos sexuais, as forças políticas vinculadas ao dito retorno do religioso continuam muito vivas e ativas nos EUA. Sobretudo, os rastros e efeitos das políticas globais de George Bush para sexualidade são palpáveis em muitos contextos, tenham eles sido ou não objeto diretos de intervenção da política externa norte- americana nos anos 2000. É o clima global criado em torno ao HIV, por exemplo, que explica por que um projeto de lei de criminalização do HIV - que foi apresentado ao Congresso Brasileiro no começo dos anos 2000 – em 2015 sob a batuta de Eduardo Cunha na presidência da Câmara Federal, esteve a ponto de ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (ABIA, 2015).

O “retorno do religioso”: globalidade, transculturalidade e “modernidade” Um primeiro aspecto a se enfatizado na cartografia do chamado retorno do religioso e das imbricações e tensões crescentes com as demandas de direitos em sexualidade, é a globalidade desse mapa e suas interseções. Não estamos frente a “um problema brasileiro” mesmo quando os conflitos nacionais que ele detona nos tirem o sono. Sem dúvida, contextos sempre importam e a maneira como o ‘retorno do religioso’ se manifesta em diferentes quadrantes apresenta muitas heterogeneidades. Porém, em todos os continentes e em todas as tradições religiosas muitas vozes -- no mais das vezes masculinas, mas não exclusivamente-- propagam visões e mobilizam recursos de diferente ordens para fixar, estabilizar ou recriar ordens de sexualidade e gênero, ou seja de fixar o pacto hetero-procreativo nas suas inúmeras configurações culturais.

Já fiz menção à cena norte-americana cuja dinâmica nesse terreno continua sendo relevante geopolítica e culturalmente, apesar do anunciado “declínio do império” e do Ocidente (VARGAS LLOSA, 2014). Nessa seção, farei um panorama tipo voo de pássaro, esboçando muito rapidamente o que se passa nos chamados poderes emergentes agrupados sob a rubrica BRICS -- que constituem a outra face desse dito declínio – mas também em outros territórios ‘periféricos’ em que árduas batalhas em torno à sexualidade mobilizadas pelo dogmatismo religioso também estão em curso. 4 Comecemos pela Rússia, tarefa relativamente fácil por que a grande mídia, organizações internacionais de direitos humanos e até mesmo o mundo desportivo tem dedicado muita atenção à lei de junho de 2013 que proíbe a “propaganda homossexual” e as boutades homofóbicas de Putin e de outras autoridades. A dinâmica dos debate na Rússia é muito mais complexa do que sugere a grande mídia e nela jogam papel central tanto os tropos nacionalistas de Putin quanto a atuação da Igreja Ortodoxa, algumas vezes em parceria com a hierarquia católica. Não é pouco trivial, por exemplo, que o Congresso Mundial da Famílias que vai contar com a presença de Bergoglio terá lugar na Rússia em outubro. Dito isso, por que a imagética e retórica que tem predominado no tratamento da homofobia russa, no mais das vezes, por atores europeus, americanos e mesmo brasileiros adiciona água na recriação da polaridade EUA Vs. Rússia ou Rússia Vs. Ocidente que os próprios dirigentes russos tem deliberadamente propagado. 5

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Vale lembrar a realização da Cúpula BRICS em Fortaleza, em julho ou seja um pouco antes da ABA. Como estaremos fazendo uma etnografia do evento e seu entorno, novas informações e ideias poderão ser incorporadas ao texto. 5

Por exemplo, no Fórum Acadêmico BRICS que aconteceu no Rio em março de 2014, no painel sobre cooperação multilateral, Georgy Toloraya, Diretor Executivo do National Committee on BRICS Studies afirmou que o mundo vive uma era equivalente ao momento pós –Segunda Guerra em termos geopolíticos e que uma marca desses tempos é que: “O Ocidente odeia os russos. No passado nos odiavam por éramos comunistas, hojes nos odeiam simplesmemnte por que somos russos. ”

Já políticas sexuais em curso na Índia e na China, também atravessadas pelos efeitos do retorno do religioso - tem recebido muito menos atenção em especial por parte da mídia brasileira. Penso ser produtivo começar pela Índia. Primeiramente, por que a cultural sexual indiana é marcada por grande variabilidade de expressões – como pode ser ilustrado pelo avatar hermafrodita do grande deus Shiva (Ardhanarishvara) e pelos hijras e kotis - e guarda uma memória palpável de culto ao erotismo. Mas também por que a Índia contemporânea conta com movimentos vibrantes em torno a sexualidade – que significativamente se auto-definem como queer movements. Além disso, e não menos importante, urge examinar a recente eleição que levou ao poder Narendra Modi no BJP (partido do nacionalismo hindu) a partir de lentes que permitem escrutinar as interseções entre o retorno do religioso e questões de gênero e sexualidade, numa ótica mais estrutural. É preciso lembrar que – do ponto de vista das dinâmicas transnacionais -- um dos desenvolvimentos mais significativos da política sexual nos últimos anos foi a decisão tomada pela da Alta Corte de Deli em 2009 que considerou inconstitucional o artigo 377 do Código Penal herdado da colonização britânica que criminaliza a sodomia, ou para ser mais precisa, as relações sexuais não naturais. Os significados dessa decisão extrapolam as fronteiras indianas por que normas criminais idênticas também herdadas da colonização britânica sobrevivem nos aparatos legais de muitos outros países do sul global, mas também por que sua argumentação jurídica calcada na premissa de igualdade e numa definição ampliada de privacidade, podem e devem inspirar debates normativos sobre sexualidade em outros contextos. Nesse contexto de análise, importa, sobretudo, mencionar que a ação legal contra o artigo 377 teve a oposição aberta de líderes religiosos de todas as tradições. Gurus, sacerdotes brâmanes, mulás islâmicos, bispos e pastores que usualmente não conversam entre si estiveram reunidos em programas de televisão e outras oportunidades

de debate e numa das audiências conduzidas pela Corte um representante do governo central citou argumentos sobre sexualidade coletados em websites da direita religiosa norte-americana. Não surpreende, portanto, que a decisão final da Corte de Deli tenha sido contestada judicialmente numa petição à Suprema Corte da Índia que foi assinada por dezoito organizações, a maioria delas grupos religiosos pertencentes a essas várias tradições. Para surpresa da maioria das e dos observadoras/es da política sexual indiana, a Corte, ao julgar o recurso, suspendeu a decisão de inconstitucionalidade em dezembro de 2013 (Khana, 2013), remetendo a reforma da lei penal para o Parlamento. Posteriormente, em abril de 2014, a mesma Corte admitiu considerar uma medida de reparação em relação a essa decisão e, de maneira ainda mais surpreendente, emitiu uma decisão inédita que preconiza o direito a igualdade e não discriminação das pessoas cuja identidade de gênero difere da norma dominante e as habilita a medidas de ação afirmativa equivalentes as que desde muitas décadas beneficiam castas e grupos inferiorizados como dalits e adivasis, um paradoxo que tem sido explicado no fato que os dois casos foram julgados por turmas separadas da Corte. Mais significativo, porém, é que na sequencia desse vai e vem jurídico, as eleições indianas gerais de maio de 2014 levaram de volta ao poder, com maioria inédita no parlamento, o partido nacionalista hindu, organizado em torno à ideia de hindutva. Recorro aqui uma vez mais a nossas reflexões de 2008 para iluminar ainda que de maneira breve o que esse resultado eleitoral poderá significar no âmbito da política sexual indiana, com potenciais repercussões transnacionais: Embora a religião seja um elemento secundário no quadro ideológico da Hindutva, imagens religiosas são onipresente no discurso e ações implementadas por esses grupos... Nos últimos anos, seus líderes introduziram imagens da divindade hindu e orações nas escolas públicas. Mais importante, a maioria dos discursos Hindutva usa a noção espiritual do dharma para manter as hierarquias de castas rígidas e gênero e limites "sexo"... A noção de pureza é outra chave

dinâmica do sistema de castas por meio das regras rígidas de endogamia de casta, segregação espacial, e as regras corporais muito rígidas... (pg. 62) Desde o final do século 19, a Hindutva tem como alvo principal os mulçumanos, retratados nessa ideologia não como infiéis ou estrangeiros , mas como invasores ( SWAMY, 2003), um imaginário politico em que viceja a figura do muçulmano ' viril ' que estupra e molesta as mulheres hindus. Porém, a partir dos anos 1980, a figura do mulçumano invasor e estuprador seria gradativamente combinada a desvalorização sistemática de muçulmanos como analfabetos, prolíferos, consumidores de recursos e pouco trabalhadores. No discurso contemporâneo do renascimento hindu: O corolário do invasor muçulmano hipersexualizado é o homem hindu fraco e " efeminado " que não tem sido capaz de resistir e proteger a nação (e os corpos das mulheres ). Esse aparato discursivo também concebe como abjetas e impuras as expressões de sexualidade não - heteronormativa que sempre existiram na cultura indiana. A recriação ideológica da masculinidade hindu gira em torno do imaginário acerca de um "herói celibatário que um dia vai resgatar a nação emasculada ".. ( CORREA et al p. 63) A luz dessas informações não é trivial que Narendra Modi, o novo primeiro ministro, tenha estado diretamente envolvido num episódio de violência ocorrido em 2002 que ficou internacionalmente conhecido como o genocídio do Gujarat (estado de que foi governador durante muitos anos), no qual milhares de homens e mulheres mulçumanos foram seviciados e mortos por milicianos hindus. Além disso, e talvez mais significativo, Nahendra Modi tem anunciado publicamente que abdicou da vida sexual para servir à causa da Hindutva. Consistente com essa mitologia uma das imagens mais amplamente divulgadas após sua vitória foi aquela em que ele é abençoado por sua mãe no centro de um círculo estreito de mulheres. Quando o foco se desloca para a China, a política sexual no período posterior às reformas do mercado do final dos anos 1970 tem girado em torno à visões provenientes da sexologia, reivindicações de gênero e pelo que HUANG (2013) qualifica como uma

"revolução sexual " . Essa atmosfera revolução cultural se expressa, por exemplo, numa pletora de espaços do mercado dedicados ao tema da fruição sexual (Sexuality Policy Watch, 2011), mas também em crescentes mobilizações culturais e políticas em torno às questões LGBT e violência baseada no gênero, que não raramente são objeto da repressão do estado. Contudo o trabalho sexual continua criminalizado e profissionais são também alvo constante da repressão policial. Essas circunstâncias informam, por um lado, que mesmo um estado que se retrata como ateu não é isento de uma visão moralizante acerca da sexualidade. Por outro lado – e por mais surpreendente que possa parecer - o retorno do religioso também detectável na China de 2014. Trata-se, nesse caso, de um efeito da ampliação da liberdade religiosa que foi pensada e instrumentalizada pelo regime comunista como estratégia para suprir um crescente vazio espiritual, que os dirigentes consideram como sendo o lado sombrio do aumento da renda e do consumismo. Desde que a flexibilização de normas religiosas começou, igrejas evangélicas se multiplicaram e os católicos tornaram-se mais ativos politicamente e muitas vezes estão vinculados ao campo religioso conservador norte-americano. As vozes católicas, por exemplo, tem sido muito efetivas na denúncia da repressão a dissidentes, os quais, com bastante frequência, estão diretamente envolvidos na política anti-aborto. O exemplo mais flagrante dessa conexão é o do dissidente cego Chen Guangcheng que deixou a China sob proteção do governo americano em 2012. Hoje ele vive nos EUA onde se dedica com muito afinco a campanhas mobilizadas pela direita religiosa americana contra a política coercitiva de planejamento familiar e aborto implementada pelo governos chinês. O mote mais recentes das campanhas em que Guancheng está envolvido tem sido o ‘feticídio feminino” , ou seja a prática dos abortos seletivos.

Para além dos BRICS as tensões entre dogmatismo religioso e a pauta dos direitos sexuais e reprodutivos estão em ebulição manifesta em muitos outros espaços nacionais A África subsaariana -- Uganda em particular – é talvez o exemplo paradigmático pois que é tratado hoje pela mídia internacional e nacional como sendo palco de uma verdadeira ‘guerra’ em torno às sexualidades dissidentes, ao aborto e a moralidade pública. Assim como na Índia, nos países africanos o debate sobre sexualidade está atravessado pelo legado colonial das leis criminais e -- , da mesma forma que no Brasil e em outros países latino-americanos --, as igrejas cristãs locais e o evangelismo transnacional norte-americano tem sido atores centrais (Kapia, 2013). Mas a singularidade dos contextos africanos não deve se obscurecida. Em muitos contextos africanos, as tensões relativas a gênero e sexualidade decorrem de normas e ações implementadas por atores relacionados ao extremismo islâmico. Sobretudo, um ponto fulcral das ‘guerras do sexo” no continente é a concepção dominante entre atores estatais, vozes religiosas e a mídia de que homossexualidade é “não africana” (unAfrican) (EPPRETCH, 2007).

Num artigo brilhante sobre a Lei Anti Homossexualidade aprovada em Uganda, publicado recentemente na Al Jazeera, Sylvia Tamale (TAMALE, 2014) lembra que Uganda não deveria ser singularizada nos debates sobre “homofobia” pois pelos menos 38 países africanos criminalizam relações entre pessoas do mesmo sexo e analisa o argumento dominante da homossexualidade não africana nos seguintes termos: O mito de que a "homossexualidade é não africana se ancora na antiga prática dos poderosos de invocar seletivamente a cultura africana... A alegação equivocada de que uma coisa seja não africana baseia-se no pressuposto essencialista de que a África é uma entidade homogênea ... Claramente, não é a homossexualidade que é não africana, mas sim as leis que criminalizam tais relações. Em outras palavras, o que é estranho ao continente é a homofobia legalizada , exportada para a África pelos imperialistas para contextos onde o que até então prevalecia era indiferença ou mesmo tolerância frente às relações entre pessoas do mesmo sexo... A atual onda de leis anti-homossexualidade que varre o

continente é, portanto, parte de uma tentativa política velada e mais ampla para consolidar regimes repressivos e antidemocráticos. Igualmente estranhas ao continente são as religiões abraâmicas ( especialmente cristianismo e islamismo ) que também alimentam esse argumento. As religiões tradicionais africanas eram (e ainda são) integradas na existência holística e cotidiana das pessoas, incluindose aí a sexualidade . Por efeito das religiões abrâamicas práticas sexuais que eram aceitáveis na era pré-colonial , pré- islâmica e pré-cristã foram codificados como sendo " desviantes ", " ilegítimas " e " criminosas" pela via de processos de proselitismo e aculturação” (p.1) Muito embora Uganda e a Africa negra lato sensu sejam a hoje um foco principal de atenção do ativismo LGBT norte-americano e europeu, da mídia e de alguns governos ocidentais, cenários muito semelhantes podem ser identificado no Caribe de língua inglesa e na América Central. A presença e ação do dogmatismo religioso cristão em Belize, Jamaica, Santa Lúcia e Trinidad –Tobago tem contornos que, em vários aspectos convergem com o que se assiste na África. No caso da Nicarágua, por exemplo, um país muito mais próximo de nós – quando consideradas afinidades históricas entre as construções nacionais e as esquerdas latino americanas hoje governando os dois países – assim como a cooperação entre governos no âmbito da UNASUL - o peso do conservadorismo religioso na dinâmica da governabilidade também tem sido brutal. Em 2006, o efeito da aliança entre Daniel Ortega e a Igreja conservadora para assegurar sua reeleição foi uma reforma do código penal que eliminou a possibilidade do aborto terapêutico que estava na lei desde o final do século 19 (ao mesmo que aboliu o crime de sodomia). Uma reforma constitucional finalizada em janeiro de 2014, entre outras definições, afirma que o estado da Nicarágua é Socialista, Cristão e Solidário e situa a família tradicional no centro da solidariedade social. O código de família recém aprovado só autoriza a adoção de crianças por casais heterossexuais (excluindo divorciados e solteiros) e preconiza a resolução de violência doméstica por mediação de ministros religiosos. Assim como acontece em Uganda, o país recebe continuamente a visita de

missões protestantes e evangélicas norte-americanas que vem ao país realizar trabalhos sociais, tais como a construção de casas para os pobres. Finalmente mas não menos importante. Como vimos, as visões do dogmatismo religioso sobre sexualidade, gênero e reprodução são propagadas por seus promotores como reação moral, espiritual ou mesmo cultural frente aos excessos da modernidade ou pós modernidade e, muitas vezes, como uma resposta autóctone a imposições pós ou neocoloniais e ao efeitos do capitalismo. As ideologias que alimentam o retorno dogmático do religioso visam recriar a “eras perdidas” do pacto heteroprocriativo e resgatam tradições culturais conspurcadas” pela modernidade e pela colonização. Entretanto é um equívoco aderir sem maiores críticas à interpretação de que essas forças são fundamentalmente pré-modernas ou tradicionalistas. Karen Armstrong (2000) chama atenção para o fato que uma característica compartilhada por extremistas religiosos tanto no passado quanto no presente é que, se por um lado, sempre se posicionam contra "corrupção" das doutrinas e instituições que decorre da modernidade, por outro recorrem sistematicamente a ideias e instrumentos seculares e modernos para ampliar seu poder social e político. As forças do dogmatismo religioso em expansão no século XXI fazem uso da mesma linguagem e recursos políticos utilizados pelos líderes corruptos e instituições que criticam, como por exemplo, a política eleitoral e amplo uso de tecnologias de comunicação. Nas palavras de DERRIDA (1998, p. 28): Como outras antes delas, as novas "guerras de religião" são lançadas sobre a terra humana (que não é o mundo ) e lutam para controlar o céu com o dedo e com os olhos: sistemas digitais e de visualização panópticos e imediatos ; ' espaço aéreo ' , telecomunicações satélites, info-estradas, concentração de poder capitalista e midiático. Em três palavras: a cultura digital, o jato, e a TV sem os quais não poderia haver nenhuma manifestação religiosa de hoje, por exemplo, nenhuma viagem ou discurso do Papa e nenhuma emanação organizado de seitas judaicas , cristãs ou muçulmanas , sejam elas ' fundamentalistas ' ou não sistemas digitais de visualização panóptica e imediata, "espaço aéreo", satélites de telecomunicações, estradas da informação, a cultura digital, o jato, e a TV sem a qual não poderia haver hoje nenhuma manifestação religiosa, nenhuma viagem ou discurso do Papa, nenhuma emanação de cultos judeus cultos, cristãos ou muçulmanos, sejam eles 'fundamentalistas' ou não.

Retornando à cotidianidade da realpolitik da sexualidade da era contemporânea cabe preguntar como faz Sylvia Tamale, no artigo anteriormente citado, se não é no mínimo irônico assistir um ditador africano que veste um terno Armani, acaricia um iPhone e fala inglês impecavelmente, citar livremente a Bíblia deblaterando diatribes contra o que não é africano. Fundamentalismo” & “religião VS sexualidade” : algumas interrogações Quando Jacques Derrida usa o termo ‘ fundamentalismo’ entre aspas ele interroga a pertinência, o significado e interpretação do termo. Em Sexuality, Health and Human Rights também interrogamos severamente o uso indiscriminado da terminologia como categoria explicativa definitiva dos fenômenos de que estamos tratando. Mesmo quando, ao longo dos anos 1990, eu tenha contribuído bastante para tornar o termo corriqueiro, desde 2008 já não uso a palavra ‘fundamentalismo’ exceto para nomear o fenômeno histórica e contextualmente específico das seitas protestantes que surgiram nos EUA no início do século 20 e que assim se auto-denominam Bible Fundamentalists. O termo é seguramente inaplicável, por exemplo, ao hinduísmo que não conta com um texto sagrado como única fonte da doutrina espiritual. A ideologia e a prática do nacionalismo hindu de que falei anteriormente (Hindutva), segundo vários autores, tem mais afinidades com a lógica de organização e a prática política do fascismo do que com o as construções e métodos das organizações dogmáticas cristãs contemporâneas. Tampouco é possível aplicar a noção de fundamentalismo a posições regressivas de lideranças budistas quanto a sexualidade e aborto que podem ser identificadas em vários contextos. E embora essa afirmação vá contra o senso comum, não é produtivo transportar de maneira automática e simplista o recurso aos fundamentos como traço mais marcante do dogmatismo católico, pois nesse caso a doutrina não é nunca uma interpretação literal dos chamados textos sagrados, mas um sofisticado exercício de

reinterpretação que compila e recombina muitas outras fontes, inclusive e desde sempre fontes seculares. Gianni Vattimo (2007) num artigo de imprensa sobre a posição Vaticana acerca da homossexualidade sublinha com muita veemência que os tropos católicos referentes à heterossexualidade como perfectibilidade da criação divina e à reprodução humana como “aquilo que imita o céu na terra” não pertence a tradição cristã, mas vem diretamente de Aristóteles. Mesmo a leitura rápida de encíclicas recentes emitidas pelo papado conservador de Ratzinger como Deus est Caritas (2005) ou mesmo a Lumens Fides (2013), assinada conjuntamente por Ratzinger e Bergoglio, revelam que a elaboração doutrinária católica embora recorrendo a textos bíblicos é muito mais prolífera na citação de filósofos do passado e do presente, numa lista muito díspar que inclui Platão, Descartes, Gassendi, Nietzsche e Martin Buber. Sobretudo, como bem apontam autores latino – americanos, como Lemaitre (2010) e Mujica (2006, 2011), nos tempos em que vivemos, as posições dogmáticas do catolicismo em relação a gênero, sexualidade e reprodução já não se constroem principalmente com base em elaborações doutrinária da fé mas fazendo recursos crescente as teses do direito natural e dos argumentos do constitucionalismo católico. Esse não é tema estritamente acadêmico já que no Brasil, desde muito tempo, assistimos o jurista Ives Gandra Martins esgrimir acirradamente o jusnaturalismo católico contra o direitos ao aborto, alterações no código civil no campo da família, casamentos entre pessoas do mesmo sexo, células tronco. Mais recentemente vimos um deputado estadual do Rio de Janeiro lançar mão das classificações da DSM 6e da CIE 10 para justificar um projeto de lei visando a implementação da cura gay e de outras parafilias. 6 Essa ampla flexibilidade heurística é, na minha avalição, o que irá permitir, eventualmente, a 6

Muito significativamente o fato não foi criticado de maneira consistente pelo movimento LGBT. Na verdade algumas lideranças fizeram declarações públicas irónicas de que tal projeto poderia facilitar o acesso das travestis e pessoas trans aos serviços de saúde.

Bergoglio implementar as inflexões doutrinárias que ele tem anunciado em relação a homossexualidade ou às mães solteiras, sem contudo, desestabilizar os pilares centrais da doutrina sobre corpo, família e reprodução. Finalmente, mas não menos importante, a noção de “fundamentalismo” para denotar a leitura literal de um texto religioso tampouco se aplica sem problemas ao islamismo. Sem dúvida os fundamentos religiosos do Islã estão consagrados em um texto sagrado que não pode ser contestada. Mas o Islã se transformou muito no curso da história islâmica e os ulemás ( teólogos muçulmanos ) também podem recorrer a outras fontes para interpretar a lei de acordo com as novas condições do tempo. IMAM (2005) lista, por exemplo, como fontes de interpretação das leis sagradas: o Alcorão ; a sunnha ( tradições do profeta ) tal como relatadas no hadith ; o ijma , um consenso sobre o sentido da lei que é alcançado através qiyas ( analogias ); e o ijtihad ( raciocínio interpretativo das normas ). Ela também nos lembra que entre os sunitas - que constituem 80 por cento de todos os muçulmanos - existem quatro escolas de jurisprudência que discordam entre sobre muitas questões, incluindo aquelas relacionadas a gênero e sexualidade. Ela também menciona disputas doutrinárias em relação à autenticidade de fontes, a confiabilidade dos procedimentos e, mais principalmente, pergunta se o consenso sobre a lei deve ser a decisão dos ulemás ou um consenso mais amplo do qual as comunidades, inclusive as mulheres, também fazem parte. Sua conclusão é que : ...o estereótipo de uma única "lei islâmica" unificada e divinamente revelada é falso, quer seja em termos de precisão histórica e empírica, quer seja como princípio como jurisprudencial . No entanto, este estereótipo tem sido muito útil tanto para os conservadores muçulmanos, quanto para os propagadores da Islamofobia no Ocidente (p. 76) . A pontuação quer faz Imam quanto à islamofobia não é um efeito menor do uso discriminado do termo fundamentalismo pois, ao longo dos últimos quarenta anos e, com mais intensidade, depois de instalada a ‘guerra ao terror” ele se tornou, no senso

comum, sinônimo do extremismo islâmico. É exemplo disso o uso corrente do termo xiita para descrever no Brasil uma pessoa de posições extremas. Essa é uma outra razão que nos levou a elaborar essas reflexões críticas quanto ao uso indiscriminado o desmesurado do termo para descrever e analisar as dinâmicas complexas do retorno do religioso. Outro tratamento esquemático que deve ser interrogado é a oposição binária e simplista que opõe Sexualidade Vs. Religião demasiadamente frequente nos debates brasileiros. Entre nós os conceitos de religião ou de forças religiosas – sem nenhuma qualificação adicional - são sistematicamente listados em textos de ativistas mas também análises acadêmicas como obstáculos à realização dos direitos sexuais. Não cabe dúvida de que as construções acerca de sexualidade e gênero nas mais diversas tradições religiosas são problemáticas do ponto de vista das teorias críticas de gênero e sexualidade, pois estão calcadas na dualidade corpo – espírito, no essencialismo sexual, na naturalização do pacto hetero-procreativo e, muitas vezes, em regras rigorosas de ascese sexual inspiradas pela suspeita da carne. Contudo, nas condições em que nos movemos penso que é pouco produtivo – e, ao meu ver, politicamente e conceitualmente pobre - definir os obstáculos e retrocessos que assistimos em termos simplificados de religião VS sexualidade, numa clave que atribui às “religiões” -- per se, lato senso e quase exclusivamente -- a origem das ‘guerras sexuais’ do século 21. São inúmeras a meu ver as debilidades dessa fórmula. A primeira delas é que essa proposição se apoia numa aposta de secularização inexorável das sociedades modernas que foi compartilhada desde os século 19 por liberais, positivistas, marxistas, tema que será tratado com mais profundidade na seção subsequente. Nesse contexto, quero sublinhar apenas que, por um lado, o peso relativo dos discursos religiosos nos debates atuais tende a ocultar o poder e efeito de outros dispositivos de naturalização e essencialização da sexualidade e do gênero, como por exemplo, as concepções seculares

da biomedicina e da biologia. Por outro lado, a dicotomia sexualidade - religião nos impede de visualizar a pluralidade e multivocalidade interna às comunidades religiosas. Trata-se de reconhecer com JAKOBSEN e PELEGRINI (2006) que “o problema não é a religião, mas a religião autoritária ou totalitária” e a fusão, tanto na religião conservadora quanto na política conservadora, entre "moralidade" e normatividade sexual. Resgatando uma vez

mais nossas reflexões de 2008 sobre essa questão: No atual contexto - ativistas e intelectuais engajados com o feminismo e o debate em torno aos direitos sexuais estamos desafiados a envolver-nos com a religião sem contudo ' retornar à religião’. Isso implica uma perspectiva crítica sobre a religião como um elemento de transformações políticas e sociais potenciais e não exclusivamente como o "oposto" da mudança. Tal posicionamento crítico implica desafiar – abertamente e sem rodeios as injustiças perpetradas em nome da religião e ao mesmo tempo contestas a islamofobia, o antisemitismo e outras formas de intolerância religiosa, muitas proclamada em nome dos direitos sexuais. Mas também significa, abrir janelas nos muros do secularismo dogmáticas ou defensivo, para examinar dimensões espirituais, extáticas e místicas da sexualidade, ou forjar alianças com comunidades religiosos abertas a esse debate (CORREA et al. 2008, p. 271).

Secularismo e laicidade como solução: outros interrogantes Na segunda metade do século 20 liberais, marxistas, radicais e mesmo algumas correntes religiosas progressistas – não teriam dúvidas em afirmar que a secularização e laicização das sociedades era inexorável. Essa afirmação ecoava o projeto da razão iluminista sobrepujando a superstição, que nos foi legados pelo pelos filósofos e cientistas do século 18 e 19 de que são exemplos entre outros: Hegel, Marx, Darwin, Freud e Nietzsche. Na medida em que esse projeto ainda habita nossos debates e é preciso perguntar se ainda é sustentável e

produtivo pensar os desafios que nos cabem no âmbito da política sexual nesses termos? Ou seja fazendo da laicidade ou de sua restauração nosso principal instrumento. Essas perguntas são necessárias por que, como sublinha Juan Marco Vaggione (VAGGIONE, 2011), nas condições contemporâneas, nem se cumpriu a secularização definitiva das sociedades, nem tampouco o projeto liberal de que tanto a religião quanto a sexualidade permanecessem confinadas a esfera privada. Muito ao contrário, essas duas dimensões da vida humana e sexual são cada vez mais públicas e politizadas. Sem dúvida o impacto negativo do dogmatismo religioso, por um lado, instiga fortes apelos à laicidade e a secularização. Contudo essa cena mais complexa e em fluxo inspira algumas perguntas difíceis. Houve de fato, algum dia, uma separação nítida entre política e religião? Vivíamos no Brasil e em outras sociedades, sob um regime laico perfeito ? A restauração da laicidade tal como concebida nos séculos 18 e 19 resolverá os conflitos que experimentamos hoje ? Na vasta literatura que tem se produzido sobre o tema vários autores questionam o discurso ou imaginário clássico de um “espaço secular” ou “esfera pública” radicalmente distinto ou não contaminado pela religião, assim como as visões sobre o caráter benigno da laicidade, no que se refere a pluralidade democrática ou mesmo realização dos direitos sexuais.  Derrida (DERRIDA, 1998) é uma dessas referencias ao sublinhar a ideia de "religião" como algo "singular", "uma instituição separada", é claramente “greco-cristãromana” – ou seja, ocidental e portanto ‘colonizante’ . Além disso, segundo ele os binários "razão e religião" ou “ciência e religião" obscurecem o componente intrínseco de fé, doxa, “testemunho” que é inerente a qualquer sistema de conhecimento, razão e poder. Finalmente mas não menos importante, penso que também é útil resgatar de Derrida a concepção de “traço teocrático” das políticas civis modernas (o Templo). Já a crítica de Talal Assad (ASSAD, 2003) centra-se no caráter colonial e pós –colonial da laicidade e do laicismo, enfatizado o caráter autoritário, e muitas vezes messiânico, de toda e qualquer autoridade, inclusive as autoridades políticas seculares. Ele relembra, por

exemplo, como o laicismo foi imposto ao Egito por Napoleão a força das baionetas.  Sua

análise nos lembra sistematicamente que políticas e dispositivos seculares de   administração das sociedades modernas não são necessariamente democráticos em relação a gênero, sexualidade ou reprodução, tal como podemos verificar no laicismo da Primeira República brasileira, de Kemal Ataturk na Turquia e ainda nos regimes comunistas de secularização compulsória que criminalizavam a prostituição e homossexualidade como sintomas da exploração capitalista e da decadência burguesa. Nesses contextos laicos e seculares, como bem sabemos, o disciplinamento sexual e de gênero teve na biomedicina uma de suas epistemologias nodais. Como bem lembrou Paula Machado no Diálogo Regional Latino-Americano do SPW a ciência médica e biológica emite ‘passaportes’ de inserção dos sujeitos na categoria humana ou na vida social (CORREA e PARKER, 2011). Outras fontes estruturais de disciplinamento secular da sexualidade e do gênero estão situadas na teoria e prática jurídica em particular no âmbito das justiça criminais. E é importante mencionar, sobretudo, nem mesmo a epistemologia e os regimes discursivos dos direitos humanos estão isentos da impregnação essencialista de sexualidade e gênero. Até a metade dos anos 1990 o termo “sexo” nos textos internacionais de direitos humanos denotava apenas e somente homem e mulher não sexualidades. E, só muito recentemente, quando se fizeram visíveis e legítimos os corpos e vozes trans nos debates nacionais e globais sobre direitos humanos é que, finalmente, se fez visível a crítica de que corpos e pessoas possam aceder a humanidade protegida por esses direitos é preciso que estejam inscritos, a ferro e fogo, na lógica binária da diferença sexual ( MAURO CABRAL E VITURRO, 2005). Uma breve genealogia da laicidade brasileira Á luz das questões acima alinhavadas, quando evocamos e convocamos os princípios de secularismo laicidade para conter o avanço contínuo da moralidade religiosa dogmática sobre o campo dos direitos sexuais e reprodutivos, penso ser produtivo revistar criticamente

os ciclos longos no sentido de identificar os traços genealógicos da laicidade na história de cada contexto político, hoje atravessado por conflitos agudos da política sexual. Embora muito limitado, mesmo um breve voo de pássaro sobre a trajetória brasileira nos revela paradoxos incontornáveis. Após a independência, adotamos uma constituição e um código penal fracamente liberal (ao modelo francês ), que contudo preservou a escravidão e o catolicismo como religião nacional no texto constitucional. Não menos importante, o casamento permaneceria sob jugo da lei canônica até a República, quando em 1890 a primeira lei civil do matrimonio foi adotada.

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Na transição republicana, seus

líderes fiéis ao positivismo científico

(especialmente de vertente Comtiana) imprimiram marcas fortes de laicidade aos parâmetros normativos da República Velha. Marcas essas tão fortes que o Brasil seria considerado um modelo de laicismo quase perfeito até mesmo pelos publicistas franceses do começo do século XX. O texto constitucional de 1891 determinou explicitamente a separação estado Igreja e isso se desdobrou em outras lei como o casamento civil, restrições eleitorais impostas a padres e outros ministros religiosos e agravamento de pena no casos delitos sexuais cometidos por essas autoridades religiosas. Em grande medida, penso eu, quando invocamos hoje os princípios laicos nossa imaginação continua de algum modo refém dessa era política peculiar. Porém, também estou convencida que ao invocar nossa tradição secular não devemos obliterar o caráter oligárquico, elitista, patriarcal, racista e hétero-compulsório da laicidade da Velha República. Com bem afirma Richard Miskolsci num comentário sobre seu livro O Desejo da Nação a sociedade política da primeira república, embora fortemente comprometida como o laicismo e a secularidade, era constantemente assediada pelo: “medo dos negros, que após a abolição passou

a significar medo do povo, e as ansiedades sexuais e de gênero, que estavam presentes na idealização que

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Dito isso, é preciso mencionar que as autoridades políticas e atores sociais do primeiro e segundo império, foram muitas vezes mais comprometidas com valores seculares e da laicidade do que temos assistido em tempos mais recentes. Basta referir ao debate sobre a “questão religiosa” no final do império e recuperar algumas sátiras do período.

faziam de uma nação baseada em um paradigma de embranquecimento e heterossexualidade reprodutiva compulsória” (apud ARANTES, 2013. ).

Segue-se a revolução de 1930, considerada por um vasto número de autores como a primeira transição política brasileira que

não consistiu numa rebelião das elites mas

representou um transformação baixo para cima, precedida mobilizada por mobilizações populares significativas. De 1930 herdamos o voto feminino, mas também um primeiro esboço de trabalhistas e políticas estruturantes de saúde,

educação e cultura.

Significativamente, embora pouco debatido em nossas conversas,

os anos 30 também

assistiriam um ‘”retorno do religioso”.

A Igreja Católica usou muito efetivamente o

contexto revolucionário para retomar espaço político que havia perdido na República Velha. Na eleição de 1933, a Liga Eleitoral Católica elegeu quase todos seu candidatos e, na Carta de 1934, foram aprovadas todas as emendas de interesse da Igreja em 1934, como por exemplo o ensino religioso no sistema público de educação e o resgate dos direitos políticos de padres e outros ministros religiosos. Após ter sido alijada pelo positivismo laico, no final do século 19, a Igreja voltaria a influenciar diretamente o poder do estado. E, deve-se dizer que Vargas – embora positivista e forte adepto da laicidade republicana - não hesitaria em estreitar suas relações com Igreja, percebida como potencial mediadora política em um cenário atravessado por tensões estruturai. Um momento muito ilustrativo dessa “aliança instrumental” – em razão de seu significado como política cultural de raça e gênero – foi, ao meu ver, a inauguração concomitante da estátua do Cristo Redentor no Rio e a entronização de Nossa Senhora de Aparecida, como Virgem Negra, padroeira do Brasil que resultaram de uma parceria estreita entre Getúlio e a Igreja. As relações entre a Igreja e Vargas estremeceram mas não foram rompidas durante o Estado

e a redemocratização de 1945 tampouco

restabeleceu os princípios rígidos laicos de 1891. Penso que seria produtivo examinar mais de perto e sistematicamente o que essas inflexões significaram do ponto de vista da política sexual propriamente dita inclusive por que minha hipótese é que a esse campo – ou ao nosso campo – também pode ser aplicada a moldura analítica da “modernização conservadora” que, desde algum tempo, sido aplicada na análises acerca das condições e efeitos da era Vargas. Desde então diferentes momentos,

e embora dividida internamente, como

durante a ditadura militar a Igreja Católica continuaria influenciando diretamente a política pública brasileira, seja por baixo (pressões populares) ou por cima, telefonemas diretos a autoridades para impedir alterações no que a Igreja considera ordem moral.

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O que há de novo na cena dos anos 2010 é a presença crescente, a estridência e a voracidade de poder do evangelismo, especialmente nas suas vertentes dogmáticas de que o Deputado Feliciano é um ícone ao qual nem mesmo a Revista Playboy resiste. Mas isso não deve nos fazer imaginar que estão muito diminuídas as influências da Igreja Católica sobre os aparatos institucionais estatais, basta lembrar de como foi aprovada em 2009, a Concordata com o Vaticano, ou observar com maior atenção os jogos em curso entre o Planalto e o Vaticano. O que fazer? Não há soluções fáceis para problemas difíceis. A resistência e contenção do dogmatismo religioso é, possivelmente, o maior desafio da política sexual contemporânea. Implica em, por um lado, não obliterar a globalidade, os ciclos longos e as complexidades do “retorno do religioso” e de suas velhas e antigas imbricações com a política, reconhecendo, portanto, são múltiplas as frentes de embate crítico que ele 8

No curso da redemocratização foram muitos os episódios desse teor. Há vário exemplos. Em 1985, no Rio de Janeiro, um telefonema de Dom Eugenio Salles levou Leonel Brizola (outro positivista gaúcho) a vetar (depois de já sancionada) uma lei que regulava o acesso ao aborto legal nos serviços públicos de saúde. Em 1996, “alguém” sentado no gabinete presidencial vetou os artigos relativos à esterilização da Lei do Planejamento Familiar, obrigando o presidente a ir a publico posteriormente para solicitar ao Congresso a suspensão dos vetos.

comporta: a esfera religiosa propriamente dita, mas também, as ‘culturas’ , a biopolítica, a política, as normas legais e também a economia, um campo menos estudado e debatido. A enfrentar essa árdua lide não podemos ser tentadas pelos equacionamentos simplistas, esquemáticos e parciais. Nesse sentido um aspecto importante a ser sublinhado é que o ‘espaço” ocupado pelo extremismo religioso nos debates da esfera pública – que em grande medida é conseguido por seu foco nas questões da sexualidade – tem obscurecido nossa percepção sobre o fenômeno correlato que é a secularização da esfera religiosa e a discrepância entre o que dizem as vozes extremas e as práticas das comunidades religiosas. Nesse sentido uma tarefa crucial seria, talvez, revisitar criticamente o conceito estático de religião  que herdamos do passado, no sentido de reconhecer que as religiões são multivocais e contribuir para que essa pluralidade seja visibilizada. Não menos importante, precisamos investigar e compreender melhor como e porque essas forças tem conseguido, com facilidade crescente, tornar reféns atores políticos seculares. Mário Pecheny nosso querido parceiro argentino numa plenária sobre esse

tema no último Fazendo Gênero em que se analisava o fenômeno no contexto regional latino-americano dizia, com razão, ao meu ver, que nosso maior problema não é o Vaticano ou os evangélicos extremistas, mas sim Cristina Kirchner, Dilma Roussef, Tabarés Vasquez, Rafael Corrêa, Daniel Ortega que abandonam – assim como já havia feito Vargas no passado- as teorias política seculares em que foram formados e o princípios republicanos que deveria reger as democracias para ceder – em maior ou menor graus – às pressões do dogmatismo religioso em nome da governabilidade. Para examinar tais conjunturas faz-se necessário situar o “retorno do religioso” nos tecidos complexos da economia política tout court. Retornando a Derrida é importante talvez recuperar seu argumento que segundo o qual a noção cristalizada de que o religioso ocupa uma esfera separada do que seria a vida

política, de fato, termina por obscurecer a “religiosidade” do capitalismo global. Olhando a questão por essa outra face, a partir da cena brasileira, o saudoso Flávio Pierucci, num artigo publicado postumamente no Caderno Ilustríssima da FSP analisa como, no século 21, as regras republicanas clássicas de separação estado –igreja foram desregulamentadas e a economia colonizou a esfera religiosa (PIERUCCI, 2012). Hoje falamos dos mercados religiosos e das teologias de prosperidade e os estudiosos da religião interpretam esse fenómeno como uma expressão da secularização das visões e práticas religiosas o que também significa ao mesmo tempo sua politização. Nesse sentido tendo a concordar com Vaggione que o desafio está em reconhecer que :

Concepções de democracia liberal ou mesmo deliberativa já não são suficientes para captar a complexidade e diversidade do religioso, pois de uma maneira ou de outra reforçam a fronteira entre o religioso e o secular, fronteiras que são hoje porosas, móveis ou mesmo em alguns contextos inexistentes. As concepções de democracia radical que se distanciam do secularismo como único parâmetro para definir o “público,” oferecem, por sua vez, modelos normativos para las políticas da sexualidade que não exigem a privatização do religioso e nem mesmo a diferenciação entre religioso e secular… Essa é uma concepção que abre espaço para formas complexas de compreender o papel do religioso nas sociedades contemporâneas, as quais vão além do secularismo como construção do público e oferecem modelos mais aptos para captar os jogos complexos entre sexualidade, religião e política.

Sobretudo, convencida que é urgente e pode ser muito produtivo pensar a questão da complexa interseção entre crescimento dos dogmatismos religiosos e a erosão das laicidades clássicas numa moldura que se poderia chamar a economia política do dogmatismo ou integrismo religioso, pois como bem diz Pierucci, a sociologia da religião

não pode continuar a fazer apenas sociologia (o mesmo se aplica a antropologia) sem situar as antigas e novas expressões da religiosidade numa moldura conceitual que também faz a crítica da economia capitalista. Nesse mesmo marco, o passo subsequente seria a compreender melhor as lógicas que vinculam governabilidade (ou se quisermos governamentalidade), capitalismo, disciplinamentos societários e dogmatismo religioso.

Nesse sentido, o último livro de Paul Amar, The Security Archipelago Human-Security States, Sexuality Politics, and the End of Neoliberalism” (Duke University Press, 2013) pode ser um ponto de partida interessante. Analisando processos paralelos, disjunções e conexões entre o Brasil e o Egito em termos de segurança pública, reforma urbana e políticas, Amar teoriza acerca de dinâmicas de policy gestadas no sul global e diretamente relacionados ao questionamento do neoliberalismo, ou nos seu próprios termos, aos sinais de uma potencial nova ordem mundial pós neoliberal. Nas suas próprias palavras: Se o estado neoliberal orbitava em torno aos parâmetros da subjetividade-indivíduo racionalliberal (o investidor do mercado, o consumidor, o empresário-inovador) um novo tipo de governametalidade vem ganhando corpo, o qual combina num único nó quatro lógicas de securitização: a moralista (enraizada na cultura e valores religiosos como evangelismo cristão e os discursos de piedade islâmicos); a jurídico-pessoal (com foco em direitos de propriedade e identidade de minorias); a securitização trabalhista (que órbita em torno a antigas a novas noções seguridade social, consumo, participação e cidadania); e a securitização militar ou paramilitar (que é masculinista, centrada na polícia, e centrada em territorialização e controle). Estas quatro lógicas relativamente autônomas de securitização se vinculam no que eu denomino como sendo um regime de governamentalidade baseado no estado de segurança humana. Todas elas, mais ou menos explicitamente, se destinam a proteger ou resgatar certas formas idealizadas da humanidade, geralmente identificadas com uma ‘família” de sexualidade, moralidade e classe, situada, muitas vezes, em territórios militarizadas.

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No âmbito da práxis política cotidiana é inevitável sustentar espaços de resistência. Mas seria ótimo se conseguíssemos a médio prazo desenhar e implementar ações mais pro ativas e menos reativas face aos efeitos deletérios do dogmatismo religioso e a facilidade com que os atores políticos seculares se tornam reféns dessas força. Mário Pecheny nosso querido parceiro argentino numa plenária sobre esse tema no último Fazendo gênero, analisando o contexto regional latino-americano dizia que o seu problema não era com os extremistas religiosos mas sim Cristina Kirchner, Dilma, Tabarés Vasquez, Rafael Corrêa que abandonam com facilidade princípios republicanos para ceder a essas pressões. Finalmente, é urgente analisar como a cartografia dos temas e propostas que são alvo da fúria conservadora está se redesenhando muito rapidamente. Por exemplo já está claro que ganhos em relação aos direitos LGBT e o casamento entre pessoas do mesmo sexo se dão em detrimento do direito ao aborto e dos direitos de profissionais do sexo. Em tal conjuntura estamos também desafiados a compreender melhor como e porque os deslizamentos paulatinos da posição Vaticana em relação ao homossexualidade coincidam no tempo com uma injeção significativa de recursos (3 milhões de dólares) feita por financistas vinculados ao Partido Republicano, (Paul Singer e Daniel Loeb) para promoção dos direitos LGBT, do casamento gay e contenção dos dogmáticos religiosos que atacam esses direitos. Segundo Singer, "... Os direitos dos homossexuais são consistentes com a filosofia

republicana da liberdade individual" e o casamento gay é garante estabilidade social, a estabilidade da família e da estabilidade na formação de crianças." Em outras palavras, nessa quadra complexa que atravessamos os direitos dos homossexuais estão sendo foram incorporados a uma pauta que é antidogmática mas decididamente conservadora.

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