Silêncio e memória em narrativas argentinas: poesia em imagens

Share Embed


Descrição do Produto

VOZ, MEMÓRIA E LITERATURA NARRATIVAS SOBRE A VIOLÊNCIA NA AMÉRICA LATINA

13

SILÊNCIO E MEMÓRIA EM NARRATIVAS ARGENTINAS: POESIA EM IMAGENS

Melissa Gonçalves Boëchat Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

“Os livros costumam se escrever sozinhos.” Juan Gelman, escritor ƒ”‰‡–‹‘ †‡ ͛͠ ƒ‘• †‡ ‹†ƒ†‡ǡ ƒ••‹ †‡Ƥ‡ ‘ ‘ˆÀ…‹‘ “—‡ …ƒ””‡‰ƒ Šž décadas por opção1. A frase, dita por ocasião do lançamento de seu livro de “poesía en prosadzǡ Hoy (2013), que não escreve motivado pelo ódio, que nos hace daño, e, sim, motivado pela perda, traz textos do pai “—‡†—”ƒ–‡ƒ‘•’”‘…—”‘—’‘”•‡—ƤŽŠ‘ǡƒ”…‡Ž‘”‹‡Ž ‡Žƒǡ‡’‡Žƒ nora, María Claudia, então grávida de oito meses, desaparecidos em 1976 por ocasião da ditadura argentina. A neta foi encontrada 23 anos depois, Andreíta. No reencontro, resolve adotar o nome da família que  ‘…‘Š‡…‹ƒǤ‘ƤŽŠ‘ǡ”‡…‡„‡—‘…‘”’‘ƒ’ו‘–‡”‡”‡–‹”ƒ†‘†‘ˆ—†‘ de um rio, preso em um tonel de óleo repleto de cimento, assassinado com um tiro na nuca. A respeito do desfecho do trágico episódio, anos mais tarde, quando do julgamento de alguns dos culpados, declara, em entrevista concedida ao jornal El País, em abril de 2013: Entre los culpables del asesinato de mi hijo había un general que fue condenado a prisión perpetua. Cuando dictaron la sentencia algunos jóvenes que ni siquiera habían vivido la dictadura saltaban de alegría. Pero yo no sentí nada. Ni odio, ni alegría ni nada. Y me pregunté por qué y eso me llevó a escribir, para explicarme qué había pasado, aunque, como todos los libros, empezó de una manera y siguió por otra. Quité los textos iniciales, porque eran testimoniales y eso es periodismo. Pero surgió el tono poé1

Quando este artigo foi escrito, Juan Gelman ainda estava entre nós. Infelizmente este grande poeta faleceu ”…‡–‡‡–‡ǡ‡͙͜†‡Œƒ‡‹”‘†‡͚͙͘͜ίƒ–‡•ǡ’‘”–ƒ–‘ǡ†ƒ’—„Ž‹…ƒ­ ‘†‡•–‡–‡š–‘Ǥ

307

tico necesario para escribir un resumen de lo que sé, o creo que sé, de los 35 años que pasaron desde la muerte de mi hijo.

A mistura do tom testemunhal (que o poeta resolveu arrancar de seu texto, ainda que se note em alguns textos) a alguns silêncios propositais é, também, narrativa carregada de história. Tal ausência diz muito sobre o que é contado, bem como em qualquer forma narrativa os silêncios e falhas podem construir uma história à parte, ou até mesmo contar a verdadeira história que está oculta, que foi ocultada ou que se desejou ocultar. Motivos à parte para contar uma história, cada artista tem em sua narrativa a fórmula exata para dizer sobre a perda, sobre a angústia, sobre a dor. Na história não tão distante sobre a ditadura em nosso continente, algumas vozes driblaram o trauma e trouxeram, em signo verbal e iconográfico, lembranças do que foi, do que poderia ter sido, do que não chegou a ser. A falta, o espaço. O vazio, a imagem que a luz não forma, a história que a palavra não conta. Ao lado de Juan Gelman, outros dois poetas de uma arte outra que não a verbal decidem escrever uma das páginas arrancadas de nossas veias abertas. Marcelo Brodsky, coincidentemente homônimo do filho de Gelman, e Gustavo Germano; ambos fotógrafos argentinos, trouxeram, em 1996 e 2008, respectivamente, suas exposições Buena memoria e Ausencias à leitura do mundo. Silenciado pela ditadura, conhecida também por “terrorismo de estado”, o horror vivido por pessoas comuns, muitas vezes difícil de ser traduzido pela veia verbal, transforma-se em narrativa nas imagens desses dois fotógrafos – autores que, frente ao silêncio da palavra, revisitam e reescrevem alguns dos mais duros e tristes trechos constituintes de nosso continente. Puro signo literário, imagem e letra fundem-se para contar o que está embargado na voz de todo um povo.

308

ROSANE MARIA CARDOSO

1 A letra silenciada: “estamos huérfanos de cartas que no se pueden enviar” Juan Gelman descreve o sentimento que corre no sangue latino-americano ao escrever “M.A.”2, poema em que retumba a solidão e a dor de todo um (sub) continente: Estas visitas que nos hacemos, vos desde la muerte, yo cerca de ahí, es la infancia que pone un dedo sobre el tiempo y dice que desconocer la vida es un error. Me pregunto por qué al doblar una esquina cualquiera encuentro tu candor sorprendido. ¿El horror es una música extrema? Las penas llevan a tu calor cantado en lo que soñaste, las casas de humo donde vivía el fulgor. De repente estás solo. Huelo tu soledad de distancia ‘„‡†‹‡–‡ƒ•—•Ž‡›‡•†‡Ƥ‡””‘Ǥ El pensamiento insiste en traerte y devolverte a lo que nunca fuiste. Tu saliva está fría. Disponível em Š––’ǣȀȀ™™™ǤŒ—ƒ‰‡ŽƒǤ‡–Ȁ„‹‘‰”ƒƤƒȀˆƒ‹Ž‹ƒȀƒ”…‡Ž‘Ǧƒ”‹‡ŽǦ‰‡ŽƒȀ, acesso em 12 de dezembro de 2013. 2

VOZ, MEMÓRIA E LITERATURA: NARRATIVAS SOBRE A VIOLÊNCIA NA AMÉRICA LATINA

309

Pesás menos que mi deseo, que la lengua apretada del aire.

 ƤŽŠ‘ ȋƒ‰‘”ƒ •ƒ„‹†ƒ‡–‡ ‘”–‘Ȍ ’‡•ƒ ‡‘• “—‡ ‘ †‡•‡Œ‘ de vida do pai. A angústia move o poeta a uma escrita que, apesar do peso da dor, faz com que a leveza da pluma se sobreponha ao ódio. Em Gelman, a palavra se faz presente, explícita, bem como a dor. Mas não se explicita em signo verbal, escrita, exposta como um corte na carne, o horror da morte, do assassinato, da falta da liberdade. A referência a tais eventos e ao momento histórico pode apresentar-se nas leyes de hierro às quais todos deveriam submeter-se; na lengua apretada que obrigava ao silêncio. Mas essas são leituras que faço eu, leitora distante, desde a ausência do que se lê – ou não se lê –, e não na ausência descrita pelo sofrimento do poeta. Livro que saiu após a condenação de alguns dos culpados pelas inúmeras mortes na Argentina, Hoy (2013), também se dedica à esperança, a la nación de sueños que sueñan todavía. Os quase trezentos textos que compõem a obra parecem falar do presente, mas com o olhar voltado ao passado, como a imagem do condutor que, dirigindo sempre adiante, observa um passado que se afasta, apequenando-se a cada metro, observado pelo retrovisor da memória. Para Gelman, além de um trabalho de memória, a poesia sirve para nombrar a lo que no tiene nombre, e talvez essa seja a razão pela qual o poeta busca compreender desde a literatura aquilo que ocorre fora dela. Em um dos textos de Hoy, “CXLIII”3, Gelman escreve: ‡Ž‹‡†‘ƒŽƒ—‡”–‡Žƒ—‡”–‡‘˜ƒŽ‡Žƒ’‡ƒǤ‘•ƒƪ‹‰‹†‘•‘ interesan, ni los tullidos por amor, ni el portentoso ingenio de un verano. Importa la luz recibida en forma de entrañas para verse. La sensación del cuerpo que termina no vive en rincón cerrado, crea su doble en estaciones impalpables y las alícuotas de pena sin notario. Una calandria ordena el fracaso de un fósforo apagado.

As metáforas (ou eufemismos) de Gelman – o fósforo apagado, o …‘”’‘“—‡–‡”‹ƒȂǡ–”ƒ­ƒ•—ƒ•‡…Šƒ•…‘ƒ•†‘ƒ–‘ˆ‘–‘‰”žƤ…‘ǡ 3

Disponível em http://www.juangelman.net/, acesso em 12 de dezembro de 2013.

310

ROSANE MARIA CARDOSO

no qual também importa a luz recebida, o verse, a partir do qual é …”‹ƒ†‘ǡ…‘‘ƒƤ”ƒƒ”–Š‡•ȋ͚͘͘͠Ȍǡ‘†—’Ž‘“—‡…ƒ””‡‰ƒ‘‘”‹‰‹ƒŽ’ƒ”ƒ uma sobrevida na vida da imagem. O poeta não diz; a poesia, sim, mas a partir de seus silêncios. Em que espaço se encontra, então, o que se deseja fazer sentir? Far-se-á na leitura a ponte entre o dito e o não dito? E será também no não dito da imagem, ato narrativo por extensão, bem …‘‘‘“—‡•‡–”ƒ•‹–‡’‡ŽƒŽ‹‰—ƒ‰‡‹…‘‘‰”žƤ…ƒǡ…‘‘—•‡‘ apoio da palavra, que se completa uma história que reside no silêncio da memória de gerações de nossos países?

2 Vazio fotografado Rosalind Krauss, em O fotográfico, traz à tona um seminário denominado “Quando falham as palavras”, ocorrido em Nova Iorque de 19 a 21 de fevereiro de 1982, sobre a prática fotográfica durante a República de Weimar.4A ideia do diálogo entre as duas linguagens era o ponto central do período em questão; entretanto, a importância da imagem sobre a palavra – premissa do período em que slogans como “Esqueçam a leitura! Olhe!”, de Molzahn5 – é contestada pela autora, responsável por uma obra crítica que coloca a arte fotográfica em uma posição completamente diferente daquela pleiteada por outros autores, geralmente historiadores da arte, que tendem a ler a fotografia pelo viés das artes plásticas. É, entretanto, como linguagem que o ato fotográfico se inscreve neste panorama, e é a partir dele, como um ato de criação, geracional, narrativo, que Gustavo Germano e Marcelo Brodsky recuperam o passado, revisitando-o e dando novo sentido à história que contam. Ambos se 4

O seminário (When words fail), organizado pelo International Center of Photography e pelo Goethe House em Nova York, de 19 a 21 de fevereiro de 1982, coincidia com duas exposições no ICP: Avantgarde Photographyin

‡”ƒ›Ȃ͙͙͡͡Ǧ͙͛͡͡ e Heinrich Kuhn: Turn of the Century Master (...). Segundo Krauss (2002, p. 215) tal seminário pretendia discutir a máxima segundo a qual a educação se daria a partir da imagem e não da escrita, com slogans como “Esqueça a leitura! Olhe!”. 5

‘Šƒ‡•‘ŽœƒŠˆ‘‹—ƒ”–‹•–ƒƒŽ‡ ‘ǡƒ•…‹†‘‡Ƥ•†‘•±…—Ž‘ Ǥ‡†‹…‘—Ǧ•‡’‹–—”ƒǡƒ•–ƒ„± ‡”ƒ—…—”‹‘•‘†‘†‡•‡Š‘‡†ƒˆ‘–‘‰”ƒƤƒǤˆ”ƒ•‡ƒ“—‹–”ƒ•…”‹–ƒˆ‘‹‡š–”ƒÀ†ƒ†‘Ž‹˜”‘ˆ‘–‘‰”žƤ…‘, de Rosalind Krauss; entretanto, não há indicações no texto referência aqui consultado sobre a fonte de onde a mesma foi originalmente extraída. VOZ, MEMÓRIA E LITERATURA: NARRATIVAS SOBRE A VIOLÊNCIA NA AMÉRICA LATINA

311

propõem uma tática semelhante: partem de fotografias antigas, ou seja, buscam no passado a origem de sua linguagem.6 Marcelo Brodsky, em sua já mencionada exposição Buena Memoria, na qual apresenta quatro •±”‹‡•†‡ˆ‘–‘‰”ƒƤƒ•ǣLos compañeros; Nando, mi Hermano; Apariciones; e Martín, mi amigo, toma uma antiga imagem de seus colegas de colégio e indaga sobre sua vida e seu paradeiro. Como contar o que aconteceu, um hiato mais pesado que a própria história, apenas a partir de uma foto de escola? O autor, então, inscreve sobre a imagem, a mão, o signo verbal, e conta o que foi feito de alguns de seus companheiros de sala. A promessa de vida dada pela juventude dos rostos nas fotos é assassinada por anotações que narram o desfecho dessas pessoas: “A Claudio lo mataron en un enfrentamiento”, “Alfredo es el único que milita activamente en los noventa”, “Vive”, “Silvia no quiere saber nada de todos nosotros. Ǭ‘”“—±•‡”žǫdzǡ Dzƒ”–Àˆ—‡‡Ž’”‹‡”‘“—‡•‡ŽŽ‡˜ƒ”‘Ǣ‘ŽŽ‡‰×ƒ…‘‘…‡”ƒ•—Š‹Œ‘ƒ„Ž‘ǡ “—‡Š‘›–‹‡‡͚͘ƒÓ‘•ǤEra mi amigo” (BRODSKY, 1996). A imagem diz do passado, a palavra conta o presente. E no presente, quando a foto, entre outras, é exposta no mesmo colégio em que foi feita, o olhar dos novos jovens que a observam e a leem torna-se, também, parte constituinte dessa história, ao mesclar-se aos antigos alunos por meio do ”‡ƪ‡š‘‘˜‹†”‘“—‡’”‘–‡‰‡ƒ•ˆ‘–‘•‘”‹‰‹ƒ‹•†ƒ•±”‹‡Los compañeros (BRODSKY,1996). Sobre o processo de trabalho, Brodsky relata, para a exposição na Fundación CELARG – Artes Visuales: Cuando regresé a la Argentina después de muchos años de vivir en España, acababa de cumplir cuarenta y quería trabajar sobre mi identidad. La fotografía, con su capacidad exacta de congelar un punto en el tiempo, fue mi herramienta para hacerlo. Empecé a revisar mis fotos familiares, las de la juventud, las del Colegio. Encontré el retrato grupal de nuestra división en primer año, tomado en 1967, y sentí necesidad de saber qué había sido de la vida de cada uno. Decidí convocar a una reunión de mis compañeros de división del Colegio Nacional de Buenos Aires para reen•‹ƒ‰‡•‡…‹‘ƒ†ƒ•‡•–‡ƒ”–‹‰‘‡…‘–”ƒǦ•‡†‹•’‘À˜‡‹•ƒ‹–‡”‡–ǡƒ•’ž‰‹ƒ•‘Ƥ…‹ƒ‹•†‘•†‘‹•ˆ‘–×grafos. http://www.gustavogermano.com/blog/ e http://www.marcelobrodsky.com/.

6

312

ROSANE MARIA CARDOSO

contrarnos después de veinticinco años. Invité a mi casa a los que conseguí localizar, y les propuse hacer un retrato de cada uno. (…) Más tarde se organizó un acto para recordar a los compañeros del Colegio que desaparecieron o fueron asesinados por el Terrorismo de Estado en los años negros de la dictadura. Después de veinte años, las autoridades del Colegio aceptaron por primera vez que ”‡…‘”†ž”ƒ‘•‘Ƥ…‹ƒŽ‡–‡‡‡Ž—Žƒƒ‰ƒƒŽ‘•“—‡ˆƒŽ–ƒǤ —‡ un hecho histórico. Resolví trabajar sobre la foto grande que me Šƒ„Àƒ •‡”˜‹†‘ †‡ ˆ‘†‘ ’ƒ”ƒ ˆ‘–‘‰”ƒƤƒ” ƒ ‹• …‘’ƒÓ‡”‘• †‡ †‹˜‹•‹×›‡•…”‹„‹”‡…‹ƒ†‡Žƒ‹ƒ‰‡—ƒ”‡ƪ‡š‹×ƒ…‡”…ƒ†‡Žƒ vida de cada uno de ellos. (…) Como parte del acto, se armó una exposición de fotos de la época, para transmitir con imágenes a los actuales alumnos del Colegio lo que había pasado. Las fotos eran algo que quedaba de los noventa y ocho compañeros, una herramienta para convertirlos en personas concretas, próximas. ȋǥȌ‡…‹†À‹…Ž—‹”‡Žƒ—‡•–”ƒˆ‘–‘‰”žƤ…ƒŽƒˆ‘–‘‰”—’ƒŽ†‡͙‡” ӑǡ ‘†‹Ƥ…ƒ†ƒ …‘ ‹• –‡š–‘• › Ž‘• ”‡–”ƒ–‘• ƒ…–—ƒŽ‡• †‡ ‹• compañeros. Las fotos permanecieron expuestas en el Colegio durante unos días. La luz cenital del sol que atravesaba los enormes ventanales del claustro daba en la cara de los estudiantes que •‡†‡–‡Àƒƒ‘„•‡”˜ƒ”ǡ›’”‘†—…Àƒ—”‡ƪ‡Œ‘•‘„”‡‡Ž˜‹†”‹‘“—‡ protegía la foto intervenida (BRODSKY, 1996).

Intervenção da palavra na narrativa de Brodsky, duplo da imagem em um jogo passado-presente na de Gustavo Germano. Trabalhando –ƒ„±•‘„”‡ˆ‘–‘‰”ƒƤƒ•ƒ–‹‰ƒ•ǡƒ•–”ƒœ‡†‘Ǧƒ•‡•‡—†—’Ž‘’ƒ”ƒƒ atualidade, na qual a ausência dos desaparecidos pela ação do terrorismo †‡ ‡•–ƒ†‘ ‡‘Ž†—”ƒǦ•‡ ’‡Ž‘ ˜ƒœ‹‘ǡ ‡ ƒ• Ž‡‰‡†ƒ• ’‘” — ’‘–‘ ƤƒŽǡ Germano constata pelo silêncio a história da ditadura em seu país. Sem o signo verbal, a imagem é ainda mais dura, mais pungente, e sua narrativa ainda mais dolorosa. Sobre a exposição Ausencias, Germano a compôs em três atos: Ausencias (Argentina), Ausencias (Brasil) e Distancias, esta última sobre o exílio durante o horror fascista na Espanha de 1939. —–‡š–‘•‘„”‡ƒ•±”‹‡†‡ˆ‘–‘‰”ƒƤƒ•…”‹ƒ†ƒ’‘” ‡”ƒ‘ǡ‘ historiador inglês de arte John Berger escreve: Una fotografía es un punto, un instante detenido en el tiempo. Dos fotografías son dos puntos, dos instantes detenidos en el tiempo que determinan la línea que los une, reconstruyen la historia, reveVOZ, MEMÓRIA E LITERATURA: NARRATIVAS SOBRE A VIOLÊNCIA NA AMÉRICA LATINA

313

lan y denuncian la violencia imprescriptible del exilio. Dos puntos, dos lugares, dos momentos unidos en un gesto de memoria. (…) El elemento “sustraído” va más allá de la ausencia de una o varias personas o del cambio en el entorno que enmarca la escena, lo que falta, lo que ya no está, lo que ya no es, es la propia vida del exiliado. Un “exasperante juego de las diferencias” que pone en evidencia 70 años de vida fuera de lo que alguna vez fueron sus vidas. Lo que ha sucedido entre uno y otro instante denuncia lo que durante todo ese tiempo ha sido, y no ha sido. (BENGER apud GERMANO, 2013).

Novamente é na falta, no silêncio, que a poética narrativa se torna impregnada do evento traumático que deseja contar. É o que não está, o que não foi, o pensamiento [que] insiste en traer[los] y devolver[los]/a lo que nunca [fueron], adaptando aqui os versos de Gelman (2013), o que grita em poesia e imagem. A matriz narrativa, então, ultrapassa ‘ ‡•’ƒ­‘ ˆ‘–‘‰”žƤ…‘ ’ƒ”ƒ ˆ—†‹”Ǧ•‡ǡ ‡ –‡’‘• †‹˜‡”•‘•ǡ ’Žƒ•ƒ†‘ o texto que Juan Gelman deseja afastar do âmbito testemunhal, para transformá-lo apenas em história, em memória, em um retrato. Tive a oportunidade de mencionar o trabalho desses dois fotógrafos narradores em 2012, no “Colóquio Corpo, Arte e Tecnologia” ocorrido na Universidade Federal de São João del-Rei, mas aprofundei-me, na época, no trabalho de outro artista, Shawn Clover7; felizmente tive agora a possibilidade de trazer de volta, em nosso contexto latino-americano, não apenas •—ƒ•‡•…”‹–ƒ•‹…‘‘‰”žƤ…ƒ•ǡƒ•–ƒ„±‘–‡š–‘˜‡”„ƒŽ“—‡•‡ˆƒœ…‘‘ signo, acima de tudo, aliando-os à escrita de um poeta que fotografa com ’ƒŽƒ˜”ƒ•‡ƒ””ƒǡƒ’ƒ”–‹”†‘•‹Ž²…‹‘‡†ƒ†‘”ǡ—ƒŠ‹•–×”‹ƒ“—‡†‹Ƥ…‹Ž‡–‡ qualquer imagem ou letra por si só seria incapaz de contar. No trânsito, portanto, entre a imagem criada pelas palavras de Juan Gelman e a narrativa construída pelas imagens de Brodsky e Germano, percorremos aqui a memória de um período que trouxe à contemporaneidade, ao lado de outros eventos traumáticos de sua história e de seu cotidiano, a marca de violência e horror percebida pela América Latina como elementos constitutivos de sua identidade. Para Gelman (2013), devemos deixar para trás o passado e ultrapassar o 7

O artigo, intitulado “Literatura, imagem, arquivo, história”, sairá publicado em 2014 em um livro que reúne as comunicações apresentadas durante o Colóquio, pela Editora UFMG – livro de mesmo nome do evento e organizado por Eneida Maria de Souza, Anderson Bastos e por mim.

314

ROSANE MARIA CARDOSO

vivido; alcançar algo mais, para além da morte, mas não desejar a eter‹†ƒ†‡ǡ’‘•–‘“—‡‡•–ƒ†‡˜‡•‡”ƒ†‘”ƒ‹‘”Ǥ’‘‡–ƒƒƤ”ƒǣ No desdeño la vida, quiero ver casarse a mis nietos, ver si me dan algún bisnieto… Pero también creo que Dios, si existe, debe estar aburridísimo de su eternidad. ‡•–‡ ’‡“—‡‘ ‘‡–‘ †‡ ”‡ƪ‡š ‘ •‘„”‡ Ž‹‰—ƒ‰‡• “—‡ •‡ complementam e que, em um processo de cocriação, tornam-se apenas uma narrativa, triste e bela história que se manteve em silêncio pela dor, e cuja exposição vem à luz pelas linguagens aqui trabalhadas por meio do próprio silêncio, cito a frase célebre de John Berger que estampou o catálogo da esposição de Gustavo Germano: “el verdadero contenido de una fotografía es invisible, no se deriva de una relación con la forma, sino con el tempo”. Tempo que não fecha feridas profundas, mas que, em suas cicatrizes, carrega a memória.

Referências BARTHES, Roland. La cámara lúcida: notas sobre la fotografía. Trad. do francés por Joaquim SalaSanahuja. 4. reimp. Buenos Aires: Paidós, 2008. BERGER, John. “Entender una fotografía”, em ‘„”‡Žƒ•’”‘’‹‡†ƒ†‡•†‡Ž”‡–”ƒ–‘ˆ‘–‘‰”žƤ…‘. Citado no Prólogo do catálogo da exposição Ausencias. BRODSKY, Marcelo. Buena Memoria, 1996. Disponível em: . Acesso em 1 de novembro de 2013. Acesso em: 01 de novembro de 2013. GELMAN, Juan. Hoy. Argentina: Seix Barral, 2013. ______. Juan Gelman: se ha instalado todo un sistema para recortarnos el espíritu. Entrevistador: Bernardo Marín. 2013. Entrevista concedida ao caderno Cultura do jornal El País, Madrid. Disponível em: . Acesso em: 3 de novembro de 2013. ̸̸̸̸̸Ǥ‹–‡‘Ƥ…‹ƒŽƒ‹–‡”‡–Ǥ‹•’‘À˜‡Ž‡™™™ǤŒ—ƒ‰‡ŽƒǤ‡–Ǥ…‡••‘‡͙͚†‡†‡œ‡„”‘ de 2013 GERMANO, Gustavo. Blog Gustavo Germano: Ausencias, 2013. Disponível em: . Acesso em15 de outubro de 2014. KRAUSS, Rosalind. ˆ‘–‘‰”žƤ…‘. Tradução de Anne Marie Davée. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SL, 2002.

VOZ, MEMÓRIA E LITERATURA: NARRATIVAS SOBRE A VIOLÊNCIA NA AMÉRICA LATINA

315

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.