Silent Book: suporte e semiose no fotolivro de Miguel Rio Branco

June 19, 2017 | Autor: Ana Vitorio | Categoria: Photography, Contemporary Art, Photobook, Fotografia, Fotolibro_latinoamericano, Artists’ Books
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8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015.

Silent Book: suporte e semiose no fotolivro de Miguel Rio Branco1 Ana Paula Vitorio2 & João Queiroz3

Resumo Silent Book (1997 [2012]), considerado um dos mais importantes fotolivros do século XX, é uma rara publicação de autoria do artista plástico e fotógrafo Miguel Rio Branco. A obra, cujo design é assinado por Jean Yves Cousseau, explora a materialidade do suporte (livro) e das relações entre fotografia e mídias como pintura, literatura, cinema e teatro. Baseados nos estudos de intermidialidade e na teoria do signo de C.S.Peirce, analisamos como os aspectos materiais do suporte são explorado na interpretação da obra. Observamos que, mais do que um mero meio de difusão, o livro atua como um signo, interferindo decisivamente nas relações semióticas que ocorrem no fotolivro. Palavras-chave Silent Book; Fotolivro; Miguel Rio Branco; Intermidialidade; Fotografia.

Introdução

Silent Book (fig. 1), de Miguel Rio Branco (1997 [2012]) é um dos mais relevantes fotolivros do século XX e reúne 79 imagens fotográficas coloridas e P&B. Impresso em capa dura (195 x 195 cm), ele é desprovido de qualquer texto verbal, salvo o título ou quando o texto é parte do objeto fotografado. Nele, todas as fotografias são impressas sangradas, algumas delas em folhas dobradas. Parte de um conjunto de quatro livros publicados por Miguel Rio Branco, Silent Book desenvolvese numa das fases mais produtivas do artista que é conhecido por transitar entre 1

Trabalho apresentado no GT 4 (Representação Social e Mediações socioculturais) do 8º Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. PUC Rio, Rio de Janeiro, outubro de 2015. 2 Mestre em comunicação pela UFJF. [email protected] 3 Professor no Instituto de Artes e Design da UFJF. [email protected]

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cinema, pintura, fotografia e outras artes visuais. Como descreve Fernández (2011), trata-se de “um livro sobre a dor, sempre silenciosa, dos protagonistas de suas imagens: boxeadores, prostitutas, animais, doentes, obras de arte, transformados em metáforas da solidão e da angústia e também do corpo e da sexualidade” (FERNÁNDEZ, 2011, p. 195).

Fig. 1: reprodução da capa e contracapa do fotolivro Silent Book (RIO BRANCO, 2012).

A obra é um exemplo paradigmático de fotolivro. Um trabalho no qual “as fotografias perdem suas características fotográficas próprias e tornam-se partes, traduzidas em tinta de impressão, de um acontecimento dramático chamado livro” (BOOM; PRINS, 1989, p. 12). Como “combinação midiática” (RAJEWSKY, 2012, p. 58-60), o fotolivro de Rio Branco associa sequências de imagens, layout e impressão, tipografia, características materiais do papel e da encadernação. Apesar da relação entre livro e imagem fotográfica ocorrer desde os primórdios da impressão da fotografia, o estudo dos fotolivros é recente e inicia-se há cerca de duas décadas no mundo (SHANNON, 2010). No Brasil, eles tornam-se foco de atenção principalmente no início deste século, com a publicação de “Fotolivros Latino-Americanos” de Horacio Fernández (2011). Silent Book é criação de um dos mais importantes nomes da fotografia contemporânea brasileira (BRACCHI, 2014), no entanto a atenção dada à obra e aos outros livros do artista é pouco expressiva em comparação com a crítica e os estudos dedicados aos trabalhos de Miguel Rio Branco 2

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no cinema e nas galerias de arte. Pode-se supor que uma das razões para tal negligência deve-se à dificuldade metodológica encontrada para abordar um fenômeno que não se adequa facilmente a abordagens de análise da fotografia. Neste trabalho, observamos como o suporte livro relaciona-se com a fotografia e com as outras mídias presentes em Silent Book. Na obra, mais do que um mero meio de difusão, o livro atua como um signo, interferindo decisivamente nas relações semióticas. Os componentes e as características materiais do suporte (livro) - por exemplo, o vinco que divide as páginas, a relação dialógica entre as páginas (esquerda-direita) e dobraduras do papel que ocorrem esporadicamente -, atuam como signos icônicos das fotografias impressas e das relações entre essas fotos. O livro orienta a leitura/observação das fotografias e cria interações específicas entre as imagens fotográficas relacionadas nas páginas. O ponto de vista adotado para a análise da obra baseia-se em dois domínios metodológicos: as noções de semiose e signo icônico desenvolvidas por C.S.Peirce e os estudos de intermidialidade (intermidial studies).

Intermidialidade e semiose Para Elleström (2010), “toda relação intermidiática parece ser mais ou menos uma anomalia onde se presume que as diferenças essenciais que caracterizam determinada mídia são transformadas, combinadas ou misturadas de maneira particular” (ELLESTRÖM, 2010, p. 14). Autores como Rajewsky (2005, 2012) definem intermidialidade como “cruzamento de fronteiras midiáticas” (RAJEWSKY, 2005, p. 44; 2012, p. 52). Clüver amplia a definição para relação entre sistemas sígnicos (CLÜVER, 2006). O fotolivro é o resultado de processos nos quais fotografia e diversos sistemas presentes no livro (tipografia, sistema verbal, layout etc.) se relacionam. Quando a relação intermidiática é uma “combinação midiática” (RAJEWSKY, 2012, p. 58-60), várias mídias encontram-se envolvidas materialmente na constituição e significação de uma determinada “configuração midiática” (RAJEWSKY, 2012, p. 58-60), ou seja, de determinada obra ou produção. Segundo 3

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Elleström (2010), há um paralelo entre a noção de combinação midiática e a ideia de “mediação” porque ambas envolvem a materialidade de diferentes mídias. Segundo o autor, “mediação” é um tipo de intermidialidade no qual uma mídia atua como suporte de outra (ELLESTRÖM, 2010, p. 17). Silent Book é um fenômeno intermidiático no qual são observadas várias mídias – ou sistemas semióticos – relacionadas (fotografia, design, pintura, texto verbal etc.). Se definidas com base na Teoria do Signo, de C.S.Peirce, essas relações podem ser consideradas semioses que se apresentam predominantemente como relações icônicas. De acordo com Peirce, a “semiose” (EP 2:411), ou a “ação do signo”, envolve uma relação constituída por três termos irredutivelmente conectados – signo, objeto e interpretante (CP 2.228). Signo é “aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém” (CP 2.228). Os signos são classificados conforme as relações de determinação, e/ou causalidade, que mantém com seus correlatos (objeto e interpretante) (FREADMAN, 2004). Com relação a seus objetos, os signos podem exibir alguma similaridade ou analogia, com eles, quando são classificados como “ícones”; podem forçar a atenção para um objeto, por meio de uma relação factual, como “índices”; ou podem, ainda, se relacionar com seus objetos com base em alguma característica imputada através de associações de ideias, ou leis, como os “símbolos” (CP 1.369, CP 1.558; QUEIROZ; EL-HANI, 2006). Sobre o ícone, que é a classe mais importante em nossas análises, Peirce afirma que “em um sentido mais estrito, nem mesmo uma ideia, exceto no sentido de uma possibilidade, ou Primeiridade, pode ser um Ícone” (CP 2.276), no entanto, “[…] um signo pode ser icônico, isto é, pode representar seu objeto principalmente por sua similaridade, não importando seu modo de ser” (EP 2: 273). É precisamente nesse domínio que usamos esta noção, para descrever os signos que exercem função icônica nos fotolivros. Para Peirce, “uma propriedade muito característica do ícone é que através de sua observação direta outras verdades a respeito de seu objeto podem ser descobertas” (CP 2.279). Esta definição representa uma destrivialização da noção de ícone como um análogo do objeto representado (STJERNFELT, 2000, 2007). O ícone 4

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é operacionalmente definido como um signo cuja manipulação permite, por observação direta de suas propriedades, a descoberta de alguma informação sobre seu objeto (ATÃ; QUEIROZ, 2014). É precisamente o que veremos na análise de Silent Book. Observando a disposição das páginas, por exemplo, obtemos certas informações sobre as fotografias, ou relações entre as fotografias quando associadas em páginas subsequentes, ocasiões em que a leitura de uma pode produzir intepretações muito orientadas de outra (s).

Relações entre sistemas semióticos em Silent Book

Em Silent Book, alguns aspectos materiais do livro funcionam como signos das fotos e das relações entre as fotos. O primeiro exemplo são as relações estabelecidas pelo pareamento entre páginas completamente pretas e páginas onde se observam fotos impressas. Isso ocorre em nove dos 41 dípticos4 deste fotolivro. Como é possível observar nos exemplos do décimo, 14º e 20º dípticos, o resultado obtido por meio de um recurso de impressão (cobertura completa da página pela tinta preta), atua como signo icônico das fotografias com as quais é pareado. Isto é, o preto (aproximadamente 0, 0, 0 e 100% na escala CMYK) funciona como recorte metonímico e ampliação de parte da foto impressa ao lado. Nos três exemplos, as correspondências entre foto e página em preto reduzem a distinção entre páginas provocada pela divisão material entre as partes do díptico. No décimo (fig. 2), o efeito divisor do vinco atenua-se próximo às extremidades verticais das páginas em razão da similaridade cromática (áreas mais escuras da foto impressa em B, aproximadamente 0, 28%, 100% e 56% na escala CMYK, em contato com o preto total de A) o que resulta na interpretação de A como parte de B que se estende horizontalmente para a esquerda.

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Chamamos de díptico cada duplo de páginas acessível quando o livro é aberto, sendo “A” a página esquerda e “B” a direita. No caso dos trípticos, que serão vistos adiante, chamamos de “A1”, “A2” as páginas formadas quando a página esquerda é desdobrada e de “B1” e “B2” quando o desdobramento ocorre no lado oposto do díptico.

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A

B

Fig. 2: reprodução das páginas 24 e 25 de Silent Book (RIO BRANCO, 2012).

No 14º díptico (fig. 3), o preto, presente em todo o plano de fundo de B, encontra, no vinco, o completo preto de A, oferecendo ao observador/leitor também a possibilidade de interpretar uma como parte da outra. A

B

Fig. 3: reprodução das páginas 34 e 35 de Silent Book (RIO BRANCO, 2012).

No 20º, apesar do cinza escuro (aproximadamente 0, 0, 0 e 77% na escala CMYK) próximo ao vinco em B, que também reduzir o feito divisor do vinco, a

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similaridade entre as partes ocorre predominantemente entre o preto de A e o preto predominante na figura principal disposta no centro de B (abertura na parede). A

B

Fig. 4: reprodução das páginas 46 e 47 de Silent Book (RIO BRANCO, 2012).

Nos três casos um processo metonímico resulta das qualidades cromáticas compartilhadas nas páginas dispostas lado a lado. O processo de associação ocorre por similaridade, pela relação icônica que se estabelece entre aquilo que se vê impresso nas duas páginas. Como resultado das condições de mediação, ou seja, das formas como as fotografias são impressas e dispostas no livro, as relações entre as fotografias são, na maioria dos casos, responsáveis por processos em que atuam menos como signo do objeto fotografado (“objeto do registro”, c.f. KOSSOY, 2002, p. 22), para funcionar como signos da própria interação entre as fotos, e entre elas e as páginas do livro. O sexto díptico de Silent Book (fig. 5) é um bom exemplo. O Hell`s Diptych, um dos trabalhos mais famosos de Miguel Rio Branco (BRACCHI, 2014), quando contextualizado no fotolivro sem o título que lhe foi dado quando parte da exposição dedicada ao artista em 2010 no Inhotim, tem sua interpretação sugerida pela sequência de imagens fotográficas que lhe precedem no fotolivro. Contudo, a relação de intermidialidade observada entre a pintura fotografada e impressa em A e a fotografia disposta em B parece ser o que há de mais relevante no estudo das relações entre mídias neste díptico. O diálogo entre as duas páginas é um caso de “tradução 7

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intersemiótica” (transposição “de um sistema de signo para o outro”, c.f. JAKOBSON, 2007, p. 11), o que é possível constatar por meio das similaridades observadas entre pintura e fotografia pareadas. Nesta associação, A, disposta na porção esquerda do díptico e primeira a ser observada/lida quando o fotolivro é folheado

da

esquerda

para

a

direita,

influencia

determinantemente

a

observação/leitura de B, à direita. Os aspectos materiais do livro (por exemplo, o vinco entre o duplo de páginas) atuam junto da organização dos elementos que integram as imagens fotográficas, produzindo o espelhamento de uma página na outra. B reproduz características de A, como a incidência da luz centralizada, guiando o olhar do observador do ponto esquerdo inferior para o direito superior; como a relação cromática reduzida às cores que vão do laranja (aproximadamente 0, 35%, 85% e 0 na escala CMYK) ao marrom (aproximadamente 0, 28%, 100% e 56% na escala CMYK); a composição diagonal de figuras curvilíneas retorcidas; ausência de unidade geométrica; reduzida profundidade de campo; além de volumetria e aparência tátil das figuras. As características comuns entre pintura e foto sugerem que, no díptico, B atua como consequência de A, ou que B funciona como tradução intersemiótica de A. A disposição das imagens no fotolivro é responsável por estabelecer diretamente a relação de simetria entre as partes, permitindo uma observação alternada de suas propriedades. Se dispostas no mesmo fotolivro, em dípticos distintos, por exemplo, as similaridades continuariam a existir, no entanto, seriam atenuadas.

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A

B

Fig. 5: reprodução das páginas 16 e 17 de Silent Book (RIO BRANCO, 2012).

Processo semelhante ocorre nos 32º (fig. 6) e 36º (fig. 7) dípticos, onde as relações icônicas, entre figuras impressas nas duas páginas destacam-se sobre as relações nas quais as fotos representam indexicalmente seus objetos. No 32º díptico (fig. 6), o pareamento das duas fotos produz intepretações específicas: relacionadas, as fotografias parecem atuar como causa (B) e consequência (A). Como resultado das interferências semânticas exercidas por A em B, e viceversa, observamos, por exemplo, a ring girl como “toureira”, mulher de cabeça inclinada como signo do touro que agoniza, ou o touro e a mulher como signos do mesmo objeto: “derrota”, “dor”, “morte”. Se observada isoladamente, B é signo de um ringue de boxe. Contextualizada, no díptico, no entanto, a relação entre a foto e o boxe perde importância por não contribuir para a relação entre as partes pareadas. B torna-se signo de A e, neste caso, são os aspectos icônicos da foto em B os responsáveis pelas correspondências observadas entre as fotografias.

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A

B

Fig. 6: reprodução das páginas 72 e 73 de Silent Book (RIO BRANCO, 2012).

No 36º (fig. 7), a relação entre a foto em B e o objeto que ela representa (o objeto de registro) altera a relação entre a imagem em A e seu próprio objeto de registro. As pétalas de flor de bananeira caídas no chão em B são análogas ao cacho de bananas (inexistente nas fotos) e do saco de areia, cujas formas são exploradas na estruturação da foto em A. A

B

Fig. 7: reprodução das páginas 82 e 83 de Silent Book (RIO BRANCO, 2012).

Além dos 41 dípticos, em seis momentos no fotolivro, uma das páginas abrese, revelando uma terceira fotografia (figuras 8 e 9). A associação entre três páginas e, consequentemente, entre três fotos, formam “trípticos fotográficos”. Aqui a noção de 10

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“referência intermidiática” (RAJEWSKY, 2012, p. 58) é útil uma vez que assim são definidos os casos de intermidialidade nos quais se verifica que elementos de uma mídia são adaptados ou aludidos em outra mídia. Quando encontra um tríptico, o observador/leitor é conduzido a explorar diferentemente a materialidade do livro. A associação entre três páginas alude aos “trípticos pictóricos” (conjuntos tripartidos de imagens pictóricas). O suporte relaciona-se por similaridade com a pintura. O livro atua “como se5” fosse a moldura tríplice que une e converte três pinturas em uma imagem “única”.

Fig. 8: reprodução das páginas 26 e 27 de Silent Book (RIO BRANCO, 2012).

Fig. 9: reprodução das páginas 26, 27 e 28 de Silent Book (RIO BRANCO, 2012).

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Expressão utilizada por Irina Rajewsky para explicar a relação de intermidialidade classificada por ela como “referência intermidiática”: “O que se cria nesse caso é uma mera ilusão, um „como se‟ relativamente à outra mídia” (RAJEWSKY, 2012, p. 69).

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No terceiro (fig. 10) dos seis trípticos, por exemplo, a relação de correspondência entre os aspectos qualitativos das três fotografias ocorre predominantemente em função dos elementos cromáticos (cores similares próximas ao cinza - percentuais de 0, 0, 16% e 50% na escala CMYK). B1 funciona como vínculo material e formal, responsável pela intercessão de A e B2. Disposta entre as outras duas, B1 salienta correspondências entre A e B2, tais como semelhança cromática (tons de cinza), aparência tátil (aspereza) e reduzida profundidade de campo. A aparência de aspereza predominante em toda a superfície de A (parede) e B2 (chão) ocorre em B1 na figura principal (manchas brancas no vidro do relógio), funcionando como mais um denominador comum entre as três fotografias. A associação provoca correspondências que ocorrem também de maneira particular entre duas das três imagens fotográficas relacionadas. Observa-se que em A e em B2, diferente de B1, o branco pontua áreas específicas da imagem em vez de prevalecer na formação de uma figura. Quanto às correspondências entre B1 e B2, constatam-se as linhas traçadas na diagonal próximo aos vértices das imagens, formando figuras triangulares: quadros inferior esquerdo, superior e inferior direitos de B1, e inferior e superior direitos de B2. Em B1 e B2 ainda, diferente de A, a figura principal (relógio em B1 e cruz em B2) destaca-se do plano de fundo pela disposição centralizada na imagem e contornos volumétricos. A

B1

B2

Fig. 10: reprodução das páginas 48, 49 e 50 de Silent Book (RIO BRANCO, 2012).

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No caso deste tríptico, como nos dípticos que o antecederam, observamos as influências do suporte sobre a observação/leitura das fotografias. As relações icônicas verificadas entre as fotos dispostas lado a lado evidenciam que a localização das fotos e das páginas pretas no livro não é aleatória e ocorre, sobretudo, em razão da relação dialógica entre as páginas, que é própria do suporte.

Conclusão

Em Silent Book, vários aspectos materiais do livro e hábitos associados ao suporte são explorados de modo a direcionar a interpretação das fotografias lidas/observadas em sequência. Algumas das fotos vistas em Silent Book não são exclusivas da publicação, mas já integraram outros trabalhos de Rio Branco, como o caso de Hell`s Diptych. No fotolivro, entretanto, essas imagens fotográficas tornam-se parte de um todo, relacionando-se não só com a foto disposta ao lado como com toda a sequência de fotografias e com o próprio suporte no qual se encontram impressas. Trata-se de um exemplo onde, mais do que um mero meio de difusão, o livro atua como um signo, interferindo decisivamente nas relações semióticas observadas no fotolivro. Quando observada isoladamente, uma fotografia é, em geral, interpretada como signo indexical daquilo que se encontra na superfície fotográfica. Num fotolivro, entretanto, as condições em que a fotografia é impressa – por exemplo, tudo aquilo que se refere ao projeto gráfico da obra, incluindo a natureza e qualidade do papel, a escolha de famílias tipográficas, relações espaciais entre os componentes visuais etc. – alteram a relação entre as fotos, e entre as fotos e seus objetos ou referentes. As mídias envolvidas, inclusive a fotografia, não podem ser interpretadas isoladamente porque é a própria relação entre elas que caracteriza um fotolivro.

Referências ATÃ, Pedro; QUEIROZ, João. Iconicity in Peircean Situated Cognitive Semiotics. In: THELLEFSEN, Torkild; SORENSEN, Bent (Eds.). Charles Sanders Peirce in His 13

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