SILVA, Ana Paula Florisbelo. Absolutismo Espanhol: Unificação, Conflito e Separatismo. II Seminário Internacional de História Medieval e Moderna.

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II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA MEDIEVAL E MODERNA: MUNDOS IBÉRICOS EM DEBATE A

N

A

UEG UFG PUC-GO

I

S

ANAIS DO II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA MEDIEVAL E MODERNA:

MUNDOS IBÉRICOS EM DEBATE (Realizado nos dias 08, 09 e 10 de Junho de 2016)

Armênia Maria de Souza Renata Cristina de Sousa Nascimento (Orgs.)

Goiânia Julho, 2016 ISSN 2359-0068

ANAIS DO II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA MEDIEVAL E MODERNA (UFG-UEG-PUC-GO): MUNDOS IBÉRICOS EM DEBATE – Realizado nos dias 08, 09 e 10 de Junho de 2016

Organização Geral Dr.ª Armênia Maria de Souza (UFG/Sapientia) Dr.ª Renata Cristina Nascimento (UFG/UEG/Puc-Go) Grupo de Estudos em Idade Média e Moderna (UFG/Sapientia) Grupo de Estudos e Pesquisas do Medievo (GEPEM-PUC-GO)

Comissão organizadora: Ms. Cleusa Teixeira (UFG) Ms. Johnny Taliateli do Couto (UFG) Ms. Simone Cristina Schmaltz (PUC-Go) Ms. Ivan Vieira Neto (PUC-Go) Dr. Bruno Tadeu Salles (UEG) Dr. Eduardo Quadros (PUC-Go/UEG) Dr. Guilherme Queiroz de Souza (UEG) Dr. Ademir Luiz da Silva (UEG) Dra. Maria Dailza da C. Fagundes (UEG)

Comissão Científica: Dr.ª Raquel Machado Campos (UFG) Dr. José Antônio de C.R. de Souza (UFG/Universidade do Porto) Drª. Aline Dias da Silveira (UFSC) Dr.ª Maria Helena da Cruz Coelho (Universidade de Coimbra) Dr. Marlon Jeison Salomon (UFG) Dr.ª Teresinha Maria Duarte (UFG) Dr. Flávio Ferreira Paes Filho (UFMT) Dr. Fernando Lobo (UEG) Dr. Eduardo José Reinato (PUC-Go) Dr. Dirceu Marchini Neto (Faculdades Aphonsiano) Dr. Gilberto Cézar de Noronha (UFU) Dr. José Carlos Gimenez (UEM) Dr.ª Ivoni Richter Reimer (PUC-Go) Ms. Murilo Borges Silva (UFG) Dr.ª Ana Teresa Marques Gonçalves (UFG) Dr.ª Marcella Lopes Guimarães (UFPR) Dr.ª Mônica Martins da Silva (UFSC)

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS

O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores. Os textos foram extraídos dos trabalhos submetidos sem que tenha havido alterações realizadas pelos organizadores desta publicação.

MELO, Wdson C. F. de; NASCIMENTO, Renata Cristina de S. & SOUZA, Armênia Maria de. (Orgs.). ANAIS DO II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA MEDIEVAL E MODERNA (UFG-UEG-PUC-GO):

MUNDOS

IBÉRICOS

EM DEBATE

Goiás: Goiânia - UFG/PUC-Goiás, 2016. ISSN- 2359- 0068. 702 pgs.

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ANAIS DO II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA MEDIEVAL E MODERNA: MUNDOS IBÉRICOS EM DEBATE (UFG-UEG-PUC-GO)

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Dr.ª Armênia Maria de Souza Dr.ª Renata Cristina Nascimento (Orgs.)

Realização:

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Sumário APRESENTAÇÃO................................................................................................................... 14

Alex Faverzani da Luz A POLÍTICA DE INCENTIVO ÀS MANUFATURAS TÊXTEIS EM PORTUGAL SÉCULO XVII: DOS DISCURSOS DE DUARTE RIBEIRO DE MACEDO À GESTÃO DO 3º CONDE DA ERICEIRA .............................................................................................. 15

Ana Flávia Crispim Lima A PRIMEIRA VIAGEM DE VASCO DA GAMA ÀS ÍNDIAS ............................................. 33

Ana Luísa Pereira Lourenço O PRÍNCIPE PERFEITO E O ASSASSINATO DOS DUQUES DE BRAGANÇA E DE VISEU (SÉC. XV): UM PROBLEMA POLÍTICO E HISTORIOGRÁFICO ...................... 46

Ana Paula Florisbelo da Silva Lilian Marta Grisolio ABSOLUTISMO ESPANHOL: UNIFICAÇÃO, CONFLITO E SEPARATISMO ............. 58

André Luis de Castro Albuquerque José Martínez Millán A CONFLITIVA SITUAÇÃO POLÍTICO-RELIGIOSA ESPANHOLA DURANTE O SÉCULO XVI: SANTA TERESA DE JESUS (1515-1582) .................................................. 71

André Rocha Cordeiro Prof. Drª. Solange Ramos de Andrade 6

AS EXCELÊNCIAS DA AVE MARIA: AS ESTRATÉGIAS DA IGREJA CATÓLICA PARA O INCENTIVO DA ORAÇÃO À VIRGEM MARIA (PORTUGAL – SÉCULO XVI) .................................................................................................................................................. 86

Anny Barcelos Mazioli AS CONFISSÕES EM PERSPECTIVA: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE PODER INERENTES À PRÁTICA CONFESSIONAL NO BAIXO-MEDIEVO ............................ 98

Antônio Luiz de Souza Isabella Nogueira O HOMEM E A BIOGRAFIA NO PERIODO RENASCENTISTA................................... 110

Brenda Yasmin Degger O ITINERARIUM CAMBRIAE (1191) DE GERALDO DE BARRI E AS CONEXÕES ENTRE GALES, A CORTE INGLESA E AS CRUZADAS ................................................ 121

Bruno Ercole A ILUMINURA COMO NARRATIVA: O EXEMPLO DO BESTIÁRIO MEDIEVAL .... 130

Carmen Lícia Palazzo O IMAGINÁRIO DOS JARDINS DO PARAÍSO NA ALHAMBRA DE GRANADA ....... 141

Cleusa Teixeira de Sousa D. MANUEL I E A CONVOCAÇÃO DO CONSELHO RÉGIO: EXPULSÃO DOS JUDEUS DE PORTUGAL (1496-1497) ............................................................................... 158 Cristiane Sousa Santos REFLEXÕES ACERCA DO MITO DE SÃO TIAGO: HAGIOGRAFIA E OS MILAGRES DO LIBER SANCTI JACOBI .............................................................................................. 165

7

Cristiano Martins de Oliveira RETÓRICA E HAGIOGRAFIA FRANCISCANA: A ATUAÇÃO DA ORDEM DOS FRADES MENORES NA CIDADE DE ASSIS (1207-1226) ............................................. 184

Erick Messias Costa Otto Gomes PATRONATO E AMICITIA NO SÉCULO I A.C.: UMA LEITURA DA OBRA DE HORÁCIO .............................................................................................................................. 194

Fernanda Amélia Leal Borges Duarte A POBREZA FRANCISCANA E AS NARRATIVAS HAGIOGRÁFICAS ....................... 205

Fernando D. Teodoro Moura OS USOS DA MEMÓRIA EM HILÁRIO DE POITIERS: IDENTIDADES CRISTÃS E LEGITIMIDADE IMPERIAL NA ANTIGUIDADE TARDIA (Séc. IV)....................... 211

Germano Miguel Favaro Esteves CONSIDERAÇÕES ACERCA IMAGINÁRIO LIGADO AO MAL NO PROGNOSTICUM FUTURI SAECULI, DE JULIÃO DE TOLEDO (642-690 D.C.)....................................... 223

Helena Macedo Ribas POTETORES

EXQUISITI:

A

LÍRICA

TABERNÁRIA

DOS

GOLIARDOS

REPRESENTADA NO CARMINA BURANA – SÉCULOS XII-XIII. .............................. 236

Hugo Rincon Azevedo MORTE E PODER: AS CERIMÔNIAS E OS MONUMENTOS FÚNEBRES COMO RECURSO DE PROPAGANDA DA DINASTIA DE AVIS (SÉC. XV) ............................. 249

Ingrid Alves Pereira O MONARCA E O POVO DO LIVRO NO REINADO DE AFONSO X ........................... 264 8

João Alberto da Costa Pinto URIEL DA COSTA (1585-1640): A RELIGIÃO E A FILOSOFIA DE UM JUDEU HERÉTICO NA COMUNIDADE SEFARDITA DE AMSTERDÃ................................273

Johnny Taliateli do Couto QUEM FOI DURÃO FORJAZ? REDES DE PODER NO REINADO DE SANCHO II (1223-1248) ............................................................................................................................ 282

Joyce Brito OS RITUAIS CATÓLICOS DA CONTRA REFORMA SEGUNDO O CONCÍLIO DE TRENTO .............................................................................................................................. 302

José Alves de Oliveira Júnior A CONSTRUÇÃO DO ETHOS ARISTOCRÁTICO NO CERIMONIAL DA ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS DE LISBOA (1810-1815) ................................................................ 313

José Antônio de Sousa A URBANIZAÇÃO NO ALTO SERTÃO DA BAHIA NO SÉCULO XVIII ........................ 330

Julian Abascal Sguizzardi Bilbao PENSAR A COMUNIDADE POLÍTICA NA MONARQUIA HISPÂNICA (SÉCULOS XVXVII): O CASO DE BISCAIA ................................................................................................ 347

Karla Constancio de Souza PUREZA E MARTÍRIO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A RITUALÍSTICA DO KIDUSH HASHEM ................................................................................................................................ 367

Larissa Warzocha F. Cruvinel Poliene Soares dos Santos Bicalho Renata Rocha Ribeiro A FAMÍLIA REAL PORTUGUESA NO BRASIL: OLHARES CONTEMPORÂNEOS A 9

PARTIR DO ROMANCE ERA NO TEMPO DO REI, DE RUY CASTRO ......................... 377 Letícia Ruoso Wehmuth A

CONQUISTA

NORMANDA

DA

INGLATERRA,

POR

GUILHERME,

O

CONQUISTADOR NA CRÔNICA DE GUILHERME DE MALMESBURY (1035 A 1128) ................................................................................................................................................ 388

Lidiane Alves de Souza SAÚDE

E

ENFERMIDADE

DAS

MULHERES

NA

MEDICINA

MEDIEVAL:

REFLEXÕES ACERCA DO LILIO DE MEDICINA DE BERNARDO DE GORDONIO (SÉC. XIV) ............................................................................................................................... 400

Ludmila Noeme Santos Portela ENTRE A TOLERÂNCIA E O ESTIGMA: A CONDIÇÃO DOS JUDEUS EM CASTELA SOB A LEGISLAÇÃO DE AFONSO X (SÉC. XIII) ............................................................ 410

Luiz Augusto Oliveira Ribeiro A CRÔNICA DE ALFONSO X COMO FONTE PARA O ESTUDO DAS RELAÇÕES ENTRE O REI E A NOBREZA EM CASTELA NO SÉCULO XIII .................................... 525

Láisson Menezes Luiz UM VESTÍGIO DA IDADE MÉDIA NO BRASIL: ESTUDO CODICOLÓGICO DE UM LIVROS DE HORAS DO SÉCULO XIV ............................................................................... 435 Maiara Muniz GOIÁS COLONIAL NAS CORRESPONDÊNCIAS AO CONSELHO ULTRAMARINO449

Marta de Carvalho Silveira UM PANORAMA DAS PENALIDADES CORPORAIS: UMA LEITURA COMPARATIVA DO FUERO REAL E DO FUERO JUZGO........................................................................... 463

Marcelo Gustavo Costa de Brito 10

HYBRIS E HEROICIDADE NO MUNDO HOMÉRICO .................................................... 481

Marcelo Reis ISABEL DE ARAGÃO: ASPECTOS BIOGRÁFICOS DE UMA RAINHA SANTA .......... 496

Marcus Baccega CAVALEIROS NO NOVO MUNDO: OS JESUÍTAS E A CONQUISTA DA AMÉRICA PORTUGUESA ....................................................................................................................... 505

Maria Luiza Zanatta de Souza CONSIDERAÇÕES

SOBRE “A CEIA DO SENHOR” DO MNBA-

R.J. UMA

MINIATURA ATRIBUÍDA A FRANCISCO DE HOLANDA ............................................. 519

Mayra Rúbia Garcia ENCLAUSURADAS PORTUGUESAS NO MEDIEVO ....................................................... 533

Miriam Lourdes Impellizieri Silva A VIDA REENCONTRADA DE FRANCISCO DE ASSIS .................................................. 546 Mychelle Oliveira Coelho João Pedro Guelhardi Costa UMA PEQUENA ARGUMENTAÇÃO CONTRÁRIA A TEORIA WEBERIANA: O HOMEM MODERNO (IN)FORMADO PELOS GUIAS DE BEM VIVER IBÉRICOS DOS ANOS 1700 .......................................................................................................................................... 557

Nabio Vanutt da Silva A CONCEPÇÃO DA DOUTRINA REFORMISTA DA IGREJA MEDIEVAL A PARTIR DE ARNALDO DE VILANOVA (SÉCULO XIV) ................................................................. 567

Nathália Queiroz Mariano Cruz 11

ESCATOLOGIA E MENSAGEM PROFÉTICA NOS MANUSCRITOS DO MAR MORTO ................................................................................................................................................ 578 Nezivânia Xavier Freitas CONVENTO DA MADRE DE DEUS DE LISBOA: MEMÓRIA E SANTIDADE FEMININA EM PORTUGAL (SÉC. XVII) ........................................................................ 591

Pablo Gatt Albuquerque de Oliveira OS PECADOS COMO DESVIOS DE CONDUTA: O DISCURSO CATÓLICO CONTRA AS PRÁTICAS SEXUAIS, SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO.......................................... 602

Poliene Soares dos Santos Bicalho ARTE PLUMÁRIA INDÍGENA, RITUAIS E FESTAS NO BRASIL OITOCENTISTA . 613

Sara Raquel Rodrigues de Araujo A MÍSTICA FEMININA MEDIEVAL E A EDUCAÇÃO DOS CORPOS EM SANTA CATARINA DE SENA .......................................................................................................... 624

Suiany Bueno Silva COMPOSIÇÃO DE AB VRBE CONDITA: UMA LEITURA DOS TESTEMUNHOS DOS ESCOLIASTAS ..................................................................................................................... 633

Taynah Amaral Martins ENTRE O PECADO E A EXCLUSÃO: O SIMBOLISMO DA LEPRA NO MEDIEVO E NA BÍBLIA ............................................................................................................................ 648

Thiago Brotto Natário A GESTA NORMANNORUM E A LEGITIMAÇÃO DA LINHA DE SUCESSÃO NORMANDA NO SÉCULO X .............................................................................................. 660

Victor Mariano Camacho 12

ANTI-HERESIA E CENTRALIZAÇÃO POLÍTICA NA CANONIZAÇÃO PONTIFÍCIA DE ANTÔNIO DE LISBOA/PÁDUA ................................................................................... 671

Victor Reis Chaves Alvim DIFERENÇAS NAS REPRESENTAÇÕES EM PERCEVAL OU O CONTO DO GRAAL E PEREDUR AB EVRAWC ..................................................................................................... 683

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APRESENTAÇÃO

Realizado entre os dias 08, 09 e 10 de junho de 2016 na cidade de Goiânia- Go, o II Seminário de História Medieval e Moderna (UFG- UEG- PUC-GO): Mundos Ibéricos em Debate foi uma tentativa de aproximação direta entre as instituições universitárias que se situam no estado de Goiás, das demais existentes em âmbito nacional. Nestes dias foram expostas e debatidas diversas pesquisas realizadas no Brasil, que versam sobre o mundo medieval e moderno. Os textos que aqui se incluem, em forma de ensaios, são o resultado direto destas discussões. As Conferências e mesas- redondas apresentadas no evento tiveram como eixo o contexto ibérico, e serão divulgadas brevemente também em forma de livro. A publicização dos trabalhos visa oferecer a todos os interessados a oportunidade de conhecimento do que vem sendo realizado pelas novas gerações de historiadores das diversas instituições aqui representadas.

Desejamos a todos uma ótima leitura,

Comissão Organizadora

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ABSOLUTISMO ESPANHOL: UNIFICAÇÃO, CONFLITO E SEPARATISMO

Ana Paula Florisbelo da Silva6 Lilian Marta Grisolio7

Resumo: Tendo em vista tanto o nacionalismo contemporâneo espanhol quanto os nacionalismos periféricos, como o de Catalão, recorrerem ao passado para legitimar ou fundamentar suas posições, buscamos nesse trabalho uma discussão sobre as concepções centralistas do Estado espanhol, suas transformações ao longo do tempo e a evolução da identidade nacional. Analisamos a política unificadora de Castela na modernidade, que buscava unificar a Espanha a um determinado projeto de Monarquia Nacional. Nesse estudo, priorizamos perceber o processo de construção do Estado Espanhol, suas especificidades e incongruências de um Estado altamente aristocrático e combatente dos valores burgueses, ao mesmo tempo em que possuía uma máquina do estado racional e moderna. A compreensão do ideário conservador do Estado espanhol e sua contraposição aos sentimentos regionalistas, mais especificamente o separatismo catalão, mostra-se imprescindível para se pensar as especificidades do nacionalismo na Espanha e o recrudescimento de seus nacionalismos periféricos na contemporaneidade, e a forma como esse fenômeno foi visto e praticado a serviço de ideais diferentes de nação, colocando em cheque a governabilidade da monarquia espanhola. Palavras-chave: Absolutismo Espanhol, Separatismo; Unificação; Nacionalismo.

INTRODUÇÃO “Combatemos longamente, em conjunto por uma história maior e mais humana”. É assim que o historiador Marc Bloch dedica a obra Apologia da História ao seu companheiro Lucien Febvre. De fato, foi o combate travado no início do século XX que possibilitou uma nova forma de ver e fazer a História. Em relação a Modernidade essa História trouxe novas fontes, objetos e análises que significaram um novo fazer histórico com múltiplas possibilidades. O período aqui tratado como Modernidade, é comumente compreendido como um período entre o século XV e 6

Graduanda em História e Bolsista PIBIC da Universidade federal de Goiás/Catalão. E-mail: [email protected] 7 Doutora em História, Professora da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão (UFG-RC), e-mail: [email protected]

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XVIII. No entanto, é preciso salientar que muitos historiadores utilizam outros parâmetros de periodização que podem levar em conta aspectos religiosos, políticos ou econômicos. O autor Trevor-Roper define que o tempo da Modernidade inicia no Renascimento e acaba com o Iluminismo, isto não significa uma evolução histórica linear, ao contrário, é o momento de efervescência social e profundas e indiscutíveis transformações na sociedade Ocidental, com grandes irregularidades. Desta forma, devido à complexidade deste período não é possível aplicar simplificações esquemática com marcos rígidos e pré-determinados, é preciso analisar os processos e significados históricos dos acontecimentos na Modernidade para compreender as rupturas e continuidades que definiram a construção de uma nova sociedade. Ao mesmo tempo que o conceito de Modernidade traz a ideia de oposição ao que está estabelecido, marca também a ruptura entre o atual e o antigo. Evidentemente que seu significado vai além dessa oposição ao (ultrapassado) cabendo ao historiador resgatar o movimento de profunda transformação vivida por aquela sociedade e o surgimento de uma nova mentalidade construindo novos comportamentos e valores A sociedade europeia viveu intensamente este período de grandes transformações, porém em ritmos e graus distintos em cada região, como afirma George Rude, em Ideologia e Protesto Popular. O Renascimento, por exemplo, não foi o mesmo em todos os lugares e o Iluminismo nem chegou a existir em outros. Poderíamos incluir aí, os distintos processos de Reforma Protestante e as inúmeras especificidades regionais da

cada

Absolutismo.

Conforme Eric Hobsbawm em A Era das Revoluções, nesse momento intenso de substituição de crenças e valores, descobertas de territórios e povos, questionamentos religiosos, alterações

profundas

no

conjunto da

vida social

jurídica,

cultural

e política, “o

nascimento de um novo mundo era inevitável”. De fato, os estudos sobre este período revelam uma enorme complexidade, bem como enormes contradições próprias de um período de grandes mudanças e questionamentos. Em contraposição aos particularismos medievais e sua política descentralizada o Estado Absolutista se configurou como uma forte centralização política na figura de um rei, mantendo assim o poder político na mão da antiga aristocracia feudal. A quebra da continuidade do poder político da nobreza europeia só ocorrerá pelas mãos da burguesia nas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII. Neste artigo, centralizamos o estudo no processo de construção do Estado Absolutista Espanhol e o de sua unificação política forçada, além das suas especificidades e incongruências de um Estado altamente aristocrático e 59

combatente dos valores burgueses, ao mesmo tempo em que possuía uma máquina do Estado racional e moderna.

ESPANHA: ABSOLUTISMO E NACIONALISMO

A península ibérica constitui-se em um território povoado há milênios, por povos que ali passaram e a tornaram um território multicultural. Povos célticos ali se instalaram na primeira metade do século VI a. C.; de III a. C. a IV d. C. fora dominada por Roma; após a queda de Roma fora invadida por povos germânicos e entre esses ali se fixaram os visigodos, que formaram um reino cristão, com vizinhos francos, suevos e vascões, que durara até a invasão muçulmana, quando estes se refugiaram no montanhoso norte da península. Após a reconquista, que expulsou de Granada os mouros, a península permaneceu fragmentada nos reinos cristãos de Castela, Navarra, Leão, Aragão e o Condado Portucalense (futuro reino de Portugal, o primeiro Estado Nacional europeu) que foram posteriormente unificados. “Grandes diferenças político-culturais convivem naquele território, cujos povos foram unificados, a partir do século XV, por um projeto de Estado-Nação. ” (JÚNIOR, 2009: 128). Sob o poder Habsburgo, a Espanha se tornaria uma potência conquistadora e o maior império ultramarino de então. Castela era o reino dominante da península, tendo uma posição territorial central favorável à expansão, com a maior população e uma política instável, dominada pela aristocracia, que controlava todos os territórios sob o poder da monarquia espanhola. “A Reconquista auxiliou no processo de centralização da autoridade real, responsável pela organização dos exércitos cristãos, e, ainda mais importante, na consolidação da identidade católica por meio da luta contra os “infiéis” (CARVALHO, 2016: 54). Embora tentassem criar um reino unificado havia grande dispersão administrativa, problema que persistiria por toda a modernidade e tentaria ser revertido pelos Bourbons no século XVIII, gerando o que Fusi (2000: 103) chama de oposição entre um centralismo legal e um localismo real. “A Inquisição [...] foi a única instituição unitária “espanhola” na península, um elaborado aparelho ideológico que compensava a divisão e a dispersão administrativas do Estado.” (ANDERSON, 2004: 65). Na modernidade, mais especificamente nos Estados absolutistas europeus, a identidade e o sentimento de pertencimento de um povo baseavam-se na continuidade imemorial da existência de uma nação, guiada por uma dinastia que reunia em si a soberania e garantia sua legitimidade. “Pudiéramos decir que el estadonación es una forma de estado, esto 60

es de poder, que se disfraza de nación, esto es de conciencia. Pero para entender mejor su naturaleza hay que observar cómo nació en su lugar de origen, que es Europa. Veremos entonces que no surgió de la acción de grupos que, compartiendo una conciencia nacional, quisieron construir un estado. Por lo general la cosa se produjo a la inversa. Fueron los viejos estados del absolutismo los que, cuando vieron amenazado el consenso social en que se basaban, optaron por convertirse en naciones. Los estados-nación europeos han nacido en muchos casos sobre las fronteras de las viejas monarquías que amalgamaban naciones distintas, unificadas tan sólo por el hecho de estar sometidas a un mismo soberano. La nacionalización del estado ha exigido una compactación de ese conjunto, identificándolo con una nacionalidad dominante en él, lo que podemos llamar un proceso de “etnogénesis”, y elevando a quienes formaban parte de él de la categoría de súbditos a la de ciudadanos, iguales en derechos ante la ley, por lo menos en teoría, aunque, durante mucho tiempo, con derechos políticos muy distintos, en función sobre todo de su fortuna.” (FONTANA, 1998: 8-9)

No caso da Espanha, o catolicismo foi fundamental para a construção do sentimento nacional, sendo utilizado em reação às inovações científicas e a Reforma Protestante que ameaçavam a noção de cristandade, base das monarquias nacionais desde a Idade Média. As guerras protagonizadas pelos Estados europeus, especialmente a partir do século XVI, abalariam a noção de cristandade e seus princípios religiosos e abriria caminho para a construção da ordem europeia sobre a égide dos interesses nacionais e da razão do Estado. “A exuberância da expansão do capitalismo mercantil europeu no século XVI levou a uma crescente disputa por interesses comerciais, especialmente ligados ao tráfico marítimo, ao controle de rotas e de fontes de arrecadação de tributos. Os Estados tornavam-se enormes máquinas fiscais, financeiras, burocráticas e militares. A guerra era o comércio por outros meios. ” (MAGNOLI, 2006: 170) Durante quase dois séculos, Habsburgos dominariam a Espanha. Com o pretexto de defender a fé católica, se envolveriam em inúmeros conflitos e guerras. Com os metais preciosos vindos da América, manteriam suas lutas dinásticas e religiosas, na defesa do Império Habsburgo e da estrutura de uma sociedade feudal, comandada pela nobreza. “Os Habsburgos foram, de fato, grandes defensores da Igreja Católica no século XVI e contribuíram firmemente para cimentar a união entre hispanicidade e catolicismo. ” (CARVALHO, 2016: 55). A burguesia e, consequentemente, seu projeto de Estado, seriam esmagados pela monarquia, atrasando a inserção espanhola no mundo capitalista e permitindo a ascensão de outras potências como Inglaterra e França, após o esfacelamento do império espanhol e conflitos pela sucessão que resultariam na subida dos Bourbons ao trono espanhol. 61

A Catalunha, na Idade Média parte do reino de Aragão, então denominada como Condado de Barcelona, está entre essas regiões submetidas à força ou por meio da política dinástica de casamentos ao projeto unificador de Castela, que primeiro expressou seu imperialismo anexando ou invadindo os reinos vizinhos. O Condado de Barcelona nasceu como parte de uma barreira além dos Pireneus contra a expansão muçulmana, criada pelos monarcas carolíngios e denominada de Marca Hispânica. “el encuentro entre el hecho pirenaico – refugio y luego avance del poblamiento [...] – y el hecho marítimo, com todos los recuerdos y [...] exhortaciones mediterrâneas, caracteriza suficientemente bien a esa comunidad en gestación.” (VILAR, 2011: 105). A região protagonizou inúmeras revoltas camponesas e rebeliões contra a monarquia, que pretendia aumentar seu poder em contraposição a autoridades e privilégios locais, como em 1640. “Em 1640, durante a Guerra dos Trinta Anos entre Espanha e França, a obrigação de sustentar tropas reais estacionadas na Catalunha gerou protestos de camponeses catalães. Com o apoio da elite local, a revolta resultou na declaração de independência da Catalunha, que só voltou ao controle espanhol em 1652 ” (CARVALHO, 2016: 57).

Apesar de já pertencer à monarquia Espanhola, a própria Lei do Condado permaneceu em vigor até 1714, fim da Guerra de Sucessão Espanhola. A Guerra de Sucessão foi um conflito que envolveu Habsburgos e Bourbons, levando a um enfrentamento bélico entre potências da época pelo trono espanhol. “A falta de um herdeiro direto para o trono espanhol levou Carlos II, [...] a legar a Coroa, em testamento, a Filipe de Bourbon, duque de Anjou, neto de Luís XIV, mas que era também herdeiro presuntivo da França. Em janeiro de 1701, as cortes espanholas, reunidas em Madri e Barcelona, reconheceram o duque como seu novo rei, nomeado Filipe V. Preocupados com uma possível união franco-espanhola, pois a sucessão francesa por primogenitura não estava ainda de todo assegurada, Áustria, Inglaterra, Holanda, Suécia, Dinamarca e vários principados alemães estabeleceram [...] a Grande Aliança. O aumento da tensão entre as partes deflagrou a guerra que se iniciou pelo norte da Itália e, nos 11 anos seguintes, alastrouse pelos principados alemães, Países Baixos, norte da França e Península Ibérica, envolvendo quase todas as nações do continente. ” (FURTADO, 2011: 69).

Catalunha, assim como outras regiões da Espanha que optaram pelo candidato Habsburgo ao trono, sofrem represálias assim que Felipe V ascende ao poder. A cidade de Barcelona é invadida pelas tropas do monarca em 11 de setembro de 1714, e em 1716 os Decretos da Nova Planta acabam com os parlamentos regionais. A partir de então o 62

castelhano é imposto como língua oficial, o direito é unificado em todo o território e fica clara a política de centralização bourbônica. “A Espanha bourbônica foi centralizada em torno de um eixo central, Castela, e vertebrada a partir de uma identidade homogeneizadora espanhola. ” (CARVALHO, 2016: 61). A partir do século XIX, as elites liberais buscaram a modernização espanhola e apoiaram os ideais de nação, e com o tempo incorporaram os princípios do catolicismo defendidos pelos conservadores, que rejeitavam o conceito de nação. As invasões napoleônicas resultam na criação de movimentos populares de resistência, e em 1812 as elites intelectuais espanholas elaboram a Constituição de Cádiz, “precursora do Estado de Direito e da construção e fortalecimento da identidade nacional espanhola. A Constituição de 1812 estabelecia que a soberania residia na nação, e não mais na figura do rei; criava uma monarquia constitucional que limitava os poderes do monarca; adotava a separação dos poderes; o voto masculino indireto; a liberdade de imprensa; o direito de propriedade e o fim da tortura. Além disso, instituía a educação pública como obrigação do Estado e extinguia o feudalismo e a Inquisição. ” (CARVALHO, 2016: 63-64).

Após a volta de Fernando VII ao poder a Constituição é revogada, mas o ambiente de instabilidade política gera questionamentos sobre a legitimidade de seu poder e uma profunda crise identitária espanhola, que se manifestará mais fortemente a partir do fim do século. “Tal período testemunhou a perda das colônias americanas ocorrida nas duas primeiras décadas do século; a eclosão de três guerras civis (as Guerras Carlistas de 1833–1840, 1846–1849 e 1872–1876); a Revolução Gloriosa (1868); a mudança de dinastia, com a entronização de Amadeu de Saboya (1870-1873); a Proclamação da I República (1873); a Restauração Bourbônica (1874); bem como a derrota para os Estados Unidos na Guerra de Cuba (1898)” (CARVALHO, op. cit.: 64).

Inicialmente rejeitados, os ideais de nação são adotados pelos governantes a partir de meados do século XIX, em reação aos crescentes movimentos de trabalhadores baseados no socialismo, fortes em regiões mais industrializadas do país como Catalunha e País Basco. A Catalunha foi uma das regiões que mais cedo se industrializou na Espanha (ao lado do País Basco), tendo sua capital Barcelona recebido grande quantidade de imigrantes em finais do século XIX e início do século XX enquanto a maioria da Espanha ainda era agrícola. Nesse período catolicismo e espanholidade são fundidos, e o nacional-catolicismo começa a ganhar forma. No entanto, a grande quantidade de conflitos internos, assim como o 63

nascimento dos nacionalismos periféricos impede um avanço uniforme do nacionalismo espanhol. Ao invés de lutar contra um inimigo estrangeiro comum, elemento de coesão da maioria dos nacionalismos na Europa, o país estava dividido internamente. “A Espanha não teve bandeira nacional até 1843. Depois de criada, o símbolo foi questionado primeiro por carlistas e depois por republicanos até 1939. Quando no poder, os republicanos alteraram a bandeira, trocando a faixa inferior, que deixou de ser vermelha e passou a ser roxa. Franco, por sua vez, retomou as cores tradicionais, mas incluiu a “Águia de São João” atrás do brasão, resgatando um símbolo utilizado pelos Reis Católicos. Depois da Transição, a “Águia” foi excluída, mas continuou a ser usada pelos grupos de extrema direita, com quem é identificada. Tampouco houve consenso sobre o hino nacional até o século XX. Além disso, a canção nunca teve letra, o que contribui para diminuir seu apelo sentimental. A debilidade do processo de nacionalização das massas poderia ser constatada pelo pouco esforço estatal para incutir símbolos e mitos nacionais no público. ” (CARVALHO, op. cit.: 70).

A virada do século XIX para o XX “Es el momento de los estados-nación que organizan el patriotismo para defender o expandir su pretensión de potencias. ” (VILAR, 2011: 44). Antes disso, pode-se falar apenas de sentimentos de pertencimento, nos quais as monarquias se legitimaram durante a modernidade: “a fundamentação do poder era dinástica, divina, mas não nacional como no Estado atual, no qual a nação é a detentora da soberania. ” (CARVALHO, 2016: 25). Elemento de coesão política, o nacionalismo pode ser instrumentalizado tanto como homogeneizador como diferenciador social, definindo papéis identitários de indivíduos e unindo-o a outros, mas também excluindo o “outro”, aquele que não faz parte do grupo. Baseando-se nas diferenças entre as tradições alemã e francesa, Carvalho (op. cit.: 3233) define dois tipos básicos de nacionalismos, o cívico e o étnico. O cívico trabalha em cima de questões como valores e ideais nacionais baseados na cidadania e nas instituições do Estado liberal, em que seus indivíduos possuem a soberania e participam da nação por sua própria vontade. Já o étnico utiliza termos culturais como a língua, as tradições e características comuns, um grupo orgânico-historicista com o qual seus indivíduos podem se identificar apenas pelo fato de terem nascido naquele território. O nacionalismo, no entanto, não foi homogêneo, e suas mutações históricas foram determinantes para os conflitos da primeira metade do século XX, especialmente as duas guerras mundiais e a ascensão do fascismo.

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“Devem ser mencionados quatro aspectos dessas mutações. O primeiro, conforme já vimos, é o surgimento do nacionalismo e do patriotismo, como ideologia encampada pela direita política. Isto encontraria sua expressão extrema entre as duas guerras, no fascismo, cujos ancestrais ideológicos aí são encontrados. O segundo é a pressuposição, absolutamente alheia à fase liberal dos movimentos nacionais, de que a autodeterminação nacional, até e inclusive a formação de Estados soberanos independentes, aplicava-se não apenas a algumas nações que pudessem demonstrar sua viabilidade econômica, política e cultural, mas a todo e qualquer grupo que reivindicasse o título de "nação". [...] O terceiro era a tendência progressiva para admitir que a "autodeterminação nacional" não podia ser satisfeita por qualquer forma de autonomia inferior à plena independência do Estado. Durante a maior parte do século XIX a maioria das reivindicações de autonomia não havia previsto isso. Finalmente, havia a nova tendência para definir uma nação em termos étnicos e especialmente em termos de linguagem. ” (HOBSBAWN, 1988: 132).

O nacional-catolicismo se radicaliza no século XX, tornando-se mentalidade da extrema-direita espanhola. O nacionalismo catalão, já anteriormente utilizado por movimentos de trabalhadores ligados a esquerda, é adotado pela burguesia na Catalunha, e a partir da década de 30 já é um fenômeno de massas. “El catalán fue, sin duda alguna, el movimiento nacionalista alternativo que se consolidó más rápidamente. La Liga Regionalista, el primer partido de masas nacionalista, fue creada en 1901. La formación, dirigida por Enric Prat de la Riba y Francesc Cambó, puede ser definida como nacionalista, conservadora, industrialista y no dinástica. La Liga reunió, sobre todo, a los burgueses, descontentos con la ineficacia del Estado y los partidos de la Restauración a la hora de defender sus intereses en la agitada coyuntura finisecular, y a los intelectuales catalanistas, que habían participado en la experiencia de la Unió Catalanista, una asociación fundada en 1891, y en la elaboración de las Bases de Manresa (1892). […] Esta formación se convirtió en hegemónica en Cataluña –hasta la Segunda República, con el ascenso de Esquerra Republicana de Catalunya (ERC)– y llevó a cabo, con bastante éxito, un intenso proceso de expansión social y de nacionalización catalana en todos los terrenos.” (CANAL, 2011:63).

Do fim do século XIX ao início da década de 30, “el problema fundamental de España en ese período fue un problema político: la búsqueda de un sistema político que gozase de legitimidad.” (CARR, 1983: 7). Em 1923, o general Miguel Primo de Rivera lidera um golpe militar para reestabelecer a ordem e pôr fim a agitação dos trabalhadores em Barcelona, apoiado pelo rei Alfonso XIII. A modernização, pela qual o país passava desde o início do século, contribuiu para que a Monarquia e seu governo fossem identificados com um passado com o qual a Espanha não mais gostaria de ser identificada. “El hecho de que entre la mitad y dos tercios de la 65

nobleza residiera en Madrid contribuía a que fuera perdiendo progresivamente influencia social en las regiones en que poseía sus latifúndios. ” (TUSELL, 1999: 11). Na década de 30 o país passaria por sua única experiência democrática antes de 1977, a Segunda República. A grande maioria da população espanhola, no entanto, essencialmente conservadora, não via com bons olhos um governo que prometia reformas sociais. Problemas políticos e sociais se uniam a fatores econômicos, provocando uma sensação de crise. O crescimento urbano e a vinda das massas para a vida pública contribuem para a entrada da população na vida política e o crescimento das expectativas e da pressão sobre o governo republicano. “La repentina movilización política de la Segunda República de 1931 puso a flote conflictos que habían mantenido soterrados los anteriores sistemas políticos y que la misma República no consiguió controlar. ” (CARR, 1983: 7). A pluralidade partidarista do início da república decantou-se em três principais forças com o tempo: direita, esquerda e um centro republicano. Dentro da direita, nasce a Falange Espanhola, inspirada no fascismo italiano e liderada pelo filho de Rivera, ditador entre 1923 e 1930. A radicalização de posturas contribui para fomentar a tensão no país, e em 1936 a extrema direita começa a articular um golpe, pretendendo tomar o poder por meio da violência. “Três fatores tiveram importância fundamental. Primeiro, a extrema disparidade dos níveis de desenvolvimento da Espanha na década de 30. Isso fez com que o golpe militar desencadeasse o que, na realidade, eram várias guerras entre culturas distintas: a cultura urbana e seus estilos cosmopolitas de viver em oposição à tradição rural; o secular opondo-se ao religioso; a cultura política autoritária em confronto com as ideias liberais […]. Segundo, a força com que os elementos opostos se chocavam devia-se em boa parte à influência cultural de uma corrente maniqueísta do catolicismo, que continuava a predominar na Espanha e afetava até mesmo aqueles que haviam rejeitado conscientemente o credo religioso e a autoridade da Igreja. Terceiro, dado que os acontecimentos foram deflagrados por um golpe militar, é preciso examinar também o papel do exército na Espanha e, em especial, o surgimento de uma cultura política rígida e intolerante entre a oficialidade durante as primeiras décadas do século XX.” (GRAHAM, 2013: 12).

Apesar da heterogeneidade na composição política dos sublevados (carlistas, militares, falangistas, monárquicos e católicos), a falta de um projeto definido e a demonização da Frente Popular, encarada como um perigo iminente de tomada do poder pela esquerda, manteriam a unidade do movimento. A Franco foi concedido a condição de Chefe de Estado provisório sem data limite específica, e a aparência de que as medidas que tomava tinham caráter provisório ajudava-o a garantir seu monopólio de poder. “Cierta propensión fascista y una radical indefinición que, en la práctica, multiplicaba el poder político de Franco, 66

resultaron los rasgos más característicos de un Estado que daba sensación de provisionalidad.” (TUSELL, 1999: 210) Durante a ditadura franquista, o nacionalismo espanhol era claramente um tipo de nacionalismo étnico, baseado em uma identidade legitimadora, que segundo Castells (1999:24), é uma identidade “introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais […].”. Isso acabou desgastando a imagem do nacionalismo espanhol, identificado com a repressão da ditadura que buscava a qualquer custo apagar a memória dos vencidos e impor um ideal único de nação. “De hecho, la identificación entre españolismo y franquismo y entre nacionalismos periféricos y antifranquismo persiste todavía. […] em sectores de la izquierda y en los nacionalismos periféricos, la bandera española es un símbolo de la extinta dictadura. Cierto es que el franquismo usó y abusó de la bandera y otros signos nacionales, pero eso ha ocurrido casi siempre en los regímenes autoritarios.” (CANAL, 2011: 65).

Já o nacionalismo catalão, perseguido pela ditadura, se baseou em uma mistura de nacionalismo cívico e étnico, que buscava na continuidade ou longevidade de suas instituições e de elementos culturais ao longo da história afirmação para uma identidade de resistência, que Castells define como uma identidade “criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos […].” (1999: 24).

CONCLUSÃO Analisando a história da Espanha percebemos que, desde tempos remotos, povos com diferentes culturas vivem na Península Ibérica. O absolutismo espanhol, representado pela monarquia de Castela, subjugou povos e reinos de territórios vizinhos na modernidade, por meio da política dinástica de casamentos ou por meio da guerra. A ideia de luta contra os “infiéis” e a necessidade de se manter uma Espanha única e católica permaneceria por muitos séculos na mentalidade de líderes conservadores espanhóis, ainda que sobre outras roupagens. Essa mentalidade atravessaria a modernidade e se fortaleceria sob o reinado dos Bourbons, que tentariam reverter a oposição centralismo legal e localismo real, existente sob o reinado 67

dos Habsburgos, eliminando leis, culturas e instituições políticas de regiões que se oporiam a Felipe V durante a Guerra de Sucessão e subordinando-as ao centralismo de Castela, como ocorreu com a Catalunha. O fim da modernidade abalaria as estruturas sobre as quais o absolutismo espanhol fincou suas bases. A religião deixaria de ser paulatinamente o cimento que unia a Europa, baseada no ideal, agora ultrapassado, de cristandade da Idade Média, e a legitimidade divina sob a qual as dinastias se fixavam começam a ser questionada. Os interesses nacionais emergem como guias de um Estado, que agora precisam ser Estado-nação elevando, pelo menos na teoria, seus súditos a condição de cidadãos. Os ideais revolucionários de república são combatidos pela monarquia espanhola e seus apoiadores, embora tenham adotado as ideias do nacionalismo, aglutinando-as ao catolicismo. Os inúmeros conflitos internos e externos, assim como o atraso para criar símbolos nacionais, dificultam um avanço uniforme do nacionalismo espanhol, identificado pelos nacionalismos periféricos com a repressão e a violência. No século XX, o nacional-catolicismo ganha um formato radical nas mãos da extrema direita. A monarquia, enfraquecida, não vê outra alternativa a não ser apoiar os projetos da direita e as ditaduras, primeiro a de Primo Rivera, depois a de Francisco Franco. Baseados em uma identidade de resistência, os separatismos, como o Catalão, lutariam para manter vivas suas culturas, e o nacionalismo espanhol ficaria identificado com a ditadura. Lutar contra o nacionalismo espanhol significaria a partir de então lutar contra a repressão, a violência, a supressão de direitos e o centralismo de Castela.

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