SILVA, António Manuel S. P.; RIBEIRO, Manuela C. S. (2013) – Castelos roqueiros da região de Arouca (Aveiro, Portugal) - contexto histórico e elementos arqueológicos

June 14, 2017 | Autor: A. Silva | Categoria: Medieval Archaeology, Arqueologia Medieval, Castelology
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FORTIFICAÇÕES E TERRITÓRIO NA PENÍNSULA IBÉRICA E NO MAGREB

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Fundação para a Ciência e a Tecnologia MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR

Direcção Regional de Cultura do Alentejo

UNIÃO EUROPEIA

PROGRAMA OPERACIONAL FACTORES DE COMPETITIVIDADE

Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional

FORTIFICAÇÕES E TERRITÓRIO NA PENÍNSULA IBÉRICA E NO MAGREB

(SÉCULOS VI A XVI) Coordenação de

Isabel Cristina F. Fernandes

Vol. I

A obra colectiva Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (séculos VI a XVI) oferece aos investigadores e ao leitor comum interessado nestas maté­rias, distintas leituras do castelo, algumas com claro cariz monográfico, algumas tocando as transformações dos períodos de transição, a montante e a jusante, outras preferindo trabalhá-lo na dimensão do território, valorizando os contribu­tos das fontes escritas ou os da arqueologia, outras ainda conduzindo o enfoque para questões de restauro, gestão e valorização patrimoniais. Isabel Cristina F. Fernandes Coordenadora científica da edição

I

ISBN 978-989-689-374-3

FORTIFICACOES VOL.1(6-10-2014).indd 1

23-10-2014 15:55:07

Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação

FORTIFICAÇÕES E TERRITÓRIO NA PENÍNSULA IBÉRICA E NO MAGREB (SÉCULOS VI A XVI)

Fortificações e território na Península Ibérica e no Magreb (séculos VI a XVI) / coord. Isabel Cristina Ferreira Fernandes. – (Extra-colecção) 1º v. – 472 p. – ISBN 978-989-689-374-3 I – FERNANDES, Isabel Cristina F., 1957CDU 904

Título: Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (Séculos VI a XVI) – Volume I Coordenação: Isabel Cristina Ferreira Fernandes Edição: Edições Colibri/Campo Arqueológico de Mértola Capa e separadores: DCCT – Câmara Municipal de Palmela Revisão dos textos: I. C. Fernandes; J. F. Duarte Silva; Patrice Cressier Depósito legal: 368 239/13

Lisboa, Dezembro de 2013

Castelos roqueiros da região de Arouca (Aveiro, Portugal) – – contexto histórico e elementos arqueológicos ANTÓNIO MANUEL S. P. SILVA* Centro de Arqueologia de Arouca e CITCEM

MANUELA C. S. RIBEIRO** Centro de Arqueologia de Arouca

Introdução. O contexto histórico

A

CASTELOLOGIA medieval da região do Entre Douro e Vouga litoral (Fig. 1), enquadrada no Norte de Portugal ou no Entre Douro e Minho, tem sido objecto de levantamentos cartográfi-

Fig. 1 – Castelos da “reconquista” documentados arqueologicamente no baixo Douro sul (Fonte: SILVA 2011).

cos assentes principalmente em fontes documentais (ALMEIDA, 1978, BARROCA, 2003; 2004). Os trabalhos mais recentes devem-se a Mário J. Barroca, que elencou as 50 estruturas fortificadas documentadas no nosso País até ao ano 1000, particularmente concentradas na região do Douro Litoral, registando-se uma dezena desses castelos na área do Entre Douro e Vouga litoral (BARROCA, 2003: 95-6; 2004), observando ainda o mesmo autor uma intensificação do processo de incastelamento ao longo do século XI, época em que o número de fortificações no Noroeste português ultrapassou as três centenas (BARROCA, 2004: 189). Na linha da leitura de Carlos Alberto Ferreira de Almeida (1978; 1989: 38-54; 1992: 371-85), M. Barroca deduz a existência destas fortificações a partir das alusões aos montes, alpes ou castra que tutelariam administrativamente, ou pelo menos militarmente, os territórios mencionados nos diplomas (BARROCA, 2004: 189), interpretação a que António Lima acrescentou oportunas dúvidas e matizes (LIMA, 1993: 18-9; 2004: 320-3), considerando nomeadamente a grande quantidade de montes aparentemente distintos que supostamente servem de referencial de enquadramento em regiões pouco vastas e a difícil correspondência entre esses pontos

fortificados e os efectivos vestígios arqueológicos de castelos, mesmo considerando a insipiência das suas estruturas arquitectónicas (Idem, idem). Na verdade, o mesmo problema se coloca na fachada atlântica entre os rios Douro e Vouga, sendo impossível atribuir a elevações precisas, com verosimilhança arqueológica, as alusões documentais aos montes tidos por castelos, a menos que correspondessem a simples postos de vigia, atalaias ou almenaras (BARROCA, 2003: 86-7), sem quaisquer evidências construídas, o que não nos parece muito plausível. Pelo contrário, desconhece-se a identidade documental da maior parte dos castelos confirmados pela investigação arqueológica, como sucede, nesta região, com o Outeiro do Castelo, em Cinfães (LIMA, 1993: 198-200; LIMA, evp), o Castelo de Crestuma, em Vila Nova de Gaia (SILVA; GUIMARÃES, 2011; GUIMARÃES et al., 2013; SILVA et al., evp) e, na área de Arouca, os pequenos castelos do Coruto e de Carvalhais. Entre as fortificações registadas nos documentos e no terreno que têm sido objecto de escavação arqueológica, contam-se apenas o castelo de Arouca e o castelo de Santa Maria da Feira, este um referencial histórico regional de primeiro plano e de onde há muito a esperar em termos de pesquisa arqueológica (TEIXEIRA; FONSECA, 2010; TEIXEIRA, evp). O contexto histórico da instalação destes pontos fortificados é bem conhecido e foi já devidamente sintetizado por numerosos autores, designadamente aqueles que temos vindo a seguir (BARROCA, 2003; 2004; LIMA, 1993; 1999), pelo que nos limitaremos a recordar em traços muito largos alguns aspectos da evolução político-militar na região e período que nos interessam para mero enquadramento das propostas cronológicas que adiante se apresentam. No âmbito da expansão para Sul do reino asturiano na segunda metade do século IX, após a subida ao trono de Afonso III, movimento tradicionalmente conhecido como “reconquista cristã”, assumem especial importância para a área geográfica situada entre os rios Douro e Vouga os momentos da presúria ou conquista das cidades do Porto (868) e Coimbra (878), efectuadas respectivamente pelos condes Vímara Peres e Hermenegildo Guterres. Nessa década, empreende-se, a partir de Portucale, a reorganização administrativa e o repovoamento do Entre Douro e Minho e de Trás-os-Montes (BAR-

Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (Séculos VI a XVI), Lisboa, Edições Colibri & Campo Arqueológico de Mértola, 2013, 2013, p. 29-42.

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ROCA, 2004: 182), acção com particular intensidade no Baixo Douro, do que a fundação da civitas de Anegia, mencionada desde 875, dá eloquente testemunho (Idem: 187; LIMA, 1993; 1999). Programa semelhante terá sido desenvolvido, talvez um pouco mais tarde, a partir de Coimbra, implicando, a fazer fé na Chronica Gothorum, transferência de populações oriundas do Norte do Douro (ALARCÃO, 2004: 19). Desde 878, porém, e durante mais de um século, até às campanhas de al-Mansur nos finais do séc. X, o limite do domínio cristão, no território hoje português, foi estabilizado por uma linha que ia desde o vale do Mondego ao rio Côa (BARROCA, 2004: 184). Naturalmente, esta “fronteira” era fluida e não constituía necessariamente garante de estabilidade e segurança às populações, o que proporcionou condições para a primeira vaga de criação de castelos e outros pontos fortificados e de vigia, estabelecidos no âmbito da rede de controle militar das civitates ou de iniciativa das comunidades locais (Idem: 189). Nesta conjuntura se poderá talvez enquadrar a instalação dos três castelos roqueiros de Arouca que de seguida apresentaremos, ou pelo menos o de Valinhas, para o qual existem maiores dados arqueológicos e datações absolutas. Pelos finais do século X, as campanhas de Abi Amir Muhammad, vizir do califado de Córdova, mais conhecido como al-Mansur (“o vitorioso”), em 986, 987, 995 e sobretudo a de 997, que culminou com o ataque a Santiago de Compostela, fizeram de novo recuar a fronteira cristã até ao Douro no troço localizado da serra do Montemuro para Nascente e provavelmente até ao rio Vouga na zona litoral (BARROCA, 2003: 27-8; 2004: 192), tendo sido um dos alvos dessas investidas precisamente o vale do Arda (LIMA 1999: 401; BARROCA, 2003: 27), como ficou emblematicamente registado na alusão à destruição da igreja de Moldes pelos sarracenos que terão, pelo menos temporariamente, afugentado a população e ermado o território, na expressão de um diploma posterior1. Estes tempos de insegurança, em resultado não só das ameaças e razias muçulmanas como também de documentados ataques de normandos e vikings (BARROCA, 2003: 98; 2004: 190), que se prolongariam pela primeira década do séc. XI, fornecem um segundo hipotético contexto para a instalação dos castelos de Arouca (Fig. 2), considerando nomeadamente a sua implantação estratégica dominando a passagem do rio Arda (Valinhas), do Paiva (Carvalhais) e o corredor mais litoral da via antiga Viseu-Porto (Coruto), como A. Lima bem observou (LIMA, 2004: 322). A partir da morte de al-Mansur (1002) e de seu filho Abd al-Malik (1008) o troço terminal da bacia do Douro não mais terá sido atingido pelas razias muçulmanas (LIMA, 1999: 401). A queda do Califado de Córdova, em 1031, e por fim as campanhas de Fernando, o Magno, a partir de 1055, levaram à reconquista dos castelos das Beiras, empurrando definitivamente a linha de fronteira para Sul (BARROCA, 2003: 32; 2004: 193). Num processo paralelo e até anterior a estes sucessos militares, se bem que beneficiando da progressiva pacificação da região, desenvolve-se uma reorganização administrativa traduzida pela criação de diferentes “terras” dentro dos territórios das antigas civitates dos

António Manuel S. P. Silva e Manuela C. S. Ribeiro

séculos IX e X, espelhando antes de mais a alteração do equilíbrio de forças entre diferentes sectores da nobreza, com a desagregação do poder condal e a ascensão dos senhores locais, os infanções (VENTURA, 1992: 254-6; LIMA, 1999: 403; 2004: 330-1).

Fig. 2 – Localização dos castelos de Valinhas, Carvalhais e Coruto no concelho de Arouca.

É neste quadro que o Castelo de Valinhas aparece como cabeça da Terra de Arouca, aliás uma das primeiras regiões a nomear-se de acordo com este novo mapa político-administrativo, entre as décadas de 1050 e 1060, o que assegurou a permanência da sua importância e funções, agora certamente mais de controle militar e administrativo que de defesa efectiva. Em contrapartida, é possível que os pequenos castelos do Coruto e de Carvalhais (Fig. 2), cuja importância estratégica e militar estaria provavelmente em declínio, tenham sido progressivamente abandonados neste período. O castelo de Arouca resistiria ainda, provavelmente, até finais do século XII ou inícios do seguinte, altura em que parece acentuar-se uma certa desfuncionalização da organização das “terras”, então remetidas à esfera civil (LIMA, 1993: 221), com a natural perda de importância da rede militar estabelecida nos castelos locais. O Castro de Valinhas/Castelo de Arouca Situado na freguesia de Santa Eulália, em pleno vale de Arouca irrigado pelo Arda, o monte de São João de Valinhas, um relevo em raquette, com a cota altimétrica máxima de 448 metros2, é coroado por diversos “caos de blocos” graníticos, orografia seleccionada para a implantação da fortificação medieva (Figs. 3, 4 e 5). A eleição deste local para a instalação do castelo roqueiro, aliás, mais não fez que perenizar um dos principais focos de ocupação humana do alvéolo, uma vez que naquela mesma elevação os trabalhos arqueológicos ali realizados entre 1988 e 2008 identificaram vestígios datados desde a pré-história até à Antiguidade Tardia, especialmente concentrados num povoado indígena da Idade do Ferro habitado pelo menos até aos séculos V ou VI da nossa era (SILVA, 1993a; 1993b; 1994; 1995; 2004; SILVA; RIBEIRO, 1999).

Castelos roqueiros da região de Arouca (Aveiro, Portugal) – contexto histórico e elementos arqueológicos

Fig. 3 – Localização do Castro de Valinhas/Castelo de Arouca na Carta Militar de Portugal (carta nº 145, escala base 1:25 000).

Fig. 4 – O morro onde se implanta o castelo de Arouca, visto de Sudoeste (foto: AMS).

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30) que não nos parece evidente, mas especialmente em 1080 e em várias doações datadas de 1100 e 1101, através da alusão a um castro arauca5 localizado indubitavelmente no monte de Valinhas. Em 1092, um outro documento elenca entre várias propriedades um casal de mandamento de illo castello6, podendo ou não referir-se a Valinhas (FERNANDES, 1965: 103-4; FERNANDES; SILVA, 1995: 36), sendo finalmente mais segura a notícia de 1119, que elenca propriedades in Sancti Iacobi subtus castellum7, aludindo ao velho templo de Santiago, ainda hoje existente no sopé do mesmo castelo de Arouca. Pela mesma época referencia-se abundantemente a villa quos uocitant Castro8, aglomerado estabelecido no sopé da fortificação. O ponto mais elevado da colina de São João de Valinhas é constituído por dois cabeços rochosos ligados por uma pequena plataforma (Figs. 3, 5, 6 e 12). No cume situado mais a Poente (sector A da intervenção arqueológica) instalou-se o núcleo principal do castelo roqueiro; na plataforma intermédia (sector B), a uma cota cerca de 12 metros inferior, encontraram-se, sobre um nível de construções tardo-romanas, vestígios de metalurgia relacionados com a fase mais recente da ocupação medieval (Fig. 12); o cabeço Nascente, onde existe uma pequena capela de invocação a S. João Baptista, aparentemente fundada no séc. XVI (GONÇALVES, 1991: 100), poderá ter integrado o perímetro defensivo da fortificação, mas alguns trabalhos arqueológicos aí realizados não foram totalmente conclusivos, pelo que este aspecto carece ainda de clarificação (SILVA, 1995: 208-13). A área principal do castelo (sector A) caracteriza-se por uma pequena plataforma ovalada, com cerca de 23 metros no sentido longitudinal ESE./ONO. por oito metros de largura, delimitada por grandes afloramentos graníticos (Figs. 5, 6 e 7), nomeadamente o que se situa a Sudeste, de maior altura e voltado sobre o vale de Arouca, pelo que poderá ter constituído ponto estratégico de vigia natural, senão mesmo base de assentamento de um torreão, do que todavia não existem traços evidentes. As encostas voltadas a Sudoeste, Oeste e Noroeste apresentam plataformas intermédias que ainda não foram objecto de intervenção arqueológica; a encosta Nascente, que dá acesso à

Fig. 5 – Topo do castelo de Arouca, visto da plataforma intermédia Nascente (foto: AMS).

A primeira menção documental ao ponto fortificado poderá remontar ao ano de 951, se admitirmos a indicação do lugar de castro, feita no contexto da doação de propriedades ao mosteiro de Arouca3, como aludindo ao povoado castrejo que lhes ficava sobranceiro e fora habitado pelo menos até poucos séculos antes. Todavia, referências mais explícitas ao castelo surgem apenas na segunda metade do século XI, num diploma datado de 10624, segundo interpretação de Carlos Alberto Ferreira de Almeida (1978:

B

A

Fig. 6 – Levantamento topográfico dos sectores A (topo do castelo) e B do castelo de Arouca (levantamento: C. M. Arouca).

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António Manuel S. P. Silva e Manuela C. S. Ribeiro

apoiando-se o respectivo vértice em murete pré-existente (Figs. 9 e 11). Assim, parece que o eventual torreão terá passado de uma planta subtriangular para um plano grosseiramente em trapézio rectângulo, não sendo possível, dado o seu estado de conservação, aferir por ora outros elementos. Adiante discutiremos a cronologia proposta para este faseamento. Entre as duas primeiras fases construtivas desta estrutura foram encontrados ainda outros depósitos, nomeadamente dois pisos em terra batida, que parecem marcar a fase medieval mais arcaica, não se achando todavia a escavação concluída neste ponto. Fig. 7 – Vista superior da pequena plataforma do topo do castelo (foto: AMS).

plataforma do sector B, exibe cortes nos penedos e, pelo menos, dois entalhes rectangulares destinados ao assentamento dos silhares de uma linha de muralhas, parecendo igualmente situar-se nesse ponto uma porta de acesso lateral em cotovelo, marcada por um estreito corredor entre penedos, hipótese ainda não validada por escavação arqueológica. Os trabalhos arqueológicos que foram efectuados no sector A detectaram desde logo a existência de uma espessa camada de derrubes pétreos, com blocos de pequeno e médio calibre e também numerosos silhares aparelhados, que chega a atingir, em zonas de encosta, cerca de um metro de espessura. Este expressivo derrube associava-se a um nível de incêndio relativamente generalizado que se sobrepunha a estruturas de ocupação muito elementares, designadamente uma pequena lareira subcircular com c. de 0,65 m de diâmetro delimitada por pedras miúdas e uma espécie de fossa de pequenas dimensões, com pouca profundidade e c. de um metro de diâmetro, talvez para acondicionamento de quaisquer materiais, que interpretamos como da Fase 2 da ocupação do castelo, datável entre o século XII e talvez os inícios do séc. XIII (Fig. 7)9. Outro nível de incêndio, derrube e eventual abandono, ainda que episódico, distingue este horizonte de ocupação dos níveis mais antigos (Fases 1A e 1B), situados por ora entre os séculos X e XI e relacionados com a estrutura mais expressiva até agora encontrada, que parece corresponder à base de um possível torreão. Esta construção está situada sensivelmente no ângulo Es-Sudeste da plataforma superior do castelo e em estreita articulação com um penedo de topo aplanado aí existente, que lhe servia de base. Da sua fase mais antiga (Fase 1A) restava um pequeno murete conservado no máximo em sete fiadas de pedras de tamanho médio e aparelhamento grosseiro, parecendo corresponder ao remate Sudeste de uma estrutura de plano subtriangular, posteriormente refeita (Fase 1B) em aparelho similar, com o mesmo alinhamento mas um pouco desencontrada no ponto de contacto com o muro mais antigo (Figs. 8 e 10). Em momento mais tardio (Fase 2), o alinhamento da estrutura a Sudoeste foi de novo objecto de reconstrução, assumindo desta feita uma planta angular,

Fig. 8 – Perspectiva da base do “torreão” na sua fase mais antiga (foto: MR) .

Fig. 9 – Vista do “torreão” na fase construtiva mais recente (foto: MR).

Fig. 10 – Planta do torreão. Fases mais antigas.

Castelos roqueiros da região de Arouca (Aveiro, Portugal) – contexto histórico e elementos arqueológicos

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Fig. 11 – Planta do torreão. Fases mais recentes.

Na plataforma a Nascente (sector B) identificou-se uma área de actividade metalúrgica, notória desde o começo das escavações por grandes concentrações de escória ferrosa e onde viriam a observar-se, com a continuação dos trabalhos, diversas estruturas relacionadas com esta prática (Figs. 12, 13 e 14). As mais evidentes são constituídas por fossas sobrepostas, interpretadas como bases de fornos de redução de

Fig. 12 – Vista geral da plataforma intermédia (sector B), com estruturas tardo-romanas e área medieval de metalurgia (foto: MR).

Fig. 14 – Pormenor da base do forno medieval, em plano e secção, durante a sua escavação (foto: MR).

ferro (Fig. 14), associadas a outras fossas e valas de limpeza e escorrimento do metal e respectivos subprodutos (SILVA, 2004: 344-5; 2011 e, em particular, SILVA et al. 2000), para além de outras estruturas negativas e positivas ainda em fase de estudo, uma vez que a escavação da zona não foi concluída. Ligada a esta área de redução de ferro existiria provavelmente uma oficina de forja para produção de armas e instrumentos, que falta localizar. De acordo com as datações efectuadas, a área oficinal estará relacionada com a Fase 2 da ocupação do castelo, devendo datar de entre o século XII e os começos do séc. XIII. No extremo Sudeste deste sector foi ainda identificado o tramo de um muro relativamente expressivo, de duas faces, assente em terra sobre um anterior muro tardo-romano, que julgamos também de cronologia medieval (Fig. 15), não sendo por enquanto possível determinar se serviria apenas de delimitação da área oficinal ou se, pelo contrário, poderia constituir uma estrutura perimetral do próprio castelo, envolvendo numa mesma cerca ambos os cabeços cimeiros e a plataforma intermédia do sector B.

Fig. 15 – Sector B. Vista de estrutura medieval, sobreposta a um muro tardo-romano (foto: MR).

Fig. 13 – Planta de algumas das evidências da actividade oficinal, nomeadamente a base de fornos de redução de ferro.

O espólio arqueológico recolhido nos sectores A e B (reportando-nos neste último apenas ao medieval, uma vez que esta zona tem também ocupação tardo-

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-romana) tem sido extremamente abundante e é constituído essencialmente por cerâmica doméstica (cerca de 30.000 fragmentos), contando-se igualmente numerosos objectos metálicos e uma razoável colecção de restos de arqueofauna10. Um primeiro estudo dos restos faunísticos (MORENO-GARCIA, 2004) incidiu sobre amostras de unidades estratigráficas das Fases 1B e 2, tendo-se observado, entre os mamíferos, um notório predomínio do porco ou javali sobre a vaca e os ovicaprídeos, verificando-se também significativa representação das espécies cinegéticas (veado, corço e coelho), conclusões que todavia devem ser analisadas com prudência, dada a dimensão e o deficiente estado de conservação da amostra analisada. Os objectos metálicos, quase exclusivamente em ferro, compreendem essencialmente pregos11, de diferentes tamanhos e tipologias, mas também adereços de vestuário, uma fivela, um dedal, diversas ferraduras e algum armamento, nomeadamente pontas de seta e de dardo, virotes e lâminas de faca, entre muitos outros itens de difícil interpretação dado não estarem ainda tratados (SILVA, 2004; 2011). A pequena colecção que foi possível limpar e estabilizar quimicamente, cerca de duas dezenas de objectos, não permite por enquanto qualquer estudo tipológico ou evolutivo, sendo evidente, todavia, que a generalidade destes artefactos será de produção local, considerando a área oficinal contígua do sector B (SILVA et al. 2000; SILVA, 2004; 2011). A cerâmica tem sido alvo de estudos mais aprofundados (SILVA; RIBEIRO, 2007; 2008; evp2; SILVA, 2011), permitindo identificar um conjunto de formas e decorações de um modo geral características destes contextos arqueológicos. As panelas globulares, muitas vezes com decorações de linhas ou meandros incisos ou cordões plásticos, parecem dominar no conjunto olárico, registando-se também potes, púcaros e um bom número de jarros para líquidos, com asas de fita correntemente golpeadas, cordão em anel no colo e muitas vezes de boca trilobulada. Os alguidares de fundo em disco, tipo emblemático nas cerâmicas desta época, são bastante frequentes, exibindo amiúde digitações impressas no rebordo da base e por vezes cordões aplicados no interior do fundo; por fim, entre as peças menos comuns contam-se diversas formas baixas e abertas, que classificamos como pratos e pratéis. Merece destaque, ainda, a localização de escassos fragmentos de louças pintadas a castanho, por vezes sob vidrados melados, denunciando a sua origem muçulmana (SILVA, 2011:8). A história do castelo de Valinhas, a evolução da sua morfologia e a interpretação das suas funções e papel político-militar constituem ainda matéria bastante obscura, não obstante podermos já contar com algumas datações de 14C que permitem um enquadramento cronológico mais seguro da diacronia da ocupação da fortaleza (cfr. Apêndice). Foram feitas três datações para o sector A (topo do castelo). A mais recente (Sac-2097) foi obtida a partir de carvões da UE 027, a camada de incêndio, derrube e abandono que cobria a última ocupação do

António Manuel S. P. Silva e Manuela C. S. Ribeiro

castelo (Fase 2), tendo fornecido a data bruta de 920±35 BP, afinada para 1025-1184 AD após calibração a 2σ (95,4% de probabilidade), data estatisticamente não diferenciável das obtidas para a área de metalurgia do vizinho sector B, levando os responsáveis pelo estudo arqueométrico a datar aquele momento no século XII ou mesmo nos começos do séc. XIII (cfr. Apêndice), resultado que nos parece concorde com os dados históricos e arqueológicos. Foi também datado um depósito mais antigo, a UE 520, relacionada com uma camada de incêndio associada ao final da Fase 1B de ocupação. Feita inicialmente uma datação utilizando amostra de carvões (Sac-2098), a mesma seria bastante precisada a partir de uma amostra de sementes (Sac-2762), pelo que se privilegiou esta última datação, como é natural. O resultado produziu um intervalo de 1000±40 BP, calibrado a 2σ para 982-1151 AD (95,4%), ou seja, remetendo para o séc. XI/primeira metade do séc. XII (ou eventualmente ainda finais do séc. X, admitem os responsáveis) este momento de incêndio que terá calcinado um saco ou cesto de sementes de milho-miúdo12 que estaria localizado aparentemente em plano superior, dada a dispersão desses materiais numa parte do sector. As três datações obtidas para amostras de carvões recolhidas no sector B (Sac-2099, Sac-2100 e Sac-2101 – cfr. Apêndice) – “estatisticamente não diferenciáveis” da data Sac-2097 do final da Fase 2 no sector A, como registam os responsáveis pela análise – apontam, após calibração, para um intervalo entre 1030-1230 AD a 2σ, podendo assim concluir-se que a utilização da zona oficinal de metalurgia do sector B corresponde à mesma Fase 2 de ocupação do castelo, entre o século XII e talvez, os começos da centúria seguinte. Desta forma, cruzando os resultados das datações radiométricas com os dados históricos e arqueológicos disponíveis, a ocupação medieval do castelo de Arouca poderá ter-se iniciado no século X ou ainda, porventura, em finais do séc. IX, momento em que se integrará a primeira estrutura defensiva poligonal, associada a dois pisos em terra batida (Fase 1A), tendo havido uma remodelação do mesmo torreão, com planta similar (Fase 1B), entre os séculos X e XI, após o que se verificou um incêndio e eventualmente uma fase de abandono, talvez de curta duração (Fig. 16). Assim, considerando os contextos histórico-militares coevos, poderíamos talvez relacionar a fundação do castelo de Valinhas com a instabilidade e a necessidade de defesa perante os ataques de vikings e normandos no último quartel do séc. X e sobretudo as campanhas de al-Mansur a partir de 986, altura em que a fronteira da fachada atlântica entre os territórios muçulmanos e os presuriados em tempo de Afonso III volta a definir-se pela linha do Vouga e a civitas de Santa Maria, estabelecida provavelmente na 2ª metade desse século, ganha fundamental importância estratégica (BARROCA, 2004: 188-190). Outra possibilidade será a de recuarmos o estabelecimento do castelo ao último quartel do séc. IX, acompanhando a reorganização do território empreendida após as

Castelos roqueiros da região de Arouca (Aveiro, Portugal) – contexto histórico e elementos arqueológicos

Fig. 16 – Matriz estratigráfica parcial da escavação do castelo de Arouca (sector A).

presúrias do Porto (868) e de Coimbra (878), altura em que se verifica um forte movimento de encastelamento no Douro Litoral (Idem: 186), e neste cenário, seria tentadora a hipótese de relacionar o nível de incêndio e o aparente abandono que culmina a Fase 1B de Arouca precisamente com os ataques daquele célebre caudilho muçulmano à região na última década do séc. X, altura em que o vale do Arda terá sido atingido, como já se observou (LIMA, 1999: 401; BARROCA, 2003: 27). Considerando por outro lado, na esteira de M. J. Barroca, o castelo roqueiro de Arouca entre os “castelos erguidos por iniciativa das populações” para sua defesa e refúgio, com estruturas defensivas incipientes e heterogéneas (BARROCA, 2004: 189), deveremos talvez valorizar mais os estímulos locais que o enquadramento político-militar regional, podendo a este propósito recordar-se a própria fundação do mosteiro de Arouca, entre 915 e 925 (LIMA, 2004: 328), para cuja defesa a proximidade do castelo seria essencial, o que não obsta naturalmente a que a fortificação estivesse integrada no territorium da civitas de Anegia, com capital na Cividade de Eja (Entre-os-Rios, Penafiel), na confluência do Tâmega com o Douro, cerca de 20 km a Norte de Valinhas. Talvez esta significativa distância à cabeça do território de Anegia, de que o vale de Arouca era precisamente o limite Sul (LIMA, 1993:34), levasse a que, na fragmentação dos territórios das civitates em terrae, a terra de Arauka tenha sido das primeiras a nomear-se como tal, no ano de 105413 ou de 1064,

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atentas algumas dúvidas na datação do primeiro documento (LIMA, 2004: 330-1; FERNANDES, 1965: 21-2), conhecendo-se desde então diversos tenentes do castelo e outros magistrados da terra (BAPTISTA, 1954; FERNANDES, 1965:286-7). Como castelo-cabeça da Terra de Arouca a partir de meados do séc. XI, o monte de Valinhas terá tido assim um segundo fôlego de vida, sobrevivendo ao abandono que por essa altura atingiu muitos castelos roqueiros, devido ao decréscimo do seu interesse militar e estratégico (BARROCA, 1991: 119). E se, à semelhança do que sucede noutras fortificações do curso terminal da bacia do Douro (LIMA, 1993: 242-3), o castelo de Arouca não mostra indícios das transformações arquitectónicas comuns na maioria dos castelos românicos (BARROCA, 1991: 120-1; LIMA, 1993: 236; 1999: 405), tal não obsta a que possa ter tido nesses tempos certas remodelações, do que podemos ter exemplo prático na reconstrução do torreão Sudeste, admitindo-se a relação deste momento da vida da fortificação com a Fase 2 de ocupação observada na escavação arqueológica. O abandono do Castelo de Arouca, em circunstâncias que desconhecemos, poderá ter ocorrido em finais do século XII ou já nos começos do século XIII, em resultado da progressiva desfuncionalização da divisão administrativa das “terras” (LIMA, 1993: 221). Como é natural, a memória da sua capitalidade e poder simbólico manter-se-ia durante séculos, cada vez mais diluída e entretecida no imaginário popular, como recordava em 1758 o pároco da freguesia do Burgo em resposta ao inquérito das Memórias Paroquiais, mencionando o castello que fora dos Mouros, mas dele não ha vestigio algum… (BRANDÃO; LOUREIRO, 1991: 72). O Castelo de Carvalhais Situado na freguesia de Alvarenga, o castelo de Carvalhais (Figs. 17, 18 e 19) implantou-se num cabeço rochoso de morfologia cónica, à cota de 272

Fig. 17 – Localização do castelo de Carvalhais na Carta Militar de Portugal (carta nº 145, escala base 1:25 000).

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média dimensão e numerosos fragmentos cerâmicos, para além de evidentes derrubes de muralha espalhados pelas encostas (SILVA, 2004: 351; 2011: 16-7).

Fig. 18 – Implantação do castelo de Carvalhais, contornado por um meandro do rio Paiva (foto: CMA/Geoparque Arouca).

Fig. 20 – Restos de muros, visíveis à superfície no topo do castelo (foto: AMS).

Fig. 19 – Vista do fosso e do morro do castelo de Carvalhais (foto: AMS).

metros14, sobre um meandro do rio Paiva, local de evidente domínio visual e importância estratégica. A primeira notícia sobre o interesse arqueológico do Côto do Carvalhal data dos inícios do séc. XX, aludindo ao achado de sepulturas, “ruínas, pás de ferro e outros objectos do mesmo metal, pequenas rodas de barro, um forno…” (MADUREIRA, 1906-1907), descrição que não parece aplicar-se exactamente ao local do castelo medieval mas ao seu sopé, traduzindo ou ocupação anterior, romana ou da Idade do Ferro, como propusemos (SILVA, 2004: 351), ou mesmo, dada a imprecisão da descrição, os vestígios de estruturas habitacionais ou de apoio ainda relacionadas com o castelo (SILVA, 2011: 17). A ocupação pré-medieva do sítio foi entretanto confirmada a partir de outros achados de superfície que incluem cerâmicas proto-históricas, feitos na base do castelo (TELLES; ATAÍDE, 2006; ATAÍDE; TELLES, 2008)15. O sector de mais fácil acesso, a Nordeste, encontra-se defendido por um fosso bastante expressivo (Fig. 19), sendo as restantes vertentes extremamente íngremes. No topo do morro granítico, cuja área útil não chegará sequer aos 100 m2, observam-se, como é comum nestas fortificações, cortes e entalhes nos penedos e mesmo até o que parecem ser restos de muros semi-enterrados (Fig. 20), ocorrendo por toda a superfície do solo bastante pedra aparelhada de

As cerâmicas de superfície de cronologia medieval incluem fragmentos de potes e panelas decorados com linhas horizontais, meandros incisos e cordões lisos ou digitados, alguidares de fundo em disco, cossoiros, etc., para além de escória de ferro e outros elementos afins dos achados nos castelos de Valinhas e do Coruto, não sendo possível por mera análise tipológica uma adscrição cronológica mais precisa (SILVA, 2004: 351; 2011; 17; TELLES; ATAÍDE, 2006; ATAÍDE; TELLES, 2008). Omisso na documentação medieval e sem outros dados arqueológicos para além dos que decorrem das observações topográficas e dos materiais de superfície, não é possível propor com rigor o intervalo de ocupação do castelo de Carvalhais, seguramente sincrónico, pelo menos em parte, das ocupações de Valinhas e do Coruto, podendo o seu abandono ter-se verificado anteriormente ao do castelo de Arouca, pelas razões já aduzidas. Todavia, a localização excepcional do castelo de Carvalhais parece adequada ao controle de uma travessia do rio Paiva, de que se conserva a memória de uma ponte antiga nas imediações (MENDES, 1995: 109-11; LIMA, 2004: 322), e à vigilância de uma importante via de penetração, a carraria antiqua, que partia das margens do Douro e atravessava aquele território em sentido aproximado Nordeste/Sudoeste em direcção ao vale de Arouca (LIMA, 1999: 400-1; 2004: 312-3), eixo viário que parece ter tido grande importância ao longo do séc. X. Não obstante, é também plausível que este castelo possa ter assinalado, desde época anterior, um dos pontos limites do território da civitas de Anegia a Oriente, qualidade que aliás terá seguramente mantido com a fragmentação das civitates em terras, pelos meados do século XI, uma vez que o rio Paiva marcaria por certo a fronteira Nascente da Terra de Arouca, hipóteses que a confirmar-se poderão alargar a amplitude cronológica e o significado político-militar do castelo de Alvarenga.

Castelos roqueiros da região de Arouca (Aveiro, Portugal) – contexto histórico e elementos arqueológicos

O Monte Coruto Situado num cabeço granítico da freguesia de Escariz, com a cota máxima de 511 metros16 (Figs. 21 e 22), o Coruto viu a memória da sua ancestralidade

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mente, tais obras estarão ligadas à implantação de uma cerca defensiva, cujo perímetro não é possível determinar sem trabalhos arqueológicos mais extensivos.

Fig. 23 – Castelo do Coruto: entalhes feitos nas rochas superiores (foto: AMS).

Fig. 21 – Localização do castelo do Coruto na Carta Militar de Portugal (carta nº 144, escala base 1:25 000).

Fig. 22 – Perspectiva do Monte Coruto, visto sensivelmente de Sul (foto: AMS).

registada originalmente por Pinho Leal em 1874: “a gente destes sítios conta muitas maravilhas deste cabeço. Diz que houve nele um castelo de mouros e que aqui existem grandes riquezas encantadas. É tradição que em tempos remotos se chamava Crasto Alvarinho”. Não obstante, o dicionarista adverte: “examinei muitas vezes o Cruto com todo o vagar e não vejo ali o mínimo vestígio de qualquer casta de edifício” (LEAL, 1874). Com efeito, as evidências arqueológicas da ocupação antiga do Monte Coruto, naturalmente pouco perceptíveis a Pinho Leal, resumem-se apenas, para além do espólio cerâmico e de um ou outro silhar aparelhado visíveis à superfície do solo, a diversos cortes e entalhes nos penedos (Fig. 23), elementos que podem observar-se quer no topo do monte, área com escassa potência de aterro e uma superfície que não ultrapassará os 50 m2, quer na encosta. Natural-

Não obstante, nos tempos em que o autor do Portugal Antigo e Moderno demandou aquele morro pedregoso estes vestígios seriam por certo mais notórios, uma vez que a intensa exploração de pedra efectuada no local desde meados do século XX provocou expressiva destruição no sítio arqueológico, visível nas diversas frentes de pedreira ainda expostas. Nas últimas décadas, após o final da laboração das pedreiras, o sítio tem vindo a ser cercado por um conjunto de construções com idêntica afectação negativa, nestas se incluindo uma antena de telecomunicações, um pólo escolar, as piscinas municipais e algumas moradias particulares. A expansão do eucaliptal tem vindo igualmente a degradar os solos da estação arqueológica. Os materiais cerâmicos de superfície, que abundantemente se espalham pelas encostas, incluem fragmentos de panelas com cordões lisos, digitados e golpeados, asas de jarro decoradas com puncionamentos, fundos em disco (SILVA, 2011: 15) e outros exemplares que parecem apontar para cronologias afins das dos castelos de Valinhas e Carvalhais. Observações que fizemos há anos na sequência de um desaterro efectuado no sopé Nascente para uma construção particular, sugerem a existência de uma fase anterior de ocupação do cabeço, documentada por algumas cerâmicas de fabrico manual enquadráveis no Bronze Final/Ferro Inicial, designadamente alguns fragmentos de bordos denteados. Em pedreiras próximas registou-se o aparecimento de dois tesouros monetários. O primeiro, ocorrido entre 1965 e 1968, seria constituído por um conjunto de moedas bastante numeroso, aparentemente mais de um milhar, encontrado num recipiente cerâmico e que incluiria numismas do reinado de D. Dinis, segundo classificação de um estudioso local; um segundo tesouro terá sido localizado em 1977, sem que se conheça o seu enquadramento ou características. Como é comum em achados similares, as moedas foram na ocasião dispersas por particulares, não sendo por isso possível precisar o contexto ou a cro-

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nologia dos conjuntos numismáticos (VILAS BOAS et al. 1986). A importância geoestratégica deste ponto defensivo decorre certamente do seu amplo domínio visual do território envolvente e, muito especialmente, do controle de um troço da via, de ascendência romana (Fig. 24), que ligava a cidade de Viseu, atravessando o maciço da Gralheira, ao litoral (SILVA, 2004: 278,

Fig. 24 – Perspectiva da via de tradição romana, vendo-se ao fundo o castelo do Coruto (foto: AMS).

352). Em posição algo simétrica com o castelo de Carvalhais, o Coruto poderá igualmente ter representado um papel estratégico no quadro político-administrativo regional, uma vez que a sua implantação assinalaria eventualmente a linha divisória, ou pelo menos a confluência de territórios da civitas de Anegia, a Nascente, com a civitas de Santa Maria e depois, já no século XI, da terra de Santa Maria com a de Arouca, entretanto desmembrada de Anegia. Neste quadro, não nos é possível determinar o âmbito cronológico da sua ocupação, parecendo plausível que com a pacificação decorrente do afastamento da fronteira para a linha do Mondego (1064) e a fragmentação dos antigos territórios das civitates em terras, o seu significado militar tenha decrescido, podendo talvez ter sido abandonado poucas décadas depois ou, em contrapartida, ter ainda sobrevivido mais algum tempo em função desse seu posicionamento de charneira entre territórios. Conclusão Apresentados os castelos roqueiros por ora conhecidos na área do concelho de Arouca17, destaquemos sinteticamente algumas constantes e especificidades destes três sítios arqueológicos. Desde logo, a relação entre a geomorfologia da região de Arouca e os locais eleitos para a implantação destas fortificações evidencia-se de forma clara. As litologias de génese magmática, designadamente de granitos, que intruíram a vasta mancha de rochas metassedimentares que ocupa o território do concelho (SÁ et al. 2008: 17ss.), fornecem um conjunto de relevos residuais, por vezes tipo “caos de blocos” (CORDEIRO 1986; 2004), de grande destaque na paisagem envolvente e escarpas pronunciadas pontuadas de penedos, com excelentes condições naturais

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para a instalação das fortificações, cujas linhas defensivas estavam estreitamente articuladas com os imponentes rochedos aflorantes, sem prejuízo da provável coexistência com estruturas em madeira, naturalmente. Por outro, num plano mais simbólico, através desta apropriação das potencialidades defensivas naturais dos cumes pedregosos ou de outro modo dominantes na paisagem, os castelos roqueiros perpetuaram durante séculos de instabilidade, conflito e, ao mesmo tempo, de particular afirmação e reinvenção identitária das comunidades (quer as originais de raíz hispano-romana, quer as que por força das acções militares foram estimuladas ou coagidas a reinstalar-se em regiões diferentes), uma tradição milenar que associava os relevos mais marcantes do território a um estatuto de poder e controle espacial. Aliás, resta por entender – na linha heurística que expusemos na introdução – se essa simbólica dos altos se restringia aos castelos propriamente ditos, tendo em conta a quantidade de montes utilizados como referente de domínio na documentação da época18. Assim, e sem surpresa, verifica-se que os fundadores dos castelos de Valinhas, Coruto e Carvalhais elegeram sítios com ocupação anterior de vários milénios, pelo menos de raízes proto-históricas nos dois últimos e mesmo pré-históricas no caso de Valinhas. Até que ponto eventuais elementos pré-existentes, como fossos ou taludes, foram incorporados nas defesas medievas é questão difícil de esclarecer, sendo igualmente difícil determinar com exactidão o traçado das cercas defensivas, não obstante a evidência, nos três castelos descritos, de cortes e entalhes nos penedos feitos para assentamento de silhares. Não se adivinham nos castelos de Carvalhais ou do Coruto, mesmo sem escavações arqueológicas, quaisquer vestígios de torre ou cisterna, elementos expectáveis se aquelas fortificações tivessem perdurado e evoluído para modelos românicos. Já em Valinhas, castelo cabeça da terra de Arouca, a estrutura que se encontra em escavação poderá ter correspondido a um torreão, se bem que a pouca robustez do alicerce não pareça admitir alçado muito expressivo; do mesmo modo, construção idêntica poderá ter estado assente no amplo batólito que delimita a plataforma superior a Sudeste, mas os vestígios que o confirmem não são por ora evidentes. Em todos os casos, naturalmente, são muito mais as questões que o pouco que se depreende a partir das escavações ou se adivinha nos sítios que as não tiveram. Aguarda-se que o eventual recomeço dos trabalhos arqueológicos no Castelo de Arouca, interrompidos desde 2008 por falta de financiamento, e as pesquisas que possam fazer-se em Carvalhais ou no Coruto (aqui urgentes pela crescente degradação do sítio em resultado da urbanização envolvente) possam trazer algumas respostas às nossas dúvidas e iluminar melhor o papel daquelas fortificações nos tempos conturbados em que serviram a construção da nossa nacionalidade.

Castelos roqueiros da região de Arouca (Aveiro, Portugal) – contexto histórico e elementos arqueológicos

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NOTAS *

CITCEM: Centro de Investigação Transdisciplinar: Cultura, Espaço e Memória (UM/UP). [email protected]

** 1

mscribeiro29@ hotmail.com

PMH-DC 746, de 1091, referindo-se a eventos do séc. X.

2

Sítio 126 da Carta Arqueológica de Arouca (SILVA, 2004: 339-50). Long. O. 8o 15’ 52,521’’ Lat. N. 40o 56’ 8,748’’ (WGS84).

3

PMH-DC, nº 62. Cfr. a propósito FERNANDES, 1965: 28 e LIMA, 2004: 318.

4

PMH-DC, nº 432.

5

PMH-DC, nº 576, 922, 923, 927 e 947 e DP-3,13.

6

P.M.H. – Dipl. et Chart., nº 779.

7

DP, IV, nº 94. Cfr. COELHO, 1988: 202.

8

Coelho 1988. Vd., respectivamente, as páginas 194, 201, 222 e 235. 9

Ver apêndice final.

10

Por necessidade de contenção, dispensamo-nos neste estudo de ilustrar ou mesmo de descrever com maior detalhe o espólio arqueológico proveniente dos sítios abordados, tanto mais que o mesmo se encontra já ilustrado noutras publicações, de forma mais geral (SILVA; RIBEIRO, 1999; SILVA, 2004; SILVA, 2011) ou mesmo, no que se refere à cerâmica, através de estudos mais detalhados (SILVA; RIBEIRO, 2007; 2008; evp1; evp2). 11 A atestar a presença de estruturas em madeira no castelo, fossem de carácter defensivo ou simplesmente de nivelamento e acesso a áreas situadas em cotas diferentes.

12

Agradecemos ao Doutor João Tereso (CIBIOS) a classificação destas amostras e os oportunos comentários que nos fez chegar. 13

PMH-DC 392.

14

Sítio 123 da Carta Arqueológica de Arouca (SILVA, 2004: 351). Long. O. 8o 10’ 39,822’’ Lat. N. 40o 57’ 59,758’’ (WGS84). 15 Materiais arqueológicos que aliás pudemos observar na ocasião, por amabilidade dos Autores, o que naturalmente agradecemos. 16 Sítio 135 da Carta Arqueológica de Arouca (SILVA, 2004: 352).). Long. O. 8o 24’ 23,645’’ Lat. N. 40o 56’ 41,137’’ (WGS84). 17 Com efeito, temos indicação de mais um ou outro local que poderão ter constituído fortificações ou pontos de vigia medievais, mas ainda sem a devida confirmação arqueológica. O mesmo se passa com o Côto do Crasto, na freguesia de Mansores (Sítio nº 120 da Carta Arqueológica de Arouca: Long. O. 8o 22’ 19,527’’ Lat. N. 40o 56’ 3,357’’, WGS84), um cabeço a 407 metros de altitude, dominante sobre um alvéolo agrícola, que entendemos poder ter sido um pequeno castelo ou atalaia, sem que todavia os vestígios visíveis nos permitam sustentar devidamente tal interpretação (SILVA, 2004: 120; SILVA; RIBEIRO evp1). 18 Basta ver, a este propósito, a significativa quantidade de locais designados como “castelo”, “monte castelo” ou afins, sempre altos ou destacados da envolvente e, no Norte do País, quase sempre pedregosos, onde mesmo com busca minuciosa não se topa aparentemente evidência arqueológica de qualquer tipo.

Castelos roqueiros da região de Arouca (Aveiro, Portugal) – contexto histórico e elementos arqueológicos

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APÊNDICE

Castro de Valinhas/Castelo de Arouca – cronologia absoluta ANTÓNIO M. MONGE SOARES* JOSÉ M. MATOS MARTINS** Tabela 1 – Datas de radiocarbono para o Castelo de Arouca Ref. de Lab.

UE

Tipo de Amostra

δ13C (‰)

Data 14C (anos BP)

Sac-2762

520

sementes

-11,5

1000±40

Sac-2097

27

carvão

-24,8

920±35

Data calibrada* 1σ (cal AD)

2σ (cal AD)

992-1048 (55,9); 982-1151 (95,4) 1096-1118 (12,3) 1037-1087 (33,6);

1025-1184 (95,4)

1097-1105 (5,0); 1115-1158 (29,6) Sac-2100 Sac-2099

210 505

carvão carvão

-24,3 -24,8

860±35 870±35

1059-1063 (2,1);

1044-1095 (17,9);

1153-1212 (66,1)

1118-1222 (77,5)

1165-1220 (68,2)

1058-1086 (4,5); 1124-1139 (2,1); 1150-1259 (86,8)

Sac-2101

396

carvão

-22,5

890±35

1050-1084 (22,4);

1040-1217 (95,4)

1125-1137 (6,8); 1151-1210 (39,0) * A probabilidade dos intervalos componentes das datas calibradas encontra-se expressa em percentagem entre parêntesis.

Foram datadas por radiocarbono cinco amostras de carvão e uma de sementes de painço carbonizadas colhidas em escavação no Castro de Valinhas/Castelo de Arouca. Da UE 520 provem a amostra de sementes, bem como uma amostra de carvão, que foram datadas. As datas obtidas, respectivamente Sac-2762 1000±40 BP e Sac-2098 1120±35 BP, são estatisticamente diferentes. Uma vez que não houve qualquer análise antracológica desta amostra de carvão, a fiabilidade da data obtida é pequena, dado que se deve estar perante mais um caso do denominado “efeito da madeira antiga”. Por isso a data Sac-2762, obtida com a amostra de vida curta, é muito mais fiável e será só esta correspondente à UE 520 que será tomada em consideração. Na Tabela 1 encontram-se as datas obtidas. As datas convencionais de radiocarbono foram calibradas fazendo uso da curva de calibração IntCal09 (REIMER et al., 2009) e do programa OxCal v4.1.7 (BRONK RAMSEY, 2009). Utilizando uma estatística bayesiana, foram tomadas, como condicionantes aplicadas ao modelo usado para a calibração das datas convencionais, as correlações estratigráficas existentes entre as unidades donde provêm as amostras datadas. Assim, consideraram-se no modelo duas fases, onde as unidades estão em

sequência(1) (ver Fig. 1): sequência A, onde a UE 520 do Sector A é anterior à UE 27 do mesmo Sector; sequência B, onde a UE 210 do Sector B é anterior à UE 505 do mesmo Sector. A UE 396 (donde provem a amostra que deu a data Sac-2101), embora também do Sector B, não tem uma relação estratigráfica directa com as outras unidades donde foram colhidas as amostras datadas, pelo que a data Sac-2101 não foi inserida na sequência B. Da análise dos dados constantes da Tabela 1 ou da Fig. 1 poderá concluir-se que o primeiro momento de ocupação do Castelo de Arouca (UE 520) será datável do séc. XI ou da primeira metade do séc. XII d.C., embora ainda exista uma pequena probabilidade de o podermos recuar para o séc. X. Será, por conseguinte, de toda a utilidade a datação de mais amostras provenientes das unidades estratigráficas correspondentes a esses primeiros momentos (por ex., UEs 525, 530 e 373). Já as outras três datas do Sector B, bem como a data Sac-2097 do Sector A, são estatisticamente não diferenciáveis. Fazendo a soma das suas distribuições de probabilidade, tendo em conta o modelo atrás descrito, obtém-se: Para 1σ: 1050-1090 cal AD (18,0%); 1120-1140 cal AD (4,8%); 1150-1220 cal AD (45,3%) Para 2σ: 1030-1230 cal AD (95,4%)

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António Manuel S. P. Silva e Manuela C. S. Ribeiro

Fig. 1

Poderá, assim, concluir-se que as unidades estratigráficas em causa serão datáveis, com maior probabilidade, do séc. XII d.C. ou do primeiro quartel do séc. XIII d.C.

Agradecimentos O programa de datação pelo radiocarbono do Castro de Valinhas inseriu-se no Protocolo estabelecido entre o ex-IPA e o ITN tendo por fim o incremento da investigação em Arqueometria, pelo que se agradece aos dois Institutos o financiamento do programa em causa.

BIBLIOGRAFIA BRONK RAMSEY, C. (2001) – Development of the Radiocarbon calibration program OxCal. Radiocarbon. 43(2A), p. 355-363. BRONK RAMSEY, C. (2009) – “Bayesian analysis of radiocarbon dates”. Radiocarbon. 51(1), p. 337-360. REIMER, P. J.; BAILLIE, M. G. L.; BARD, E.; BAYLISS, A.; BECK, J. W.; Blackwell, P. G.; BRONK RAMSEY, C.; BUCK, C. E.; BURR, G. S.; EDWARDS, R. L.; FRIEDRICH, M.; GROOTES, P. M.; GUIL-

DERSON, T. P.; HAJDAS, I.; HEATON, T. J.; HOGG, A.G.; HUGHEN, K. A.; KAISER, K. F.; KROMER, B.; MCCORMAC, G.; MANNING, S.; REIMER, R. W.; RICHARDS, D. A.; SOUTHON, J. R.; TALAMO, S.; TURNEY, C. S. M.; VAN DER PLICHT, J.; WEHENMEYER, C. E. (2009) – “IntCal09 and Marine09 Radiocarbon Age Calibration Curves, 0-50,000 Years cal BP”. Radiocarbon. 51(4), p. 1111-1150.

NOTAS *

Laboratório de Radiocarbono, Instituto Tecnológico e Nuclear, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa, Estrada Nacional 10, 2686-953 Sacavém. [email protected] ** Laboratório de Radiocarbono, Instituto Tecnológico e Nuclear, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de

Lisboa, Estrada Nacional 10, 2686-953 Sacavém. [email protected] Fase e sequência têm apenas significado estatístico, são conceitos intrínsecos ao modelo (ver BRONK RAMSEY, 2001); não têm uma correspondência exacta com a arqueografia do sítio.

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