Silva Barbosa: Diário de um Voluntário na Guerra contra o Paraguai. Da defesa de São Borja à Morte de Francisco Solano López

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Silva Barbosa Diário de um Voluntário na Guerra contra o Paraguai Da defesa de São Borja à Morte de Francisco Solano López Mário Maestri Programa de Pós-Graduação em História, UPF. São comuns as reminiscências de veteranos imperiais sobre a guerra contra o Paraguai, sobretudo escritas anos após os sucessos. 1 São também comuns os diários institucionais de corpos militares, produzidos pelos oficiais responsáveis.2 Ao contrário, são raros e pouco ricos os diários de combatentes do Império sobre os tempos passados no Paraguai. 3 Não contamos com trabalhos como o de León de Palleja, oficial espanhol a serviço de Venancio Flores.4 Em geral, os soldados imperiais eram analfabetos e o diário íntimo não era literatura cultivada pelos oficiais, mais afeitos à poesia e à redação de cartas, raramente conservadas.5 A singularidade valoriza o relato sintético de Francisco Pereira da Silva Barbosa, sub-oficial e oficial inferior em batalhão de Voluntário da Pátria, do início ao fim do conflito.6 Francisco Pereira nasceu em 2 de abril de 1843, na fazenda Caximbau, em Serrinha, no Rio de Janeiro, mudando-se com a família para a fazenda Ponte Alta, em Barra Mansa, às margens do rio Paraíba do Sul. Em 25 de julho de 1858, com quinze anos, perdeu o pai, Zeferino Pereira da Silva, o que teria pesado sobre a saúde financeira familiar já que, dois anos mais tarde, com 17 anos, viajou para a Corte para trabalhar na casa comercial de João Henrique Urick, de 1860 a 1864.7 Sua família não teria condições para enviá-lo aos prestigiosos cursos de Direito e Medicina. Em 12 de novembro de 1864, o paquete imperial Marquês de Olinda, servindo a linha fluvial Montevidéu-Corumbá, foi detido pela marinha paraguaia. No ato, em protesto à invasão imperial da República do Uruguai, o governo paraguaio declarou guerra ao Império do Brasil,  

 

 

 

 

 

 

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Cf. por ex.: CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da campanha do Paraguay, (1865-1870). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.; JACEGUAY, Artur. Reminiscências da guerra do Paraguay. Brasília: Senado Federal, 2011; PIMENTEL, Joaquim B. de A. Episódios militares. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1978; TAUNAY, Alfedro. Recordações de Guerra e de Viagem. Brasília: Senado Federal, 2008; SILVA, José L. R. da. Recordações da Campanha do Paraguay. São Paulo: Melhoramentos, [1924]. Cf. por ex.: REBOUÇAS, André. Diário da guerra do Paraguai. (1866) São Paulo: IEB, 1973; BECKER, Klaus. Alemães e descendentes do Rio Grande do Sul na Guerra do Paraguai. Canoas: Hilgert, 1968; BELLO, Diário do Tenente-Coronel Albuquerque. Notas extraídas do caderno de lembranças do autor sobre sua passagem na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2011; OLIVEIRA. Manuel Lucas. Diário do Coronel […]. 1864-1865. Porto Alegre: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul; Est, 1997. Cf., por ex.: TAUNAY, Alfredo. Diário do exército, campanha do Paraguai (1869-1870). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2002; JACEGUAY, Arthur. De aspirante a almirante: 1858 a 1902. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1909. 1º Tomo. pp. 81-119; 143-285; ROCHA, Manuel Carneiro da. Diário da Campanha Naval do Paraguay. 1866. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 1999. PALLEJA, León de. Diario de la campaña de las fuerzas aliadas contra el Paraguay. Montevideo: Clásicos Uruguayos, 1960. 2 v. Cf. por ex.: LEMOS, Renato. Cartas da Guerra: Benjamin Constant na Campanha do Paraguai. Rio de Janeiro: IPHAN; Museu Casa de Benjamin Constant. 1999; FERNANDES, Ari Carlos. (org.) Coronel Chicuta: Um passofundense na Guerra do Paraguai. Passo Fundo: EdiuUPF, 1997; CUNHA, João. Guerra do Paraguai: indiscrições de um soldado: cartas do voluntário Miguel Antônio Freixo. Uberaba: Pinti, s.d. 1972; CÂMARA, Rinaldo Pereira da. O marechal Câmara: sua vida militar.Porto Alegre: IEL/SEC , 1979. Vol. II. DIÁRIO DA CAMPANHA DO PARAGUAI de FRANCISCO PEREIRA DA SILVA BARBOSA http:// www.forumnow.com.br/vip/mensagens.asp?forum=125774&topico=2964054. acessado em 10 outubro de 2015. Talvez a grafia correta seja João Henrique Ulrich [1814-1888], rico comerciante negreiro, político e diplomata português, radicado no Rio de Janeiro, em negócios com o comendador Joaquim de Sousa Breves e de seu irmão José de Sousa.

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enviando em fins de dezembro duas expedições ao sul da província do Mato Grosso. 8. Com a Argentina dominada pelos unitários, desde a derrota federalista na batalha de Pavón, em 17 de setembro de 1861, o controle imperial do porto de Montevideo poria sob sursis o comércio atlântico paraguaio. O Paraguai tinha disputas graves de fronteira e navegação, com o Império do Brasil, e de fronteira e autonomia, com a República Argentina.9 Como tradicional na época, as tropas do exército profissional de terra do Império do Brasil eram diminutas - 16 mil homens. Em geral, elas eram formadas por recrutamento forçado de libertos, mendigos, caboclos, capoeiras, delinquentes, etc., engajados por longos anos; por soldos miseráveis; sendo mal alojadas, mal alimentadas, mal vestidos. A disciplina era despótica, apoiada no castigo físico e, não raro, na pena de morte. O homem livre fugia do recrutamento no exército de primeira linha como o diabo da cruz!10 A grande tropa do Império era a Guarda Nacional, não profissional, em teoria formada por todos os homens livres proprietários, qualificados na ativa ou na reserva. Era força provincial, ligada aos municípios, responsável pela ordem interna. Apenas quando destacados, os guardas nacionais defendiam as fronteiras, em apoio à tropa de primeira linha. O exército profissional dependia do Ministério da Guerra; a guarda nacional, com mais de 400 mil homens na ativa, do Ministério da Justiça. A Guarda Nacional não podia ser enviada ao exterior. 11 Batalhões para Gente de Bem Para acrescer as tropas para a guerra, o governo imperial instituiu, pelo Decreto nº 3.371, de 7 de janeiro de 1865, os Corpos de Voluntários da Pátria, formados por voluntariado. Para tal, prometeu diversas vantagens. O soldo era melhor e os prêmios, significativos - 300 mil réis e data de terra, quando da desmobilização; pensão para a família dos falecidos; soldo dobrado aos “inutilizados”; prioridade nos empregos públicos; reforma como oficial honorário de primeira linha, eventualmente com o soldo; etc. 12 Os corpos de voluntários permitiam que os homens livres não se arrolassem junto aos desqualificados praças da primeira linha, em geral, homens pobres negros, mulatos, pardos, caboclos, índios, etc. A mobilização foi apresentada como defesa dos “brios” e da “honra” do Império do Brasil, invadido em forma “traiçoeira”, sem declaração de guerra. A invasão, sem guerra, pelo Império, da pequena República do Paraguai, era apresentada como defesa dos nacionais vivendo naquele país. O apelo às armas galvanizou em forma relativa sobretudo os segmentos médios, segundo parece, irregularmente quanto às diversas províncias. Arrolar-se como voluntário da pátria era aposta sedutora, devido os prêmios e vantagens, ao acreditar-se em guerra de curta duração. Era grande a desproporção entre o Império do Brasil, com uns dez milhões de habitantes e pujante produção cafeicultora exportadora, e o pequeno Paraguai, com uns 450 mil habitante, exportando sobretudo erva-mate.  

 

 

 

 

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MAESTRI, Mário. A invasão paraguaia do sul da província do Mato Grosso. CONTRAPONTO: Revista do Departamento de História e do PPG em História do Brasil da UFPI. Teresina, v. 2, n. 2, ago. 2015https:// www.academia.edu/16796955/A_INVASÃO_PARAGUAIA_DO_SUL_DO_MATO_GROSSO MAESTRI, Mário. A Intervenção do Brasil no Uruguai e a Guerra do Paraguai: A Missão Saraiva. RBHM, v. 13, p. 1-23, 2014. http://www.historiamilitar.com.br/artigo1rbhm13.pdf MAESTRI, Mário. Pranchada Infamante: Resistência ao Castigo Físico do Soldado Imperial na Guerra contra o Paraguai. 1864-1870. DE RAÍZ DIVERSA, v. 1, n. 2, oct.-dic., pp. 125-53, 2014. https://www.academia.edu/ 1 2 5 5 2 0 8 5 / P r a n c h a d a _ I n f a m a n t e _ R e s i s t ê n c i a _ a o _ C a s t i g o _ F %C3%ADsico_do_Soldado_Imperial_na_Guerra_contra_o_Paraguai._1864-1870 Cf. CASTRO, Jeanne B. de. A milícia cidadã: a Guarda Nacional. De 1831 a 1850. São Paulo: CEN; Brasília, INL, 1977; COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o exército, a guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Hucitec, 1996. Cf. DUARTE, Gal. Paulo de Queiroz. Os voluntários da Pátria na guerra do Paraguay. O comando de Osório. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1982. V.2, T.1.

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Destacar-se no serviço do Estado imperial era fundamental para obter favores públicos e ingressar e avançar na carreira militar, administrativa, eclesiástica, etc., raras formas de progressão social das classes médias não opulentas. O Jornal do Comércio, da Corte, de 8 de janeiro de 1865, noticiava: “Os voluntários inscritos em o livro, que se acha à rua dos Ourives […], vendo aproximar-se o termo glorioso em que o mesmo livro vai subir à augusta presença do nosso magnânimo Imperador […].” 13 O furor patriótico invadiu os jornais, conquistou os teatros, dominou os cafés, animou as tertúlias dos salões dos sobrados distinguidos. Senhoras e senhoritas bordaram as bandeiras dos batalhões que partiam dos portos provinciais após declamações de poesias, discursos, saudações, ajantarados e, finalmente, desfilar sob a fanfarra das bandas de música, através de ruas embandeiradas. Para o jovem de boa família, vestir uma elegante farda e partir para a guerra era uma verdadeira festa. Com 22 anos, vivendo no Rio de Janeiro, em emprego que renderia pouco e prometeria menos, Francisco decidiu apresentar-se como voluntário. Atrairiam-lhe as glórias e prestígio do ato patriótico; conhecer terras exóticas; os prêmios dos voluntários. Retornaria, logo, como veterano e oficial, coberto de honra, simpatia e favores. Se esse foi seu cálculo, ele fracassou redondamente. A guerra não foi passeio ameno e breve por terras estranhas, mas campanha terrível e longa. Teve pernas curtas sua progressão como oficial e a participação no conflito não lhe garantiu avanço social. Porém, a aposta, se houve, não foi de toda inútil, como veremos. Partindo para a Guerra Francisco desligou-se do emprego e viajou para despedir-se da mãe, quatro irmãs, três irmãos e tia-madrinha. Até 15 de fevereiro de 1865, teria sido o centro das atenções familiares, causando talvez frison entre as moças casadoiras. O ato patriótico prestigiava também a família. Após reunir-se, na fazenda do comendador José de Sousa Breves, poderoso escravista, em Pinheiros, à “grande quantidade de Voluntário” que desceu de Barra Mansa e Quatis", embarcou, em 16 de fevereiro, em comboio da Estrada de Ferro Dom Pedro 2º, para apresentarse no Quartel do Campo de Sant’Ana, na Corte, assentando praça, em 17, na 6º Companhia do 1º Corpo de Voluntários da Pátria da Corte. As companhias tinham cem homens e os batalhões, cheios, oitocentos. Corpo elitista, as tropas imperiais incorporavam os jovens segundo o status social. Filhos e netos de oficiais superiores ingressavam como cadetes, destinados à oficialidade superior.14 Francisco tinha pedigree, mas não muito. Imediatamente, em 18 de fevereiro, foi promovido a furriel [cabo], com direito ao uso do distintivo de “soldado particular”, privilégio de descendentes de oficiais e servidores civis inferiores. Seu pai fora alferes da Guarda de Honra do Imperador Pedro 1º e o avô paterno, guarda-mor [chefe de administração]. “O posto de furriel é o primeiro na escala ascendente dos postos de oficiais inferiores, e por ele devem começar os soldados particulares […]”.15 Por nascimento, franqueavam-lhe a promoção a sargento, tenente e, quem sabe, capitão. Em 5 de março, às 7 horas da manhã, após alguns poucos exercícios de guerra, o 1º Voluntários da Pátria da Corte, elegantemente fardado, marchou para o Arsenal da Marinha,  

 

 

13 ! Id.ib. volume 2, tomo 1, p. 1. ! 14 SOUZA, Adriana Barreto de. O Exército na consolidação do Império: um estudo histórico sobre a política militar

conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999. pp. ! SILVA, M. J. do N. e. Synopsis da legislação brazileira até 1878. Cujo conhecimento mais interessa aos empregados 15

do ministério da Guerra. Copilada da legislação impressa, do expediente dos diversos ministérios, das ordens do dia do Exército e de diferentes obras publicadas no Brazil e em Portugal. Por […] Chefe de secção da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra. Cavaleiro da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo e Oficial da Ordem da Rosa. Segunda Edição. Rio de Janeiro: Universal de E. & H. Laemmert, 1879. V. 1, p. 238.

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onde dom Pedro passou revista aos 743 voluntários, comandados pelo tenente-coronel João Manoel Menna Barreto [1824-1869]. O 1º da Corte fora uma iniciativa do Imperador. Engrossada por voluntários de outras províncias e estrangeiros, a tropa chegou no dia 9 no porto de Rio Grande. No dia 12, Francisco era promovido a 2° sargento. Em 24, parte do batalhão embarcava, em navio mercante, chegando em Porto Alegre, no 26. A seguir, partiria o resto da tropa no Apa.16 Já em Rio Grande, abria-se o hiato entre o prometido e o cumprido, entre as expectativas e a realidade. Foi ali, também, que começaram as deserções. Em 18 de março, o presidente da província sulina, João Marcelino de Souza Gonzaga, escrevia ao visconde de Camamú, ministro e Secretario de Estado dos Negócios: “Entre os voluntários da pátria vieram alguns estrangeiros engajados, gente pela maior parte viciosa e insubordinada. Logo que chegaram ao Rio Grande, e cometeram distúrbios e foram postos no xadrez. Queixaram-se aos seus respectivos cônsules, e estes representaram ao comandante da guarnição, que não eram alimentados e que o governo não cumpria o contracto de engajamento.” Reclamavam não lhes ter sido “entregado o prometido prêmio de 300$000 [trezentos mil réis].” O presidente ameaçava devolver ao Rio de Janeiro os insatisfeitos e insubmissos, talvez engambelados com a promessa da paga imediata do que seria dado aos que sobrevivessem ao fim da guerra! 17 A marcha em direção à fronteira teria sido penosa. O 1° da Corte aquartelou por algum tempo na capital. “O rio Guariba está muito baixo e há de ser difícil o transporte para Rio Pardo”. 18 Apenas em 15 de abril, João Marcelino oficiava, a David Canabarro, comandante da defesa da fronteira oeste, que o batalhão partira. 19 A tropa seguiu de barco até Santo Amaro e, dali, marchando, para Rio Pardo.20 Enquanto se dirigiam para São Borja, vestindo uniformes de verão, o outono cedia lugar a inverno chuvoso e frio. No diário apenas iniciado, Francisco propôs ser o batalhão formado por “soldados bisonhos [novatos], com pouco exercício”. Em 10 de julho, apenas acampados a uns doze quilômetros da vila de São Borja, o ten.cel. Mena Barreto foi informado que os paraguaios atravessavam o rio Uruguai, então, em grande vazão. Os praças deixaram as barracas e as mochilas e seguiram, municiados, “a toda pressa”, para o combate. No passo de São Borja, constaram que “parte da força” paraguaia atravessara o rio e, em “linha de batalha”, protegia a “passagem do restante da força”. Ao entrarem em combate, às 13:00, os voluntários do 1º da Corte foram recebido com “tiros de carabinas e a foguetes à cougréve” que passaram “rabeando por cima” de suas “cabeças”. O 1º da Corte Cobre-se de Glória Francisco registra estréia gloriosa. Estendido em linha de combate, o 1º da Corte teria mantido fogo durante meia-hora. Sendo grande a inferioridade dos voluntários, diante de seis mil paraguaios paraguaios, Mena Barreto comandou retirada ordenada para praça no centro de São Borja, colocando “piquetes em todas as ruas” para proteger a fuga dos civis. Com banda de música à frente, “como quem marchava para uma revista”, sob a vista e sem ser incomodado pelo inimigo, o 1º da Corte abandonou São Borja, “protegendo sempre as famílias”. Após  

 

 

 

 

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Carta do Presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Marcelino de Souza Gonzaga, ao Visconde de Camamú, Ministro e Secretario de Estado dos Negócios. Porto Alegre, 18 de Março de 1865. Documentos relativos à invasão da Província do Rio Grande do Sul. Mandados coligir pelo Ministério da Guerra para serem presentes ao Corpo Legislativo. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1866. p.. 23. 17 ! Carta do presidente da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Marcelino de Souza Gonzaga, ao visconde de de Camamú, ministro e secretario de estado dos negócios. Porto Alegre, 18 de março de 1865. Documentos relativo […]. Ob.cit. p. 23. ! loc.cit. 18 19 ! Oficio da presidência da província a brigadeiro David Canabarro, em 15 de abril de 1865. Documentos relativo […]. Ob.cit. p. 28. ! Cf. DUARTE, P. de Q. Os voluntários da Pátria […]. O comando de Osório. Ob.cit. V.2, T.1. p. 7. 20

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recuperar bagagem e mochilas, quando cada soldado apropriou-se do melhor que encontrou, o corpo marchara em forma compacta para a pequena vila de Itaqui, ao sul, também às margens do rio Uruguai. Outras versões sobre a estréia do 1º da Corte não coincidem com a de Francisco. O combate na margem esquerda do Uruguai não fora tão violento e demorado. Se os voluntários tivesse aguentado meia-hora, disparariam, cinco a seis vezes, contra o inimigo, uns 3.500 tiros. E teriam recebido muito mais, em resposta. Porém, a tropa teve apenas um cadete e dois ou três soldados feridos, segundo Francisco; cinco morto, de acordo a Mena Barreto, que fala de combate de uma hora.21 E, em bem da verdade, naquele momento, a artilharia e parte da tropa paraguaia encontravam-se ainda na outra margem, completando-se a passagem apenas no dia 12, quando se concluíra o abandono imperial de São Borja. Em carta de 13 de junho à esposa, o tenente da Guarda Nacional do Rio Grande do Sul, Francisco Marques Xavier, Chicuta, natural de Passo Fundo, apontou em sentido contrário: “O batalhão de Voluntários da Pátria [da Corte], no dia em que passaram os paraguaios [10 de junho] para este lado [do rio Uruguai], eles estavam uma légua [6,6 km] para cá de São Borja e dali seguiram em marcha e foram ao combate onde não resistiram nada. A primeira divisão deu fogo uma vez e tratavam de correr [de tal modo] que não houve mais como dar volta [...].” 22 O relatório do presidente da província ao ministro da guerra aproximou-se mais da realidade: “O 1.° batalhão de voluntários da pátria estava acampado duas e meia léguas de […] São Borja, e quando o seu comandante, tendo noticia da invasão, apressadamente pode chegar àquela vila, já o inimigo estava do lado de cá em número tão avultado, que temerária lhe era qualquer resistência. Assim mesmo tentou alguma cousa fazer; mas em balde, e teve logo de retirar-se para não ser aniquilado […].”23 Descrições presenciais dos fatos ensombraram ainda mais a estréia do 1º da Corte. Em 12 de junho de 1865, a uns doze quilômetros de São Borja, em retirada, o coronel comandante Antônio Fernandes Lima, noticiava a David Canabarro, seu superior, que, no dia 10, quando o 3º Batalhão de Infantaria se retirava, após galharda defesa do passo de São Borja, o 1.° da Corte, ao intervir na luta, deu uma “descarga e fugiu abandonando até o estandarte, que não ficou em poder do inimigo devido […] à coragem do alferes porta-bandeira, que, com quatro ou cinco praças” o haviam recuperado. 24 Francisco retocou suas impressões ao passá-las a limpo? Ou registrou versão otimista de estréia pouco dignificante, comum ao corpo? A contradição lembra a necessidade de confiança relativa, mesmo em narrativas presenciais de caráter pessoal, como o diário. Porém, foi possivelmente mais fidedigna a descrição de Francisco da retirada do batalhão até o rio Itu, próximo da vila de Itaqui. Ele registra marcha forçada, de dia ou de noite, transportando a carne crua das rezes carneadas, ao se abandonar acampamentos devido à proximidade do inimigo. O esterco seco substituía a lenha escassa necessária para assar o churrasco.  

 

 

 

A Patas de Cavalo 21 ! Cf. DUARTE, P. de Q. Os voluntários da Pátria […]. O comando de Osório. Ob.cit. V.2, T.1. p.13.

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! FERNANDES, Ari Carlos. (org.) Coronel Chicuta: Um passofundense na Guerra do Paraguai. Passo Fundo: EdiUPF, 22

1997. p. 50. ! Correspondência para Ângelo Moniz da Silva Ferraz, Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Guerra, do 23

presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Marcellino de Souza Gonzaga, Palácio do Governo em Porto Alegre, 9 de Julho de 1863. Documentos relativo […]. Ob.cit., p. 56. ! 24 Correspondência ao general David Canabarro, comandante da 1ª Divisão Ligeira, do coronel comandante Antônio Fernandes Lima, Commando da 1º brigada, acampamento no Capão do Açoita-Cavalos, distante de S. Borja légua e meia, em 13 de junho de 1865. Documentos relativo […]. Ob.cit., p. 69.

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O rio Itú foi varado, sob a pressão da chegada do inimigo, “com água pela cintura”, a “mochila à cabeça”, segurando-se em “laço que atravessava o rio”, preso em árvores nas duas margens. O major Carlos Betbezé de Oliveira Nery, substituto de Mena Barreto, ajudava aos renitentes a entrarem na água gelada, empurrando-os, “quase a patas de cavalo”. Finalmente, o batalhão reuniu-se “à salvadora Divisão Canabarro”, esperando por fim às “fugas precipitadas”. As tropas de Canabarro também retrocederiam até entregar, sem combater, à vila de Uruguaiana. David Canabarro e Fernandes Oliveira Lima foram objeto de conselho de investigação sobre o comportamento pouco honroso na defesa da província.25 Foi inglória a entrada do 1° da Corte, “roto e esfarrapado”, na vila de Alegrete, a uns 120 km. ao sul de São Borja, mais para o interior da província. Para passar revista, os que tinham a blusa e a calça em “melhor estado”, cediam o capote para cobrir os quase nus. As roupas de paisanos, de alguns praças, que emprestaram as fardas aos companheiros, eram cobertas pelos providenciais capotes. Soldados apresentaram-se “descalços e outros de alpercatas de couro cru, amarradas com correias também cruas”. Em Alegrete, o major Oliveira Nery assumiu plenamente o comando.26 Durante a marcha, no acampamento do rio Ibivocay [divisa de Alegrete e Uruguaiana], Francisco anota prisão, “pela primeira vez”, por levar “à formatura de parada”, como “sargenteante”, “soldado sem a competente escovinha”. Considerando injusta a pena, não se apresentou, “no dia seguinte, cedo”, “quando formava o Batalhão para exercício”. A “segunda falta” valeu-lhe nova punição. Ao requerer, em protesto, “baixa do posto de 2º Sargento”, o comandante respondeu-lhe: “Aqui não é casa do Papai e da Mamãe, onde se faz vontade.” Em 18 de setembro de 1865, assistiu a rendição paraguaia em Uruguaiana, sem combate, sem comentar. Em 27-8, seu batalhão varou o rio Uruguai e entrou na província de Corrientes. Em 2 de outubro, foi promovido a sargento ajudante. Em 18 de dezembro, tornou-se 1º sargento. Sempre por problemas com os superiores, requereu, duas vezes, a baixa de posto, que obteve, mais tarde, em 6 de fevereiro de 1866. Nesse momento, o batalhão tinha apenas 548 homens! 27 Não temos notícias da marcha do 1º da Corte para a “barranca do rio Paraná”, já que Francisco retoma o diário quase sete meses mais tarde, quando os aliancistas preparavam-se para invadir o Paraguai, defendido por exército diminuído pela derrota da expedição ofensiva.28 Em 11 a 18 de abril de 1866, na margem esquerda do rio Paraná, guarneceu as profundas valas das trincheiras da ilha da Redenção, sob forte bombardeio do forte paraguaio de Itapirú, na outra margem do rio. Ao verem a fumaça do grande canhão “Vovó”, os sentinelas imperiais gritavam “vem ela”, avisando a chegada da bala, que, ricocheteando, desmanchava os sacos protetores, cobrindo os soldados de areia, decepando cabeças, braços, pernas dos que se saíam das trincheiras para buscar água no rio. Fizera sentinelas “com água até os joelhos”. Querida por Solano López, a luta pelo controle da ilhota, de uns três quilômetros de largura, a 200-300  

 

 

 

25 ! GAY, Eduardo Pedro. A invasão paraguaia na fronteira brasileira do Uruguai, pelo cônego [...]. Comentada e

editada pelo major Sousa Docca. Porto Alegre: IEL/EST/UCS, 1980; Documentos relativo […]. Ob.cit. ! Cf. DUARTE, P. de Q. Os voluntários da Pátria […]. O comando de Osório. Ob.cit. V.2, T.1. p. 20. 26 27 ! Id.ib. p. 24. ! 28 JARDIM, Wagner Cardoso. Longe da Pátria: A invasão Paraguai do Rio Grande do Sul e a rendição em Uruguaiana

(1865). Porto Alegre: FCM Editora; Passo Fundo, PPGH UPF, 2014.

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metros do forte de Itapirú, causou enormes baixas nas tropas paraguaias, que não podiam proteger-se do fogo da artilharia naval imperial. 29 Em Território Inimigo Em 18 de abril de 1866, após demorar-se na província de Corrientes, o 1º da Corte atravessou o rio Paraná, chegando, após “alguns tiroteios pelo caminho”, ao Passo da Pátria, no Paraguai, defesa abandonada pelos defensores. A invasão começara dois dias antes. Em 2 de maio, participou do grande combate do acampamento de Estero Bellaco, quando Solano López abandonou as trincheiras para atacar tropas aliancistas superiores, com grandes baixas para ambos os lados, quando já escasseavam as tropas paraguaias. O 1º teria tido 37 mortos no combate. 30 Na batalha, Francisco perdeu pedaço da orelha esquerda, atingido por estilhaço de artilharia. Um tiro de fuzil lhe golpeou o tornozelo, sem aparentemente maior dano. Quando sentiu o golpe, negando-se a “baixar ao hospital de Corrientes”, terminou, dois dias mais tarde, no hospital do Passo da Pátria”, na “retaguarda do acampamento”, por 72 horas sem atendimento, comendo “tigela cheia d’água, com uma ou duas colheradas de arroz”. Reconhecido por Balbino de Oliveira, de sua companhia, que se desempenhava de enfermeiro, recebeu o primeiro curativo, melhor atenção e alimentação. Devido à “imundice” do hospital, “quantidade de sarnas” lhe deixou os “braços em chagas”, sem ser medicado. Dezenove dias após ser ferido, quase curado da orelha, o médico responsável anotou na “papeleta de alta” que tivera de “febres intermitentes” [malária]. A contusão no pé foi tratada com salmoura. Foi consenso geral, na época, o péssimo serviço médico imperial no Paraguai, responsável por milhares de mortes. Em 24 de maio de 1966, Francisco participou, em Tuyuty, da maior batalha travada no sul da América. Propondo antecipar-se à ataque aliancista, Solano López abandonou, outra vez, as defesas paraguaias e atacou tropas superiores e melhor armadas, levando seu exército à destruição. 31 O jovem anotou apenas dados obtidos sobre o número de combatentes e baixas. Também sem detalhar, registrou sua participação nos combates de 16 e 18 de junho de 1866. Não há registros sobre o período que vai de agosto de 1866 a setembro de 1867. Nem palavra sobre os sucessos de setembro de 1866: o ataque vitorioso à Curuzu; o pedido de paz de Solano López, em Yataity Corá; o desastre em Curupayty, que impôs longa inatividade aos aliancistas e a troca de direção das forças armadas imperiais.32 Temos como única anotação: “Durante o tempo que estive no Passo da Pátria fui prezo três vezes”, pelo major fiscal do batalhão, o “Gato”. No diário, registra sobretudo seus deslocamento, os combates que travou, as  

 

 

 

! CENTURIÓN, Juan Crisóstomo. Memorias o reminiscencias históricas sobre la guerra del Paraguay. Asunción: El 29

Lector, 2010. p. 161; OURO PRETO, Visconde. [A. C. de Assis Figueiredo]. A Marinha d'outrora: subsídios para a história. 3 ed. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1981; WERLANG, Pedro. Diário de campanha do capitão Pedro Werlang. BECKER, Klaus. Alemães e descendentes do Rio Grande do Sul na Guerra do Paraguai. Canoas: Hilgert, 1968. p.123. ! 30 RESQUÍN, Francisco Isidoro. Declaração do general [...], chefe do Estado Maior do Exército Paraguaio, feita no quartel general do comando em chefe do Exército Brasileiro, na praça de Humaitá, em 20 de março de 1870. A Reforma: órgão democrático, Rio de Janeiro, Ano 2, n. 102, 8 de maio de 1870; n. 115, 12 de maio de 1870; n. 106, 13 de maio de 1870. p. 1.; CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai. 1865-70. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980. p. 140; DUARTE, P. de Q. Os voluntários da Pátria […]. O comando de Osório. Ob.cit. V.2, T.1., p. 25. ! Declaração do general Francisco Isidoro Resquin […]. Ob.cit. p. 180; MARCO, Miguel Ángel de. La guerra del 31 Paraguay. Buenos Aires: Emecé, 2007. p. 30; THOMPSON, George. La guerra del Paraguay. Asunción: Servilibro, 2010. pp. 136-8. ! JACEGUAY, Almirante Arthur. De aspirante a almirante: 1858 a 1902. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1909. T. 32 1, p. 267; Declaração do general Francisco Isidoro Resquin […]. Ob.cit., p.1.; VERSEN, Max Von. História da Guerra do Paraguai. Belo Horizonte: Italiana; São Paulo: EdUSP, 1976. p. 87; OURO PRETO. A marinha d’outrora. Ob.cit. p. 145; CENTURION. Memoria [...]. Ob.cit. pp. 212 et seq.

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dificuldades que viveu. Em 20 de dezembro de 1866, o dizimado 1º da Corte confluiu no 23º de Voluntários. De Volta ao Diário As anotações reiniciam quando as tropas aliancista retomaram a ofensiva, um ano após Curupayty. Anota que baixou à Enfermaria Central, em 25 de março de 1867, “gravemente doente, com as febres intermitentes” [malária], e que recebeu alta, em 9 de abril, temendo registrarem na papeleta médica que fora tratado de ferida de bala! “Deus permita que não precise mais voltar ao Hospital”, anota. Em 20 de julho, marcham para Tuyu-Cuê, a nordeste de Humaitá, e, em 30, acampam em “Meia-Tampa”. A denominação devia-se a que, após dias à mingua, ali receberam “apenas meia tampa de farinha para dois dias”. Em 28, foi promovido, outra vez, a 1º sargento. Após marcha para San Solano, em 16 de setembro de 1867, próximo à Humaitá, participou dos grandes embates de 3 e 21 de outubro, que teriam levado praticamente ao desaparecimento da cavalaria paraguaia, segundo depoimento do general Isidoro Resquín, logo após o fim da guerra. 33 Em San Solano, fora preso, duas vezes, pelo Gato, devido a atraso de praças sob seu comando em desarmarem as barracas e, a seguir, por desaire para com aquele superior. Também teria tido problemas com tenente comandante da companhia. Francisco registra a marcha, em 30 de outubro, para Potreiro-Ovelha, e a participação, na manhã de 2 de novembro, no confronto de Tagy [Tayí], a 24 quilômetros a norte de Humaitá. Sob às ordens do general Mena Barreto, assalto à baioneta obrigou os paraguaios a abandonar a barranca, onde postavam artilharia, para serem massacrados e degolados na margem esquerda do Paraguai. A artilharia imperial, colocada naquela posição, afundou três barcos paraguaios que participavam do combate. 34 Em 13 novembro, acampados em Tayí, foi preso pelo Gato e, em 14, o batalhão marchou rio-acima, para destroçar a pequena força paraguaia que defendia Pilar, vila comercial na margem esquerda do Paraguai. 35 Em Pilar, inutilizou-se a tipografia do “Cabichuy”, “onde eram impressas as ordens de Lopes e muitas injurias contra nós”. O célebre periódico satírico, em guarani, com magníficas ilustrações, chegava aos aliancista nos bolsos dos paraguaios mortos, levados por desertores e, talvez, deixados pelos paraguaios como propaganda. 36Passando por Tayí e San Solano, Francisco e seu batalhão recuperaram as mochilas deixadas antes do ataque a Pilar, chegando, em 19 de novembro, a Tuyu-Cuê. A 17 de janeiro de 1868, Francisco participou de reconhecimento armado das fortificações do Estabelecimento, parte da defesa de Humaitá, regressando, no dia seguinte, a Tuyuty. Nesse período, teria recebido diversas ordens de prisão do tenente, não executadas por falta de “inferior” que aceitasse levá-lo à “Guarda da Frente”. Em Tuyu-Cuê, quartel general das forças imperiais, examinado com outros cadetes e sargentos, foi promovido a “alferes de Comissão”. Agora com o direito a um faxina, para servi-lhe como doméstico, Francisco escolheu o ex-enfermeiro Albino de Oliveira, citado amiúde no diário, sem qualquer informação sobre sua cor, procedência, idiossincrasias, etc. Grandes Combates, Poucas Palavras  

 

 

 

33 ! THOMPSON, George. La guerra del Paraguay. Ob.cit. p. 197; Declaração do general Francisco […]. Ob.cit., P. 1; ! 34 Campanha do Paraguai. Diários do Exército em Operação. Sob o comando em chefe do Exmo. Marechal de Exército

Marquez de Caxias. Acampamento de Tuiuti, marcha para Tuiu-Cuê. Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro. t. 91, vol. 145, 1922. pp. 128 et seq.; CENTURIÓN, J. C. Memorias [...]. Ob.cit. p. 265 !35 BELLO, Diário do Tenente-Coronel Albuquerque. […]. Ob.cit. p. 227; WERLANG, Pedro. Diário de campanha do capitão Pedro Werlang. […]. Ob.cit. p.129. ! 36 Cf., sobre o Cabichuy. SILVEIRA, Mauro César. A Batalha de Papel: A charge como arma na guerra contra o Paraguai. 2 ed. Florianópolis: UFSC, 2009.

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Em 18 de fevereiro, o agora alferes participou de reconhecimento armado das trincheiras [do esteiro] de Rojas, planície alagada separando as defesas paraguaios e aliancistas, onde as águas iam e vinham segundo as chuvas e o nível sobretudo do rio Paraguai. Em 21, participou do combate das defesas de Sauce, ao sul de Humaitá, descritas a partir da “Parte do General Argolo”. Em 2 de março, à noite, Solano López e parte das tropas, abandonavam Humaitá, com armas e tralhas, alcançando o Chaco, na outra margem do Paraguai.37 No dia 24 de março, anotou marcha para Curupayty, ante-sala de Humaitá. Em 2 de maio, registra que foi ferido, em um dedo, ao se exercitar com a espada, obtendo seis dias de isenção das obrigações - “disfarce do serviço”. Informa, com mais detalhes, seus problemas de disciplina. “Na prontidão de 6 de julho, o tenente Guimarães (português), mandou formar à noite a minha companhia, muito antes da hora marcada […].” Ao não efetivar a ordem, sob os “protestos do tenente”, recebeu ordem de prisão e foi posto “à ordem do comandante”, sem ser recolhido à prisão. “À tarde do dia 7, deu em Detalhe do Corpo a prisão e no mesmo Detalhe a soltura.” Em 16 de julho, integra reconhecimento armado de Humaitá, mantendo-se no cerco daquela defesa até 26, quando ingressam no Quadrilátero, encontrando apenas paraguaios feridos. De 16 a 25, as tropas e os civis que permaneciam no forte cruzavam o rio, despercebidos. 38 Em 27 de julho, participou do ataque àquelas tropas que, após deixarem Humaitá, foram embretadas, na ilha Poí, no Chaco. Em 5 de agosto, assiste a rendição dos troços daquela força, atacada e bombardeada incessantemente. O jovem voluntário Dionísio Cerqueira visitou as trincheira, registrando décadas mais tarde o resultado da resistência desesperada: “Homens e mulheres, velhos e crianças em pedaços, com olhos vazados, lábios arrancados, pernas e braços dilacerados, crânios furados com os miolos de fora, os ferimentos mais horríveis […]. Uns, deitados no chão úmido sem uma rama sequer; outros, os menos mutilados, encostados a troncos de árvores. ”39 Em 7 de agosto, o alferes e sua tropas cruzaram o rio de retorno a Humaitá, marchando, em 19, para o Passo do [arroio] Jacaré, onde chegaram, em 28. Em 2 de setembro, vararam o rio Tebiquary [Tebicuary], entrando, em 3, no acampamento paraguaio de San Fernando, apenas abandonado, onde viram “grande quantidade cadáveres insepultos […], mandadas fuzilar por [Solano] Lopes, poucos dias antes […]”. Eram os acusados de conspiração contra a continuação da guerra, que começara a ser desvelada após a expedição naval imperial à Asunción, após o forçamento de Humaitá, em 19 de fevereiro de 1868.40 Em 8 de setembro, Francisco e seu batalhão partem, chegando no [arroio] Suruby-hy, em 24 , onde participaram, em 1º de outubro, do reconhecimento do [arroio] Pickcery [Pykysyry], em Angustura, defesa levantado à margem do rio, sob o comando do coronel inglês George Thompson, a uns 130 km ao sul de Asunción e a 200 ao norte de Humaitá. Em 30 de setembro, foi censurado por escrito, pelo tenente comandante, e, em outubro, por ordem do mesmo, foi preso na “guarda da Divisão”, junto a outros oficiais. “[…] em uma espessa mata, próxima ao grande rio, lugar bastante saudável, […] passei seis dias bem disposto, divertindo-me […] a pescar e a tomar banhos no rio.” A anulação de sua denúncia foi seguida de repreensão àquele tenente, pelo major fiscal, seguida de achincalhação do mesmo, pelo denunciado e outros oficiais inferiores.  

 

 

 

37 ! Declaração do general Francisco Isidoro […]. Ob.cit. p. 1; VERSEN. História [...]. Ob.cit. p. 124. !38 THOMPSON, George. La Guerra del Paraguay. Ob.cit. p. 233; Campanha do Paraguai. Diários do Exército em

Operação. Ob.cit. p.464. 39 ! OURO PRETO. A marinha d’outrora. Ob.cit. p. 202. !40 CENTURIÓN. Memorias […]. p. 289-90; MASTERMAN, G. F. Siete años de aventuras en el Paraguay. Buenos

Aires: Americana, 1870. p. 199

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A Travessia Um “dedo do pé arruinado” garantiu a Francisco “disfarce do serviço nos dias 20, 21 e 22 de novembro. Em dia 21 de novembro, seu batalhão embarcou para o Chaco, no porto de Palmas, na margem esquerda, desembarcando em Santa Tereza, na margem direita.41 Após a marcha pelo novo caminho mandado construir por Caxias, foi deixado, em 5 de dezembro, em Santo Antonio, a uns quinze quilômetros acima de Angustura, de volta à margem esquerda. Outros quinze mil soldados fizeram o mesmo trajeto. 42 O caminho no Chaco, de uns vinte quilômetros, fora aberto, por 23 dias, constituído em boa parte por troncos de árvores lançados sobre o terreno semi-inundado. 43 Surpreso com o desembarque inimigo a uns dezesseis quilômetros ao norte de sua defesa, em 5 de dezembro, Solano López enviou o general Bernardino Caballero, com uns 4. 500 cavaleiros e infantes e doze canhões, para guarnecer a ponte de Ytotoró, impedindo o avanço aliancista pela retaguarda. Em torno da ponte de Ytororó se feriu um dos mais violentos combates da guerra, com umas duas mil baixas imperiais. 44 Na madrugada de 6 de dezembro, Francisco, recuperado do “pé arruinado”, participou do combate da ponte, defendida pelo inimigo. Devido à boa posição paraguaia, o 23º de Voluntários, no qual convergira os restos do 1º da Corte, 20 de dezembro de 1866, foi quase “destroçado”. Na reserva, o corpo ficara na “estrada, a descoberto, em coluna”, sob o “fogo do inimigo”, esperando que as tropas que estava à frente avançassem.45 Aliviados ouviram o toque “Avançar” - ao “menos íamos morrer combatendo e não como carneiros”, imobilizados! Sob os olhos de Caxias, o batalhão atravessou a ponte, “debaixo de balas, cheio de cadáveres e feridos”. “[…] poucos momentos depois, o inimigo começou a recuar e nós a avançarmos até uma clareira, onde por duas vezes formamos em quadrado”, para não “sermos picados pela cavalaria inimiga” que atacara pela retaguarda, através de picada na mata. Em “quadrado”, a infantaria antepunha compacto bloco de fuzis e baionetas à cavalaria. O batalhão fora avisado da chegada da cavalaria paraguaia “por toques de corneta”. Nesse combate, Francisco foi elogiado na parte do seu comandante, com quatorze outros alferes. 46 Designado para a ronda, à meia-noite, devido à chuva, Joaquim procurou o poncho que deixara “enmalado” com roupas em uma árvore próxima, anotando que “talvez tivesse desertado para o inimigo”. Impunha precaver-se de furto, sobretudo de apetrechamento regular, motivo de punição. Na manhã seguinte, vestiu as roupas do Albino, que enxugou em fogueira a sua farda molhada. No dia seguinte, o faxina comprou-lhe por oito mil-réis um “velho poncho”, talvez de um dos muitos cadáver que a cavalaria retirava “do fundo do riacho” para enterrar. Ele foi lavado, devido às manchas de sangue. O 23º de Voluntários passou o 7 e 8 de dezembro abrindo valas e arrastando para elas as centenas de cadáveres de mortos em Itororó. Recebendo pouca ração, foi assaltada plantação próxima de mandioca e milho verde, suficiente para diversos dias. Nesses dias, Francisco comprou cigarros de fumo ordinário, a “fuzileiros”, a 800 réis cada. Em 9 de dezembro, o batalhão rompeu marcha à 1:30 da madrugada, alcançando os dois corpos de exércitos imperiais, às 8:00 horas, que se prepararam para ataque geral ao inimigo, às 14:00. O ataque  

 

 

 

 

 

41 ! Cf. DUARTE, P. de Q. Os voluntários da Pátria […]. O comando de Caxias. Ob.cit. V.3, T.1. p. 18. 42 ! OURO PRETO. A marinha d’outrora. Ob.cit. p. 204. 43 ! Campanha do Paraguai. Diários do Exército em Operação. Ob.cit. p. 593. !44 Id.ib. pp. 568 et seq. ! Cf. DUARTE, P. de Q. Os voluntários da Pátria […]. O comando de Caxias. Ob.cit. V.3, T.1. p. 20. 45 ! DUARTE, P. de Q. Os voluntários da Pátria […]. O comando de Caxias. Ob.cit. V.3, T.1. p. 22. 46

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sequer ocorreria no dia seguinte, devido à muita chuva. No dia 11, pela manhã, iniciou-se “a grande Batalha de Avay”, sempre sob forte aguaceiro. Além de Itororó Os aliancistas marcharam para as defesas de Pykysyry, a uns dezesseis quilômetros da ponte de Itororó. Solano López insistiu que Caballero desse batalha em posição indefensável, em um amplo vale, cortado pelo raso rio Avay. Os 5. 600 paraguaios foram mortos, aprisionados e executados, após o combate, perdendo um terço das tropas de, em boa parte, velhos e adolescentes. Na luta, general Osório foi gravemente ferido no maxilar. 47 Francisco quase não se refere ao combate, anotando, sobretudo, que, no dia 11, deixaram os capotes encharcados pela chuva e partiram morro acima, até próximo a Villeta, combatendo sob a chuva. Ele seria novamente citado, junto com treze outros alferes. Após a luta, sem barracas e capotes, mas sem chuva, dormiram felizes, em “macias camas de ramos verdes e ainda molhados”, cortados em uma “das chácaras vizinhas”. No dia seguinte, ao retornarem para buscar os capotes, esforçando-se cada em fazer uma boa troca, Albino obteve um em melhores condições que as de seu “Itororó”. Em 14 de dezembro, chegavam as mochilas e barracas, deixadas no noutro lado do rio Paraguay, em Santa Tereza. Desde 21 de novembro, dormiriam sob a chuva ou ao relento! A uma hora da madrugada de 21 de dezembro, o 23º dos Voluntários marchou para Lomas-Valentinas, última posição paraguaia, aquém de Asunción. Às 12:00 do dia 22, cercaram e apertaram as trincheiras inimigas, aparentemente desertadas. Às 14:00, ao avançarem, receberam “chuveiro de balas” da artilharia, “mascarada”. “Combatendo com o Batalhão em um dos Carreiros”, Francisco foi atingido no ombro por “pedaço de metralha”, que saltara os “miolos do soldado” à sua frente. Além da “dor da pancada forte”, recebeu respingos de sangue e troços dos “miolos” do “companheiro”. Meia-hora mais tarde, passou a espada para a mão esquerda, não podendo sustentá-la com a direita. Às 17:30, foi enviado ao hospital de sangue na retaguarda, onde a pancada foi tratada com salmoura. No dia 22, pela manhã, restabelecido, Francisco participou dos embates que teriam se dado, dia e noite, das 14:00 de 21 até a tarde de 27, quando da fuga“precipitada” do “dictador”, “que se achava à mesa” ao receber o “aviso que havíamos galgado a ultima trincheira”. Solano López teria deixado servido “bons doces e vinhos que a soldadesca aproveitou”. Ele e seus companheiros chegaram apenas para a “sobremesa”. Encontraram no acampamento alguma aguardente, fumo e surrões de melado. Em 30 de dezembro, Francisco e seu batalhão assistiram a rendição da defesa de Angustura, junto ao rio, fortemente artilhada, comandada pelo major inglês Geoge Thompson. No dia seguinte, marcharam para Villeta e, em 3 de janeiro, para Asunción, onde chegaram no dia 5, sendo preso, novamente, nos dias 7 e 9. No dia 7, seu batalhão partiu para a vila de Luque, nas imediações de Asunción, e dali, para Juquery [Yuquery], onde paraguaios postados em vagões, com pequena peça de artilharia, anteposto à locomotiva, atacaram a tropa, sem baixas. Passou 14 e 15 de março preso, por faltar ao “alarma”. Em 17 de março de 1869, de volta a Asunción, o 23º de Voluntários partiu, às 17:00, no “Silvado”, Paraguai-acima, chegando ao porto da vila de Rosario, em 19, às 16:00 horas, onde embarcou no “Colombo”, que o deixou, em Potreiro Iponã, no dia seguinte. Em 22, partiu para a vila de San Pedro [de Ycamandiú], ao norte, onde ficou por dias em marchas e contramarchas. “[…] próximos à Villa de S. Pedro, apareceram mais de cinco mil mulheres e crianças  

! TAUNAY, Visconde. Cartas da Campanha: a Cordilheira, Agonia de López. 1868-1870. São Paulo: Melhoramentos, 47

1922. P. 47; DUARTE, General Paulo de Queiroz. Os voluntários da Pátria [...]. Ob.cit. p. 26, Vol.1.

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[…] refugiadas nas matas, para livrarem-se dos castigos e da morte”, caso não seguissem López - registrou, exacerbando nos números. Em 30 de março, após breve marcha, o batalhão atacou paraguaios postados no Potrero Tupiun, um “campo plano com pequeno matagal”, combatendo com “água acima dos joelhos”. Os defensores teriam morrido, quase todos, no combate e ao atravessavam o rio, de “forte correnteza”, servindo de “manjar às gordas e saborosas piranhas”. Em 7 de abril, de volta à Luque, roubaram-lhe, à noite, de sua barraca, “apenas” sua espada. Registrava a diferença do combatente que se desapertava do que necessitava, do larápio que roubava o que podia ao companheiro de farda. Em 31 de maio, de volta a Sargento-Lombas [sic], mataram a fome que começavam a “sentir pela escassez da carne e farinha”, com o gado gordo tomado ao inimigo. Em 3 de junho, Francisco partiu para San Pedro, com o faxineiro, para ocupar-se do equipamento do corpo que ali ficara. No dia 9, chegando seu batalhão, mudaram-se, todos, no dia 11, para a vila, onde talvez se aboletaram. No dia 13, marcharam para Potrero Iponã, através de “continuidade de banhados que parecem ser um só”, bebendo soldados sedentos a água, já “pura lama”, devido à passagem da tropa. Em 18 de junho, o esquadrão de cavalaria que seguia com seu batalhão arrebanhou muito gado e alguns cavalos. No dia 23, não podendo ser embarcados, sangraram mais de quinhentos animais, “aproveitando os soldados só as línguas”, para nada deixar ao inimigo. Trocaram-se os cavalos magros e gastos por descansados e gordos, imolando-se os descartados a punhal dentro de caudaloso rio. Em 23, o batalhão embarcou para Asunción, onde chegaram no dia seguinte. Até então, as tropas imperiais haviam avançado ao longo do rio Paraguai, que permitia fácil abastecimento. Solano López e seu cada vez mais esquálido exército acamparam no sopé dos serros pouco elevados da Cordillera, a leste de Asunción, adentrando-se a seguir nessa região pouco habita e explorada, seguidos pelas tropas imperiais, sobretudo. Em nova marcha, Francisco e seu batalhão pousaram em 4 de julho, na vila de Luque; no dia 5, em Areguá, a uns 30 km. a leste de Asunción; no dia 6, em Passo das Canoas, onde acamparam, por semanas, em Taquaral. Em 2 de agosto, pernoitaram na vila de Pirajú [Pirayú], em 3, na vila de Paraguary [Paraguarí], a sudeste., alcançando o inimigo, no dia 4, no “reducto” de Sapucahy [Sapucaí]. O 23º de Voluntários abriu picada na mata para surpreender pela retaguarda o inimigo que, de sobreaviso, abandonou a posição e algumas das últimas “peças de artilharia”, “fundidas por eles”, para “entrincheiraram-se nas matas de Valenzuelas”. [sic] O batalhão pernoitou na boca da mata, tomando às 10:00 horas de 6 de agosto de 1869 aquela defesa, “depois de um bom e forte ataque”. As tropas passaram o dia 7 em Valenzuela, pequeno povoado, no departamento da Cordillera, marchando, então, para noroeste, até alcançar, no dia 10, o “Forte de Peribebuy”. Desde dezembro de 1868, aquela pequena vila, de poucas ruas, a uns sessenta quilômetros a sudoeste de Asunción, era a capital do Paraguay. Trincheiras rústicas, com baluartes nos ângulos, defendiam a vila que guardava os arquivos e parte do tesouro da República. Quando a coluna Solano López abandonou a aglomeração, ela passou a ser defendida por velhos, jovens, crianças e mulheres. Francisco anotou que, na vanguarda do Exército, durante a marcha, de 4 de agosto, da vila de Sapucaí, até o dia 10, em Piribebuy, seu batalhão fora mal alimentado, não recebendo a ração “magra e parca [de] carne”, por questões burocrático-administrativas. Essas regiões eram pouco habitadas e produtivas, mesmo em tempos normais. Nas aforas de Piribebuy, o faxineiro de Francisco comprou no comércio - “uma carrocinha de aventureiros que acompanhava o exercito” - uma “garrafa de aguardente, com muita pimenta do reino para ficar forte, por cinco mil-reis, uma libra de açúcar mascavo bruto "

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de 3ª, por cinco-mil réis e cinco bolachas, das de bordo, a dois mil-reis cada uma”.48 Francisco pusera-se à mesa, em sua barraca, com o amigo Pimenta e o faxineiro, quando “dois colegas”, já sem meios para recorrer ao “comércio”, por não saberem “guardar as loiras” [libras], “atraídos” pelo “cheiro da cachaça”, convidaram-se ao banquete. À meia-noite de 10 agosto, o batalhão marchou para Barrero Grande [hoje Eusebio Ayala], na margem direita do arroio Piribebuy, a doze quilômetros, onde chegou às 6:30 do dia 11, para opor-se a falso anúncio da chegada da cavalaria paraguaia. Às 20:00, o batalhão retornava a Piribebuy. Naquele dia, seu faxineiro e outros soldados atacaram mandiocal em morro, sob o errático fogo dos defensores de Piribebuy. Ele e seu círculo íntimo comeram mandioca, à farta, com a cachaça sobrante. Na madrugada de 12 de agosto, após “fortíssimo canhoneiro”, Francisco participou do assalto às trincheiras da vila, ocupada rapidamente e com poucos mortos, devido ao péssimo armamento dos defensores, que possuíam, quando muito, “espingardas de pederneiras”.49 Os assaltantes foram feridos sobretudo nas mãos e rostos, por cacos de garrafas, pedras, areia e armas brancas, lançados pelos paraguaios semi-desarmados. O faxineiro do comandante de sua companhia morreu ferido de pedrada na cabeça. Sobre o parapeito posterior da trincheira, Francisco recebeu pedrada no ombro direito, onde fora ferido, caindo atordoado no fundo da trincheira. Seguira no combate com carabina sem dono. Relata que oficiais e soldados deixaram o combate para saquear o “ouro, prata, cobre e papel” do povoado. Ali estava “todo o dinheiro papel que Carneiro de Campos conduzia para Mato-Grosso” ao ser aprisionado, no Marquês de Olinda, em novembro de 1864, segundo o jovem alferes, sem “declaração de guerra”. O governo imperial impedira a circulação dos bilhetes de elevado valor, publicando suas numerações. Através do faxineiro, fez bom negócio, trocando oito libras esterlinas por 160 mil-réis em patacões, com um dos saqueadores. Devido ao peso, as abundantes moedas de prata eram trocadas pelas de ouro pela metade do valor. Em 13 de agosto, atrás de Solano López em fuga, o batalhão marchou para [a vila de] Caácupê, a treze quilômetros a noroeste de Piribebuy, para onde voltaram, no dia 15, seguindo, a seguir, para Barrero Grande, onde desalojaram “partida de inimigo” que se refugiou na mata de vila de Coroguatahy [Caraguatay]. Em 16 de agosto, por ordem de Solano López, sob o comando do general Caballero, um exército de seis mil veteranos estropiados e, sobretudo, de velhos e crianças, enfrentou e foi massacrado em Campo Grande, uma planície larga, sem vegetação, de uns dez quilômetros quadrados, favorável à ação da cavalaria e da artilharia imperial. 50 Era a última batalha da guerra, que chegava, nos fatos, ao fim. No dia 18, as forças imperiais adentraram-se na mata de Canguipurú [sic], assenhorando-se de trincheiras paraguaias, após renhido combate, obtendo muitos prisioneiros, apesar de alguns escaparem, atravessando o rio diante da vila de Caraguatay. No combate, Francisco portou a bandeira do Batalhão. Após a derrota em Campo Grande, Solano López  

 

 

48 !

Cf. por ex., CENTURIÓN, J. C. Memorias [...]. Ob.cit. p. 380; TAUNAY, Visconde. Cartas da Campanha: a Cordilheira, Agonia de López. 1868-1870. São Paulo: Melhoramentos, 1922. p. 91. ! Cf. MAESTRI, Mário. Piribebuy, a capital mártir: história, historiografia e ideologia na Guerra do Paraguai. Estudos 49 Ibero-Americanos (PUCRS. Impresso), v. 29, p. 32, 2013. https://www.academia.edu/10966000/ Piribebuy_a_capital_mártir_Piribebuy_a_Capital_Mártir_História_historiografia_e_ideologia_na_Guerra_no_Parag uai ! A Reforma, Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1869, ano 1, nº 94, p. 3 50

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recuara pelo caminho de Caraguatay, deixando novecentos homens, sob o comando do coronel Hermoza, na boca da picada. Talvez fosse essa a força a que se refere Francisco.51 Próximo dali, navios de guerra paraguaios, incapazes de subir o rio, devido a vazante, haviam sido incendiados, dois dias antes, quando o “Dictador Lopes com seu numeroso EstadoMaior” prosseguira a fuga, devido à chegada dos aliancistas. Dois navios ainda ardiam em chamas. Os restos dos vapores Yporá, Salto Guairá, Paraná, Piraveve, Rio Apa e da canhoneira imperial Anhambay, capturada no Mato Grosso, encontram-se expostos no parque Nacional Vapor Cué. Cansado, Francisco não foi com os colegas à vila de Caraguatay, próxima do acampamento, para “render homenagem às belas caraguatienses que escaparam da fúria de Lopes”. “Hoje, 20 [de agosto], livre dos arranhões e da fadiga das marchas, fui passear” na vila “encontrando muitas famílias da alta aristocracia de Assumpção". Entre elas, estava a “linda irmã de Rivarola”, que fora “provisoriamente”, “colocado na Presidência da Republica”. A jovem chorara de alegria ao saber que o irmão era o presidente do Paraguai, eleito pelos generais inimigos. Em 15 de agosto, quase oito meses após a conquista da capital, quanto esmoecia a derradeira resistência no interior do país, os comandos imperial e argentino nomearam “governo provisório”, com Cirilo Antonio Rivarola, Carlos Loizaga e José Antonio Bedoya, eleitos por 21 paraguaios ilustres. Em 17 de agosto, o governo colaboracionista decretara o mariscal López “desnaturalizado paraguayo” e “asesino de su pátria y enemigo del gênero humano”.52 Rivarola fora preso por cinco anos, por conspiração. Incorporado como sargento depois da derrota de Lomas Valentinas, foi aprisionado pelos imperiais em Cerro Léon, em 25 de maio de 1869, tornando-se líder do partido imperial. Loizaga e Bedoya, refugiados em Buenos Aires, participaram da formação da Legión Paraguaya portenhista. Muito logo, Loizaga e Bedoya deixaram o governo e viajaram para Buenos Aires. Também Rivarola governaria pouco, engolido pela crise estrutural nascida da destruição social e econômica do país. Em 23 de agosto, o 23º marchou para Piribebuy para recolher seu material, onde chegou, em 26, às 23:00, mal alimentado, naquele e no dia anterior, recebendo apenas “carne e farinha”, em 27. Outra vez, o super-faxineiro obteve, “por bom dinheiro, “pedaço de pão velho e negro e […] de salsichão e um pouco de carne fumada”. O obtido no saque em Piribebuy tomava o caminho dos bolsos dos comerciantes espertalhões. Em 1º de setembro, o 23 de Voluntários e o 3º de Linha marcham por Barrero Grande e Venezuela, acampando, em 5, na vila de Iguateetemy [Yguatemí], onde, à noite, Francisco foi roubado, outra vez, de sua espada e telim, substituído por velha, emprestada por superior. Ao partir, a tropa recebeu três rações diárias de carne-seca e farinha. Já no terceiro dia, a tropa começou a alimentar-se de ervas, o que foi geral no quarto dia. No quinto, encontrou verdura, palmito e alguma carne magra, consumidos rapidamente. A alimentação de fortuna dos soldados melhorou em algo ao atravessar o rio Tabicuary e chegar à vila de Itapê, a uns sessenta quilômetros de Piribebuy, a partir de onde o batalhão foi acompanhado por “centenas de mulheres e crianças”, de “famílias paraguaias que viviam nas matas, ocultas para evitar seguirem o exercito”. “Achavam-se mal vestidas, porém, com suas roupas de algodão clara bem lavada.” Muitas mulheres, semi-nuas, vestiram os “palitós”, camisa, calça, etc. cedidos pelos soldados, marchando nas filas do batalhão.  

 

! Declaração do general Francisco Isidoro Resquin [...], 20 de março de 1870. A Reforma [...], n. 105, 12 de maio de 51

1870. P. 1. ! HERRERA, Luís Alberto de. El drama del 65. La culpa mitrista. Buenos Aires: Homenaje, 1943. P. 75; Cotegipe a 52

Paranhos, Rio de Janeiro, 29 de março de 1869. PINHO, W. (Org. ) Cartas do Imperador D. Pedro II ao Barão de Cotegipe. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. p. 74.

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No dia 13, na periferia de Vila Rica [Villarrica], a 215 quilômetros a sudeste de Piribebuy, foram recebidos por “velhinho” à frente de “alguns meninos rufando tambores, ferrinhos e flautins”, além de grande número de populares. A coluna atravessou a vila e acampou no lado oposto, já sem os acompanhantes. Ficaram “senhores de uma bela povoação e cercados das graciosas atenções das mais belas filhas do País […]”. As lindas “Guarenhas", quando claras, falavam o guarani e o espanhol; quando “moreninhas”, apenas a “língua natal”. Todas seriam “bem educadas, instruídas, civilizadas e muito amáveis”. No processo de confraternização, os brasileiros já arranhavam “um pouco o espanhol e mesmo algumas palavras de guarani”. Em 24 de setembro, depois de nove dias naquele “paraíso”, “já esquecidos os sofrimentos passados”, soldados e oficiais partiram de Villarrica, seguindo em sua “nobre missão” [sic], deixando para trás, “inconsoláveis, as inteligentes e belas Guarenhas”. A memória paraguaia reteve os abusos sofridos pelas mulheres, sobretudo durante a Campanha da Cordillera, ao entrarem as tropas invasoras em contato estreito com a população. Não raro, registro de combatentes imperiais abordam esses sucesso, propondo em geral prédisposição das paraguaias para com os vitoriosos. Violências que conheceram ampla graduação da coerção, da abertamente física à imposta por situações de todo tipo. Dionísio Cerqueira escreveu, sem pudor, sobre as horas sucessivas à queda de Piribebuy: “Ao passar debaixo de um laranjal, vi mulheres escondidas na ramalhada, transidas de pavor, algumas com os filhos nos braços. Em baixo, soldados convidavam-nas a descer, e elas, como o galo da fábula, desconfiavam das lábias das velhas raposas, que aliás, é de crer, não tinham desejos sanguinários.” 53 Partindo em 24 de setembro, após passar por Tehiquary-Mirim [sic], o batalhão chegou, em 28, na pequena vila de Caaguassú [Caaguazú], a quinhentos metros sobre o nível do mar, desprovido de viveres. A uns seis quilômetros do acampamento, comprou-se melado e rodelas de mandioca, secas ao sol, de um casal de velhos granjeiros. Em 1º de outubro, a tropa retomou a marcha, chegando, após três dias, na vila de San Joaquin, na margem esquerda do arroio Piri Poty, onde acampou. Junto à estrada viam-se umas sessenta minúsculas choupanas de sapé, abandonadas, destinadas às mulheres e crianças das “principais famílias da República”, obrigadas a ali residir e produzir seus alimentos. Eram em geral mulheres e filhos de acusados ou suspeitos de conspiração ou traição.54 Acampado em San Joaquin, o batalhão alimentou-se com os palmitos da “jeribás” e, quando eles terminaram, passou-se a entregar aos soldados troncos da árvore, de dois metros, que, sovados fortemente, produziam massa branca, transformada em farinha, depois de seca ao fogo. “Fechos de ervas”, fervidos algumas vezes, “pondo-se fora as primeiras águas”, produziam condimento para o mingau de farinha, enriquecido com alguns pedaços de couro de arreios, de tiras utilizadas na construções das casas, etc. Os raros animais destinados à alimentação começavam a ser devorados antes de mortos. “Para toda a Divisão apenas” carneavam “quatro rezes” que, ainda correndo e presas ao laço, perdiam o rabo, o beiço ou “outro qualquer” pedaço do corpo em que a “afiada faca” alcançasse. Em 16 dias, receberam apenas “quatro vezes farinha de mandioca”, “um punhado” de milho e “uma colher de sopa” de sal, para oito dias! O comandante mandou entregar o milho dos animais da artilharia à tropa, que o consumia cru, temendo o roubo ou que torrasse, ao ser assado. O casal de chacarero de  

 

53 ! CERQUEIRA, General Dionísio. Reminiscências da campanha do Paraguai (1865-1870). Rio de Janeiro: Briguiet,

1929. p. 327. ! 54 Cf. ALCALÁ, Guido Rodríguez. Residentas, destinadas y traidoras: Asunción: Servilibro, 2010.

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Caaguazú foi roubado de tudo, pelos soldados. Os cachorros do batalhão foram churrasqueados, inclusive o “29”, mascote da 2ª Companhia, que aparecera, no Rio Grande do Sul, no “dia em que desertava o soldado numero 29”. Após dezessete dias de fome, soldados morriam de inanição. A fome entrou pela porta e os desertores saíram pela janela. Na noite de 15 de outubro, contavam-se mais de cem desertores, soldados e oficiais, apenas do 23º. Partia-se, não temendo o inimigo, mas em busca de comida. Para Francisco, não eram verdadeiras deserções, ao procurarem batalhões fora do circulo infernal da fome. Ele não desertara, o via como inaceitável para um oficial, por ter os pés em chagas, devido ao muito que andara descalço, sem montaria. Desertores dos batalhões famintos se dedicaram ao saque, em bandos, e aqueles que se apresentavam, eram castigados com duzentas a trezentas espadoadas. 55 Francisco teria, afirmou, desertado apenas por “coleguismo”, pois o previdente faxineiro sempre lhe arranjara algo para comer, mesmo pouco, obtendo um “pedaço de orelha, beiço, couro ou qualquer outra iguaria”, devido à “agilidade” de sua “mão” e “faca”, tudo preparado “às ocultas, por causa dos amigos”. “Durante o dia e mesmo à noite”, apreciava “um cigarrinho preparado”, “de um dedo de fumo de rolo” que comprara de “um gringo por um patacão” [moeda de 960 réis]. Denunciado pelo cheiro do fumo, cedia uma tragada [fumaça] ao pedinte, com “o cigarro entre os [seus] dedos”, por precaução. Sem nada que fazer, os soldados passavam a noite e o dia sovando palmeiras. A fome devera-se a graves erros de logística. Sem as providências anteriores necessárias, o conde d’Eu procurou por fim ao virtual monopólio que os portenhos Ambrosio Lezica e Anacarsis Lanús gozavam no abastecimento das tropas imperiais. Sob escusas, os riquíssimos fornecedores não constituíram depósitos de víveres no pé da Cordilheira, impondo a fome às tropas e, a seguir, a retomada dos contratos. 56 Lê-se no diário de Francisco: “Graças a Deus estamos em preparativos de viagem e já estou muito melhor dos pés”. Partiram em 19 de outubro, após dezesseis dias acampados, alimentando-se durante a marcha com o “couro de velhas cangalhas”, “lascas de couro” de casebres abandonados, “algumas ervas e laranjas azedas”, comidas cruas ou “assadas”, com o “bagaço para render mais”. A fome se manteve apenas durante os primeiros dias de marcha, encontrando-se a seguir “grandes surrões de melado e enormes pedras de sal, escondidos em uma mata”. Em 23 de outubro, após o batalhão acampar ao meio dia, o faxineiro desapareceu, acordando Francisco, silenciosamente, às duas da manhã, para comerem como “abade”, “frango assado, lombo de porco, raspa” etc. Os restos do banquete foi transportado no jumento que conduzia suas barracas e mochilas. Os alimentos haviam sido roubados por Albino e três outros “camaradas”, em uma casa, longe do acampamento, “ocupada” por um velho, posto sob vigilância, e algumas mulheres. Com a ajuda das mulheres, obtiveram “raspas de mandioca, sal, melado e alguns temperos”. A seguir, degolaram galinhas, pelaram capadinho, prepararam a refeição, consumindo os miúdos e a cabeça dos animais, junto com as paraguaias. O faxineiro dissera não terem tocado no dinheiro e jóias encontrados. Um momento das violência que a população sofreu nas mãos dos invasores. Em 24 de outubro, retomando a marcha, acamparam na vila de San Estanislao (Santany), em região mais habitada e cultivada, encontrando roças de feijão, imediatamente assaltadas. Com porco, galinha, melado e mandioca de reserva, Francisco e o serviçal não participaram do  

 

55 ! WERLANG, Pedro. Diário de campanha do capitão Pedro Werlang. BECKER, Klaus. Alemães e descendentes do

Rio Grande do Sul na Guerra do Paraguai. Canoas: Hilgert, 1968. p.149 ! TAUNAY, Visconde. Cartas da Campanha: a Cordilheira, Agonia de López. 1868-1870. São Paulo: Melhoramentos, 56

1922. p. 69.

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saque ao feijoal. Precavido, o faxina levantara a barraca no meio do mato, para concluírem em paz a refeição de “abade”. Antes de chegarem à vila de Itacuruy [Itacurubí], encontraram grande mandiocal, assaltado com fúria. Soldados adoeceram e dois morreram ao comer a mandioca crua, que se acreditava ser brava. Os que a assaram bem nada sofreram. Em 28 de outubro, após um dia de marcha, chegaram em Rosario, à margem do rio Paraguai. Soldados e oficiais encontravam-se com o “ventre todo inchado, devido ao mingau e a farinha de palmito de San Joaquim”. Doente e com os pés em chagas, Francisco reivindicou animal de monta. Como muitos haviam sido abatidos e devorados, eles faltavam até mesmo para puxar a artilharia. Foi-lhe concedido apenas marchar na retaguarda com os doentes, o que fez, apoiado em um “bom cacete”. Sem ambulâncias, os doentes mais graves ficavam para trás, permanecendo insepultos os corpos dos mortos. Na “viagem fiquei bastante desanimado, tendo momentos de deitar-me com tenções de não mais levantar-me, preferindo ser degolado pelo inimigo”. Francisco chegava à noite ao acampamento, estropiado, onde o prestativo camarada lhe transportara a bagagem, armara a barraca, preparara algo de comer. Ingrato, agradece à Nossa Senhora da Conceição Aparecida pelas facilidades, e não ao faxina, que talvez lhe salvou a vida! Francisco dividia a barraca com o “tenente Pimenta”. Em 7 de novembro, Francisco deu parte de doente e, para não “baixar ao Hospital”, apresentou-se, no dia 9, ao comandante, que o dispensou do serviço, ao qual retornou no dia 28. Em 17 de dezembro, foi destacado para o porto de Rosario. Em 6 de janeiro de 1870, foi promovido a tenente em comissão, por bravura nos combates de agosto. No dia 13, embarcou com o batalhão no Guaycurú, chegando à tarde em Potreiro-Iponã, acampando diante de San Pedro e, a seguir, na praça da matriz da vila. Resfriado, tomou “suadouro com escalda-pés de cinza”, ministrado por paraguaia dona da casa onde pernoitou. Talvez tenham se aboletado nas casas do povoado. A resistência paraguaia agonizava. À frente de coluna de algumas centenas de combatentes que se esvaia por mortes, fome, doença, deserção, Solano López se aprofundava nos ermos da Cordillera, já próximo da fronteira com o Mato Grosso. Havia algum tempo, o conde d’Eu, deprimido, implorava inutilmente ao imperial sogro para retornar à corte, à frente de batalhões de voluntários da pátria, em uma espécie de triunfo tupiniquim .57 Obrigado a permanecer no Paraguai, abandonara o comando da perseguição à esquálida coluna paraguaia de Solano López ao general rio-grandense Correa da Câmara.58 No diário, anotou: “O nosso Batalhão deveria, mais adiante, fazer junção com a Divisão do General Camara em perseguição a Lopes. Infelizmente, esta madrugada, chegou o 9º Batalhão de linha para nos render, devendo todos os corpos de Voluntários recolherem-se” de volta ao Brasil, diretamente para suas províncias, quando possível. Em 19 de dezembro, sob chuva, o batalhão chegou a Iponã ao escurecer, acampando em vargem enlameada. Francisco e o faxinas forraram a “barraca com grande quantidade de ramos verdes molhados”, lavando as pernas “impregnadas” de lama, que circulava na barraca, sentados à “entrada” da mesma. O capote molhado serviu para forrar os ramos também molhados. No dia 20, foram levados no vapor Conde d´Eu para Rosario. Francisco registra que, apesar do seu estado, na sumária revista médica, o “ilustre” “médico atestara-lhe apenas uma  

 

! 57 Conversa de Cotegipe com Tavares Basto, em 25 de fevereiro de 1870. Paranhos a Cotegipe, Asunción, 29 de

novembro de 1869. PINHO, W. (Org. ) Cartas do Imperador D. Pedro II ao Barão de Cotegipe. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. p. 196; CALMON, Pedro. O rei […]. Ob.cit. p. 266. ! MAESTRI, MÁRIO. Quem matou Mariscal? Cerro Corç, 1º de março de 1870: Entre a Histîória e o mito. Tempos 58 Históricos. ● Volume 18, 1º semestre de 2014, pp. 334-387.https://www.academia.edu/13584857/ quem_matou_o_mariscal_cerro_corá_1o_de_ março_de_1870_Entre_a_história_e_o_mito

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“grande catarreira", sem lhe medicar, já que ela desapareceria com o tempo. Perguntava-se qual seria o tratamento dado aos soldados, se atendiam de tal modo os oficiais! Lembra que, em Tuyuty, doentes tidos como “prontos” pelos esculápios em uniforme, amanheciam “mortos na barraca”! Seu comandante, autorizado, estabelecera enfermaria do batalhão em um grande galpão, para que os doentes fossem tratados por enfermeiros e estudantes de medicina sob supervisão. Os raros bons médicos ficavam nos hospitais e no quartel general, cabendo aos “estudantes” os batalhões, com suas marchas, combates, fomes, etc. O Regresso para Casa “Aqui estamos ansiosos e à espera de vapor que nos conduza à Pátria” - anotou Francisco sem registrar a data. Em 28 de fevereiro de 1870, dois dias antes do assalto final no descampado de Cerro-Corá, praticamente cinco anos após se apresentar como voluntário, Francisco e o 23º partiram no vapor Werneck, chegando no mesmo dia em Asunción, de onde, em 1º de março, seguiram viagem, atracando em Vila de La Paz, em Entre Rios, em 4. Sem desembarcar, prosseguiram para Montevidéu, avistada em 7 março. Em Montevidéu, o batalhão soube da morte de Solano López, em Cerro-Corá. Francisco Pereira sugere a amargura de não participar do último combate. “[…] pagou com a vida as crueldades que teve para com os míseros paraguaios, […] que de agora em diante gozarão de liberdade. […] Coube esta glória ao 9º Batalhão de Infantaria de Linha que há poucos dias nos rendeu em San Pedro.” Em 12 de março, sob viva agitação, os membros do batalhão desembarcaram em Santa Catarina, onde, à noite, os oficiais participaram de soirée dançante. No dia 17, partiram de Desterro, desembarcando, dois dias mais tarde, na baía da Guanabara, pernoitando no Quartel da Armação, em Niterói. No dia 20, nosso herói obteve permissão para se tratar na Corte de “frieira arruinada” que impedia calçar a botina. Em 9 de abril de 1870, dissolveu-se o 23º Corpo de Voluntários da Pátria, no qual convergira o antigo 1º da Corte e outras tropas. O jovem tenente foi “agraciado com o hábito de Cavaleiro da Ordem da Rosa” e medalha da ordem, entregue pelo tio, Joaquim José Ferraz de Oliveira, barão de Guapi (c. 1830-1893), proprietário rural em Barra Mansa. Voluntário da Pátria, Francisco Pereira recebeu o título de tenente honorário do Exercito. Um Guerreiro sem Descanso Ao acabar as anotações sobre a guerra, Francisco informou que foram feitas a lápis e que transcrevera o escrito “já muito apagado”, possivelmente à tinta, em 9 de abril de 1870, ou seja, quando da dissolução do 23º. De volta à vida civil, seguiu o diário, com anotações telegráficas, até poucos anos antes de morrer. As informações posteriores informam as dificuldades em progredir, de um “homem branco”, de “boa família”, mas sem recursos, no Brasil monárquico e, a seguir, republicano. 59 Nosso herói tentou o comércio, em cidades do interior do Rio de Janeiro, sem grande sucesso. Teve também pouca fortuna na exploração de casa de bilhares, grande diversão na época, enquanto assumia responsabilidades públicas menores. Por longos anos, foi funcionário administrativo de ferrovias. Casando-se com jovem órfão, sem fortuna, fundou uma grande família, que se desdobrou para sustentar. Tudo aponta para o fracasso da participação na guerra como estratégia de melhoria social, caso seu arrolamento tivesse também esse objetivo. Francisco partiu com 22 anos para guerra que esperava curta, voltando cinco anos mais tarde, com 27. A gratificação certamente se tornara desprezível, diante do tempo perdido e mazela sofridas. Sem progredir como oficial,  

! 59 A vida civil de Francisco Pereira da Silva Barbosa. http://www.myheritage.com.br/FP/newsItem.php?

s=24527501&newsID=31

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possivelmente devido à insubordinação, ou se destacar suficientemente para chamar a atenção da administração imperial, não teria tido impulso na vida civil e pública, nascido da participação na guerra. Um seu filho foi ser caixeiro e as filhas cursaram, algumas sem sucesso, a Escola Normal. Já velho, endividou-se com familiares para comprar casa no Rio de Janeiro. Entretanto, segundo parece, seu voluntariado teria aberto caminho largo a alguns de seus filhos, garantindo-lhe, já homem maduro, prestígio. Três deles ingressaram no Colégio Militar, facilitados certamente pelo pai ser tenente honorário do Exercito e veterano no Paraguai. Demócrito e Cleisthenes atingiram o generalato no Exército e Sosthenes, o almirantado na Armada. Não era pouco para o jovem caixeiro empregado em casa de ex-comerciante de escravos.

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MAESTRI, Mário. Diário de um Voluntário na Guerra contra o Paraguai. Da defesa de São Borja à Morte de Francisco Solano López. SQUINELO, Ana P. (Org.) 150 anos após - A Guerra do Paraguai: entreolhares do Brasil, Paraguai, Argentina e Urugui. Campo Grande-MS: Ed.UFMS, 2016. pp. 109-136. V. I.

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