SILVA, G.V. Europa tem “postos avançados” nos Oceanos. Jornal o Mundo: Geografia e Política Internacional, seção Cartografia do Poder, edição Março, 2016: p. 9. Site: http://www.clubemundo.com.br/web/

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REFERÊNCIA SILVA, G.V. Europa tem “postos avançados” nos Oceanos. Jornal o Mundo: Geografia e Política Internacional, seção Cartografia do Poder, edição Março, 2016: p. 9. Site: http://www.clubemundo.com.br/web/

EUROPA TEM “POSTOS AVANÇADOS NOS OCEANOS Gutemberg de Vilhena Silva Especial para o Mundo

No Caribe, no Atlântico e no Índico, territórios franceses, portugueses e espanhóis desempenham funções geopolíticas definidas pela União Europeia. Nas últimas décadas, a geopolítica mundial foi marcada pela proliferação e fortalecimento de mecanismos de integração regional para reequacionamento da balança de poder global no pós-Guerra fria. A União Europeia é emblemática porque se trata do caso mais evoluído em termos de integração entre os países signatários. Seu atual nome e seu conjunto geral de diretrizes de funcionamento, embora com evoluções e adaptações, percorridas em mais de meio século, foram estabelecidos pelo Tratado de Maastricht, em 1992. Indo para além dos espaços contínuos deste bloco europeu, no final da década de 1980 foram estabelecidas diretrizes para as chamadas Regiões Ultraperiféricas (RUPs), que são territórios pertencentes a países da União Europeia, mas geograficamente distantes da Europa. Atualmente, as RUPs são dez: as três régions francesas do ultramar (Guadalupe, Reunião e Mayoette), as quatro coletividades ultramarinas francesas (Guiana Francesa, Martinica, Saint Martin e Saint Barthélemy); duas regiões autônomas portuguesas (Arquipélago de Açores e Madeira); e as Ilhas Canárias, uma comunidade autônoma espanhola (veja o mapa). O Tratado de Maastricht fixou dispositivos institucionais específicos para as RUPs, que enfrentam problemas estruturais singulares. Entre estes problemas, destacam-se o afastamento demasiado dos centros de decisão política de seus países, a reduzida dimensão do mercado interno e a forte dependência econômica em relação a um pequeno número de setores produtivos.

As RUPs são reconhecidas como postos territoriais avançados da União Europeia no mundo, desempenhando um papel geopolítico na proteção das rotas marítimas da Europa e na defesa de suas fronteiras externas, o que é claramente uma estratégia geopolítica. Vistas em conjunto, elas representam 2,3% da superfície terrestre da União Europeia. Além disso, localizam-se em posições geográficas privilegiadas em três oceanos e mares distintos (Caribe, Oceanos Atlântico e Índico). Esse privilégio diz respeito principalmente à gestão internacional de oceanos e às relações de boa vizinhança com um número considerável de países como Brasil, Índia e África do Sul. Em termos marítimos, as RUPs representam mais de metade da zona econômica exclusiva (ZEE) da União Europeia, com uma reserva potencial dos recursos marinhos de 15 milhões de quilômetros quadrados. Tal potencial equivale a um laboratório marítimo de profundidade relevante para o bloco europeu, que pode ser explorado em domínios como a segurança alimentar, a luta contra as alterações climáticas, a energia e a biotecnologia. Além disso, estes territórios atuam também como parceiras estratégicas para a implementação de programas de cooperação em vários continentes, inclusive com o Brasil por meio da Guiana Francesa, uma região ultraperiférica francesa que possui 730km de linha de fronteira com o Brasil (a mais extensa fronteira da França). A biodiversidade das RUPs também é geopoliticamente relevante. Ela possui um potencial nas áreas da saúde, da biomedicina e de fármacos, dos cosméticos e muitos outros setores como o dos materiais de construção ecológicos e o da madeira. Existem condições, em várias regiões, para desenvolver fontes renováveis de energia, desde os bicombustíveis até energia eólica, solar, geotérmica ou fotovoltaica. O desenvolvimento das RUPs é pautado pela execução de ações e políticas públicas direcionadas pela União Europeia desde o início da década de 1990, com o objetivo de promover sua coesão econômica e social. Tem-se, neste caso, diretrizes gerais que se

desdobram em seis eixos centrais e suas correspondentes fontes de financiamento e focos específicos (ver Figura).

Tais medidas específicas para as RUPs, apresentadas como estratégia para assistência e desenvolvimento, enfatizam os temas da acessibilidade, competitividade e integração regional, sendo ainda previstas medidas como a redução do impacto das restrições das economias locais, do emprego, da inovação, da reforma econômica e do desenvolvimento sustentável, além do apoio à agricultura e à pesca. Quanto à integração regional, destaca-se o Plano de Ação para a Grande Vizinhança (PAGV), criado com o intuito de estreitar laços político-econômicos com os países que são vizinhos e/ou estão situados no entorno das RUPs. Novamente, o caso mais relevante é o da vizinhança do Brasil com a Guiana Francesa. A criação de estratégias de articulações e acordos internacionais entre os países europeus contribuiu para a dinamização institucional e econômica de suas fronteiras, conferindo-lhes uma nova dimensão geopolítica: a da cooperação transfronteiriça. Contudo, as políticas europeias de apoio ao desenvolvimento econômico e social das RUPs não lograram muito êxito até agora. As especificidades de tais regiões afetam seu potencial econômico e reduzem sua capacidade de funcionar como correias de transmissão dos interesses geopolíticos globais da União Europeia. Gutemberg de Vilhena Silva é professor de Geografia Política na Universidade Federal do Amapá e bolsista de Pós-Doutorado do CNPq no exterior.

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