SIM 108 Caminhos & Máscaras

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BELÉM, DOMINGO, 9 DE AGOSTO DE 2015

OLIBERAL

MAGAZINE  11

sim

VICENTE CECIM

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Caminhos & Máscaras

O mundo perdeu o Tao e o Tao perdeu o mundo

já é insuportável. E então se levanta e se abre a janela para ver, afinal, o que está acontecendo? E se vê: - Toda a cidade sendo devorada por um incêndio como Roma – e se ouve gritos, em vez dos ecos da lira de Nero. Então, se abre a porta e se corre para as escadas – não use o elevador em caso de incêndio, se lê de passagem o aviso – e é tarde demais, impossível descer. E o sonhador de aparências sobe aos céus em Chamas subitamente lançado de cara no chão da realidade. Considere isso uma fábula, que concebi apenas para ilustrar a advertência de Spinoza. E ainda não uma Profecia.

CHUANG TZU

S

em dúvida, as Palavras criam realidades. Mas são suficientes para dizer o mundo? Agora elas nos serviram para levantar essa questão. Servirão também para nos dizermos, homens, uns aos outros? Nos dizermos os caminhos humanos que, cada um em si, somos? Quando a dobra de uma esquina lança subitamente um outro diante de mim, primeiro me pergunto: - Que caminho é esse outro? E só depois, talvez, pergunte diretamente a ele: Que caminho és tu? Conforme a resposta à pergunta – que esse outro também se fará, com Temor ou Curiosidade, ao mesmo tempo que eu – nossos caminhos passarão um pelo outro sem se tocarem, e sumimos um do outro na próxima esquina, e também na distância do tempo em nossas memórias. Ou nossos caminhos se unirão por longos ou breves passos, cadência harmonizada dos encontros humanos – mas, ah, há tantas encruzilhadas na Vida. E eles partirão um do outro na primeira encruzilhada em que um deles for tentado a seguir sozinho – em busca de outro caminho humano. Por companhia. Parece que antes os cami-

nhos humanos já foram de terra mais consistente. Agora se tornaram tão líquidos. Não sente a mesma coisa? Caminhos de outros que ainda ontem pareciam ter se unido profundamente aos nossos, como se houvessem se fundido em um só, entre um piscar de olhos e o próximo somem nesse breve espaço noturno, e quando os olhos outra vez se abrem nos vemos novamente sós. Não era o Caminho do Céu, do Tao chinês, pois na Terra os homens vagam por seus labirintos. Então, acontece. Mas o pior é quando o meu caminho é absorvido pelo caminho de um outro, devorador, desses que saltam diante de nós gritando: - O caminho e a vida! - e desaparece para mim – e faz de mim um eu sem eu, o que é a mesma coisa que dizer um eu sem caminho. Isso também acontece, nas encruzilhadas humanas. Mas ainda pior é a absorção coletiva, esse assalto praticado com as armas e a política e o dinheiro, que reduz todo um povo a um nós sem nós. Nessa condição é que Elias Canetti nos descreve, em Massa e Poder, em melancólica fila indiana, cegos seguindo cegos – com a vã esperança de que aquele que tomou

Falsificar as coisas, perder a natureza EsquizoImagem do Autor o Poder de nos conduzir e vai na frente – quem sabe? – esteja se orientando por alguma Luz. Que não vemos. Mas confiamos em que ao menos ele vê. Pois se é o nosso guia. Seria tão cruel a ponto nos conduzir a todos para o seu Abismo? Por Solidão, ou Medo da Solidão, é que não caminhamos na nossa própria Companhia, em nosso próprio caminho? Talvez assim nós tornássemos os pequenos passos de uma única multidão? Isso de caminhos. Valerá ao menos uma reflexão de domingo?

Todo mundo dá a entender que sabe do seu. Mas esquece os labirintos do mundo. Grande Sertão: Veredas. Sendo os - : - o acesso de uns aos outros. Em manada ou sozinho, nisso de Caminhos é melhor seguir o conselho de Spinoza, o filósofo místico panteísta do século XVII, que em seu último e inacabado livro Tratado sobre o Conhecimento recomendou: - Não se deixe enganar pelas aparências, vá ver de perto se o que lá longe uiva é mesmo um cachorro. Pode ser o vento passando nas árvores. Mas quem vai em busca do

Caminho Real? As aparências nos bastam. As Máscaras do Real. Até que um dia se desperta na madrugada e se vê uma luz amarelada chegando através da janela – é a Aurora, se diz, é só o Sol nascendo – e se vira para o outro lado e se adormece novamente. O quarto começa a ficar mais quente: - É só Sol subindo no horizonte, se diz – e se vira para o outro lado, e se adormece outra vez. Depois, sentindo cheiro de fumaça, ainda se interroga preguiçosamente o que será? – ah, é mais um queimando a floresta. E se tenta voltar a adormecer. Mas o calor cresce, agora

Depois se afastaram da natureza para ir atrás dos desejos do coração. Uns e outros, todos queriam saber mais e mais. Mas a ciência não foi suficiente para estabilizar o mundo. Então acrescentaram ornamentos e adicionaram multidão de conhecimentos. A ornamentação sufocou a substância das coisas, e a multidão de conhecimentos afogou o coração. Com isso as pessoas começaram a se extraviar e a se confundir. E não houve meio de se voltar ao ser natural e retornar ao caminho originário. CHUANG TZU

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