SIM Vicente Cecim DELEUZE ARTE E ESPENDOR I

Share Embed


Descrição do Produto

SIM VICENTE CECIM Deleuze: Arte e Esplendor (I)

Cemitério do Esplendor

Fazemos Artes com sensações. Fazemos sensações. GILES DELEUZE Esta primeiro Sim é parte de uma série sobre Arte e Criação, através de diálogos sobre o assunto com o pensador francês Giles Deleuze. Mas a série se abre com uma introdução dedicado ao filme Cemitério do Esplendor/Rak ti Khon Kaen, do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethaku, que atualmente está realizando, no cinema, como raros antes dele, e sempre me lembro dos esplendores dos filmes de Tarkovski, aquilo que é, pela sua própria natureza de realidades flutuantes entre o Visível e o Invisível, a essência do sonho de sonhar de olhos abertos quanto as luzes se apagam e os olhos se abrem diante de uma tela e se inicia um filme.

Apichatpong Weerasethaku - que antes recebeu em 2010 a Palma de Ouro por Tio Boonmee que recordava suas vidas passadas/Lung Boonmee raluek chatneste – com Cemitério do Esplendor – que este ano participou em Cannes da mostra especial Un centain regard/Um certo olhar e em 2004 já havia recebido o prêmio Especial do Júri por Doença Tropical/Sudpralad – nos imerge com imagens naturalistas através de uma Tailândia - país no centro da península da Indochina, no Sudeste asiático contemporânea – muito semelhante em sua natureza e miséria social a Amazônia – que se nutre ainda de raízes profundas, místicas, poéticas, do ancestral Reino da Tailândia. E esse é o encanto, raro, do seu cinema: é através de imagens ostensivamente visíveis que ele evoca toda a invisibilidade onipresente dessas raízes da cultura tailandesa. De um filme assim – capaz de mostrar o Invisível através de imagens do Visível – o que, e como se pode falar. Substituto das Palavras, o Silêncio parece ser a única linguagem possível nesses casos. Então, mais não digo do filme. Apenas ainda sussurro que se trata de uma experiência de imersão em sua própria realidade invisível, para quem o assiste. Funda em nossos olhos um Dom novo: o de poder também passar a ver, através dos nossos olhos voltados para o que o mundo nos mostra as realidades que nele se ocultam – através da fina película transparente que são seus filmes. Cemitério do Esplendor e os filmes de Weerasethaku são cinema de vidente. Vá vê-lo – está no Cine Líbero Luxardo – e não tema pelo que, sem ver, vai ver, nem pelo nosso olhar que poderá brotar em você quando as luzes da sala de projeção de apagarem e depois quando retornar ás luzes da vida exterior. É esse Cinema de Esplendor, então, que nos prepara para ingressarmos, agora, nestes diálogos sobre Arte como Esplendor. Onde se falará dos caminhos da criação na Literatura, Pintura, Música, Escultura, Teatro, todos os caminhos, com Deleuze nos levando a mergulhos profundos em demanda da essência das várias manifestações estéticas e suas alternativas, falando de autores como Kafka, Proust, Melville, Van Gogh, Cézanne, Messiaen, Artaud e, enfim – de como o homem faz Arte? É justamente essa a primeira pergunta feita a este homem lúcido e pensador rebelde e original.

Diálogo com Deleuze: Arte e Sensações Sim - Deleuze, com o que o homem faz Arte? Deleuze - Pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos com sensações. Pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos sensações. As sensações, como perceptos, não são percepções que remeteriam a um objeto (referencia): se se assemelham a algo, é uma semelhança produzida por seus próprios meios, e o sorriso sobre a tela e somente feito de cores, de traços, de sombra e de luz. Sim - E qual é a contribuição do material que já nos é dado, antes de sua conversão em Arte: a Natureza, as coisas que percebemos com nossas sensações? Qual a contribuição do que chamamos Mimética? Deleuze - Se a semelhança pode impregnar a obra de arte, e porque a sensação só remete a seu material: ela e o percepto ou o afecto do material mesmo, o sorriso de óleo, o gesto de terra cozida, o élan de metal, o acocorado da pedra romana e o elevado da pedra gótica. E o material e tão diverso em cada caso (o suporte da tela, o agente do pincel ou da brocha, a cor no tubo), que e difícil dizer onde acaba e onde começa a sensação, de fato; a preparação da tela, o traço do pelo do pincel fazem evidentemente parte da sensação, e muitas outras coisas antes de tudo isso. Como a sensação poderia conservar-se, sem um material capaz de durar, e, por mais curto que seja o tempo, este tempo e considerado como uma duração; veremos como o plano do material sobe irresistivelmente e invade o plano de composição das sensações mesmas, ate fazer parte dele ou ser dele indiscernível. Diz-se, neste sentido, que o pintor é pintor, e nada alem de um pintor, "com a cor captada como sai fora do tubo, com a marca, um depois do outro, dos pelos do pincel", com este azul que não é um azul de água mas "um azul de pintura líquida". E, todavia, a sensação não e idêntica ao material, ao menos de direito. O que se conserva, de direito, não e o material, que constitui somente a condição de fato; mas, enquanto e preenchida esta condição (enquanto a tela, a cor ou a pedra não virem pó), o que se conserva em si e o percepto ou o afecto. Mesmo se o material só durasse alguns segundos, daria a sensação o poder de existir e de se conservar em si, na eternidade que coexiste com esta curta duração. Enquanto dura o material, e de uma eternidade que a sensação desfruta nesses mesmos momentos. A sensação não se realiza no material, sem que o material entre inteiramente na sensação, no percepto ou no afecto. Toda a matéria se torna expressiva. E o afecto que e metálico, cristalino, pétreo, etc., e a sensação não e colorida, ela e colorante, como diz Cézanne. E por isso que quem só e pintor e também mais que pintor,

porque ele "faz vir diante de nos, na frente da tela fixa", não a semelhança, mas a pura sensação "da flor torturada, da paisagem cortada, sulcada e comprida", devolvendo "a água da pintura a natureza" Sim - Antonin Artaud diz, em seu texto “Van Gogh, o suicidado pela sociedade”: “Pintor, nada senão pintor, Van Gogh dominou os meios da pura pintura e não os ultrapassou... mas o maravilhoso e que este pintor que só e pintor... e também, de todos os pintores natos, o que mais faz esquecer que temos a ver com a pintura". Deleuze - Só passamos de um material a outro, como do violão ao piano, do pincel a brocha, do óleo ao pastel, se o composto de sensações o exigirem. Sim - O que você descreveu, todo esse processo, não caberia também a um outro tipo de atividade. À Ciência? Poderíamos trocar a palavra Artista pela palavra Cientista, e o processo, no geral, caberia a um e a outro? A um pintor como a um químico? Deleuze - Por mais fortemente que um artista se interesse pela ciência, jamais um composto de sensações se confundira com as "misturas" do material que a ciência determina em estados de coisas, como mostra eminentemente a "mistura ótica" dos impressionistas. O objetivo da arte, com os meios do material, e arrancar o percepto das percepções do objeto e dos estados de um sujeito percipiente, arrancar o afecto das afecções, como passagem de um estado a um outro. Extrair um bloco de sensações, um puro ser de sensações. Para isso, e preciso um método que varie com cada autor e que faca parte da obra: basta comparar Proust e Pessoa, nos quais a pesquisa da sensação, como ser, inventa procedimentos diferentes. Sim - Então, nada difere escritores e pintores. Ambos apenas percorrem caminhos de linguagens diferentes dentro do rizoma que é Caminho que é a Arte, para todos os tipos de criadores? Falaremos disso na próxima Sim. Sim?

diálogo:com

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.