SIM VICENTE FRANZ CECIM O que é Literatura?

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SIM VICENTE FRANZ CECIM O que é Literatura?

Deixe o Livro lá, na rua deserta. Não abra. Passe longe. vFc

Temos olhos, ouvidos e tudo o mais para perceber a vida ao nosso redor, por fora. Temos a mente, que para o Oriente é apenas mais um, o sexto, dos nossos sentidos, para perceber mais fundo. A Vida – o que chamamos assim – também nos percebe. E estando em nós assim divididos em várias formas de percepções para percebê-la fragmentariamente, por Ela somos percebidos através de uma Percepção Única. Pois é assim que o Todo percebe suas partes. Se quiser chamar esse todo: Deus, não me incomoda. Também com sua percepção abrangente nos percebe a Literatura, embora nos dê a perceber de variadas formas – conforme aquele que nos percebe e nos expressa através das Palavras: Kafka ou Proust, Homero ou Camões, Rimbaud ou Rilke. Mas ainda não é tudo o que há para dizer. Somos mais – e menos – do que percebemos. Com o que se diz que não basta perceber o percebível – é preciso ainda perceber o impercebível. E para tanto não bastarão os Sentidos.

E necessário o salto mortal, ou imortal – por sobre e através dos sentidos – da Imaginação. A tudo que percebemos damos um Nome. Toda a vida foi assim sendo progressivamente recoberta – embora o objetivo declarado seja descobri-la - por palavras, atribuídas às coisas – e não coisas – sentimentos, invenções, intuições – e você está desafiado a olhar ao seu redor e apontar alguma coisa – visível ou invisível, existente ou inexistente – que ainda não tenha sido nominada. Mas mesmo que essa coisa seja invisível ou inexistente? Sim: às primeiras já demos, preventivamente, o nome de invisíveis e das segundas já nos apropriamos dando a elas o nome de inexistentes. Nossa ambição d/en/ominadora é insaciável. Céu. Terra. Água. Ar. Fogo. Sorriso. Lágrima. Ninguém. Anônimo. Imperceptível. Denominamos até o não nominável: inominável. Essa nossa ambição, certamente, não é de hoje. Começou com os primeiros grunhidos humanos ecoando nas cavernas e, por exemplo, quando chegamos à Grécia Antiga, deste lado ocidental da Terra, após Tales de Mileto, considerado o primeiro filosofo, atribuir à Água a origem de tudo, Anaximandro, identificado por Heidegger com um dos três primeiros pensadores originários – os outros dois: Parmênides e Heráclito – reatribuiu essa Origem ao que chamou de o Indeterminável. Nós, os insaciáveis nomeadores das coisas e não-coisas, também precisávamos dar um nome a nos próprios. E para isso escolhemos a palavra Seres. Se a palavra ainda nos parece vaga, imediatamente lhe acrescentamos outra. E assim é que passamos a nos chamar: seres humanos. Agora, experimente a Vertigem de retirar todos os nomes das coisas. Para onde foi a vida? Para onde foram as coisas? Mudos, nos tornamos também cegos? Ou passamos a ver mais? Nesse ponto entram as palavras de fato não como recobridoras da vida – mas desveladoras. Literatura. Nem Verdade, nem Mentira – a Literatura é a Outra Vida.

Qual? Aquela que livre das limitações dos sentidos – e lidando apenas com significados – ganha, pelas Palavras, a liberdade que nesta em que vive aquele que escreve não tem. Desta móvel verdade que se transforma em tantas verdades, em verdades mentiras e em mentiras verdades – ao nosso redor – e, subjetivamente, também dentro de nós – disso está livre a Literatura. Seu compromisso não é com o dizer verdades que não conhecemos, nem dizer mentiras que não cansamos de repetir. Eis que achamos um livro perdido em uma rua deserta. E a rua desaparece dentro desse Livro, se o abrimos e começamos a ler. O livro = o Portal por onde penetramos em outra dimensão. Que Encantamento é esse capaz de nos extrair de uma cotidiana rua deserta e nos transportar para a dimensão da Fulgurância? Talvez Alice no País das Maravilhas ou No Fundo do Espelho, de Lewis Carroll. Talvez tenhamos penetrado no Castelo de Kafka, o que K tanto tentou e não conseguiu. Para nós a vida se abre como quando para Dom Quixote de La Mancha se abriu, nas páginas de Cervantes, em que ele se sonhou cavaleiro andante e escapou da rotina de sua vida para ingressar em um mundo enfeitiçado, e enfeitiçante – função da Literatura, mas só quando Palavra & Imaginação se fundem: nos doar a dimensão do animicamente Belo. Mundo em que Quixote transfigurou a camponesa trivial na rara Dulcinéia – e inventou o Amor. Em que seu velho cavalo bebeu da Fonte da Juventude – alias, junto com ele, Dom Quixote – e se transfigurou no audaz Rocinante. Em que também a realidade social se transfigura com Sancho Pancho ascendendo à posição de seu Escudeiro. E - aberta a porta para essa dimensão de todos os fulgores potenciais liberados no humano – mundo em que Dom Quixote transfigura a vida em um desafio mais vasto e simbólico, e converte meros moinhos em gigantes – para com eles travar feroz e desigual batalha. Advertência aos temerários: - Deixe o livro lá, na rua deserta. Não abra. Se desvie dEle. Passe longe. Palavras em Sonhos são sempre um perigo. Literatura.

oO Círculo Vicente Franz Cecim/Um fragmento aquele homem devesse ter despertado para dentro de um Sonho para estar lhe acontecendo agora as coisas que lhe aconteciam

estendia a mão e ela se enchia de cinzas fechava os olhos e via as ansiedades humanas voando ao seu redor, palavras de musgos murmurassem aos seus pés,

mas isso foi depois

um Rumor anunciava uns oceanos de fogo, longe e dentro dos seus olhos ondas batiam

dos olhos, nas ondas, do homem vinham as Lágrimas por toda aquela multidão de Dor via O Amontoado

uma manhã nascia clareando o Horizonte

Em tudo sendo iguais, houvesse outro diante daquele homem,

nas margens do lago não falavam também O Lago não falava Fosse Espelho para que eles fossem assim dois

não falavam mas as suas mãos, oh tinham gestos de pegar coisas no ar, que coisas, tudo sendo hipóteses de coisas que se tenta pegar no ar

sendo aquilo fosse um Jogo, pegavam coisas que brotavam de si e se lançavam de uma margem para outra do lago

seriam amigos? fossem inimigos se colhendo dádivas entre as ansiedades humanas e viam as ansiedades humanas voando ao seu redor, palavras de musgos murmurassem aos seus pés,

mas isso foi depois

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