Simetria e assemblage para estudar o jornalismo: Teoria Ator-Rede como guia teórico-metodológico (SBPJor 2016)

May 27, 2017 | Autor: Leonardo Foletto | Categoria: Actor Network Theory
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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 14º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Palhoça – Unisul – Novembro de 2016

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Simetria e assemblage para estudar o jornalismo: Teoria Ator-Rede como guia teórico-metodológico Leonardo Feltrin Foletto1

Resumo: Este trabalho traz dois entendimentos da Teoria Ator-Rede que podem servir contribuições para o estudo do jornalismo: a simetria generalizada, que aponta para o estudo do que está importando na ação, sem distinção prévia de atores, sejam eles humanos ou não-humanos; e o de assemblage, que Law (2004) propõe como um não-método mais amplo, solto e devagar do que o método científico da tradição Euro-Americana. O artigo conclui com dois apontamentos que o entendimento da simetria generalizada e do assemblage pode trazer para as pesquisas em jornalismo: a atenção aos processos de mediação que ocorrem na produção de informaçãojornalística; e a consciência de que o método não é apenas um caminho para um fim, mas construtor de realidades e, consequentemente, de ausências. Palavras-chave: epistemologia; método; simetria; teoria ator-rede; jornalismo;

1. Introdução A onipresença dos dispositivos digitais nos processos de produção de informação no mundo tem produzido, nestas duas últimas décadas dos anos 2000, um cenário de revisão de práticas e conceitos do jornalismo. Os computadores e a internet tem ajudado muitos jornalistas e pesquisadores a perceber o papel que os ditos objetos técnicos tem - e sempre tiveram - nas mediações que ocorrem nas diferentes etapas que fazem 1

Jornalista (UFSM), mestre em jornalismo (UFSC) e doutorando em Comunicação e Informação (UFRGS). Integrante do Integrante do Núcleo de Pesquisa em Jornalismo (NUPEJOR) da UFRGS e editor do http://baixacultura.org. Contato: [email protected]

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parte da produção de informação em larga escala que caracteriza a prática jornalística desde meados do século XIX. Nas duas últimas décadas, tem ocorrido uma retomada do pensamento sobre o papel das materialidades nos processos de comunicação, "a convergência de modos de observação que passam a repensar o papel dos artefatos na apreensão da realidade comunicacional", como diz Felinto (2013, p.15). Esta “virada não humana” (FELINTO, 2014, online) busca suas raízes no pensamento de teóricos como Walter Benjamin, Martin Heidegger e Marshall McLuhan, e têm sido atualizadas por perspectivas como, por exemplo, das materialidades da comunicação (GUMBRECHT & PFEIFFER, 1994). Criada nos anos 1980, dentro dos estudos da Ciência e Tecnologia (STS, em inglês), a chamada Teoria Ator-Rede2 tem sido considerada como uma das perspectivas que compõe esta virada "não-humana" nos estudos de comunicação. Essa aproximação se dá porque pesquisadores identificados com a TAR trazem, como entendimento importante para suas pesquisas, a ideia de não considerar a priori o que está importando na ação: o que vale é olhar de modo simétrico para determinado fenômeno ou fato sem distinguir previamente se são os atores humanos ou não-humanos que estão atuando na situação. Assim é que estas pesquisas, vendo também a ação dos objetos, acabam por trazê-los para suas análises, como por exemplo nos estudos apresentados no dossiê especial da revista Journalism3, uma das mais conhecidas da área. Entrar nessa perspectiva "não-humana" trouxe à TAR críticas genéricas aplicadas aos estudos das materialidades da comunicação, como um possível determinismo tecnológico de suas investigações, supostamente focando apenas nos objetos e esquecendo os humanos na pesquisa. Outra crítica escutada é da dificuldade do pesquisador em se ater ao movimento, vendo a partir daí o que está importando para ser investigado, sem estabelecer a prioris. Levado a um nível extremo, esse tipo de crítica diz que pesquisar de 2

A Teoria Ator-Rede surge nos anos 1980, dentro da STS, no contexto de alternativas às concepções estruturalistas e funcionais da ciência. Estas oferecem ora explicações sociais, baseadas em relações de causa e efeito ocasionadas pelo social isolado do “fenômeno” a ser analisado, ora essencialistas, centradas no fenômeno a ser analisado, sem considerar as suas relações sociais, econômicas, culturais, etc. Em oposição a isso, pesquisadores como Bruno Latour, Michel Callon, Madeleine Akrich e John Law começaram a defender a ideia de que a construção dos fatos científicos não pode ser pensada de maneira a separar objetos e humanos, social e natural, de lados diferentes, cada um com pesos distintos que seriam avaliados previamente, sem saídas à campo ou exploração de dados, numa determinada investigação. Mais informações em Law (2004) e Latour (2012); para relação da TAR com a comunicação, Lemos (2013). 3 Journalism, 2015, vol. 16 (I).

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modo simétrico humanos e não-humanos inviabilizaria a investigação científica: se já parece ser bastante trabalho focar nas relações humanas de um determinado fenômeno, como entrar também nos objetos técnicos para entender o papel deles para a investigação? Por hora não é possível rastrear todas as críticas para saber se é a tradução da TAR realizada por pesquisas da comunicação e do jornalismo que potencializou os comentários acima, ou o desconhecimento, por parte dos críticos, dos entendimentos simétricos das análises ator-rede, de não separação entre natureza e sociedade, e da ideia de que os métodos, suas regras, e inclusive suas práticas metodológicas, não apenas descrevem a realidade como também ajudam a produzir a realidade que querem compreender (LAW, 2004). O que escolho fazer aqui neste trabalho, como contribuição a discussão, é dedicar uma atenção maior às noções de simetria e método no entendimento de alguns autores relacionados a TAR para, ao final, retornar aos estudos de comunicação e jornalismo e ver como eles podem, ou não, ser diferentes seguindo o caminho aqui proposto.

2. TAR, uma perspectiva simétrica A origem da noção de simetria como fundamento da prática sociológica vem de David Bloor e seu livro Knowledge and Social Imagery (1976), obra referencial nos estudos da ciência e da produção de conhecimento. Ali, a simetria é um dos quatro princípios - causalidade, imparcialidade, simetria e reflexividade - que Bloor propõe como um programa forte para o desenvolvimento de uma sociologia do conhecimento, que seria um contraponto a concepção de Merten (1957) e outros sociólogos da ciência que, durante as décadas de 1950 e 1960 e boa parte dos 1970, haviam se esforçado para explicar a ciência como uma instituição social, com valores e normas próprios, dando ênfase no papel supostamente distorcido que o social teria na produção de conhecimento. A ideia por trás disso, sublinha Domenech e Tirado (1998), era de que o verdadeiro, o racional, não requer explicação, somente o erro, o falso precisaria de uma justificativa causal. As ideologias, as falsas crenças e os prejuízos seriam objetos da sociologia, mas a verdade não. É uma posição que separava, de maneira acrítica, de um lado um contexto de justificação, que trataria de questões relacionadas com a verdade do conhecimento 3

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e onde a epistemologia e a metodologia diriam a última palavra, e um contexto de descobrimento, que seria o mais adequado para a sociologia, disciplina que se encarregaria, então, de somente explicar os erros e desvios do social (DOMENECH & TIRADO, 1998, p.16). Assim, os conteúdos da ciência, digamos, ficariam à margem dos estudos sociológicos, que deveriam se encarregar somente do contexto em que se produz o conhecimento científico4. Bloor defendia que era possível investigar e explicar o conteúdo e a natureza do conhecimento científico porque, entre outras coisas, considerar que não se pode aplicar a sociologia de um modo completo ao conhecimento seria o mesmo que afirmar que a ciência não pode ser conhecida de modo científico. Para ele, então, era necessário superar a visão da sociologia do conhecimento como uma sociologia do erro. Nesse contexto é que surge o segundo princípio dos quatro citados, a imparcialidade, como a ideia de que "é preciso explicar tanto o exito quanto o fracasso, tanto a racionalidade quanto a irracionalidade, tanto a verdade como a falsidade" (DOMENECH & TIRADO, 1998, p.16). E daí advém também o princípio da simetria: precisamos, argumentava Bloor, usar um único estilo de explicação, seja ele usado para estudar erros quanto acertos. Não há uma teoria "melhor" ou "mais certa" porque esta se baseou em fatos experimentais comprovados; há, sim, que explicar como determinada teoria atingiu certo consenso na área, e fez com que outros que não a aceitavam passassem a concordar e ceder em seus argumentos. A simetria em Bloor começa a ser radicalizada quando Michel Callon (1986) propõe que não apenas teorias e argumentos deveriam valer para "os dois lados", erros e acertos, racional e irracional, mas também a natureza e a sociedade poderiam ser descritas desta mesma forma. Antes de tratar da descrição sobre a diminuição na população de Vieira na Baía de St. Brieuc5, na França, tema central do artigo, ele apresenta os princípios 4

Ecos dessa mesma crítica de Bloor serão encontrados, depois, em diversos textos da TAR, especialmente quando Latour, em Reagregando o Social (2012), faz a sua crítica do que ele chama de "sociologia do social". Como, por exemplo, neste trecho: "Para obter o seu "lugarzinho ao sol", eles - os chamados "sociólogos do social - abandonaram, já no início do século XIX, coisas e objetos a cientistas e engenheiros. Foi o jeito de pleitar um pouco de autonomia: abrir mão de vastos territórios e se apegar a menores - signifi cado, símbolo, linguagem, intenção. Quando uma bicicleta bate numa pedra, isso não é um fato social; mas quando um ciclista ultrapassa um sinal de "pare", é. (LATOUR, 2012, p.124) 5 Segundo Holanda (2015, p.59), "O real interesse do artigo está no mapeamento das estratégias e princípios adotados pelos cientistas para mobilizar seu objeto de estudo, seus informantes, os pescadores do molusco, além, é claro, dos seus pares da comunidade científica, para a proposição e posterior pontualiza-

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metodológicos da então chamada sociologia da tradução, entre os quais a simetria generalizada: "The goal is not only to explain conflicting viewpoints and arguments in a scientific or technological controversy in same terms. We know that the ingredients are a mixture of considerations concerning both Society and Nature. For this reason we require the observer to use a single repertoire when they are described. The vocabulary chosen for these descriptions and explainations can be left to the discretion of the observer (...). But given the principle of generalizated symmetry, the rule which we must respect is not to change registers when we move from the technical to the social aspects of the problem studied. (CALLON, 1986, p.4).

Para além da discussão de Bloor sobre o quão assimétrico são as formas que a epistemologia tem explicado a verdade e o erro, a simetria generalizada de Callon propõe a dissolução dos dualismos como natureza e sociedade, humano e não humano, dizendo que a sociedade é construída tanto quanto a natureza é. São as noções de natureza e a de sociedade que devemos abandonar como princípio de explicação isolada: as duas estão mais relacionadas do que muitos sociólogos da ciência acreditariam. "Assumindo esse modelo de explicação simétrico, o que antes aparecia como causa (a sociedade, a natureza) são agora as consequências, o efeito de complexas negociações, alianças e contraalianças que formam parte da atividade dos cientistas" (DOMENECH & TIRADO, 1998, p.20). Com a simetria generalizada, nada é autoevidente ou alheio a necessidade de ser entendido. Como afirmaria anos depois Latour, na crítica da "sociologia do social" que fez em "Reagregando o Social6" (2012), buscar explicações no "contexto" e nas "estruturas" é recorrer a "entidades vagas que passam fornecer todas as explicações, tornando tudo racional com demasiada rapidez" (LATOUR, 2012, p.210). O que a TAR propõe, segundo Latour em resposta à crítica determinista, nunca foi considerar os objetos mais importantes do que os humanos, porque obter simetria significaria não impor a priori uma assimetria entre ação humana intencional e mundo material de relações causais (LATOUR, 2012, p.113). Entender o movimento dos atores em rede, o entre diversos pontos, ampliado e visto sob uma perspectiva de movimento contínuo, faz com que os objetos possam ser consição dos seus resultados como caixas-pretas no campo dos Estudos Sociológicos da Ciência e Tecnologia". 6 Em inglês, "Reassembling the Social", publicado originalmente em 2005. A edição aqui utilizada é a brasileira, de 2012.

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derados na análise. Mas o que a ideia de simetria generalizada propõe é a análise também dos objetos, e não somente destes. Como explica Callon (2008), a ideia de dar a mesma importância a ambos vem em oposição “a uma distinção constringente, historicamente marcada e que corresponde ao modernismo, quero dizer, à convicção, segundo a qual há duas categorias de entidades no cosmos, a saber: os humanos e os outros” (CALLON, 2008, on-line). Surge, então, um problema a ser trabalhado pelos pesquisadores ator-rede: se necessitamos atentar para a ação, o movimento, não considerando nada como dado, e ver quais atores estão fazendo algo ou a alguém nas redes analisadas, como fazer uma pesquisa simétrica? Quais os desafios metodológicos para dar conta de atentar para os movimentos de redes que, em alguns casos, parecem nunca ter fim? Em especial, como realizar investigações simétricas no jornalismo, uma área particularmente povoada por objetos técnicos dos mais variados? Não há respostas fáceis para nenhuma dessas questões, mas Law (2004) pode servir de guias para essa busca confusa e desordenada.

3. Law e os desafios metodológicos John Law, um dos pesquisadores mais diretamente ligado à TAR, escreve em 2004 um livro inteiro dedicado a discutir a questão do método dentro nas pesquisas científicas: After Method: mess in social science research. O argumento central traz a ideia de que os modos de inquirir acadêmicos não captam as texturas confusas do mundo tal como elas se apresentam. Partes do mundo são capturados nas etnografias, histórias e estatísticas, mas outras partes não. "If much of the world is vague, diffuse or unspecific, slippery, emotional, ephemeral, elusive or indistinct, changes like a kaleidoscope, or doesn't really have much of a pattern at all, then where does this leave social science? How might we catch some of the realities we are currently missing? Can we know them well? Should we know them? Is 'knowing' the metaphor that we need? And if it isn't, then how might we relate to them?" (LAW, 2004, p.2)

Ele não tem uma única resposta para estas questões, mas uma coisa diz ser clara: se nós queremos pensar sobre a desordem/confusão/bagunça (mess) da realidade então nós vamos ter de nos ensinar a pensar, praticar, relatar e conhecer de novas maneiras. Ather 6

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Method é, então, um livro que sustenta um modo de pensar sobre o método que é mais amplo, solto e devagar, que afirma que os métodos, suas regras e práticas metodológicas não apenas descrevem a realidade como também ajudam a produzir a realidade que estão compreendendo (LAW, 2004, p.5). O método jamais é inocente ou somente técnico, e, diferente do que a tradição metafísica Euro-Americana 7 de estudos científicos ensina, ele não é apenas um meio para o fim de conhecer melhor algo. Para descrever sua proposta, Law traz diversos estudos e situações na história da ciência e tecnologia. No capítulo dois, ele vai ao livro de Bruno Latour e Steve Woolgar, A vida no Laboratório: a produção dos fatos científicos, publicado em 1979, e ver, "sob os ombros dos etnógrafos da ciência", como cientistas e outros produzem conhecimento na prática. Ao traçar os vários sistemas de produção materiais presentes no laboratório de Salk, nos Estados Unidos, onde fizeram a etnografia, Latour e Woolgar propõem a ideia de inscrições do dispositivo: "any item of apparatus or particular configuration of such items which can transform a material substance into a figure or a diagram which is directly usable by one of the members of the office space" (LAW, 2004, p.20). Algumas inscrições particulares do dispositivo e suas práticas é que vão construir, então, realidades particulares. Law enfatiza: "realities are being constructed. Not by the people. But in the practices made possibile by networks of elements that make up the inscription device - and the networks of elements within which that inscription device resides" (LAW, 2004, p.21). As realidades não existem sem suas correspondentes inscrições do dispositivos. Em oposição a Euro-Americana, a metafísica que corresponde a esta afirmação é a de que a realidade não é independente nem anterior ao aparelho de produção; nem definida nem singular até o aparelho de produção estar no local. "Realities are made. They are effects of the apparatuses of inscription. At the same time, since 7

A metafísica euro-americana é a base das ciências sociais no ocidente e em Law (2004) é apresentada como aquela que designa que há apenas uma realidade, passível de ser conhecida a partir de métodos (o método científico): "Euro American common sense tends to the reflex that it is important to stipulate the conditions under which science can be properly carried out. This is because scientific inquiry needs to be protected from the distortions that might come from outside. The idea that science needs to be protected in this way is often (though not always) linked to ‘empiricism’ and to ‘positivism’. Empiricism is a family of traditions in the philosophy of science which argue that scientific truths grow out of, and are properly generalised from, appropriate empirical observations. Positivism is another, closely related, set of traditions which argue that scientific truths are rigorous sets of logical relations or laws that describe the relations between (rigorous) empirical descriptions (LAW, 2004, p.16).

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there are such apparatuses already in place, we also live in and experience a real world filled with real and more or less stable objects" (LAW, 2004, p. 31). Com Latour e Woolgar, Law introduz sua não-proposta de método a partir da ideia de assemblage, oriunda da filosofia de Giles Deleuze e Félix Guattari em Mil Platôs (1980): "a process of bundling, of assembling, or better of recursive self-assembling in which the elements put together are not fixed in shape, do not belong to a larger pregiven list but are constructed at least in part as they are entangled together" (LAW, 2004, p.42). A ideia de assemblage recusa fórmulas fixas que definam a priori o que é bom ou ruim como método e determina que este ocorra como um processo contínuo de elaborar e performar os limites necessários entre presença, ausência e alteridade. Nas palavras de Law: "Method assemblage may be seen as the crafting of a hinterland of ramifying relations that distinguishes between: a) 'in here' statements, data or depictions (which appear, for instance, in science and social science publications, and include descriptions of method); b) the 'out-there' realities reflected in those in-here statements (natural phenomena, process, methods, etc); and c) an endless ramification of process and contexts 'out-there' that are both necessary to what is 'in-here' and invisibile to it" (LAW, 2004, p.42).

O método assemblage também pode ser entendido como ressonância que cria e detecta periodicidades e padrões no fluxo das coisas (LAW, 2004, p.143). Mas que padrões e periodicidades ele estabelece e quais nega? Com a perspectiva de não trazer respostas generalistas e nem partir de relações assimétricas em sua busca, o método assemblage pode percorrer os desvios e a indecisão das múltiplas realidades e delas captar questões que mantém estabilidades temporárias que podem ajudar a performar outras estabilizações temporárias, e assim indefinidamente. Se, como diz Law, a metafísica Euro-Americana se compromete com a estabilidade e a precisão de suas investigações, mesmo que ao custo de posições tomadas a priori do observador e da aparente universalidade de suas afirmações, esta metafísica alternativa proposta por Law em After Method quer incluir a inconstância de modos alegóricos, ambíguos, pouco tácitos, na hora de construir métodos heterogêneos que performem uma dada realidade mais do que a tentem representar. Law encerra o livro sugerindo que as assunções metafísicas que o método científico tradicional Euro-Americano propõe devem ser erodidas. Mas de que forma prática fazer 8

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isso? Quais os métodos alternativos que são lentos, incertos, que dediquem atenção ao processo e consigam capturar as múltiplas realidades performadas de maneira mais heterogênea? A resposta, é claro, é que não há uma única resposta - nem deve haver (LAW, 2004, p.151). Mas a capacidade de colocar as questões é tão importante como quaisquer respostas particulares que possam ser obtidas, o que nos leva para a conclusão desse texto.

4. Conclusão Callon (1986, 2008), Domenech & Tirado (1998) e Latour (2012) nos dizendo que devemos ser simétricos para a descrição da realidade nos traz a incerteza da realização concreta dessa afirmação, e uma pergunta: como? Law (2004), com sua dedicação a reconstrução do método como assemblage mais lento, inclusivo e com mais atenção ao processo de investigação, nos faz ter que lidar com a incerteza respondendo: não há um como, mas vários. Nesse caminho, como os entendimentos teórico-metodológicos da TAR podem contribuir para as pesquisas em jornalismo? Se não há como construir um método para entender a importância do caráter simétrico entre humanos e não-humanos nas relações que ocorrem no jornalismo, quais são as perguntas levantadas no caminho que podemos fazer para contribuir para as investigações na área? Se no jornalismo atentarmos ao primeiro aspecto trabalhado nesse texto, vamos passar a observar de modo simétrico o que está importando em determinada ação. O que traz dois outros questionamentos: como ocorre o processo de produção de informação no jornalismo? quem faz parte dele? Ou, como pergunta um grupo de pesquisadores que tem usado a TAR como lente teórico-metodológica em suas pesquisas: "quais são os recursos mobilizados e atividades realizadas pelos diferentes atores em lugares específicos para moldar algo que eles chamam jornalismo (DOMINGO et al., 2015, p. 54)? Ambas questões trazem o foco para o processo, e, nele, à mediação. Então considero que a atenção à mediação no jornalismo é o primeiro aspecto teórico-metodológico que a TAR pode contribuir para os estudos do jornalismo. Esta atenção demanda dois movimentos: primeiro, o de seu entendimento: historicamente, a concepção de mediação nos 9

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estudos da área é tipicamente purificadora, proveniente de um jornalismo enquanto "síntese do espírito moderno" (MARCONDES FILHO, 2009, p.17) que sobrevaloriza a estabilização e a ordenação. Nesse entendimento, o jornalista foi definido ora como um mediador privilegiado, que seleciona aquilo que deve ou não virar notícia, como no caso da abordagem do gatekeeping8; ora são as organizações jornalísticas que detém esse privilégio da mediação ao constranger e moldar os profissionais à política editorial da instituição, como na perspectiva dos constrangimentos organizacionais de Warren Breed; ou, ainda, os meios de comunicação são considerados como aparelhos ideológicos do Estado, à serviço da construção de uma sociedade consensual e normatizada (TRAQUINA, 2005). André Lemos (2013) aponta que mesmo hoje, quando quando a maior parte da academia concorda que a notícia é construída no processo de mediação, que sempre envolve alto grau de interferência, seleção e elaboração do relato sobre a realidade, "persiste a cobrança de transparência, como única garantia possível da pureza do trabalho de transmissão de uma verdade que precisa ser evidente e inequívoca" (LEMOS, 2013, p.77). Por conta dessa incompreensão sobre o real sentido da mediação, continua o autor, surge um vínculo insolúvel: "para a maior parte do público e dos críticos, a mídia se define por mediar o acesso à realidade social. Entretanto, ao cumprir com o seu papel, não pode interferir na comunicação da verdade, o que esvazia completamente o valor do sentido daquele processo de mediação (LEMOS, 2013, p.77). Embora a teoria do jornalismo enquanto espelho da realidade tenha mais de um século, é fácil notar que, no senso comum da profissão, ela ainda predomina: basta olhar jornais de grande circulação no Brasil, como Folha de S. Paulo, O Globo e Zero Hora, no papel ou em suas versões digitais, para perceber que a visão predominante ainda é a da transparência, o que pressupõe uma mediação inexistente ou inócua. A lógica é de que "se há mediação, há construção, logo impureza e desvio da verdade" (LEMOS, 2013, p.77). Admitir que construção na mediação é tradução só deveria ser um problema se ainda considerássemos as notícias e a realidade a mesma coisa, visão propagada no contexto da Teoria do Espelho, que, desde Lippmann, em 1922, já se criticava: "a hi8

Uma das primeiras tentativas de compreender o processo produtivo e a prática jornalística na literatura acadêmica, proposta inicialmente por David Manning White em 1950, a partir das ideias do psicólogo alemão Kurt Lewin sobre mudanças nos hábitos alimentares de uma população.

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pótese que me parece mais fértil é que as notícias e a verdade não são a mesma coisa e precisam ser claramente distinguidas" (LIPPMANN, 2012, p.304). Entender a mediação como um processo híbrido, instável e constituído de diversos elementos estabelecidos em uma rede de significados (LATOUR, 1994) nos leva a um segundo movimento: incluir os objetos que tomam parte nas mediações realizadas no jornalismo na pesquisa. Estender a atenção aos dispositivos técnicos nas investigações é, como apontado no início desse texto, o principal caminho que a perspectiva da TAR tem se aproximado nos estudos do jornalismo. No entender de Ursula Plesner (2009), esta atenção promove uma abertura da "caixa-preta" do jornalismo e torna a tecnologia visível novamente dentro da prática profissional, tirando-a da posição naturalizada em que se encontra na maioria das pequisas da área hoje (PLESNER, 2009). A segunda contribuição teórica-metodológica que a TAR pode trazer ao jornalismo é decorrente da atenção à mediação e, também, do não-método assemblage de Law (2004): a atenção aos rastros - muitas vezes incertos e confusos, mas observáveis - deixados pelos atores nos processos de mediação. Olhar para os rastros é atentar ao movimento que ocorre nas diferentes redes de atores mobilizadas na mediação: é enxergar tudo aquilo que toma parte nas diferentes etapas de uma informação ser produzida até ser posta em circulação pelo jornalismo - o que inclui o uso do e-mail, de sistemas de publicação de notícias e da configuração espacial das redações jornalísticas9, mas também uma série de humanos. Atentar para este movimento é fundamental, diz Emma Hemmingway (2008): "We need to concentrate our efforts on understanding not just the role that technologies play, but more importantly, the associations that we discover between human and technological actors. It is the relationships, the alliances and the linkages that we will discover between these seemingly disparate constituents that help us to gain a fuller understanding of news processes" (HEMMINGWAY, 2008, p.8).

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Estes são, respectivamente, três exemplos de estudos recentes que utilizam a TAR como perspectiva teórico-metodológica: Ursula Plesner (2009), que analisa o e-mail, além do motor de busca do Google e do telefone, como actantes na mediação jornalística; Scott Rodgers (2015), que trata do sistema de publicação de conteúdo online do Toronto Star, no Canadá, chamado TOPS; e Florence Le Cam (2015), que analisa um corpus de fotografias de redações na França, Bélgica e Canadá, do século XIX até hoje, para entender as mudanças organizacionais e gerenciais das empresas jornalística.

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É possível que os pesquisadores do jornalismo não consigam mapear todos os atores numa rede tão complexa como a de produção de uma informação a ser veiculada num veículo jornalístico. Mas que isso não sirva de desestímulo para o abandono do empírico e a decorrente recorrência às estruturas para a explicação: lidar com o incerto faz parte do olhar para o método de uma forma mais ampla e solta, diz Law (2004). Se nós, enquanto pesquisadores do jornalismo, observarmos de múltiplas perspectivas este fluxo confuso de potencialidades que são os atores em ação, e saber que ao se olhar de uma maneira se performa uma realidade e se produz ausências, já será um ganho considerável.

5. Referências CALLON, Michel. (1986). Some Elements of a Sociology of Translation: Domestication of the Scallops and the Fishermen of Saint Brieuc Bay. In J. Law (Ed.) Power, Action and Belief: a new Sociology of Knowledge? Sociological Review Monograph. London, Routledge and Kegan Paul. 32: 196-233. ______________. Entrevista com Michel Callon: dos estudos de laboratório aos estudos de coletivos heterogêneos, passando pelos gerenciamentos econômicos. Sociologias no.19 Porto Alegre Jan./Jun 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S151745222008000100013&script=sci_arttext#end02 Acesso em: 18 jun. 2015 DOMÈNECH, M. & TIRADO, F. X. Claves para la lectura te textos simétricos. In: DOMÈNECH, M. & TIRADO, F. X. (orgs.). Sociología simétrica: ensayos sobre ciencia, tecnologia y sociedad. Barcelona: Gedisa, 1998. P.13-50. DOMINGO, David et al. Tracing Digital News Networks. Digital Journalism. V. 3, n 1. Londres, 2015. FELINTO, Erick. Meio, Mediação, Agência: a descoberta dos objetos em Walter Benjamin e Bruno Latour. E-Compós, Brasília, v. 16, p. 1-15, 2013. _____________. Entrevista: A descoberta dos objetos e a experiência de uma “virada não -humana”. 2014. Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/index Acesso em: 10 ago. 2014 GUMBRECHT, Hans Ulrich. PFEIFFER, Karl Ludwig. Materialities of Communication. Stanford; Stanford University Press, 1994. HEMMINGWAY, Emma. 2007. Into the Newsroom: Exploring the Digital Production of Regional Television News. London: Routledge

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