SimoneDeBeauvoir: uso e apropriações de hashtags de figuras históricas em redes sociais

May 27, 2017 | Autor: Thaiane Oliveira | Categoria: Social Networking, Feminism, Cyberfeminism, Instagram
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#SimoneDeBeauvoir: uso e apropriações de hashtags de figuras históricas em redes sociais OLIVEIRA, Thaiane M. (doutora)² TOTH, Janderson P. ³ UFF - Universidade Federal Fluminense/RJ

Resumo: A proposta deste trabalho é a de discutir como a história tem sido utilizada como uma ferramenta de mecanismos de sociabilidade em redes sociais e as performances individuais que são projetadas a partir desse fenômeno. Portanto, esta pesquisa tem o objetivo de compreender como as pessoas se apropriam das figuras emblemáticas da história do feminismo para determinar a sua identidade em redes sociais, tendo como foco, para este trabalho, o Instagram. Com a intenção de discutir a relação entre a continuidade de uma terceira onda do feminismo marcada pelo neoliberalismo (Frasier, 2009), questões como o individualismo, performance, visibilidade e capital social são algumas das esferas que surgem como resultado desta pesquisa. Para tanto, será realizada uma análise exploratória com base nas ferramentas ARS de imagens recolhidas no Instagram que utilizam a hashtag #simonedebevouir, uma das principais personagens históricas do movimento feminista. A hipótese que permeia esta pesquisa é que, por meio desse mapeamento realizado, os dados podem fornecer subsídios para pensar como o feminismo tendo sido utilizado na contemporaneidade. Palavras-chave: feminismo, análise de redes sociais, movimento feminista, performance, capital social

Introdução O movimento feminista tem ganhado grande visibilidade, sendo considerado por alguns autores como uma nova onda que chega junto com um empoderamento dos sujeitos provenientes do acesso à internet (MUNRO, 2013; WRYE, 2009). Ainda que não haja um uma unanimidade sobre este momento ser considerado, de fato, uma quarta onda do feminismo, é preciso olhar ¹ Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Digital, integrante do IV Encontro Regional Sudeste de História da Mídia – Alcar Sudeste, 2016. ² Doutora em Comunicação Social e professora do programa de Pós-graduação em Comunicação e do departamento de Estudos Culturais e Mídia/UFF. [email protected] ³ Graduando do curso de Estudos de Mídia/UFF. [email protected]

com maior profundidade sobre as dinâmicas sociais que estão sendo estabelecidas no século XXI no que diz respeito às apropriações e discussões de pautas de gênero na contemporaneidade. Conceitualmente, as ondas do movimento feminista são integralmente relacionadas à história das políticas feministas. Sendo apresentada muito vezes como uma forma binária que incute distinções nas fendas geracionais de maneira dicotômica (DEJMANEE, 2016), as ondas feministas devem ser vistas muito menos como uma cronologia de acontecimentos sociais, exaltando suas diferenças, e sim como um recurso metodológico que aponte para a continuidade de dinâmicas discursas e suas pautas relacionadas ao contexto político e social do qual o período atravessava. Buscando não prolongar numa discussão que já vem sido desempenhada por diversas pesquisadoras, como Nancy Fraser (2009), podemos sintetizar que os períodos anteriores das ondas feministas dizem respeito a intensas lutas políticas que acompanharam discussões sociais relacionadas às questões de gênero. Como um continuum de pautas já previamente levantadas na década de 1960 e 1970, a terceira onda do feminismo tem enfatizado uma atuação dos indivíduos através de micropolíticas, cuja proposta concentra-se na análise das diferenças, da alteridade, da diversidade e da produção discursiva da subjetividade (NARVAZ, KOLLER, 2004). Utilizando o corpo como expressão pessoal, sintetizados por bandeiras como “Meu corpo, minhas regras” ou “O pessoal é político”, abarca-se, neste terceiro movimento, teorias do pós-colonialismo, estudos Queer, além de questões relacionadas à transgênero e transexualidade, entre outros aspectos. Influenciadas por uma perspectiva pós-moderna, a interseccionalidade de sobreposições identitárias torna evidente o dilema das diferenças e as disputas internas do movimento por sua fragmentação política, social e ideológica. Neste sentido, as performances dos sujeitos se tornam fundamentais para a construção de gênero de maneira não-binária. Incorporando tendências desconstrucionistas provenientes de uma abordagem pós-estruturalista, Butler (2003) define o gênero como um ‘ato performático’, partindo da compreensão de que performances são construções sociais dos sujeitos (GOFFMAN, 2008), sendo passível de reafirmações e renegociações, de acordo com os agentes de interação.

Alguns esforços teóricos, por vezes simplistas, ideológicos ou utópicos, buscam enquadrar a quarta onda do feminismo localizada no século XXI. À reboque de vertentes materialistas e de maneira superficial, alguns autores atribuem como uma das características principais a mobilização em redes sociais e o sentimento de comunidade proveniente destes espaços digitais (MUNRO, 2013). Outros autores ideologicamente acreditam em uma perspectiva evolutiva, desconsiderando uma série de disputas de poder e de divergências políticas dentro do próprio movimento. Podemos citar, como exemplo, o ensaio de Harriet Kimble Wrye (2016, p. 187) que define que a quarta onda, diferentemente de períodos anteriores, concentram a atenção para questões “espirituais” e coletivos como “os limites do materialismo; a necessidade de transformar a partir de preocupações sobre ‘eu’ para uma preocupação com o planeta e todos os seus seres; e no sentido de que, para nós, o que é mais importante é colocarnos a serviço do mundo”. Já alguns autores como Marlize Matos (2013) elencam possíveis características como o aprofundamento da concepção de direitos humanos, a ampliação da base das mobilizações sociais e políticas, sobretudo dentro de um novo enquadramento ou moldura transnacional, o reforço do princípio da não-discriminação relacionadas ao gênero, raça, etnia, nacionalidade, classe ou religião, buscando desenvolver ações transversais, interseccionais e intersetoriais. Contudo, é necessário aprofundar essas características para verificar se, de fato, há características próprias deste novo ser feminista que vem se consolidando no século XXI. Levando em consideração essas características relacionadas anteriormente, buscaremos discutir como se dá as dinâmicas em redes sociais a partir de performances individuais e não coletivas, a fim de verificar como os sujeitos performam a partir de referenciais relacionados ao feminismo. Portanto, tomamos como recorte, as performances no Instagram, pois esta se consolida por sua atualização constante voltada para uma construção da imagem de si. A partir dessa característica de individualização, subjetividade materializada através de imagens, performances de si, buscaremos discutir como a imagem de personagens históricos tem sido utilizada e apropriada nas performances em redes sociais. Seriam estas imagens de empoderamento oriundo de uma quarta onda do feminismo, cuja compreensão de não-

discriminação e o senso de coletivo são essenciais como características fundamentais do movimento atual? O resgate histórico como estratégia de empoderamento em redes sociais “O passado fornece um plano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito o que comemorar”, afirma Eric Hobsbawm (2011), salientando que este mecanismo de resgate da história é um recurso argumentativo poderoso capaz de justificar uma série de demandas políticas dos dias de hoje. No entanto, essa recuperação não se limita apenas a agentes do governo, como assinala o historiador. Podemos observar que o uso da história como um poderoso mecanismo também ocorre em grupos de resistência minoritários, que procuram através da recuperação da memória histórica, produzir narrativas de empoderamento e de inspiração para os seus membros e simpatizantes. Frases citadas por feministas como Simone de Beauvoir, Judith Butler, Virginia Woolf e Sojourner Truth, entre outras, configuram entre as páginas de redes sociais de coletivos feministas [FIG. 01], passando para os seus seguidores mensagens de empoderamento ou conscientização, ambos conceitos debatidos por Paulo Freire, e que serão centrais neste trabalho.

Fig 01: post ilustrativo retirado da página feminista “Empodere duas mulheres”, uma das principais no Brasil, citando Simone de Beauvoir

Evidentemente, não se trata de uma característica de um novo feminismo, visto que o conceito já vem sido discutido há décadas. A origem do conceito de empoderamento é difusa e deriva de movimentos de lutas entre grupos minoritários, sobretudo, mulheres e negros nos anos 60 (Horochovsk, Meirelles, 2007). Julian Rappaport (1987, p. 122), um dos precursores do termo, define o empoderamento como um “processo, um mecanismo, através do qual pessoas, organizações e comunidades ganham domínios sobre seus próprios assuntos. Consequentemente, o empoderamento terá um aspecto diferente no seu conteúdo manifesto para diferentes pessoas, e organizações”. Com isso, argumenta que o termo fica aberto para diferentes interpretações e definições. Rappaport ainda sugere que uma preocupação com o empoderamento nos leva a procurar soluções para os problemas em viver em uma diversidade de contextos locais, em vez de um sistema centralizado de soluções únicas de uma estrutura monolítica de ‘ajuda’, onde esta é considerada como um bem escasso. Partindo desta concepção na qual a ajuda é um bem a ser medido, é possível compreender que o empoderamento significa necessariamente um processo do qual um agente com algum nível de poder cede parte de seu bem simbólico para uma pessoa ou grupo cujo privilégio não é um dado recorrente. Evidentemente, tal premissa não afirma que o empoderamento de um significa, consequentemente, uma concessão do poder do outro, mas coloca o agente empoderador como uma entidade benevolente, seja por altruísmo ou por interesses particulares. Esta é uma visão hierárquica do empoderamento que foi combatida por Paulo Freire, ainda na década de 1970. Para o educador, o empoderamento é uma ferramenta de transformação que deve partir do próprio grupo minoritário. Para ele, a pessoa ou organização deve empoderar-se, por si mesmo, sem a intervenção de outro, através de um processo que leva a mudanças em sua própria estrutura, fortalecendo-se, desta maneira. Ou seja, estes grupos em situação desfavorável não são concebidos, desta maneira, como sujeitos passivos ou reativos em um processo formador de uma “educação bancária”, na qual os aprendizes são repositórios de conhecimentos passados por outrem. Mas sim, são agentes ativos de um processo de transformação no qual os oprimidos se libertam.

Segundo Perkins e Zimmerman (1995, p. 1), o empoderamento é “um construto que liga forças e competências individuais, sistemas naturais de ajuda e comportamentos proativos com políticas e mudanças sociais”. O termo surge nos anos 70, com uma conotação política emancipatória, tendo entre seus principais foco as mulheres e negros. Segundo os autores, e com base em Rich et al (1995), a abordagem sobre o conceito pode ser dividido em três modalidades: empoderamento formal, quando instituições governamentais propiciam mecanismos para que o público interaja e influencie em suas decisões; empoderamento instrumental, que “se refere à capacidade real do indivíduo participar e de influenciar um processo de tomada de decisão” (Rich et al, 2005 apud Horochovsk, Meirelles, 2007); e o empoderamento substantivo, que “refere-se à habilidade em tomar decisões que resolvam os problemas ou produzam os resultados desejados” (idem). Já o conceito de conscientização, desenvolvido por Paulo Freire, diz respeito a um processo de formação de uma consciência crítica em relação aos fenômenos da realidade objetiva. Para Freire, a transformação social deve passar necessariamente por um desenvolvimento coletivo de uma consciência crítica sobre a realidade. Mas do que uma apreensão de uma realidade, a concepção de Freire sobre a conscientização diz respeito a uma práxis que se refere a um procedimento metodológico reflexivo e crítico. Este procedimento relaciona-se com a própria compreensão de si como sujeito histórico, de sua subjetividade, e pertencente a uma sociedade. Como os sujeitos constroem suas performances em redes sociais? Seriam projetadas como um instrumento de empoderamento entre os iguais ou um processo de conscientização para uma transformação social? Por performance, é importante definir por uma perspectiva interacionista, tal como Goffman (1985) e Schechner (1988), que diz respeito a uma atuação dos indivíduos diante de uma situação, onde se relaciona e adapta a uma audiência. Para tanto, nos focaremos em uma análise de redes sociais a partir do Instagram, tendo como foco o uso da hashtag #simonedebeauvoir, por ser esta uma das feministas de grande popularidade atualmente.

Metodologia A plataforma escolhida para o estudo foi o Instagram não somente pela relação com a produção de subjetividade através das imagens, mas também devido as suas particularidades, como a inserção no dia a dia do usuário, a possibilidade de reconhecimento de padrões com um banco de dados reduzido, a divulgação em modo público e a facilidade de obtenção dos dados através da técnica de raspagem de dados. Para a aquisição dos dados foi utilizado um script de raspagem de dados criado através da extensão Web Scraper1 para o navegador Google Chrome. O código2 foi desenvolvido para a aquisição de dados em 3 etapas: na primeira etapa era feito um mapeamento dos links para as imagens/vídeos disponiveis através da visualização web do instagram3. Na segunda etapa o script abria os links adquiridos na primeira etapa e recolhia os dados (Nickname, localização, descrição da foto/video, quantidade de curtidas, data de postagem e download da imagem/vídeo). Na terceira etapa, o script entrava no perfil de cada usuário mapeado, na primeira e segunda etapa, e recolhia os dados restantes (nome, descrição do perfil, quantidade de fotos/vídeos, quantidade de seguidores, quantidade de usuários que segue). Os dados foram entregues em formato de planilha editável e tratados para a análise. Foram obtidas aproximadamente 300 imagens/vídeos publicadas em modo aberto de um total de 21 mil menções a hashtag na plataforma instagram, com a eliminação de linhas com erros e criando um recorte de data de 05/07/2016 a 16/07/2016. Ao final do tratamento da amostra foram obtidas 191 imagens que puderam ser analisadas, de acordo com a descrição da imagem, o conteúdo da imagem e o perfil do usuário. Como plataforma de visualização de dados foi escolhida o Google Fusion Table, por permitir a indexação de arquivos de imagens/vídeos, sendo assim, facilitando a análise de cunho qualitativos das mesmas.

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A extensão está disponível gratuitamente em http://webscraper.io/ O código está disponível no seguinte endereço: https://goo.gl/SKVy9o 3 Disponível no seguinte endereço: https://www.instagram.com/explore/tags/simonedebeauvoir/ 2

Resultados da Análise Dos 191 resultados coletados pela metodologia acima descrita, buscaremos estruturas nossa análise a partir de três categorias de base: análise do perfil e análise do conteúdo dos posts, tanto por seu aspecto imagético quanto textual. Ao analisar os perfis é possível verificar que os usuários mapeados há na amostra coletada grande apropriação da hashtag por perfis de mulheres, alcançando um total de 135 perfis da nossa amostra de 191 perfis. Ao pesquisar perfis masculinos foi possível identificar 23 perfis, sendo grande parte de usuários com aproximação com a arte e/ou professores, como fotógrafos, artistas plásticos, ilustradores. Houve a ocorrência de 29 imagens postadas por perfis de organizações/empresas ou coletivos, com destaque para as livrarias a divulgação de livros relacionados a Simone e para coletivos que trabalham a memória de mulheres na história mundial, como o @womeninthepast com a postagem de fotos de mulheres entre os anos de 1940 a 1970. Em muitos perfis analisados foi identificado o uso de imagens com frase como um comportamento padrão dos usuários, sendo postado regularmente, abarcando diversos outros temas. Em um contexto geral, muitos dos perfis analisados possuem uma aproximação ao que se denomina bookaholic, ou seja, os viciados em livros, que consomem uma grande quantidade de informações e que será um dos pontos a serem discutidos a seguir. Conteúdo dos posts Em relação ao conteúdo dos posts, iremos nos pautar tanto pelas imagens quanto por elementos textuais que acompanham as fotos. Das 191 imagens coletadas, cinco eram referentes à cartazes que traziam alguma citação de Simone de Beauvoir, todas trazendo mensagens de empoderamento. Dessas cinco, duas usavam hashtags de várias campanhas em redes sociais como #belarecatadaedolar #naotiraobatomvermelho e #primeiroassedio. Tais estratégias de consolidação de laços através do uso de hashtags neste rede social, além de funcionarem como forma de remissão dentro de um

espaço, consolidam a tentativa de estruturação de laços sociais, ampliando o alcance conversacional para além da rede de seguidores já estabelecida. Ainda, a utilização de hashtags com uma identidade consolidada a partir de alguma campanha previamente difundida, servem como uma legitimação do discurso apresentado pelo agente, estabelecendo uma negociação conversacional a partir de compartilhamento de sentidos através de dinâmicas sociais em redes. Como pudemos observar na nuvem de palavras gerada a partir das legendas das fotos em português, tais hashtags já consolidadas se tornam elementos persistentes na análise textual da totalidade da amostra:

Fig 02: Nuvem de palavras geradas a partir das legendas em português das imagens coletadas

Como pudemos observar na nuvem de palavras gerada a partir dos textos coletados como descrição das imagens postadas pela amostra coletada, pudemos verificar a constância de hashtags de campanhas popularizadas nas redes sociais como #lugardemulhereondeelaquiser ou #meuamigosecreto, mostrando uma estratégia de ampliação da imagem de si renegociada por uma associação a hashtags nas dinâmicas interacionais. Podemos verificar, também, que a palavra empoderamento e a variação “empoderamento feminino” configuram entre os principais termos coletados a partir das descrições das imagens postadas. Levando em consideração a definição propositiva do termo, de acordo com o recorte teórico levantado anteriormente, o que se vê nesse processo de construção

identitária diz respeito a um conhecimento de sua individualidade como pertencente a sociedade da qual os sujeitos fazem partes. Nesse sentido, muito mais do que movimentos empoderadores, tais posicionamentos em redes sociais demonstram uma tomada de conscientização (FREIRE, 1987) dos atores sociais enquadrados na amostra coletada, na qual os sujeitos passam a ter consciência crítica em relação aos fenômenos da realidade objetiva, reconhecendo, inclusive, dinâmicas interacionais que permitem a ampliação da visibilidade de suas performances projetadas nesses espaços de redes sociais. O resgate histórico, evidentemente, esteve presente na análise. Das 191 imagens, 18 continham citações de Simone Beauvoir, ilustradas com fotos da escritora, como por exemplo a famosa foto nua no banheiro capturada pelas lentes do fotógrafo americano Art Shay. Ainda, 18 imagens mostravam o domínio sobre a biografia de Simone de Beauvoir, indicando uma relação de capital social sobre o conhecimento. Os fluxos de informação e conhecimento que circulam pelos laços existentes entre os membros de uma rede são elementos que corroboram para uma posiação social de cada indivíduo no sistema interacional, que por sua vez, são dependentes tanto de características culturais e políticas, como também da própria atuação dos atores sociais. A soma desses recursos decorrentes da existência de uma rede de interrelações mútuas é o que Bourdieu (1985) chama de capital social. Assim, podemos afirmar que o capital social está associado à localização dos atores na rede e aos recursos sociais a ela imbricados. Aplicado a essa análise, os atores sociais estruturam o seu capital social a partir do conhecimento, levando em consideração o valor que é atribuído a ele (BORGATTI; CROSS, 2003). No caso de citações com imagens, tal valoração ganha níveis menores perto da ação de aquisição de conhecimento direto e não replicado. Ou seja, imagens compartilhadas de citações possui um valor de capital social menor do que a atuação de estar adquirindo um conhecimento de maneira direta, como a leitura de um livro da autora em questão. É justamente essa a ação mais constante na coleta de dados levantada. Das 191 imagens, 72 eram fotos de livros de Simone de Beauvoir. Porém, mais do que um exercício de capital social pelo conhecimento, é necessário ainda estruturar sua atuação através de uma participação direta com o objeto. Por exemplo, 16 pessoas postaram imagens retratando o ato da

leitura, acrescentando partes do seu próprio corpo na cena, como uma afirmação de estar presente na cena na qual o capital social se dá através conhecimento. Porém, foi possível observar também outras formas de “pessoalizar” a cena. Sete pessoas estabeleceram sua participação na leitura ao enfocar as marcas da leitura, como marcadores de livros personalizados ou anotações específicas nas margens do objeto, marcando a sua presença através de uma experiência anterior registrada. Como uma das dinâmicas mais constantes, 34 imagens apresentavam uma construção de cena de maneira pessoal, como composição de livros com toques pessoais, como uma vela em cima da pilha de livros, ou em ambientes íntimos, como a cama de casa, por exemplo. Ainda, oito pessoas buscaram transparecer as marcas da pessoalidade através de introdução do livro em atos de consumo, sobretudo, alimentar.

Figs 03 a 08: Exemplos de imagens coletadas, mostrando a construção de cena, a inserção no ambiente projeto, marcas de pessoalidade no livro, e inclusão de consumo na captura da imagem.

Vale ressaltar ainda que, dentre as 72 imagens de livros coletadas, apenas 07 não possuíam marcas de pessoalidade, sendo inseridas em cenas gerais como em estantes de livrarias, ou em prateleiras sem a incorporação de toques pessoais ou objetos e marcas que denotam a uma experiência e atuação prévia dos atores sociais, como vemos no gráfico abaixo.

Fig 09: Gráfico referente às imagens de livros coletadas na amostra

Mas a inserção na cena não acontece apenas quando o ato de leitura está envolvido na captura da imagem. 15 imagens eram referentes à paisagens em locais turísticos, sendo cinco destas com o agente inserido na cena. Ainda, foi possível observar a presença de 44 imagens de si, sendo onze selfies e seis imagens de partes do corpo como mãos, pernas e pés. Foram encontradas ainda 13 imagens de artes, como desenho, gravura, grafite e escultura; duas imagens promocionais de eventos; dois memes; dois prints de internet, como exposto no gráfico a seguir:

Fig 10: gráfico geral das imagens coletadas

Como pudemos observar, algumas questões foram suscitadas através desta coleta, mostrando relações sociais pautadas em capital social sobre o conhecimento e a visibilidade de performance em redes sociais configuram entre os principais resultados empreendidos. Ainda que não nos forneça subsídios para compreender se estamos diante de uma quarta onda do movimento feminista, podemos verificar que algumas questões do terceiro movimento ainda são vistas atualmente, deixando em aberto a definição do que presenciamos atualmente. Considerações finais Mais do que ser categórico e cair no mesmo engano precipitado tomado por alguns autores que afirmam se tratar de uma quarta onda do feminismo, a proposta desse artigo parte do princípio de que as performances dos sujeitos se tornam fundamentais para a construção de gênero. Portanto, a partir dessa noção de uma performance fluida, tal como toda performance é, a proposta desse artigo foi a de verificar, através de performances individuais em redes sociais, tendo o Instagram como suporte, a partir do uso da hashtag #SimonedeBeauvoir, como se estruturam as dinâmicas interacionais dos sujeitos nessas redes. Como pudemos articular, a partir da análise empreendida das imagens coletadas, foi possível observar uma predominância de entradas que se referem à estruturação e circulação de

um capital social consolidado a partir do conhecimento, tanto da biografia de Simone de Beauvoir quanto de sua obra. As performances orquestradas nesses espaços interacionais, mostrou-nos performances pautadas em si, no individual, muito menos em um sentido do pessoal ser político, próprio da terceira onda do movimento feminista. As performances de si travadas nas redes sociais apontam, ainda que inicialmente e precisando de análises etnográficas mais densas como entrevista em profundidade e observação-participante de longo prazo, apesar de constantemente fazer uso de mecanismos e ferramentas de ampliação das redes por uso de hashtags coletivas, estão muito mais focadas em sua individualidade. Performances de si, disputas de capital social e inserção em cenas projetadas para a captura imagéticas foram alguns dos resultados apontados nessa análise, com possibilidade de ampliação da amostra para uma verificação com menos margem de erro. Referências BORGATTI, Stephen P.; CROSS, Rob. A relational view of information seeking and learning in social networks. Management science, v. 49, n. 4, p. 432-445, 2003. BOURDIEU, Pierre. O capital social–notas provisórias. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, p. 6569, 1998. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Editora Record, 2003. CARRERA, Fernanda. Instagram no Facebook: uma reflexão sobre ethos, consumo e construção de subjetividade em sites de redes sociais.Animus. Revista Interamericana de Comunicação Midiática, v. 11, n. 22, 2012. DEJMANEE, Tisha. Waves and popular feminist entanglements: diffraction as a feminist media methodology. Feminist Media Studies, p. 1-5, 2016. FERNANDES, Florestan. Mudanças sociais no Brasil. Global Editora e Distribuidora Ltda, 2015. FRASER, Nancy. O feminismo, o capitalismo e a astúcia da história.Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 14, n. 2, p. 11-33, 2009. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, v. 3, 1987. GENETTE, Gérard; LEWIN, Jane E. Paratexts: Threshold of Interpretation (literature, Culture, Theory). Cambridge: Univ. Pr., 1997. GOFFMAN, Erving. As representações do eu na vida cotidiana.Petrópolis: Vozes, 1985. HOBSBAWM, Eric. On history. Hachette UK, 2011. HOROCHOVSKI, Rodrigo Rossi; MEIRELLES, Giselle. Problematizando o conceito de empoderamento. Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia, v. 2, p. 485506, 2007. MATOS, Marlise. Feminismo e teorias da justiça. Dimensões políticas da justiça. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 141-155, 2013. MUNRO, Ealasaid. Feminism: A fourth wave?. Political insight, v. 4, n. 2, p. 22-25, 2013.

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