Simultaneidade e Retrospecção: O debate sobre a narrativa na filosofia da história anglo-saxônica (1942-1973)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

SIMULTANEIDADE E RETROSPECÇÃO: O DEBATE SOBRE A NARRATIVA NA FILOSOFIA DA HISTÓRIA ANGLO-SAXÔNICA (1942-1973)

MARCUS VINÍCIUS DE MOURA TELLES

2013

SIMULTANEIDADE E RETROSPECÇÃO: O DEBATE SOBRE A NARRATIVA NA FILOSOFIA DA HISTÓRIA ANGLO-SAXÔNICA (1942-1973)

Marcus Vinícius de Moura Telles

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social. Orientador: Prof. Dr. Felipe Charbel Teixeira

Rio de Janeiro Junho/2013

Simultaneidade e Retrospecção: O debate sobre a narrativa na filosofia da história anglo-saxônica (19421973).

Marcus Vinícius de Moura Telles

Orientador: Prof. Dr. Felipe Charbel Teixeira

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social, do Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.

Aprovada em 20 de junho de 2013 pela banca formada por:

_______________________________________________ Presidente, Prof. Dr. Felipe Charbel Teixeira (UFRJ)

_______________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Gantus Jasmin (PUC-Rio)

_______________________________________________ Prof. Dr. Pedro Spinola Pereira Caldas (UNIRIO)

Rio de Janeiro Julho/2013

Telles, Marcus Vinícius de Moura. Simultaneidade e Retrospecção: o debate sobre a narrativa na filosofia da história anglo-saxônica (1942-1973) / Marcus Vinícius de Moura Telles. Rio de Janeiro: UFRJ / IH, 2013. 196p.; 31 cm. Orientador: Felipe Charbel Teixeira. Dissertação (mestrado) Ŕ UFRJ / IH / Programa de Pós-Graduação em História Social, 2013. Referências Bibliográficas: p. 188-196. 1. Louis Mink. 2. Hayden White. 3. Sociedade e cultura Ŕ dissertação. I. Teixeira, Felipe Charbel. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós-Graduação em História Social. III. Título.

RESUMO

Simultaneidade e Retrospecção: o debate sobre a narrativa na filosofia da história anglo-saxônica (1942-1973) Marcus Vinícius de Moura Telles Orientador: Prof. Dr. Felipe Charbel Teixeira

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social, do Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ŕ UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.

Este trabalho trata do debate sobre a narrativa histórica surgido no campo da “filosofia da história” anglo-saxônica no período entre 1942, data da publicação de A Função das Leis Gerais na História por Carl Hempel, e 1973, quando Hayden White publica MetaHistória. Neste intervalo, a narrativa deixa de ser compreendida como um conjunto de frases causais singulares e passa a ser vista como uma estrutura que une retrospectivamente os eventos, permitindo que sejam vistos como um todo simultâneo. Os primeiros críticos do modelo unitário de ciência proposto por Hempel argumentaram que a história tem a peculiaridade de explicar por meio de relatos. Para isto, se basearam amplamente na obra de R. G. Collingwood. Em meados dos anos 1960, o debate sobre a explicação histórica iniciava seu esgotamento, mas o tema da narrativa se manteve em discussão. Os problemas da retrospecção e da natureza sinóptica da compreensão histórica se desenvolveram separadamente, especialmente com Arthur Danto e Louis Mink. Elaborando os argumentos de ambos e pondo-os em diálogo com a análise de Collingwood sobre a “mudança conceitual”, Mink uniu as duas linhas de desenvolvimento, sintetizando suas consequências por meio da tese de que “estórias não são vividas, mas contadas”. A reunião de todos estes desenvolvimentos em um mesmo sistema, com a significativa inclusão da noção de “enredo”, permitiu que Meta-História pusesse um novo conjunto de questões em debate, muitas ainda atuais para a teoria da história.

Palavras-chave: Narrativa; compreensão; enredo; Louis Mink; Hayden White.

ABSTRACT

Simultaneity and Retrospection: the debate about the historical narrative in Anglo-Saxon philosophy of history (1942-1973)

Resumo em inglês da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de PósGraduação em História Social, do Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ŕ UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.

This is a study of the debate about the historical narrative that emerged on the anglosaxon “philosophy of history” between 1942, date of Carl Hempel‟s The Function of General Laws in History, and 1973, when Hayden White published Metahistory. In the period studied, the narrative ceased to be understood as a set of singular causal sentences and comes to be seen as a structure that retrospectively unites events, allowing them to be seen as a simultaneous whole. Early critics of Hempel‟s unitary model of science claimed that history has the peculiarity of explaining by storytelling. For this, they often looked for support in the work of R. G. Collingwood. In the mid1960s, the debate on the historical explanation began its exhaustion, but the topic of the narrative remained under discussion. The problems of the retrospection and of the synoptic nature of historical understanding initially developed separately, especially by Arthur Danto and Louis Mink. Elaborating on the arguments of both and putting them in dialogue with Collingwood's analysis of the “conceptual change”, Mink came to the thesis summarized by the famous slogan “stories are not lived but told.” The reunion of all these developments in a single system, with the meaningful inclusion of the notion of “plot”, allowed Metahistory to put in discussion a new set of questions, many of them still important to the theory of history. Keywords: Narrative; comprehension; plot; Louis Mink; Hayden White.

AGRADECIMENTOS Agradeço à sociedade brasileira por ter, por meio de uma bolsa da CAPES, possibilitado a realização desta pesquisa. Ao professor Felipe Charbel, pela orientação, pelo exemplo de seriedade intelectual, pelo ótimo curso sobre Historiografia Literária que assisti em 2011 e pela imprudência de acreditar neste projeto. Aos professores Marcelo Jasmin e Pedro Caldas, pelas contribuições muito enriquecedores durante a qualificação e por comporem a banca examinadora. As professoras Cida Mota e Andrea Daher, pelos cursos e pelas oportunidades de aprimorar este material em 2011. Ao professor Ricardo Benzaquen, pelas aulas na PUC. Ao Leandro Rust, uma espécie de Bossenbrook na minha formação, e a Lia Bott, por terem estimulado meu interesse por teoria e o prosseguimento de minhas pesquisas, e pelo que me ensinaram com seu exemplo e com suas aulas. Aos meus irmãos Rafael “Will” e Luiz “Felipe”, bem como a Haru e a Grazi, pela parceria de todos esses anos. As amigas Jana e a Thais, talentosas historiadoras e professoras que sempre me incentivaram. A amiga Valeria, também talentosa historiadora e professora, por toda a confiança que ainda não pude retribuir. Aos demais amigos de Petrópolis. Aos camaradas Leandro Ricon, pelos papos antes da seleção e pela ajuda inestimável para que eu tivesse acesso à tese do Mink, e Ricardo Santelli, pelos elementos pré-textuais da versão impressa do trabalho. Aos colegas do PPGHIS. Aos meus alunos, por serem um dos grandes motivos para que eu busque entender o passado e seus usos presentes. Aos colegas de trabalho, em Petrópolis e em Londrina. A todos que dedicam seu tempo a disponibilizar conhecimento aos demais. Não é exagero afirmar que esta pesquisa, baseada amplamente em livros não disponíveis no Brasil, não teria sido possível sem iniciativas como o Library Genesis. No Brasil, expresso minha gratidão e minha solidariedade ao Thiago, do Livros de Humanas. Agradeço muito especialmente a minha família, cujo amor e apoio foi e tem sido indispensável em cada etapa da minha vida. Especialmente a minha mãe, Cida, por estar sempre próxima, sendo a pessoa incrível que é e tendo dado todo o apoio que precisei, ao meu pai, Paulo, pelo exemplo de dedicação profissional e postura pessoal, e aos dois pelo incentivo. Sem vocês, esta dissertação não teria sido possível. Agradeço também minha vó Thereza, a Ana, o Rapha, a Celeste, minha “sogrinha” Marly e minhas tias, pelo amor e pela presença. Por fim, agradeço a minha companheira, “parceira mui amada”, Ana Laura. Todos os pensamentos sobre os Minks e Whites deste texto foram feitos ao mesmo tempo em que eu me apoiava em seu companheirismo e sua compreensão, em seu amor e em sua amizade. Você está ali, em cada uma das linhas deste texto; e está aqui, em mim, pois eu seria alguma outra coisa menos feliz se não fosse por você: obrigado por dividir sua vida comigo.

ABREVIAÇÕES Alguns dos livros mais frequentemente mencionados neste trabalho serão indicados pelas siglas abaixo: The Idea of History (R. G. Collingwood, 1945). Introdução à Filosofia da História (W. H. Walsh, 1951). Laws and Explanation in History (William Dray, 1957). Philosophy and the Historical Understanding (W. B. Gallie, 1964). Narration and Knowledge, com o texto completo de Analytical Philosophy of History (Arthur Danto, 1965/1985). Knowledge of the Past: A Critique of Epistemological Theories With Respect KP to Their Consequences for Knowledge of the Past (Louis Mink, 1952). Mind, History, and Dialectic: The Philosophy of R. G. Collingwood (Louis MHD Mink, 1969). Historical Understanding (Louis Mink, organizado por Brian Fay, Eugene HU Golob e Richard Vann, 1987). Meta-História: A Imaginação Histórica do Século XIX (Hayden White, MH 1973). Trópicos do Discurso: Ensaios Sobre a Crítica da Cultura (Hayden White, TD 1978). The Content of the Form: Narrative Discourse and Historical Representation CF (Hayden White, 1987). Figural Realism: Studies in the Mimesis Effect (Hayden White, 1999). FR The Fiction of Narrative: Essays on History, Literature, and Theory, 1957FN 2007 (Hayden White, organizado por Robert Doran, 2010). RFHW Re-Figuring Hayden White (organizado por Frank Ankersmit, Ewa Domanska e Hans Kellner, 2009). HWHI Hayden White: The Historical Imagination (Herman Paul, 2011). A New Philosophy of History (organizado por Hans Kellner e Frank NPH Ankersmit). Chicago: University of Chicago Press, 1995. IH IFH LEH PHU NK

O mesmo se fará com os seguintes capítulos ou artigos: TI LMLT LMP

Translator‟s Introduction: On History and Historicisms (Hayden White, 1959.) Louis Mink‟s Linguistic Turn (Richard Vann, 1987.) Louis Mink, “Postmodernism”, and the Vocation of Historiography (Samuel James, 2010.)

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10 CAPÍTULO 1 – ENTRE AS “LEIS GERAIS NA HISTÓRIA” E “A IDEIA DE HISTÓRIA”: O DEBATE SOBRE A “EXPLICAÇÃO HISTÓRICA” ................ 21 1.1. Uma filosofia não-especulativa da história ............................................................ 21 1.2. R. G. Collingwood: cumprir a missão da filosofia do século XX .......................... 25 1.3. William H. Dray: as várias formas de explicar historicamente .............................. 35 1.4. Interpretação “vertical”: “explicar o quê”, coligação, metáfora ............................. 39 1.5. Indícios de um impasse: o debate entre Dray e Hempel ......................................... 42 1.6. W. B. Gallie: followability e “conceitos essencialmente contestados” ................. 45 1.7. Arthur Danto: entre a explicação e a historicidade ................................................. 51 a) Redescrição de eventos (I): a “explicação histórica” ................................................ 54 b) Redescrição de eventos (II): as consequências da retrospecção ................................ 61 CAPÍTULO 2 LOUIS MINK: AS ASSIMETRIAS TEMPORAIS DA COMPREENSÃO HISTÓRICA ................................................................................................................ 69 2.1. Os “modos de compreensão” .................................................................................. 71 2.2. As conclusões não-destacáveis da compreensão configuracional .......................... 73 2.3. O problema da mudança conceitual ........................................................................ 78 a) Conceitos filosóficos e escala de formas, com atenção especial ao “segundo nível” 78 b) A dialética das ideias: “perguntas e respostas”, “pressuposições absolutas” ............ 84 c) Pressuposições absolutas ........................................................................................... 87 2.4. “Levar o tempo a sério”, novamente: o problema da retrospecção ........................ 91 2.5. “Estórias não são vividas, mas contadas” ............................................................. 100 2.6. A forma narrativa como instrumento cognitivo ................................................... 107 CAPÍTULO 3 HAYDEN WHITE: O ENREDO COMO PRODUTOR DE SENTIDO .............. 117 3.1. White e a filosofia da história anglo-saxônica ...................................................... 117 2. O jovem White: a defesa da autonomia da história ................................................. 122 3.3. O Fardo da História .............................................................................................. 131 3.4. O processo histórico como preenchimento de figuras .......................................... 135 3.5. A concepção poética da linguagem ...................................................................... 144 3.6. A estrutura típico-ideal da obra histórica ............................................................. 148 a) A distinção entre estória e enredo ............................................................................148 b) A Interpretação na História ..................................................................................... 154 c) A Poética da História ............................................................................................... 161 3.7. Filosofia utópica da história ................................................................................. 174 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 178 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 188

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Introdução A narrativa historiográfica é uma estrutura que produz sentido sinóptica e retrospectivamente. Uma frase como esta dificilmente chocaria a qualquer ouvinte minimamente familiarizado com a teoria da história, exceto, é claro, no caso de emprego em um ou outro contexto discursivo mais polêmico.1 Nosso trabalho busca compreender o processo de construção intelectual pelo qual a narrativa historiográfica passou a ser concebida desta maneira, virando mesmo parte da “ciência normal” da teoria da história. Uma atenção especial recai sobre a obra dos dois teóricos que, em nossa visão, mais forçosamente trouxeram à tona o caráter sinóptico e retrospectivo da construção historiográfica de sentido, articulando-os e derivando consequências até então pouco percebidas por filósofos e historiadores: Louis Otto Mink Jr. e Hayden V. White. Esta forma de pensar sobre a narrativa teve origem no campo discursivo formado ao redor do artigo A Função das Leis Gerais na História, publicado por Carl G. Hempel em 1942, e foi, ela própria, constituinte do novo campo consolidado a partir da publicação de Meta-História, por Hayden White, em 1973. O debate, especialmente nas décadas de 1950 e 1960, girava ao redor da adequação da “explicação histórica” ao “modelo das covering laws”2, ou “modelo Popper-Hempel”3, segundo o qual toda explicação consiste na dedução de um enunciado particular (explanandum) a partir de um geral, que contém as condições iniciais e ao menos uma lei (explanans). Porém, com a publicação póstuma de The Idea of History, de R. G. Collingwood, em 1946, uma segunda vertente se formou: a de filósofos que consideravam que a história fornece um tipo de explicação diferente, e nem por isso menos legítimo, daquele encontrado nas ciências naturais. Não demorou para que fosse apontado (por William H. Dray e Walter B. Gallie) que tal explicação assume a forma de uma narrativa, especialmente quando trata da explicação de ações. Mesmo pensadores mais afins a Hempel (como Morton White e, por outros motivos, Arthur C. Danto) passaram a discutir o elemento narrativo da historiografia, buscando criar um modelo de narrativa compatível com o das covering laws. O capítulo 1 de nossa dissertação trata da ascensão disto que se chamou,

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Muitos, ainda hoje, temem que versões mais radicais das ideias formuladas por Hayden White possam, por exemplo, fomentar o negacionismo do Holocausto. Mas, se nossa expectativa não é vã, nosso trabalho mostrará que não se trata de uma preocupação minimamente pertinente. 2 O termo foi proposto por Dray em seu Laws and Explanation in History, de 1957. 3 Tal como o chama Alan Donagan (in DRAY, 1966).

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inespecificamente, de “narrativismo”, no contexto da filosofia da história anglosaxônica: i.e., deste conjunto de reflexões sobre o papel da narrativa na historiografia. Nestes debates de meados do século, o termo “narrativa” não denotava, ainda, os significados que hoje mais comumente lhe atribuímos. Foi apenas por meio da articulação de diferentes insights que isto ocorreu, gradualmente, a partir de meados dos anos 1960. A discussão sobre o caráter retrospectivo da compreensão histórica foi apresentada por Arthur Danto em seu Analytical Philosophy of History, de 1965, especialmente por meio da noção de “sentenças narrativas”, que ligam temporalmente dois eventos, significando o primeiro à luz do segundo (como na frase “o autor de An Essay on Metaphysics nasceu em 1889”). Já o caráter sinóptico desta mesma compreensão foi sugerido por Louis Mink no artigo The Autonomy of Historical Understansing, de 1966. Três anos depois, em seu livro Mind, History, and Dialectic: The Philosophy of R. G. Collingwood, Mink aproximou os dois argumentos, afirmando que a compreensão histórica é sinóptica e retrospectiva. No ano seguinte, 1970, em History and Fiction as Modes of Comprehension, Mink associou tal compreensão à narrativa. Enquanto isso, Hayden White, um atento leitor de Collingwood, além de amigo e igualmente atento leitor de Danto e de Mink, trabalhava no livro que se tornou o Meta-História. Em suas pesquisas, ele buscava um modelo capaz de explicar as “afinidades eletivas” que encontrara nos “modos de enredo” (que produzem sentido para a “estória contada”, na linha de Dray, Walsh, Mink e outros), de “argumentação” (a explicação, ou “efeito de explicação”, “científica”, nos moldes de Hempel, M. White e afins), mas não só: Hayden White propunha-se também a discutir as “implicações ideológicas” da historiografia. Conforme sua queixa em The Politics of Contemporary Philosophy of History (1969), o consenso de todos os envolvidos no debate sobre a “explicação histórica” acerca da ilegitimidade intelectual das “filosofias especulativas da história” nada mais era do que uma recusa em pensar as implicações éticas da prática historiográfica. Não bastava, para White, pensar as “estórias” e a “explicação”: era necessário pensar também sobre as consequências práticas da “construção de um passado”. Desde o seu primeiro texto, publicado em 1957, White elogiava Collingwood por argumentar o mesmo. Quando, uma década e meia depois, tentou demonstrar a relação entre estória, argumento e ideologia, ele recorreu, dentre vários autores de seu vasto arsenal intelectual, tanto a Collingwood quanto ao collingwoodiano Mink. Meta-História estava pronto para ser não apenas uma história intelectual da historiografia europeia do século XIX, mas também o marco de

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um novo paradigma na teoria da história. Cada um dos insights aqui mencionados já haviam, é claro, sido formulados em outros contextos. Mas pela primeira vez eles são articulados em um único “sistema filosófico”. O que nos propomos a fazer neste estudo é compreender o processo de construção desse sistema, a partir de uma leitura próxima do desenvolvimento das filosofias da história de Mink e de White. White certamente não foi o primeiro teórico a argumentar que o historiador “constrói” os objetos que estuda, nem o primeiro a se ocupar da narrativa histórica, embora esta última afirmação dependa de como definamos “narrativa”. Além disso, muito pouco em sua obra é, ou se propõe a ser, “original”. Porém, a articulação, em seus textos, de insights teóricos estabelecidos a partir de diálogos com autores tão vários quanto Giambattista Vico, Benedetto Croce, R. G. Collingwood, Erich Auerbach e Northrop Frye, possibilitou deslocar os debates da filosofia da história anglo-saxônica de questões sobre frases singulares (ainda que encadeadas narrativamente) para questões sobre o texto histórico como uma totalidade. São tantas as referências à importância de Meta-História para a teoria da história a partir de 1973, e tantas as obras de peso que se apresentam, ao menos parcialmente, como respostas a ele, que seria desnecessário e cansativo até mesmo nos darmos ao trabalho de mencioná-las. Porém, o excesso de referências a este ou outros livros de White nem sempre resultou em análises profundas dos mesmos, quando não as escondeu em meio às demais. Se este é o caso, as características de Meta-História não facilitam as coisas. O próprio White assim falou sobre ele, em 1993: “Eu não acho que as pessoas realmente querem lê-lo; é um livro intimidantemente longo. É muito cansativo e repetitivo. A maioria das pessoas leu apenas um pouco da introdução e talvez deu uma olhada no resto. Mas ninguém o lê inteiro”.4 A recepção crítica de Meta-História foi em grande medida marcada pela polêmica do último quarto do século XX acerca do chamado “pós-modernismo” na teoria da história, cujo elemento central era a aceitação ou rejeição do “realismo epistemológico”. Mais recentemente, porém, a obra de White tem recebido importantes reinterpretações. Em 2009, um influente grupo de pensadores publicou, sob a organização de Ewa Domanska, Frank Ankersmit e Hans Kellner, o livro Re-Figuring Hayden White. No ano seguinte, Robert Doran publicou The Fiction of Narrative, coletânea de textos escritos por White entre 1957 e 2007. Em 2011, Herman Paul trouxe 4

DOMANSKA, Ewa, Interview: Hayden White: The Image of Self-Presentation. Diacritics, Spring 1994, pp. 91-100.

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à luz Hayden White: The Historical Imagination, oriundo de uma tese de doutorado orientada por Frank Ankersmit. Em conjunto, estas publicações apresentam um White um pouco diferente daquele pensador que, por motivos nunca muito claros e nunca muito nobres, identificava a história à ficção. Vem à tona um White que, apesar de ocasionais ou nem tão ocasionais exageros construtivistas, tem como principal preocupação a mobilização da “história para a vida” Ŕ como pretendia Nietzsche Ŕ, e cujas críticas à “ideologia da objetividade” e à tentativa de aplicar modelos científicos para a historiografia estão intimamente relacionadas ao que ele interpreta como o eminente conservadorismo destas Ŕ de modo que, para White, a pretensão à objetividade é, ela própria, uma ideologia, desprovida do pré-requisito para uma escolha livre: a consciência de se estar escolhendo. Nosso trabalho busca, dentre outras coisas, contribuir com esta nova (ou, ao menos, crescente, se considerarmos que Kellner já a enunciava em 1980), tendência de reinterpretação da obra de White, por meio de uma análise dos seus diálogos com a filosofia da história anglo-saxônica. Embora muitos de seus textos anteriores à publicação de Meta-História tratem de autores e debates próprios ao ambiente intelectual de língua inglesa, discutindo autores como R. G. Collingwood, Arnold Toynbee, Christopher Dawson ou temas como “a política da filosofia da história” de fins dos anos 1960, pouco se tem discutido sobre as ligações de White e este conjunto de pensadores. Assim, têm-se perdido de vista o fato de que alguns dos elementos que este autor busca na filosofia continental e na teoria literária haviam sido mobilizados com o intuito de, dentre outras coisas, ultrapassar as aporias da filosofia da história anglo-saxônica. Porém, se é verdade que as preocupações de White tinham o interesse de estimular uma “historiografia de libertação” (cf. HWHI, 12-13), não de argumentar contra a dimensão referencial da história, é verdade que seu enfoque no texto teve como correlato um notável desinteresse por qualquer discussão sobre os procedimentos de pesquisa levados a cabo pelos historiadores.5 Uma das consequências deste desequilíbrio é que, de forma parecida com a associação de Ranke ao “positivismo”, a 5

Mesmo um comentador simpático à obra de White como Frank Ankersmit aponta isto frequentemente. Um exemplo bastante recente: “Graças a Meta-História, de Hayden White, atualmente costuma-se reconhecer que os problemas filosóficos ocasionados pelo texto histórico como um todo não podemos ser adequadamente compreendidos se o texto for reduzido às suas partes constituintes. Porém, White não tinha muito interesse nas dimensões cognitivas do texto histórico; ele raramente, se é que o fez, discutiu em detalhe a questão do significado, da verdade e da referência do texto histórico como um todo”. ANKERSMIT, Frank. Representation as a Cognitive Instrument. History and Theory, v. 52, n. 2, 2013, p. 191.

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de White com o “pós-modernismo” se tornou uma espécie de “mito historiográfico” Ŕ caso em que a reputação de um autor é estigmatizada muito mais com base na “oralidade acadêmica” do que na leitura de seus textos, dentre outras coisas porque “o historiador, e mesmo aquele que se ocupa com a história da historiografia, não é capaz de submeter tudo o que estuda e escreve ao mesmo olhar crítico”.6 O próprio White contribuiu para reforçar o “mito historiográfico” em torno da figura de Ranke, associado por ele à “ingenuidade metodológica”7 dos historiadores e chamado, em um texto de juventude, de “pobre alma” que “gastou sua vida em seu estudo e arruinou sua visão tentando dizer como as coisas „realmente aconteceram‟” (TI, xxiv).8 Como atesta Herman Paul, após citar o mesmo trecho, “ao menos desde Hayden White [...] tem havido uma tendência dentre os filósofos da história de contrastar seu próprios insights iluminados com uma tradição de ingenuidade representada por Ranke e seus seguidores”.9 Paul talvez exagere na originalidade do ataque de White a Ranke, feito em 1959: dentre outros fins, o contraste com o historiador alemão, como Sérgio da Mata aponta,10 também foi empregado para legitimar a auto-proclamada “revolução” historiográfica dos Annales. De qualquer forma, pode-se dizer que uma estratégia semelhante vem sendo largamente utilizada contra White. Sua obra frequentemente fornece o contraste negativo para os teóricos que, ao refletir sobre a historiografia, enfatizam a dimensão da pesquisa arquivística, subordinando a ela a da narrativa. White, assim, está em uma posição curiosamente ambígua na “mitologia” historiográfica: por um lado na do herói que resgatou a disciplina do ingênuo positivismo,11 por outro na do teórico irresponsável que não percebe, ou finge não perceber, a diferença entre A Sociedade

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DA MATA, Sérgio. “Apresentação: Leopold von Ranke (1795-1886)”. In: MARTINS, Estevão de Rezende (Org.). A História Pensada: Teoria e Método na Historiografia Europeia do Século XIX. São Paulo: Contexto, 2010, pp. 187-189. 7 Empregamos aqui parte do termo que, em O Fardo da História, de 1966, White emprega para o que considera ser a “tática fabiana” dos historiadores de seu tempo contra as críticas de artistas e de cientistas às suas práticas: uma “ingenuidade metodológica deliberada”. 8 No capítulo de Meta-História intitulado Ranke: O Realismo Histórico como Comédia, White oscila em suas caracterizações dos princípios metodológicos de Ranke Ŕ mais especificamente, quanto à “ingenuidade” destes. Logo no princípio do texto, caracteriza como um equívoco por parte de “alguns dos intérpretes de Ranke” considerar “que sua concepção de objetividade se aproximava da do empirista ingênuo” (MH, 176); um pouco adiante, porém, afirma ele próprio que Ranke praticava um “inducionismo ingênuo” (MH, 187). 9 PAUL, Herman. Distance and Self-Distanciation: Intellectual Virtue and Historical Method Around 1900. History and Theory, Theme Issue 50, 2011, p. 105. 10 Op. cit.,, ibidem. 11 Cf., por exemplo, JENKINS, Keith. Rethinking History. London: Routledge, 1991, e MUNSLOW, Alun. Deconstructing History. London: Routledge, 1997.

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Feudal e Finnegans Wake.12 Curiosamente, sua obra é uma das mais hábeis a explicar como é possível que ela própria ocupe duas posições dão dessemelhantes nas construções de enredo feitas pelos historiadores sobre a história da teoria de sua própria disciplina. A produção de Louis Mink é bem menos estudada que a de White, mas, quando referida, também é frequentemente associada ao “pós-modernismo”. Como Samuel James argumentou em 2010, esta associação obscurece a continuidade de sua obra com a tradição idealista da primeira metade do século XX, especialmente com a de Collingwood, e uma “sensibilidade” decididamente “modernista” (LMP, 151-184). Para este capítulo, nos valemos do estudo de sua tese de doutorado não publicada, Knowledge of the Past: A Critique of Epistemological Theories With Respect to Their Consequences for Knowledge of the Past, defendida em 1952 em Yale. Já neste texto é possível perceber que, longe de ser um teórico interessado em “atacar” a historiografia, Mink buscava compreender as peculiaridades epistemológicas envolvidas na tentativa de conhecer o passado. O processo de perguntas e respostas desenvolvido por ele desde então não pode ser visualizado adequadamente apenas com a leitura isolada de seus artigos, como ocorre usualmente. Mesmo quando, nos anos 1970, seus raciocínios o conduziram a conclusões “construtivistas”, Mink hesitou em desdobrá-las. No capítulo 2 desta dissertação procuraremos lançar alguma luz sobre a obra desta autor, “cujo trabalho sobre a narrativa histórica merece”, como diz Ankersmit, com nossa total concordância, “mais atenção do que recebe atualmente”.13 Esperamos que a leitura conjunta de seus textos, bem como a análise da apropriação que White faz de suas teses, estimule uma melhor compreensão do significado complexo de uma frase como “estórias não são vividas, mas contadas”. A obra de Mink foi, por muito tempo, conhecida apenas em alguns círculos intelectuais restritos. Acima de tudo, no de filósofos e historiadores interessados nos temas da explicação histórica, do narrativismo e da interpretação de R. G. Collingwood. Estes o conheciam não apenas devido às suas publicações, mas também por sua atuação como um dos editores associados da History and Theory. Desde 1978, Mink consolidou 12

Cf., por exemplo, GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; Idem. O Fio e os Rastros. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. MARWICK, Arthur. Two Approaches to Historical Study: The Metaphysical (Including 'Postmodernism') and the Historical. Journal of Contemporary History, v. 30, n. 1, 1995, pp. 5-35. Um exemplo brasileiro: CARDOSO, Ciro Flamarion. Um historiador fala de teoria e metodologia. Bauru: EdUSC, 2005. 13 ANKERSMIT, Frank. Invitation to Historians. Rethinking History: The Journal of Theory and Practice, v. 7, n. 3, 2003, p. 437.

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também sua participação na comunidade de entusiastas e estudiosos de James Joyce, com a publicação de A Finnegans Wake Gazetteer. Mas, embora não seja rara a inclusão de seu nome em afirmações inespecíficas sobre o narrativismo, ao lado dos de Dray, Gallie, Danto, Walsh, M. White et al, ou sobre o pós-modernismo, ao lado de H. White, Ankersmit, Jenkins, Munslow et al, são bastante raros os estudos detalhados de seus textos. Em 1987, Richard Vann publicou na History and Theory o ensaio Louis Mink‟s Linguistic Turn, em seguida incorporando-o à Editor‟s Introduction (assinada também por Brian Fay e Eugene Golob) da coletânea póstuma Historical Understanding. Apenas em 2010 um novo estudo da trajetória intelectual de Mink veio à tona: o artigo Louis Mink, Postmodernism, and the Vocation of Historiography, publicado por Samuel James na Modern Intellectual History.14 Isso não significa que sua obra não tenha sido lida pelos teóricos da história: pensadores da relevância de Hayden White, Paul Ricœur e Frank Ankersmit são alguns dos que abertamente recorreram a Mink na construção de seus próprios sistemas. Samuel James aponta que, por muito tempo, Mink privilegiou suas atividades docentes na Wesleyan University em detrimento da publicação de textos. Lá, segundo os relatos de seus alunos, Mink era uma figura de destaque devido ao seu carisma e à intensidade de suas aulas.15 É evidente, porém, que tal opção em nada ajuda para que 14

Mink ainda aparece com alguma proeminência em Collingwood and Weber vs. Mink: History after the Cognitive Turn, de Stephen Turner, que veio à luz nas páginas do Journal of the Philosophy of History em 2011. Mas, aqui, o interesse do autor é especialmente voltado para a noção de re-enactment, mais proeminente na leitura de Collingwood feita por Mink do que em seu próprio sistema filosófico. 15 Anthony W. Marx discorre nestes termos sua experiência como calouro na Wesleyan: “Tendo me matriculado em cursos de história e cultura ocidentais, eu entrei em contato, especialmente naquele primeiro ano, com o professor Louis Mink. […] [Certa vez,] o professor Mink pediu que eu fosse vê-lo para conversarmos sobre o meu primeiro paper de sua disciplina. Eu me lembro de sair de seu escritório cambaleando algumas horas depois, sem saber o que tinha acontecido, exatamente. Eu sentia como se alguém tivesse colocado um pé-de-cabra na minha cabeça e forçado para abri-la. Certa vez, Mink escreveu que às vezes os estudantes reclamavam que ele era tão intenso, tão implacável, que doía. Ele disse que sabia exatamente do que eles estavam falando, porque estas dores de cabeça devido às tentativas de usar o cérebro aconteciam com ele o tempo todo”. Mais adiante, Marx afirma: “Quando meu professor Louis Mink morreu, anos após eu me formar, ele foi descrito em outra College Chapel como „a alma da faculdade‟”. MARX, Anthony W. 2009 Convocation. Amherst College. Disponível em: . Acesso em 12 jan. 2013. Michael S. Roth, tanto em seu blog presidencial da Wesleyan quanto em seu livro mais recente, Memory, Trauma, and History: Essays on Living with the Past (New York: Columbia University Press, 2011; por exemplo, na p. 238), também testemunha sobre a importância de Mink em sua formação, especialmente como porta-voz de uma “educação liberal” e de uma postura filosófica “humanista”. Tome-se como exemplo o post Athletics and Education (Roth on Wesleyan. Disponível em . Acesso em 25 dez. 2012), em que Roth transcreve trechos de um panfleto de Mink (The Active Life, que circulou internamente na Wesleyan em um volume intitulado Thinking About Liberal Education, cf. HU, 287) sobre a importância da prática esportiva na “educação liberal”. O testemunho de Roth, neste sentido, dá força ao argumento de Samuel James, que, como veremos no segundo capítulo, buscou mostrar que tal preocupação educacional estava na base da defesa da “autonomia da compreensão histórica” por parte de Mink. Recentemente, o filósofo

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seu trabalho seja melhor conhecido pelos interessados em teoria da história. Embora alguns de seus artigos tenham aparecido em revistas como History and Theory, New Literary History e Critical Inquiry, e também em antologias de ampla circulação,16 vários outros eram de difícil acesso: apenas em 1987, cinco anos após sua morte, seus ensaios foram reunidos em livro. Não devemos, porém, nos deixar enganar quanto à importância do Mink para o narrativismo: como já muito cedo apontava Ricœur, “ninguém foi mais longe que Mink em reconhecer o caráter sintético da atividade narrativa”.17 Mink e White Ŕ e, assim como eles, Danto, cuja filosofia da história analisaremos no primeiro capítulo Ŕ não realizaram suas reflexões sobre a narrativa histórica de maneira independente. É possível notar a existência de relações biográficas e convergências em suas trajetórias intelectuais, o que, especialmente no caso de Mink e White, resultou em um desenvolvimento conjunto de suas formulações sobre a narrativa. Segundo Hans Kellner:18 Não é que Mink tenha sido influenciado por White ou White por Mink. Eu penso que eles se desenvolveram juntos, como amigos. Mink começou com uma atitude tradicional quanto à narrativa e o que a narrativa fazia na história. Ele pensou a respeito nos termos da tradição anglo-americana de Gallie e Danto. Ele trouxe algumas conclusões desconcertantes. Ele parecia dizer: “Olha, eu não sei o que fazer com isto, mas meus pensamentos conduziram até aqui”. E White pegou essas conclusões. Eu penso que este giro em direção à narrativa veio de Louis Mink.

Nascidos respectivamente em 1921, 1924 e 1928, Mink, Danto e White serviram ao exército dos Estados Unidos na década de 1940. Danto e Mink participaram da

Robert Stalnaker fez uma menção menor, na mesma linha das demais citadas: “Eu me interessei pela filosofia da história na faculdade, sob a influência de um professor maravilhoso, Louis Mink, e posteriormente fiz minha dissertação nesta área”. The Possible Worlds Hedgehog: Richard Marshall interviews Robert Stalnaker. 3:AM Magazine. Disponível em . Acesso em 23 abr. 2013. 16 MINK, Louis. The Autonomy of Historical Understanding. In: DRAY, William (Org.). Philosophical Analysis and History. New York: Harper & Row, 1966; MINK, Louis. Narrative Form as a Cognitive Instrument. In: CANARY, Robert H. & KOZICKI, Henry. (Orgs.). The Writing of History: Literary Form and Historical Understanding. Madison: University of Wisconsin Press, 1978, p. 128Ŕ49. MINK, Louis. Everyman His or Her Own Annalist. In: MITCHELL, W. J. T. (Org.). On Narrative. Chicago: University of Chicago Press, 1981. Este último volume é originário de artigos publicados na revista Critical Inquiry. O artigo de Mink é uma resposta a The Value of Narrativity in the Representation of Reality, de Hayden White. 17 RICŒUR, Paul. Time and Narrative, volume I. Chicago: University of Chicago Press, 1984, p. 155. O tom elogioso a Mink é retomado em Memory, History, Forgetting. Chicago: University of Chicago Press, 2004, p. 241. 18 DOMANSKA, Ewa. Hans Kellner. In: Encounters: Philosophy of History After Postmodernism. Charlottesville: University Press of Virginia, 1998, p. 59.

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Segunda Guerra Mundial: Danto serviu como soldado no sul da Itália,19 e Mink esteve no Pacífico entre 1942 e 1946 (cf. LMP, 158). White, o mais jovem dos três, recebeu treinamento como aviador na Marinha, e sua entrada no ensino superior, em 1947, se deu como parte daquele programa (cf. RFHW, 197). Os três graduaram-se em universidades marginais daquele país Ŕ Mink no Hiram College, Danto e White na Wayne State University, onde estudaram juntos, embora ainda não se conhecessem. Nestas universidades, receberam a tutela de professores ou departamentos que lhes estimularam o apreço pela importância humanística da historiografia, de modo que suas rejeições ao “cientificismo” estão estreitamente ligadas a esta dimensão: no caso de Mink, isto se deu na pós-graduação em Yale (LMP, 156-158); no de Danto e White, ainda na Wayne State, com a influência de seu carismático professor William Bossenbrook. Ambos têm apontado, repetidas vezes, a importância de Bossenbrook em suas formações.20 Danto, nos agradecimentos de Analytical Philosophy of History, afirma que os cursos de história de Bossenbrook “acordaram a mim, e a toda uma geração de estudantes, ao mundo do intelecto. Suas aulas eram as mais estimulantes que eu já presenciei, e eu teria dedicado a minha vida ao estudo de história como resultado delas, se não fosse pela descoberta de que elas eram únicas” (NK, xvi). White, recentemente, afirmou que Bossenbrook “tornou a história, não apenas para mim, mas também para legiões de estudantes na Wayne State University durante a Depressão e a Segunda Guerra Mundial, uma aventura mais atraente que qualquer novela ou romance. Para Bossenbrook, a história era e poderia apenas ser uma arte, o que significava, para ele, um desafio à imaginação tanto quanto às faculdades racionais” (FN, ix). Desnecessário apontar que a descrição desta última frase se aplica não só ao mestre, mas também ao discípulo. 19

Cf. BORRADORI, Giovanna. The Cosmopolitan Alphabet of Art: Arthur Danto. In: The American Philosophers. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1994, p. 99. 20 Allan Megill e Ewa Domanska também ressaltam a importância de Bossenbrook para White (RFHW, 197-205, 335-7). Megill chega a identificar alguns elementos do pensamento daquele apropriados por este. Considera que “nas fases iniciais de sua carreira Ŕ até Meta-História Ŕ White tentou, como Bossenbrook, oferecer uma visão unificada e compreensiva do mundo para o benefício prático e existencial dos seus estudantes”. Recorria, para isto, a uma estratégia de “essencialização” semelhante à feita usualmente por seu professor (em 1973, por exemplo, ele abordava a “tradição greco-romana” de maneira tão essencializante quanto Bossenbrook falara da “mente alemã”). Porém, para Megill, mais tarde White procedeu a uma “retoricização” desta estratégia, abandonando as “essências misteriosas” em privilégio dos “lugares comuns do discurso” (RFHW, 204-207). Paul também pesquisou sobre as relações intelectuais entre White e Bossenbrook, mas considera que sua importância se deu mais pelo “exemplo pessoal, especialmente como professor e pedagogo”, e avalia que nada além dos “resultados inespecíficos” da pesquisa de Megill possa ser encontrado sobre a questão (PAUL, Herman. Resenha de The Fiction of Narrative, de Hayden White. Journal of the Philosophy of History, v. 5, 2011, pp. 140141).

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Por meio de White, os três possuem laços pessoais: Danto e White compartilharam a tutela intelectual de Bossenbrook,21 e White já se referiu a Danto como “amigo”.22 Ambos citam a obra do outro com aprovação (mais comumente, White a Danto, já que este último pouco tratou de história desde a década de 1970, quando se tornou crítico e filósofo de arte, além de escrever sobre vários outros temas). White e Mink tornaram-se amigos na década de 1960, quando ambos estavam na Wesleyan University,23 em sequência ao seu primeiro contato, que se deu em movimentos antiguerra na mesma década. A amizade e o constante intercâmbio entre os dois é parte relevante de suas trajetórias intelectuais, como veremos a partir do capítulo 2.

Nosso trabalho é uma contribuição à história intelectual da teoria da história, mas, se for bem sucedido, iluminará também questões relevantes para a teoria da história

contemporânea.24

A

insistência

dos

críticos

do

“narrativismo”

na

referencialidade na atividade historiadora foi uma importante correção ao exagero de ênfase, por parte de alguns de seus teóricos, na escrita; mas não elimina Ŕ pelo contrário, complica ainda mais Ŕ as questões relativas à retrospecção e ao caráter estruturante da narrativa. É compreensível que se argumente, contra White, pela importância da dimensão factual da história, mas o que é um “fato”? Se, como argumentou Danto, qualquer descrição de um fato o torna um “evento”, e portanto o evento é um fenômeno ao menos parcialmente linguístico Ŕ “sob descrição” Ŕ, por quais critérios as narrativas descrevem ou redescrevem os fatos, como Mink e White consideram que faz? O quanto não os redescrevem, mantendo a perspectiva dos próprios agentes? O quanto Mink, Walsh e Gallie estão certos em apontar que as intenções dos agentes determinam, ao menos parcialmente, o início e o fim da narrativa, e o quanto White está certo em considerar que o início e o fim são resultantes da “moralização” do próprio historiador? Se, como Danto afirmava, mesmo os 21

Tanto Danto quanto White publicaram capítulos no livro The Uses of History, editado pelo próprio White em 1968 e dedicado a Bossenbrook: The Uses of History: Essays in Intellectual and Social History. Presented to William J. Bossenbrook. Detroit: Wayne State University Press, 1968. 22 DOMANSKA, Ewa. Interview: Hayden White: The Image of Self-Presentation. Diacritics, v. 24, n. 1, 1994, p. 92. 23 Outro nome importante para a teoria da narrativa, Frank Kermode, também era colega de White e Mink na Wesleyan. Em uma nota posterior inserida no texto The Culture of Criticism: Gombrich, Auerbach, Popper, de 1971, White menciona Kermode, em tom elogioso, como um de seus interlocutores (FN, 358). 24 Sobre a desejabilidade de abordagens como a que aqui propomos, Allan Megill declara: “No tipo de trabalho que eu prefiro, há, em primeiro lugar, uma análise séria de argumentos teóricos; e, em segundo, disposição para levar a sério, no nível da teoria, as posições teóricas que os pensadores do passado articularam”. MEGILL, Allan & ZHANG, Xupeng. Questions on the History of Ideas and its Neighbours. Rethinking History, v. 17, n. 3, 2013, p. 339.

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encadeamentos lógicos da crônica só são articuláveis quando se encontra uma descrição dos mesmos que permita a abdução de uma lei, qual é a relação entre a lógica (pela qual os eventos são conectados) e a retórica (pela qual são significados) da narrativa histórica? Os “fatos”, a “ciência” e os “métodos” são, de fato, indispensáveis para a operação historiográfica. Mas, na medida em que tornam ainda mais complexas as questões que White, especialmente, tratou de modo simplificador (especialmente o caráter “construtivo” do enredo, como se a própria estrutura da narrativa também não pudesse ser abduzida com o intuito de manter uma determinada “descrição de evento”, e como se a “construção imaginativa” não fosse derivada em nenhuma medida das coligações identificadas no próprio processo histórico), torna-se ainda mais necessário que não se leve a sério a complexidade das questões que ele e Mink, seguindo Danto e Collingwood, trouxeram à tona.

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Capítulo 1 – Entre as “leis gerais na História” e “a ideia de História”: o debate sobre a “explicação histórica”

1.1. Uma filosofia não-especulativa da história

Em sua Introdução à Filosofia da História, publicada em 1951, W. H. Walsh propôs uma distinção que pareceu incontestável aos filósofos da história25 anglosaxônicos de sua geração: aquela entre “filosofia crítica” ou “analítica”, por um lado, e “filosofia especulativa”, por outro Ŕ distinção que foi tomada, como apontou Haskell Fain,26 como uma forma de distinguir entre uma filosofia da história legítima (a crítica ou analítica) e uma ilegítima (a especulativa). A proposta era, sem dúvida, bem-vinda: Walsh, como outros posteriormente, apontava que as reflexões filosóficas acerca da prática historiográfica eram muito raras, e sempre vistas com desconfiança por parte dos pensadores de outras áreas, que associavam o termo “filosofia da história” à tentativa de determinar o “significado” de todo o processo histórico. Fazia-se necessário, portanto, delimitar o campo, e usar de maneira mais rigorosa os conceitos. William H. Dray, em seu Filosofia da História, de 1964, e Arthur C. Danto, em Analytical Philosophy of History, de 1965, são alguns dos que adotaram a distinção à risca. Por mais deslegitimado que estivessem, porém, as “especulações” nunca desapareceram: pode-se observar, por exemplo, que quase todas as introduções e coletâneas sobre filosofia da história das décadas de 1950 e 1960 reservaram algum espaço a elas.27 O consenso foi quebrado quando Fain, em 1970, e White, em 1973 (este, reforçando argumentos que já defendia há tempos), argumentaram não ser possível praticar “história propriamente dita” sem recorrer a uma “filosofia especulativa da história”, ou seja, a uma visão de conjunto do processo histórico. Mas nem eles, tampouco outros filósofos do campo, argumentaram, evidentemente, que seria possível determinar o sentido metafísico do processo histórico. Por isso, Mink exagerava apenas um pouco quando, em 1981,

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Sempre que falarmos em “filosofia da história”, sem especificações, estaremos tratando da vertente “crítica” ou “analítica”, não da “especulativa”. Evitaremos usar expressões como “teoria da história” ou similares, pois a ambiguidade do termo “filosofia da história” (podendo significar tanto o conjunto de reflexões sobre esta disciplina quanto a tentativa de desvendar o sentido ou as leis do processo histórico) é constituinte do debate que ora estudamos. 26 FAIN, Haskell. Between Philosophy and History. Princeton: Princeton University Press, 1970, p. 13. 27 Dentre as que tivemos acesso, além das obras já citadas de Walsh e Dray, podemos citar GARDINER, Patrick. Teorias da História. Lisboa: Fundação Calouste Gulnenkian, 1964, e MEYERHOFF, Hans (Org.). The Philosophy of History in our Time. New York: Doubleday Anchor, 1959.

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afirmou que a filosofia especulativa da história encontrava-se “sem praticantes contemporâneos” (HU: 147).28 A filosofia da história, portanto, era um campo intelectual ainda em definição nas décadas de 1940 e 1950. Seus praticantes eram filiados a duas tradições intelectuais: Aqueles baseados na tradição idealista britânica, de Walsh a Louis O. Mink, chamaram sua prática de filosofia “crítica” da história. Aqueles treinados na tradição linguística pós-wittgensteiniana, de Carl Hempel a Morton White, falaram da filosofia “analítica” da história. Juntas, porém, estas inovações linguísticas, separando a filosofia crítica e analítica da história da especulativa, foram excepcionalmente bem-sucedidas e ajudaram a recuperar o termo filosofia da história, ao mesmo tempo em que definiam as fronteiras da filosofia da história como um campo. 29

A preocupação central destes filósofos encontra-se explicitada nas primeiras páginas do livro introdutório escrito por um dos mais destacados participantes do debate, William H. Dray: “a raison d‟être da Filosofia Crítica da História prende-se estreitamente à questão de saber se a investigação histórica é ou não „científica‟, no sentido em que o são a Física, a Biologia, a Psicologia e mesmo as Ciências aplicadas como a Engenharia”.30 Dray escrevia isto em 1964, mas a discussão havia sido suscitada há mais de duas décadas pelo artigo A Função das Leis Gerais em História, publicado por Carl Hempel em 1942. Os meados dos anos 1960 eram um momento de transição: ao longo de todo este tempo, o debate havia se desdobrado a partir de defesas e ataques ao modelo unitário da ciência proposto por Hempel. Enquanto a discussão demonstrava progressos cada vez mais diminutos, porém, a atenção dos filósofos ia se concentrando nos problemas ligados à função da narrativa na historiografia. A questão havia sido trazida à tona no interior do debate sobre a explicação histórica, mas logo se tornaria autônoma em relação a ele. Embora Hempel não tenha sido o primeiro a defender as ideias expostas em A Função das Leis Gerais na História, seu peso neste debate foi tão grande que é praticamente impossível não começarmos com uma análise de sua contribuição. Em texto publicado no ano 200031 Ŕ como parte de uma coletânea destinada a homenagear

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Mas Carr parece-nos ter razão quando cita o exemplo da fama repentina de Francis Fukuyama, este “fenômeno interessante dos últimos anos do século XX”, para ilustrar sua opinião de que, independentemente de seu descrédito acadêmico, a filosofia especulativa da história “não apenas [...] não desapareceu, como também é improvável que desapareça em qualquer momento breve” (RFHW, 19). Retomaremos parcialmente o argumento de Carr no capítulo 3. 29 KLEIN, Kerwin Lee. From History to Theory. Berkeley: University of California Press, 2011, p. 42. 30 DRAY, William. Filosofia da História. Rio de Janeiro: Zahar, 1969, pp. 10-11. 31 Idem. Explanation in History. In: FETZER, James H. (Org.). Science, Explanation, and Rationality: Aspects of the Philosophy of Carl G. Hempel. Oxford: Oxford University Press, 2000, pp. 217-242.

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Hempel, falecido em 1997 Ŕ, Dray apontou que A Função das Leis Gerais na História fora uma resposta de Hempel a duas posições tradicionais acerca do pensamento histórico. A primeira considerava os eventos históricos incompatíveis com quaisquer leis ou generalizações, devido ao seu caráter único: a atividade historiadora, assim vista, possuiria um caráter idiográfico, e não nomotético. A segunda considerava a posição “interna”, e não a “externa”, como a apropriada para tratar de assuntos humanos: sendo a história, portanto, empática, e, novamente, não nomotética. Mais do que isso, porém, a tentativa de Hempel de demonstrar que a história não era idiográfica nem empática nada mais era do que uma estratégia para demonstrar que nenhuma explicação poderia sê-las. O interesse pela História, para pensadores como Hempel, era oriundo do interesse em testar seu modelo explicativo em um caso-limite, frequentemente considerado pelo senso-comum como irredutível a ele. Hempel, em seu texto, defende que uma “explicação genuína” em qualquer área do conhecimento só pode ser alcançada pela “utilização de hipóteses gerais universais como princípios explanatórios”. O evento que se busca explicar (o explanandum) deve ser submetido a um enunciado geral que comporte ao menos uma lei e uma constatação das condições iniciais (o explanans). A regularidade exprimida por uma hipótese universal é do gênero seguinte: “em todos os casos em que um evento de tipo C ocorra em determinado lugar e tempo, um outro evento do tipo E ocorrerá num lugar e tempo de modo típico relacionados com o lugar e o tempo da ocorrência do primeiro evento”. Como, porém, em História, “as condições iniciais de uma maneira geral e especialmente as hipóteses universais em causa não estão claramente indicadas, nem podem ser inequivocamente acrescentadas”, o que as análises explanatórias de eventos históricos oferecem, de acordo com Hempel, são meros “esboços de explicação”, ou seja, uma “indicação mais ou menos vaga das leis e das condições iniciais consideradas relevantes”, a qual “precisa de um „preenchimento‟ para se transformar numa explicação perfeita”. Novas pesquisas empíricas, Hempel reconhecia, seriam feitas a partir da direção sugerida pelo esboço Ŕ mas é fácil perceber que nunca atingiriam tal “perfeição”.32 Que a história só oferecesse “esboços de explicação” não era motivo para

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HEMPEL, Carl. A Função das Leis Gerais em História. In: GARDINER, Patrick (Org.). Teorias da História. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, passim.

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que Hempel, M. White e outros concluíssem pela inadequação de seu modelo: inadequadas eram as explicações fornecida pelos historiadores.33 No ano seguinte, Morton White retomou e aprofundou o tema, com o texto Historical Explanation, publicado na revista Mind.34 Tomando como ponto de partida a definição de “explicação” exposta por Hempel no seu então “recente artigo”, M. White discutia a possibilidade de existência de explicações especificamente históricas. Sua resposta era negativa, pois, em sua visão, a “história pressupõe um enorme número de outras ciências que não ela própria” Ŕ já que fala, por exemplo, de eventos físicos como lugares, épocas e terremotos, de eventos biológicos como a fome, etc. Assim, M. White defendia a integração da história à sociologia, pois a única diferença entre as duas disciplinas estava nos termos lógicos nelas contidos: “a sociologia contém generalizações das afirmações singulares que aparecem em história”. A distinção entre ambas, portanto, seria “estupidificante”, por separar, em duas disciplinas distintas, a constatação do fato e a formulação de leis. Tomados em conjunto, os artigos de Hempel e de M. White sobre a “explicação histórica” consolidam a visão de que a história não possuiria uma maneira específica de explicar seus eventos, precisando recorrer a outras disciplinas para isto Ŕ e, ainda assim, não chega jamais a explicar convincentemente, visto que só fornece “esboços de explicação”. Ainda na década de 1940, porém, uma concepção alternativa da atividade historiadora foi amplamente lida por filósofos e historiadores anglo-saxônicos: a que aparece em The Idea of History, de R. G. Collingwood, publicado em 1946. Rudolph Weingartner afirmou que os opositores de Hempel eram um “exército sem general”; para insistirmos em sua metáfora, talvez fosse mais apropriado dizer que seu general era póstumo. Falecido nos primeiros dias de 1943, Collingwood não viveu o suficiente para debater com Hempel ou M. White Ŕ se é que se interessaria em fazê-lo. Nada poderia ser mais incompatível com seu pensamento do que a ideia de que uma “explicação” só é legítima quando formulada nos moldes das ciências naturais. O que sua obra forneceu aos filósofos não foi tanto o interesse em brigar pelo direito ao uso do termo “explicação”, embora um de seus discípulos, Dray, tenha nele se inspirado para fazê-lo; 33

Como afirmou um comentador: “expresso em termos um tanto exagerados, o artigo de Hempel deve ser interpretado […] como uma afirmação de que as explicações oferecidas em história são de certas maneiras, e em graus variados, inadequadas”. WEINGARTNER, Rudolph H. The Quarrel about Historical Explanation. The Journal of Philosophy, v. 58, n. 2, 1961, p. 29-45. 34 WHITE, Morton. Historical Explanation. Mind, v. 52, pp. 212-29. O texto também aparece na coletânea de Gardiner acima mencionada.

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foi, especialmente, a possibilidade de pensar sobre as especificidades do pensamento histórico negadas ou ignoradas pelos positivistas. A questão central na filosofia da história, até meados dos anos 1960, continuou sendo a da aplicabilidade do “modelo das covering laws” à história: argumentar pela especificidade de tal explicação era, antes de tudo, se posicionar contra as teses de Hempel e afins. Mas desde Dray, em 1957, chegando a Mink e H. White, nos anos 1960 e 1970, Collingwood foi também a principal fonte para a construção de propostas alternativas ao modelo de Hempel. Inicialmente, porém, era necessário mostrar que a “ideia de história” era irredutível a quaisquer “leis gerais”. Com base em Collingwood, embora raramente se tenha negado que exista alguma “função das leis gerais na história”, foi possível afirmar que a compreensão especificamente histórica independe delas.

1.2. R. G. Collingwood: cumprir a missão da filosofia do século XX

Robin George Collingwood tornou-se estudante de Oxford aos 19 anos, em 1908, e fellow do Pembroke College, da mesma instituição, aos 23, em 1912.35 No ambiente intelectual daquela universidade, anteriormente à Primeira Guerra Mundial, predominava o realismo epistemológico de figuras como John Cook Wilson e H. A. Prichard. O “tutor filosófico” de Collingwood foi outro realista, E. F. Carritt. Ali, segundo Inglis, pouco se publicava: as argumentações eram quase sempre desenvolvidas oralmente. Em suas tentativas de construir uma teoria do conhecimento baseado na matemática, mas extensível a todas as demais áreas, os realistas de Oxford trataram a filosofia a-historicamente; como relata Inglis, era comum “argumentar com pensadores do passado como se todos eles Ŕ Platão, Leibniz, Spinoza, Kant e companhia Ŕ estivessem juntos em Oxford em 1912”. Até a conclusão de sua graduação, Collingwood declarava-se, como seus professores, um realista, mas com crescente desconforto. Havia lido, desde 1910, vários dos filósofos “idealistas”, dentre os quais T. H. Green (“sua inspiração”), Bernard Bosanquet (que havia sido tutor de seu pai), F. H. Bradley e outros. Por sugestão de Carritt, também lera Croce, e, em uma viagem para a Itália entre 1909 e 1910, adquiriu a Autobiografia e a Ciência Nova de Vico. Em 1913, seu interesse por Vico e Croce já era explícito: foi neste ano que 35

Exceto quando especificado, todas as informações deste parágrafo foram baseadas na biografia publicada por Fred Inglis, History Man: The Life of R. G. Collingwood. Princeton: Princeton University Press, 2009, passim.

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publicou a tradução de The Philosophy of Giambattista Vico, de Croce. Outros elementos presentes em sua formação também o afastariam do realismo nos anos seguintes: sua devoção ao Cristianismo, muito forte nos primeiros anos de sua carreira; a leitura de autores da tradição “metafísica”, que nunca desaparecera de Oxford; o “amor pela arte”, oriundo da “educação liberal” recebida em casa por influência de John Ruskin; dentre outros. O mais relevante, porém, certamente foi a prática da arqueologia, que Collingwood aprendera com o pai e realizava desde jovem. Quanto mais participava de escavações, menos lhe parecia correta a ideia de que a mente “apreende” a realidade externa. Dessa forma, como ele aponta em sua Autobiography, ele veio a duvidar que uma teoria do conhecimento pudesse dar conta das ciências naturais e da história simultaneamente.36 Esta dupla carreira de filósofo e arqueólogo o estimulou a buscar uma constante aproximação entre a filosofia e a história (aqui, entendida em um sentido amplo o suficiente para incluir a arqueologia). Sendo a filosofia, em sua concepção da maturidade, um “pensamento sobre o pensamento”, a filosofia da história deveria consistir na reflexão sobre o próprio trabalho do historiador. Tratava-se, em primeiro lugar, de um pré-requisito filosófico: a experiência, para Collingwood, é sempre anterior à reflexão.37 Mas sua tentativa de aproximar história e filosofia atendiam também a uma urgência prática, ocasionada pelos rumos da humanidade ao longo da primeira metade do século XX. Como ficou claro para ele após a Primeira Guerra Mundial, o crescente controle do homem sobre a natureza não havia sido acompanhado por um maior controle sobre as “questões humanas”: “O que era necessário não era mais boa vontade ou afeição humana, mas uma maior compreensão das questões humanas e mais conhecimento de como controlá-las”.38 A história, por definição, para ele, era a forma de pensamento capaz de propiciar o tão necessário autoconhecimento da mente. Em outros momentos, tal empreitada sequer seria possível: tratava-se também de uma forma

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COLLINGWOOD, R. G. An Autobiography. Oxford: Clarendon Press, 1978, p. 85. Toda a estrutura de Speculum Mentis, que analisa as “formas de experiência” da Arte, Religião, Ciência, História e Filosofia, dá base a esta afirmação: estruturadas dialeticamente, cada uma das formas reflete sobre aquilo que está apenas implícito na forma anterior. As reflexões sobre suas próprias experiências certamente também o conduziram a esta conclusão: “eu nunca achei fácil aprender nada por meio de livros, muito menos de jornais. Quando eu leio os artigos dos meus amigos sobre suas escavações nas páginas intermediárias do The Times [...], meu cérebro parece parar de funcionar. Mas me dê meia hora em uma escavação, com um estudante para me dizer o que é o quê [...], e as coisas funcionam melhor” (Autobiography, p. 81). Cf. também JAY, Martin. Songs of Experience. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2005, p. 235-236. 38 Idem, p. 92. 37

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de raciocínio relativamente recente.39 Por isso, como ele afirmou mais tarde, em uma frase famosa, “a principal tarefa para a filosofia do século XX é refletir sobre a história do século XX”, da mesma forma que a filosofia do século XVII havia feito com as ciências naturais de então. Desde então, a estima pela empreitada nunca desapareceu do seu pensamento. A afirmação de que o Tratado de Versalhes Ŕ em cuja preparação ele trabalhou, como funcionário do governo inglês Ŕ foi “uma insensatez sem precedentes”40 pode ser contrastada com a defesa, em The Idea of History, da história como uma forma de pensamento capaz de propiciar a “manutenção [...] da própria razão”: O autoconhecimento da razão não é um acidente; ele pertence à sua essência. É por isso que o conhecimento histórico não é um luxo, nem um mero passamento de uma mente sem ocupações mais urgentes, mas um dever fundamental, cujo cumprimento é essencial à manutenção, não apenas de uma forma ou tipo particular da razão, mas da própria razão (IH, 227-228).

Enquanto os realistas de Oxford sustentavam uma teoria do conhecimento baseada na matemática, Collingwood passaria a defender que “o pensamento histórico tem suas peculiaridades”, uma delas diferenciando-o em relação à própria matemática: a de que seus objetos existiram no espaço e no tempo (IH, 5). É comum que, pela forma em que desenvolveu tal oposição, Collingwood seja identificado como um “idealista” (por exemplo, por Walsh: IFH, passim) e que seus próprios herdeiros intelectuais também sejam caracterizados desta forma.41 Embora a caracterização de Collingwood como “idealista” seja frequente, o próprio filósofo não se considerava parte de “nenhuma escola de pensamento na Inglaterra”, e considerava o idealismo de Oxford uma “mistura confusa de verdade e erro”.42 Em uma importante passagem de The Idea of History, Collingwood afirma que F. H. Bradley legou um dilema sobre a relação entre a mente e a realidade aos seus sucessores: podia-se, por um lado, considerar que a realidade é o “fluxo imediato da vida subjetiva”, ou, por outro, que ela é “um mundo de coisas reais fora da vida subjetiva de nossas mentes e externas umas em relação às outras” (IH, 141). Bradley optou pela primeira alternativa; os “realistas de Oxford e Cambridge”, afirma ele, optaram pela segunda: defendiam que apenas aquilo que está fora da mente, na 39

Idem, p. 78-79. Idem, p. 89. 41 Exemplos são, dentre vários, Dray e Mink. O próprio H. White afirmou, em 2010, ter tido uma fase de “idealismo juvenil, tanto filosófico quanto político”, do qual “o tempo o havia curado” (FN, ix). 42 Idem, p. 52-53. 40

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“natureza”, pode ser conhecido. Collingwood, porém, considerava que qualquer um dos caminhos, tanto o “idealista” quando o “realista”, se comprometia com “o erro fundamental de conceber a vida da mente como um mero fluxo imediato de sentimentos e sensações, desprovido de qualquer reflexão ou autoconhecimento” (IH, 141). Sua teoria da mente se opunha a tal “erro”, afirmando o caráter reflexivo de todo ato mental. Estudar a história, por sua vez, era para ele a única forma pela qual a mente pode conhecer tais atos: “não há algo como uma „substância espiritual‟, nada que uma mente é, distinto de, e subjacente a, o que ela faz” (IH, 222). Assim, ao apresentar sua compreensão da “natureza, objeto, método e valor” da história, Collingwood afirma que esta disciplina é “uma ciência”, por ser uma forma de investigação que procede pela elaboração de respostas a perguntas, tendo por objeto as ações humanas realizadas no passado, conhecidas por meio da interpretação de evidências, com o fim do autoconhecimento humano (IH, 9-11). A ideia de que uma mente humana pode repensa o pensamento de outrora, tornando-o novamente presente, foi expresso em sua obra pelo termo de re-enactment.43 Segundo van der Dussen, na década de 1950 era usualmente compreendida em termos metodológicos: “a posição de Collingwood implicava, assim se pensou, que o conhecimento histórico era único por meio do estabelecimento de um contato direto com o passado, o que muitos críticos interpretaram como uma forma de intuição”. No influente manual de Walsh, por exemplo, lemos que, para Collingwood, “só a partir da reflexão poderíamos ter um conhecimento individual e direto” (IFH, 57). Ainda segundo van der Dussen, a publicação dos primeiros trabalhos de Donagan44 e Dray45 sobre Collingwood iniciou uma nova tendência na interpretação de sua obra. O reenactment deixou de ser visto como uma proposta metodológica e passou a ser visto como a condição de possibilidade do conhecimento histórico (IH, xxvii- xxviii). Ou seja, Collingwood havia colocado para si próprio a “difícil questão” que, em sua opinião, os positivistas haviam deixado de lado: “Como o conhecimento histórico é possível?” (IH, 133). 43

Manteremos o termo em inglês sempre que o citarmos neste trabalho. Traduzi-lo nos colocaria sob sério risco de simplificar sua complexidade e de eliminar a multiplicidades de interpretações por ele geradas. Por exemplo, chamá-lo de “repensar” seria deixar de lado todo o debate sobre a relação entre pensamento e emoção na obra de Collingwood. 44 DONAGAN, Alan. The Verification of Historical Theses. The Philosophical Quarterly, v. 6, n. 24, 1956, pp. 193-208. Idem. The Later Philosophy of R. G. Collingwood. Oxford: Clarendon Press, 1962. 45 Especialmente o capítulo V de Laws and Explanation in History. Também: Idem. R. G. Collingwood on reflective thought. Journal of Philosophy, v. 57, n. 5, 1960, pp. 157-163. Idem. Collingwood and the Acquaintance Theory of Knowledge, Revue Internationale de Philosophie, n. 11, 1957, pp. 420-432.

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Mesmo após os anos 1950, como apontam, dentre outros, van der Dussen, Dray, e Mink, permaneceu uma “notável, e às vezes impressionante, variedade nas interpretações das ideias de Collingwood” (IH, xxvi). Muitas delas dizem respeito à relação entre história e pensamento. Em uma famosa passagem de The Idea of History, Collingwood afirma que “a história é o re-enactment, na mente do historiador, do pensamento cuja história ele está estudando”; em outra, diz que “toda história é a história do pensamento” (IH, 215). Afirmações deste tipo levaram alguns críticos à conclusão de que, para ele, a história exclui tanto os eventos externos aos agentes (como desastres naturais) quanto os elementos internos não racionais (como as emoções ou motivações inconscientes). Como Mink argumenta, porém, muitas passagens do livro só podem ser compreendidas se lidas à luz do restante da obra de Collingwood Ŕ o que foi raro nos anos imediatamente posteriores a 1946, quando seus livros eram pouco conhecidos. Além dos problemas ocasionados por estas leituras descontextualizadas, The Idea of History não chegou a ser finalizado para publicação, tendo sido editado para tal por T. M. Knox. Devido a isso, o livro carrega em si algumas ambiguidades que poderiam ter sido esclarecidas em uma eventual versão final, algumas das quais ligadas às duas críticas aqui mencionadas à noção de re-enactment. Na leitura de Mink, embora “The Idea of History não [seja] claro quanto à conexão entre pensamento e emoção” (MHD, 164), é possível afirmar que a emoção sobrevive no pensamento racional, e, na medida em que o faz, é parte do pensamento re-enacted pelo historiador (embora a emoção, por si só, não possa ser re-enacted). Os eventos externos ao agente, por sua vez, embora só sejam “históricos”, no sentido empregado por Collingwood, quando chegam à sua consciência, evidentemente podem fazer parte do tipo de discurso comumente referido pelo mesmo nome (MHD, 157-194). “História”, para Collingwood, é um termo que se refere às ações humanas, das quais a interioridade é a dimensão essencial: a natureza também passa por mudanças, mas não é histórica, porque a história tem dentro (pensamento) e fora (evento)46 (IH, 213-216).

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David Boucher afirma: “tanto o lado de dentro quanto o lado de fora, juntos, constituem ações humanas, que são o objeto da história. O trabalho do historiador frequentemente começa com a descoberta do exterior do evento, mas rapidamente procede à tarefa principal de repensar os pensamentos que compõem a parte interna”. BOUCHER, David. Human Conduct, History, and Social Science in the Works of R. G. Collingwood and Michael Oakeshott. New Literary History, v. 24, n. 3, 1993, p. 705. Segundo Collingwood: “O fato de que determinadas pessoas vivem, por exemplo, em uma ilha não tem, por si só, efeito em sua história; o que tem efeito é a maneira pela qual eles concebem aquela posição insular” (IH, 202). Isto não significa negar a existência de uma relação entre as concepções das pessoas sobre os ambientes em que vivem e os próprios ambientes; significa apenas que só há pensamento histórico por meio do re-enactment desta dimensão interior.

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Na sua Ciência Nova, Vico formulou o princípio do verum factum; ao caracterizá-lo, Collingwood afirma que “a condição de poder conhecer algo verdadeiramente, de entendê-lo em vez de meramente percebê-lo, é que aquele que conhece seja também quem o fez. De acordo com este princípio, a natureza é inteligível apenas para Deus, mas a matemática é inteligível para o homem, porque os objetos do pensamento matemático são ficções ou hipóteses que os matemáticos construíram” (IH, 64). É este princípio que, na opinião de Collingwood, possibilita a defesa da autonomia da História. Pensadores como Windelband, Rickert, Simmel e Dilthey já haviam buscado distinguir a história das ciências naturais, mas, para Collingwood, falharam por abordar o processo histórico como se ele fosse idêntico à natureza (IH, 175). Afirmava o inglês, em vez disso, que “o processo do pensamento histórico é homogêneo com o processo da própria história, pois ambos são processos de pensamento” (IH, 190). Assim sendo, a dicotomia entre mente e objeto, existente nas ciências naturais, não pode existir na história.47 Como trata do pensamento, a noção de “causa”, cara aos positivistas, só encontra lugar na História “em um sentido especial”: “o historiador não precisa, nem pode (sem deixar de ser um historiador) emular o cientista na busca por causas ou leis de eventos” (IH, 214), pois o objeto a ser descoberto é o pensamento expressado no evento. O lado de fora da ação, por si só, não pode ser explicado historicamente; quanto ao lado de dentro, descobri-lo já é explicá-lo, pois a única forma de descobrir um pensamento é repensá-lo. Assim, “para o historiador não há diferença entre descobrir o que aconteceu e descobrir por que aconteceu” (IH, 177). Esta foi, para alguns leitores de Collingwood, como Dray e Gallie, a primeira forma de oposição aos argumentos de Hempel: argumentar que história explica não por subsumir o evento a uma lei geral, mas contando uma estória. Dentre os filósofos da história de meados do século, Danto (como veremos adiante) foi um dos poucos que afirmou por outros motivos que o historiador explica por meio de uma narrativa. Diferentemente de Collingwood, Danto considerava possível explicar causalmente os processos históricos, o que o levou a formular uma 47

BOUCHER, David. Op. cit., p. 704. “O único movimento filosófico que compreendeu com firmeza esta peculiaridade do pensamento histórico e o utilizou como princípio sistemático”, afirma Collingwood, “é aquele iniciado por Croce na Itália” (IH, 190). Não é à toa que sua história da “ideia de história” tem o pensamento de Croce como ponto de chegada. Veremos no capítulo 3 que, em sua juventude, White também enredara a história do pensamento histórico europeu atribuindo a Croce esta posição triunfante Ŕ e que, em Meta-História, o enredo muda mas a posição do italiano permanece: ele então passa a representar a queda da conscência histórica no estado de ironia do qual White pretendia resgatá-la.

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proposta compatível com o modelo das covering laws. Uma consequência do uso “especial” da noção de causa por parte de Collingwood, porém, levou-o a mais uma posição que, também por outros motivos, Danto viria a defender: a impossibilidade de prever as descrições futuras de eventos passados. Diferentemente dos positivistas lógicos, que consideravam a explicação e a predição logicamente semelhantes, Collingwood afirmava que o conhecimento histórico futuro não pode ser previsto porque o historiador necessariamente recorre às “constelações de pressuposições absolutas” do seu presente para produzir tal conhecimento (cf. Mink, MHD; o termo será elucidado no capítulo seguinte; por hora, é suficiente esclarecer que o historiador do futuro recorrerá a conceitos cujas características não podem ser previstas com base nos conceitos presentes48). Esta afirmação, porém, era pouco visível aos primeiros leitores de The Idea of History, pois, como afirma Mink, a noção de pressuposições absolutas era apenas implícita durante quase toda sua redação: o livro foi escrito majoritariamente a partir de 1936, mas tal conceito só foi formulado explicitamente a partir de 1939, aparecendo com clareza no An Essay on Metaphysics, de 1940. Retrospectivamente, porém, a noção explica muitas afirmações de The Idea of History. É devido à incompatibilidade entre “constelações de pressuposições absolutas” dos agentes passados e do historiador presente que, segundo Collingwood, em certos momentos da história não é possível re-enact alguns pensamentos de agentes do passado. Mas ele não parece considerar a possibilidade de que o pensamento do passado se perca para sempre; indica, pelo contrário, que em algum momento todo pensamento do passado pode ser trazido de volta à vida. Assim, por exemplo, “a constituição romana, bem como sua modificação permanente, por parte de Augusto [...], é um objeto eterno porque ela pode ser apreendida pelo pensamento histórico a qualquer momento” (IH, 218; grifo adicionado). Uma das consequências da impossibilidade de prever o futuro coloca Collingwood ao lado de Danto, Popper e (cf. H. White: FN, 141-142) praticamente todos os filósofos da história de meados do século XX em sua rejeição da legitimidade intelectual das “filosofias especulativas da história” (IH, 220). De acordo com a análise de Mink, como veremos, estas “constelações” são sistemas conceituais a priori. Nos capítulos seguintes, discutiremos de que maneiras Mink e White recorrem, repetidamente, à filosofia de Collingwood na elaboração de

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É digno de nota, porém, que, ao ler Collingwood desta maneira, Mink parece ter recorrido à análise de Danto sobre a “assimetria temporal” do conhecimento histórico. O próprio Mink, por sua vez, já havia insinuado a mesma posição, independentemente dos dois autores.

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suas conceitualizações sobre a narrativa historiográfica. Um dos pontos comuns que eles buscam em Collingwood é este elemento a priori ao qual o historiador recorre na construção da narrativa. Em The Idea of History, Collingwood afirma que ele era fornecido pela “imaginação histórica”. Em sua Introdução à Filosofia da História, Walsh ainda tendia a ler “imaginação” collingwoodiana como equivalente à “intuição” imediata, argumentando o que considerava ser a tese contrária, a de que o historiador necessariamente recorre a generalizações.49 Para White e Mink, por outro lado, era claro que Collingwood poderia auxiliá-los a compreender a natureza de tais generalizações. Mink desdobrou dele o problema da “mudança conceitual”, ao qual voltou repetidamente ao longo dos anos 1970. White, frequentemente mantendo o termo “imaginação histórica”, mas recorrendo também a autores como Northrop Frye e LéviStrauss, concluiu que o elemento a priori nada mais era que o enredo compartilhado socialmente. Em The Historical Imagination, aula inaugural proferida em Oxford em outubro de 1935, Collingwood buscou mostrar que “o historiador é sua própria autoridade e seu pensamento é autônomo, fonte de sua própria autoridade, possuidor de um critério ao qual suas „autoridades‟ devem se conformar e por referência ao qual elas são criticadas (IH, 236). Collingwood conclui isto a partir da análise dos três métodos seguidos pelo historiador: seleção, construção e crítica. A “autonomia do pensamento histórico” se manifesta em cada um deles: na seleção de quais autoridades utilizará como referência, na construção inferencial por meio das quais as autoridades são transformadas em evidência, e, acima de tudo, na crítica, quando “ele tem a autoridade de rejeitar algo explicitamente dito por suas autoridades e substituí-las por alguma outra coisa”. Uma consequência da atividade crítica é que o “critério da verdade histórica não pode ser o fato de que uma frase foi feita por uma autoridade”, pois o que está em jogo é exatamente a confiabilidade da “autoridade”. Ela só pode ser julgada de acordo com os critérios do próprio historiador (IH, 236-237).

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“Não é verdade que apreendemos e compreendemos o pensamento de pessoas do passado num mesmo ato de percepção intuitiva […] [O] processo de interpretação [das evidências] requer pelo menos uma referência implícita às verdades gerais” (IFH, 56). Nos últimos meses de pesquisa, ficou claro para nós a existência de um elo kantiano entre Collingwood, Mink, White Ŕ e, embora com relevância relativamente menor em relação ao tema da pesquisa, também Walsh. Collingwood desenvolve a noção de “imaginação histórica” em diálogo com Kant; Mink, após estudar Collingwood, e já próximo do fim da sua vida, passou a trabalhar em um comentário do mesmo autor, sobre o qual não obtivemos maiores informações e que nunca foi publicado; a tropologia de White, por sua vez, tem sido ocasionalmente comparada (por Hans Kellner e Frank Ankersmit, especialmente) às “categorias do entendimento” kantiana. Walsh também era um estudioso de Kant, e, em 1975, publicou o livro Kant‟s Criticism of Metaphysics.

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Quais são estes critérios? The Historical Imagination é uma tentativa de esclarecê-los, levando adiante a “revolução copernicana” que, para Collingwood, Bradley havia iniciado em The Presuppositions of Critical History, por meio da descoberta de que “o historiador traz consigo, ao estudo das suas autoridades, um critério dele próprio, com referência ao qual as próprias autoridades são julgadas” (IH, 240). Dentre os dois meios pelos quais o historiador trabalhar com base no que as autoridades dizem, a crítica e a construção, Bradley já havia discutido a crítica. Collingwood decide se ocupar do outro elemento, o construtivo. Para ele, a história construtiva interpola, com base nas afirmações das autoridades, novas afirmações. O ato de interpolação tem “duas características significativas”. Em primeiro lugar, “ele não é, de modo algum, arbitrário ou meramente caprichoso: ele é necessário, ou, em linguagem kantiana, a priori” (IH, 240). Consequentemente, ao contrário do romancista, o historiador não constrói “nada que não é necessitado pela evidência”. Em segundo lugar, a interpolação é “essencialmente imaginada”: “se nós olharmos para o mar e percebermos um navio, e cinco minutos depois olhamos de novo e o percebemos em um lugar diferente, nós nos acharemos obrigados a imaginar que ele ocupou posições intermediárias quando não estávamos olhando”.50 A imaginação histórica a priori, como todo ato imaginativo, “não é real nem irreal”. Ela difere de “duas outras funções da imaginação a priori” Ŕ a imaginação “pura ou livre” do artista (mas não arbitrária: em um romance, por exemplo, os personagens e os incidentes se desenvolvem de acordo com uma “necessidade interna” da obra) e a imaginação “perceptual”, que, como Kant argumentou, “suplementa e consolida os dados da percepção” Ŕ “não por não ser a priori, mas por ter como tarefa especial imaginar o passado” (IH, 242). Diferentemente dos objetos da imaginação perceptual, os seus não existem mais; diferentemente dos da imaginação artística, eles já existiram um dia. Collingwood inicialmente elabora sua caracterização da “imaginação histórica” com base em uma pressuposição que em seguida abandona: a de que existem “pontos fixos” a partir dos quais as inferências são feitas. Estes pontos fixos seriam as evidências, que, porém, só são aceitas pelo historiador quando ele as critica. Dessa 50

Collingwood afirma que “este já é um exemplo de pensamento histórico”, mas, pelos seus próprios critérios, é difícil ver como: certamente ele poderia argumentar, como faz, que toda forma de reenactment pressupõe a imaginação a priori; mas, como seu próprio exemplo mostra, a imaginação a priori funciona em outros casos que não o re-enactment de outros pensamentos.

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forma, é necessário retomar o problema dos critérios por meio dos quais a crítica é feita: “Agora eu sou forçado a confessar que, para o pensamento histórico, não há pontos fixos assim dados: em outras palavras, que, na história, assim como não há autoridades propriamente ditas, também não há dados propriamente ditos” (IH, 243). Consequentemente, se a autoridade da imaginação histórica não provém dos pontos fixos a partir dos quais as inferências são interpoladas, “a imagem do passado do historiador é [...] em cada detalhe uma imagem imaginária, e sua necessidade é, a cada ponto, a necessidade da imaginação a priori. Tudo que a adentra, o faz não porque a imaginação a aceita passivamente, mas porque a demanda ativamente (IH, 245). Collingwood retoma a comparação entre o historiador e o romancista, mas, agora que foi abandonada a ideia de “pontos fixos” nos quais se baseiam as interpolações, o enfoque é nas semelhanças entre ambos, que aqui “atinge sua culminação”: a imagem feita por ambos, dentre outras coisas, deve formar “um todo coerente”,

teleológico.

Dessa

forma,

enquanto

produtos

desta

atividade

“autoexplicativa, autojustificativa”, “fonte de sua própria autoridade” que é a imaginação a priori, “o trabalho do historiador e do romancista não se diferenciam. A diferença é que a imagem do historiador pretende ser verdadeira”. A tensão entre o todo da “imagem” e suas partes constituintes, trazida à tona por Mink e White, já estava prefigurada desde a formulação de Collingwood: se inicialmente ele afirma que “a imagem do historiador se pretende verdadeira” e a do romancista não, ao elaborar a comparação em maior detalhe, fala apenas dos componentes individuais desta imagem: o historiador busca “construir uma imagem das coisas como elas realmente eram e dos eventos como eles realmente aconteceram” (IH, 246; grifos adicionados). Mas esta tensão implícita não lhe parecia mais importante que as diferenças entre história e o romance. Ambas buscam uma imagem “coerente, que faça sentido”, mas o historiador tem a tarefa extra de também “construir uma imagem das coisas como elas realmente foram e de eventos como eles realmente aconteceram. Esta necessidade adicional impõe sobre ele a obediências às três regras do método, da qual o romancista ou o artista em geral está livre”. Em primeiro lugar, a imagem histórica do passado deve estar localizada no espaço e no tempo. Em segundo, deve ser “consistente consigo mesma”: há, afirma Collingwood, apenas um “mundo histórico”, “e tudo nele deve estar em alguma relação com todo o resto, ainda que tal relação seja apenas topográfica e cronológica”. Em terceiro “e mais importante” lugar, “a imagem do historiador apresenta uma relação

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peculiar com algo chamado evidência”. O que é, então, a evidência? Para Collingwood, “todo o mundo perceptível” o é, potencialmente. Para que tal potência se atualize, porém, ela deve ser “contemplada historicamente”. Para fazê-lo, é necessário possuir algum conhecimento histórico prévio, a partir do qual as interpolações possam ser feitas: assim sendo, o “conhecimento histórico só pode crescer a partir de um conhecimento histórico anterior”. Da simples existência atual desta forma de conhecimento, portanto, Collingwood pode concluir que “o pensamento histórico é uma forma original e fundamental”, “inata”, “da mente humana”. Para “fornecer um conteúdo detalhado a esta ideia inata”, a imaginação “usa o presente como evidência para o seu próprio passado”. Para interpretá-lo, “o homem deve levar tudo que ele sabe”: não apenas o conhecimento que possui em diversas áreas, mas também seus “hábitos mentais e tudo mais que ele possui”. Tudo isto está em constante mutação. Portanto, a interpretação da história parte de princípios interpretativos também situados no processo histórico. Sobre o “critério de verdade histórica”, Collingwood concluíra que ele é “a própria ideia de história: a ideia de uma imagem imaginária do passado”. Como a própria “ideia de história” é histórica, não há critérios fixos para a verdade histórica. Como veremos adiante, a discussão sobre a atuação da “imaginação” na historiografia interessou intensamente a Mink e a White. Mas as questões a que eles buscaram responder ainda não haviam vindo à tona. Apenas quando fosse possível rejeitar os critérios positivistas para toda explicação, faria sentido discutir os critérios da explicação histórica. Apenas quando estivesse estabelecido que o historiador explica por meio de uma narrativa, faria sentido discutir em detalhes as características dessa narrativa. Por fim, como veremos, Mink e White acabariam reunindo as duas discussões em uma única. Primeiramente, era necessário abordá-las separadamente. Estas duas etapas de problemas se manifestam nas fases da filosofia da história que Ankersmit chamou respectivamente de epistemológica e de narrativista.51 Para os opositores de Hempel na geração mais antiga, e para os dois principais representantes da seguinte, Collingwood foi o interlocutor fundamental.

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ANKERSMIT, Frank. The Dilemma of Contemporary Anglo-Saxon Philosophy of History. In: History and Tropology: The Rise and Fall of Metaphor. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1994, pp. 44-74.

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1.3. William H. Dray: as várias formas de explicar historicamente

Em Laws and Explanation in History, de 1957, William H. Dray argumentava que a explicação histórica não necessariamente requeria a aplicação de leis. Seu objetivo, porém, não era propor um modelo correto, um substituto ao modelo das covering laws: sua argumentação busca mostrar tanto a não-universalidade deste modelo quanto propor formas de explicação alternativas. O que Dray mostra, em suma, é que a história pode explicar de muitas formas possíveis. Embora o “modelo de explicação racional” proposto no livro seja intimamente ligado ao pensamento de Collingwood, Dray diferencia-se tanto deste quanto de Hempel em sua rejeição não apenas de um modelo unitário de explicação (Hempel), mas também de um modelo unitário de explicação histórica (Collingwood). Ele o faz, porém, recorrendo a outros aspectos da filosofia do próprio Collingwood.52 Tudo depende, para Dray, do tipo de pergunta que for colocada: a explicação satisfatória é aquela capaz de esclarecer a “perplexidade” daquele que busca uma explicação. Desde que tal critério seja atendido, até mesmo a distinção entre explicação e compreensão se tornava desnecessária.53 O modelo de Hempel, segundo Dray, explica satisfatoriamente um tipo de questão: as que buscam entender “por quê” algo aconteceu. Mas, embora tais explicações sejam parte da atividade historiográfica, não são as únicas possíveis. Em Laws and Explanation in History, Dray mostra também formas possíveis de responder às questões “por quê” e “como”. Para isto, era necessário questionar a tese segundo a qual citar uma covering law juntamente com uma declaração das condições antecedentes seja uma condição suficiente para o desenvolvimento de uma explicação. Dray argumenta pela existência de uma “dissimilaridade lógica entre explicação e predição”. É possível, por exemplo, que se tenha um “sinal indutivo confiável” da ocorrência futura de um evento, sem que, necessariamente, se possa explicar o porquê do seu acontecimento: “saber que um céu avermelhado pela manhã é sempre seguido por chuva não explicaria o aguaceiro de hoje”.

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Segundo Giuseppina D‟Oro (The Myth of Collingwood's Historicism. Inquiry, v. 53, n. 6, 2011, p. 640): “Em An Essay on Metaphysics Collingwood [afirmou que] diferentes ciências operam com diferentes conceitos de causação. Esta visão foi traduzida no jargão da filosofia analítica contemporânea por W. H. Dray, que reformulou a tese de Collingwood declarando que explicações históricas são sub species de explicações racionais, em vez de causais, e que uma difere da outra em tipo, não em grau”. Enfatizaríamos, porém, que o argumento de Collingwood foi reformulado por Dray de modo a insistir que há várias explicações possíveis, não apenas a racional. 53 Cf. DRAY, William H. “Explicando o Quê” em História. In: GARDINER, Patrick. Op. cit., p. 495, n2.

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Buscando mostrar que “a explicação típica em história não é uma versão de nível inferior do tipo científico, mas algo com peculiaridades lógicas próprias”, Dray passa a discutir o que chama de “modelo de séries contínuas”. Para isto, recorre ao exemplo da quebra do motor de um carro. “Parece-me que a minha compreensão da quebra do motor é muito diretamente relacionada ao fato de que eu posso agora traçar o curso dos eventos pelos quais ela veio a acontecer”. Dray afirma que a explicação do mecânico pode ser considerada satisfatória se, ao ouvi-la, somos capazes de visualizar uma série contínua de acontecimentos suficientemente compreensível entre o vazamento e a quebra do motor. Dray não nega a presença de leis nas séries contínuas, mas nega que possam ser leis abrangentes (i.e., covering laws): “Mesmo que fosse verdade que estes eventos de escala menor [componentes do modelo de séries contínuas] fossem cada um cobertos por lei […], as leis envolvidas seriam, na melhor hipótese, parte da explicação do evento bruto, não do sub-evento que elas cobrem; de modo que quando, elas chegam a funcionar em uma explicação, elas não são leis abrangentes”. Ou seja: toda explicação deixa coisas a serem explicadas em um nível mais detalhado, para o qual novas perguntas podem ser feitas. As “sub-leis” (ou seja, as leis para os eventos mais específicos) explicam o evento bruto, não os sub-eventos: estão são explicados pelas sub-sub-leis, e assim continuamente. De uma perspectiva lógica, poder-se-ia reduzir a especificidade da explicação eternamente. Mas isto não é um problema para Dray, que afirma estar interessado no caráter “pragmático” das explicações (LEH, 58-85). De tal perspectiva, uma explicação é considerada satisfatória ou não em proporção ao seu poder de esclarecer uma pergunta feita: A lei cobrindo o comportamento do pistão não explica porque ele aqueceu, se fosse o caso de fazermos essa pergunta. [...] Sem dúvidas, se adotarmos a política de continuamente mudarmos nossa pergunta, será impossível produzir uma resposta para a qual estejamos preparados para aceitar como uma explicação satisfatória. Mas, contanto que façamos uma pergunta de cada vez, nenhum regresso ocorre (LEH, 71).

Esta abordagem “pragmática” da explicação é formulada em oposição ao sentido “técnico” do termo adotado pelos teóricos das covering laws, válido “apenas em um discurso estreitamente científico, talvez apenas dentre certos filósofos da ciência”, e que não necessariamente se aplica aos casos históricos. Ao negar a universalidade do modelo positivista, Dray buscou mostrar como a explicação de uma “série contínua” não é compatível com o uso de leis abrangentes, ainda que possa empregar leis específicas. Porém, para Dray, estes modelos não esgotavam as possibilidades das

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formas explicativas. Havia, para ele, um caso para o qual o modelo das covering laws era “peculiarmente inepto”, e para o qual, ainda assim, Dray não estava disposto a aceitar o caráter de “pseudo-explicação”. Trata-se da “explicação do comportamento individual humano tal como ele é fornecido usualmente em história”. Procurando dar conta desse aspecto, Dray elabora outro “modelo”, o de “explicação racional”. A crítica de Dray a Hempel iniciara-se ainda sem diálogo com Collingwood: seu artigo Explanatory Narrative in History, de 1954, não menciona este filósofo, embora faça referências a outro “idealista”, Michael Oakeshott. Em Laws and Explanation in History, porém, seu interesse pelo trabalho de Collingwood já era notável. De acordo com o “modelo de explicação racional”, quando é pedida a explicação de uma ação, “o que muito frequentemente nós queremos é uma reconstrução do cálculo do agente dos meios a serem adotados rumo ao seu fim escolhido à luz das circunstâncias em que ele se encontrava. Para explicar a ação nós precisamos saber quais considerações o convenceram que ele deveria agir como ele fez”. A meta deste tipo de explicação é “mostrar que o que foi feito era a coisa a ser feita pelas razões dadas, em vez de meramente ser a coisa que é feita em tais ocasiões, talvez de acordo com certas leis”. Mas, ainda assim, Dray afirmava que tal procedimento, ao menos no sentido metodológico, fazia muito mais do que operar uma mera projeção empática: recorria também a dados “externos” para o complemento do cálculo. Assim, a “explicação racional pode ser considerada como uma tentativa de alcançar um tipo de equilíbrio lógico até o ponto em que uma ação corresponde ao cálculo. A demanda por explicação surge quando o equilíbrio é rompido Ŕ quando, partindo de „considerações‟ óbvias para o investigador, é impossível ver o sentido do que foi feito”. Não se trata, ao se colocar no lugar do agente, de descobrir o que ele fez, mas sim de entender tal coisa; e ainda assim, para Dray, o procedimento não era meramente subjetivo. “Permitir a legitimidade da empatia parece a muitos de seus oponentes como a concessão de uma licença para compensar a falta de evidências por meio da imaginação” (LEH, 129). Dray rejeitava enfaticamente que tal crítica possa ser estendida à sua proposta. Para ele, o “modelo de explicação racional” possuía um lado “indutivo”, “empírico”, “pois nós chegamos ao equilíbrio explanatório a partir da evidência”. Adotando um “sentido amplo” do termo “ciência”, Dray considera mesmo possível afirmar que este procedimento “autocorretivo” é “científico” (LEH, 130). Dray ainda formulou, neste livro e em outros textos, mais exemplos de “explicações” fornecidas pelos historiadores. No seu Filosofia da História, duas formas

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são indicadas. Em primeiro lugar, um “procedimento muito comum” na historiografia: a explicação sobre “como algo pôde ser o que foi, a despeito de presunção em contrário”. Neste caso, diz ele, “as conclusões assumem forma narrativa, o que é frequente em história”. Diferentemente das explicações baseadas em leis, universais ou não, estas explicações não requerem que se demonstre a inevitabilidade do ocorrido: “Necessária é a demonstração da possibilidade do evento por meio de destruição da base para a expectativa de que ele não ocorreria” (grifo adicionado). Em sua apropriação de Collingwood, Dray sempre ressaltou este ponto: para explicar por meio do re-enactment de uma ação, basta mostrar que ela era possível nas condições em que o agente se encontrava. Apenas as vítimas de uma “miopia determinista” (LEH, 168), em sua opinião, considerariam a demonstração da possibilidade de um acontecimento improvável como uma explicação incompleta. Pode ser feita uma pergunta adicional sobre por que o inesperado ocorreu, de acordo com o modelo hempeliano do “por quê”: mas não é preciso fazê-lo, caso a explicação anterior já tenha desfeito a sensação de “perplexidade” daquele que a demandou. A relação entre o “como” e o “por quê”, portanto, é uma “relação entre dois tipos de explicação, dados em resposta a perguntas diferentes, que, por vezes, podem suceder-se uma a outra, em obras históricas”. O segundo tipo de explicação apontado por Dray merece atenção especial: toda uma linhagem de conceitos, formulados por Walsh, Dray, Mink e White, é compatível com sua caracterização. Destes autores, o primeiro a formulá-los por Walsh, por meio da noção de “coligação”; na geração seguinte, Mink falou em “compreensão configuracional” e White no “enredo” das estórias em sentido semelhante, apesar de suas diferenças específicas. Ainda mais que o modelo de explicação racional, é a explicar de “o que” um evento foi que recebeu a atenção dos filósofos da história como a alternativa especificamente histórica à explicação por covering laws.

1.4. Interpretação “vertical”: “explicar o quê”, coligação, metáfora “Explicar o que”, segundo Dray, é dizer o que o acontecimento “foi de fato” ou o que ele “significa”: ou seja, o que geralmente se chama de “interpretação”. Neste tipo de

explicação,

o

historiador

“indubitavelmente”

estabelece

“ligações

entre

acontecimentos isolados”, cujas naturezas podem ou não ser causais. Mas, mesmo que o sejam, “o ônus da explicação recai sobre a síntese das partes num todo novo,

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interpretado “verticalmente”. Em casos como os conceitos de Renascimento, Reforma Protestante e afins, a síntese se expressa por meio de um conceito organizador do material reunido. Tal reunião, ressalta Dray, “não é ornamento artístico da investigação histórica: é de sua essência.54 Não tem, contudo, similaridade lógica com a explicação, segundo o modelo científico, tal como os positivistas geralmente a entendem”. 55 Como ele aponta no texto Explicando o Quê, as generalizações por covering laws assumem a forma “sempre que há x há y”, enquanto as generalizações por conceitos, que buscam “explicar o quê”, apresentam a forma “x, y e z acarretam um Q”.56 Dray mostra que este elemento organizador não é uma lei a partir da qual se deduzem os enunciados. Não deixa de ser interessante que o texto de Dray tome como ponto de partida uma nota de Hempel em seu A Função das Leis Gerais na História: Aquilo a que muitas vezes se dá erradamente o nome de explicação mediante um certo conceito é, de fato, nas ciências empíricas, uma explicação em termos de hipóteses universais que contem aquele conceito. “Explicações” que impliquem conceitos que não sejam válidos em hipóteses empiricamente comprováveis Ŕ como, por exemplo, a “enteléquia” em biologia e o “destino histórico de uma raça” ou “auto-revelação da razão absoluta” em história Ŕ não passam de metáforas sem conteúdo cognitivo.57

Nem Mink nem White, os dois autores sobre os quais concentramos nosso estudo, discordariam da conclusão de Dray: o elemento organizador da narrativa não propicia uma explicação por covering laws. Porém, Dray afirma estar interessado em se “esquivar” à “suspeita de utilizar „metáforas sem conteúdo cognitivo‟”,58 e insiste que tais explicações “podem ser explicações perfeitamente completas, no seu gênero – i.e., como respostas antes a perguntas de „o que‟ do que a perguntas de „porque‟”.59 White e Mink concordariam com tal afirmação, mas o problema da relação entre “metáforas” e “conteúdo cognitivo” lhes parecia mais difícil de resolver. Em Hempel, a afirmação pressupunha que a organização da narrativa por meio de uma metáfora a tornava automaticamente inadequada para uma explicação “correta”, i.e., por covering laws.

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É interessante que Dray jamais buscou aproximar sua noção de “explicar o quê” com a de “imaginação histórica”, formulada por Collingwood; porém, o comentário que Dray faz, aqui, da explicação por conceito é similar a um que Collingwood faz da “imaginação histórica”: esta, diz ele, “não é propriamente ornamental, mas estrutural” (IH, 241). White aproximou os conceitos fez: para ele, a “coligação” (que, como veremos adiante, é um conceito próximo ao “explicar o quê”) conduz à pergunta sobre o significado da história como um todo, que é fornecido pelo enredo. 55 DRAY, William H. Filosofia da História. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, pp. 33-35. Modificamos levemente a tradução de alguns trechos citados a partir desta edição. 56 DRAY, William H. Explicando o Quê. In: GARDINER, Op. cit., p. 498-499. 57 HEMPEL, Carl G. Op. cit., p. 429, n1. 58 DRAY, William H. Op. cit., p. 496. 59 Idem, p. 501.

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Mas não deixa de ser perceptivo de sua parte que (algumas, em sua concepção) narrativas sejam organizadas por metáforas, e que estas não permitam a subsunção ao seu modelo normativo de explicação. White e Mink poderiam concordar com Hempel que a “auto-revelação da razão absoluta” é, de fato, uma metáfora sem conteúdo cognitivo, no sentido referencial do termo. Mas ao menos duas diferenças ficariam nítidas em suas abordagens. Primeiramente, Mink e White seguiriam Dray em sua rejeição do monismo explicativo de Hempel, que os conduziu a considerar legítima a “compreensão” (Mink) ou o “efeito de explicação” (White) propiciada por tais metáforas. Mas seus posicionamentos também os afastariam de Dray, que, ao contrário deles, via a presença de um elemento “cognitivo”, por isso mesmo não “metafórico”, na narrativa. Dray, como Hempel, praticava uma filosofia da história “epistemológica”. É revelador da tanto da distância (epistemológica) quanto da proximidade (no ensaio do reconhecimento de um elemento estruturante da narrativa, impedido porém pela própria abordagem epistemológica) entre Dray-Hempel, por um lado, e Mink-White, por outro, que os exemplos históricos apontados por Hempel como “metáfora sem conteúdo cognitivo” Ŕ o “destino histórico de uma raça” e “auto-revelação da razão absoluta” em história Ŕ sejam tão facilmente identificáveis com o que White chamou de enredos da história. Toda a problemática ocasionada pela introdução das noções de “compreensão configuracional” (Mink) e “enredo” (White) na historiografia, portanto, já estava prefigurada no debate entre Dray e Hempel. Mas, evidentemente, poderia nunca vir à tona, como também poderia não assumir a forma que assumiu, se a atenção dos filósofos da história não tivesse sido chamada à forma de explicação do “significado” de algo. Este chamado à atenção deve muito ao conceito de “coligação”, desenvolvido por Walsh. Embora criticasse, como vimos, a teoria do re-enactment de Collingwood, Walsh buscava manter a distinção entre “interior” e “exterior” dos eventos, presente na tradição idealista. Como o historiador busca reconstruir a dimensão interior dos agentes históricos, precisa levar em conta suas intenções. Devido a isto, não apenas constata fatos isolados, mas também estabelece conexões entre eles. A análise da natureza destas conexões “significativas” fez com que Walsh, dentre os autores da filosofia crítica da história, fosse o primeiro a apontar a teleologia intrínseca à explicação historiográfica: Porque as ações são, de um modo geral, a realização de propósitos e porque um propósito ou política únicos podem encontrar expressão em toda uma

42 série de ações, realizadas por uma pessoa ou várias, é que podemos dizer que certos fatos históricos estão intrinsecamente relacionados. Estão relacionados porque a série de ações em questão forma um todo do qual podemos dizer não só que os últimos membros são determinados pelos primeiros, mas também que a determinação é recíproca, sendo os primeiros membros também afetados pelo fato de que os últimos foram previstos (IFH, 58).

Este trecho contém pelo menos uma insinuação da conclusão que, mais adiante, Danto alcança a partir da relação entre eventos afastados temporalmente: a de que toda teleologia projetada sobre eventos passados muda o sentido atribuído ao próprio evento passado. Assim, Walsh afirma: “o pensamento histórico, devido à natureza da matéria de que trata o historiador, frequentemente se processa em termos teleológicos” (IFH, 58); e, mais adiante, fala do “objetivo que tem o historiador de fazer dos acontecimentos que estuda um todo coerente” (IFH, 60; grifo adicionado). Mas, embora insinue que a coerência do todo é uma construção do historiador, Walsh está falando de conexões no processo histórico (enquanto a análise de Danto recai sobre a descrição de eventos, e a de Mink sobre o ato mental de ver juntamente dois eventos). A teleologia é ocasionalmente parte da explicação histórica, não porque a narrativa seja uma forma de compreensão essencialmente teleológica, mas porque as pessoas na história “por vezes visam a políticas coerentes”. Walsh chama estas narrativas de “significativas”, mas, para ele, isto não implicava, como para Danto e Mink depois, que as narrativas são significativas, mas sim que algumas narrativas são significativas: quando as ações humanas são passíveis de descrição teleológica a partir do ponto de vista dos próprios agentes.

1.5. Indícios de um impasse: o debate entre Dray e Hempel

Nas décadas de 1940 a 1950, a tentativa por responder ao modelo positivista dominante estimulou filósofos da história à criação de modelos alternativos. É possível ler as publicações dos anos 1960 como o desdobramentos de questões que, como argumentamos, com o benefício da distância temporal Ŕ já estavam prefiguradas nas formulações anti-positivistas de Dray e Walsh. Porém, a energia dos filósofos só foi direcionada mais incisivamente a estas questões quando o debate sobre a explicação histórica começou a dar sinais de cansaço, no início da década de 1960. O debate entre Dray e Hempel é o maior exemplo do impasse.

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Os positivistas vinham operando, desde a década de 1940, constantes enfraquecimentos nas exigências do modelo das covering laws, sem, porém, jamais abrir mão de sua definição central de “explicação”. Comentando o livro The Nature of Historical Explanation, de Patrick Gardiner, no primeiro capítulo de Laws and Explanation, Dray afirmava que este filósofo ia “consideravelmente mais longe que Hempel nas concessões que fazia aos que objetam o modelo como irrealista”. Enquanto Hempel chamava de “pseudo-explicações” qualquer explicação não deduzida a partir de uma lei geral, a “principal ruptura” de Gardiner estava em “permitir um segundo tipo de explicação, o qual, longe de ser „pseudo‟, é perfeitamente apropriado quando estamos preocupados com a conduta humana de um tipo „intencional‟, em vez de „reativo‟”. Em uma explicação do tipo “o agente x fez y porque queria z...”, “a ação particular é explicada em termos de uma característica disposicional do agente, e isto, ele admite, não pode estritamente ser considerada como a subsunção da ação a uma lei geral”. Para Dray, este ruptura era considerável: “Uma descontinuidade lógica é, de qualquer forma, reconhecida em um campo da explicação em que outros teóricos das covering laws estavam mais ansiosos em evitar”. O artigo Explanation in Science and in History, publicado pelo próprio Hempel cinco anos mais tarde, poderia ser descrito em termos mais ou menos parecidos. Por um lado, Hempel também passava a conceder a existência de um segundo tipo de explicação, não mais estritamente dedutivo. Hempel agora considerava que também a “explicação probabilística” era um “tipo básico de explicação científica”. Dessa forma, trata-se também de uma descontinuidade lógica do tipo mencionado por Dray, e, consequentemente, uma modificação considerável no modelo. Ao contrário de Gardiner, porém, Hempel não passou a considerar as explicações de ações como logicamente diferentes em relação às fornecidas pela física ou pela biologia. Pelo contrário: buscava mostrar que o modelo racional de Dray era, também ele, um exemplo de explicação nomológica. Dentre outras coisas, o artigo entra também na discussão que, até então, fora abordada por M. White, mas que não parecia especialmente interessante a Hempel: a da existência ou não de explicações especificamente históricas. Hempel escolhe para análise “dois candidatos especialmente interessantes ao papel de explicação especificamente histórica”: a explicação genética e explicação de uma ação em termos de seu princípio de racionalidade subjacente. Ao discuti-los, repete o padrão posteriormente identificado por Danto (NPH, 75): o de, invariavelmente, “sacrificar uma peça de análise filosófica em vez de uma de lógica”. Vejamos.

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Hempel discutiu brevemente as explicações do tipo “genético”. Tomando o exemplo de uma narrativa do surgimento histórico das indulgências, concluiu que os relatos genéticos “combinam uma certa medida de interconexões nomológicas com quantidades maiores ou menores de descrição direta”. É evidente que o título de “explicação” foi reservado por Hempel unicamente aos primeiros dos elementos de tais combinações: são estes, e não as descrições, que garantem o caráter “explicativo” de um relato genético. Mais relevante para a nossa discussão é a resposta de Hempel às “ideias estimulantes [...] avançadas por Dray” sobre a explicação racional. Hempel formaliza o modelo de explicação proposto por Dray na maneira que segue: (R) A estava em uma situação do tipo C (ou seja, C1, C2, …, Cn). Em uma situação do tipo C, a coisa apropriada a fazer era X.60

Com base nisto, Hempel afirma que “as duas afirmações incluídas no explanans (R) fornecem boas razões para acreditar que a ação apropriada para [o agente] A era X, mas não para acreditar que A fez X de fato”. Para explicar o que A fez de fato, Hempel propõe a seguinte formulação: (R‟) (a) A estava em uma situação do tipo C. (b) A estava disposto a agir racionalmente. (c) Qualquer pessoa cuja disposição seja agir racionalmente irá, quando estiver em uma situação do tipo C, invariavelmente (com alta probabilidade)61 fazer X.

Com base nisto, Hempel conclui que “os modelos nomológicos de explicação dedutivo e probabilístico acomodam vastamente mais do que apenas os argumentos, digamos, da mecânica clássica”, pois também as explicações que lidam com a influência de deliberação racional, como as de que falava Dray, e outras mais, como as genéticas, eram essencialmente nomológicas. Como é possível perceber na rejeição, por parte de Hempel, da autonomia das explicações racionais e das genéticas, as divergências dentre os participantes do debate pareciam repousar nos pressupostos mais básicos de suas teorias. Como afirmou Dray posteriormente, 60

Sendo A o agente, C a causa e X a ação. No original: “… invariably (with high probability)” (p. 118). A estranheza da formulação talvez indique uma tensão entre as duas formas aceitáveis de explicação proposta por Hempel neste artigo, a nomológica e a probabilística. Se a probabilidade de algo acontecer é alta, ela não é de 100%, e portanto tal coisa não acontecerá “invariavelmente”. 61

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em face da discrepância entre as demandas da teoria de Hempel e o que a explicação racional normalmente oferece, duas opções se apresentam. Por um lado, pode-se julgar, como Hempel, que a explicação racional como dada normalmente é simplesmente defeituosa. Por outro lado, pode-se tomar a discrepância como indicativo de que algo está errado com o princípio: que o que nós temos aqui pode não ser uma explicação defeituosa por covering laws, mas uma explicação aceitável de um outro tipo, uma instância de um diferente conceito de explicação62.

O mesmo valia, em sua opinião, para a rejeição positivista da “potência metodológica” da coligação. Como ele dizia já em 1959, esta acusação “exprime insatisfação com a pergunta feita, mas do que insatisfação com a resposta para ela fornecida pela explicação de coligação”.63 Ankersmit considera que o primeiro passo dado na tentativa de elucidar o comportamento dos conceitos coligatórios apareceu poucos anos depois, com W. B. Gallie, por meio da análise do que chamou de “conceitos essencialmente contestados”. (A noção de “substância narrativa”, desenvolvida pelo próprio Ankersmit em Narrative Logic, é “próxima das propostas elaboradas por Walsh e Gallie” (NPH, 280), e portanto é parte da linhagem em que, como vimos, encontra-se também o “explicar o quê” de Dray, a “compreensão configuracional” de Mink e o “enredo” de White.) O motivo pelo qual Gallie esclarece o funcionamento dos conceitos coligatórios é o mesmo pelo qual esclarece o impasse de todo o debate da explicação histórica (embora, em suas análises, não nomeie nem um nem outro): ao mostrar a “contestabilidade essencial” de tais conceitos, retira a base para que se encontre uma única forma possível de defini-los. Mas Gallie não analisou apenas também o funcionamento do “explicar o quê”. Seu conceito de followability64 busca responder à questão: “o que significa seguir uma estória?” Ao fazê-lo, enriquece também o “modelo de explicação racional”, dentre outras coisas porque, como observa Mink, é menos restrito que aquele, por não dar enfoque apenas às ações (HU, 123).

62

DRAY, William. Explanation in History. In: FETZER, James (Org.). Op. cit., p. 224. DRAY, William H. Explicando o Quê. In: GARDINER, Patrick (Org.). Op. cit., 501. 64 Como a presença do neologismo followability é marcante nas referências ao livro de Gallie, optamos por não traduzir o termo sempre que ele aparecer em sua forma original. Quando mencionarmos variantes do mesmo, utilizaremos neologismos semelhantes, como “seguível” ou “seguimento”, em itálico, em vez de uma expressão mais genérica como “[narrativa] passível de ser seguida”. Em muitos textos posteriores (de Mink e H. White, por exemplo), a simples menção à followability já indica uma referência, ainda que implícita, a Gallie; é fundamental, portanto, manter esta singularidade. 63

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1.6. W. B. Gallie: followability e “conceitos essencialmente contestados”

A já longa discussão acerca da explicação histórica, na visão de Gallie, havia dado espaço a “uma sugestão de valor positivo”, a saber, que “nem todas as explicações precisam ser aplicativas do padrão Regra/Caso/Resultado”, pois “o que uma explicação é, ou pode ser, ou deve ser, depende sempre do seu contexto e do tipo de investigação em que acontece”. Gallie lamentava serem poucos aqueles que, como Dray e Popper65, haviam ao menos tentando entender como funcionavam estas formas alternativas de explicação. A abordagem de Collingwood, em sua opinião, também negligenciava a questão da followability da narrativa: “simplesmente seguir uma narrativa é algo demasiado passivo para ter lugar na análise intensamente ativista do pensamento histórico de Collingwood”. Para Gallie, a atenção de Collingwood se voltara excessivamente para o dimensão de “resolução de problemas”, e, devido a isto, ele lhe parecia ter negligenciado “um dos fatos mais óbvios” sobre o surgimento da necessidade de tais resoluções: ele se dá durante o seguimento, por parte do historiador, das narrativas de historiadores antecedentes, ou mesmo das fontes de sua pesquisa. Apenas ao seguir outras narrativas surgirá, para o historiador, um problema a ser resolvido (PHU, 17-18). Para desenvolver sua abordagem da noção de followability, o primeiro passo de Gallie consistiu em responder “o que é uma estória?”. No modelo de Hempel, vimos, a explicação e a predição eram tratados como logicamente semelhantes. Mas, afirmava Gallie, quando se trata de seguir uma narrativa rumo à sua conclusão, não encontramos uma conclusão do mesmo tipo que é encontrado em uma dedução ou numa predição. Mesmo que tenhamos previsto a conclusão, muito mais importante nas estórias é a relação que nos permite ver a conexão lógica pela qual a compreensão de evento posterior requer, como condição necessária, um evento anterior. É como se seguíssemos uma sequência de conclusões internas rumo a uma conclusão final. Gallie reconhece que, a princípio, o momento em que se chega à conclusão final não é diferente dos demais momentos, nos quais foram lidas as conclusões parciais. Mas ainda assim, para ele, “há algo de especial” nas conclusões, que as distingue “de todos os outros incidentes, pausas, desfechos e momentos de mudança pelos quais passamos no

65

Cuja ideia de “lógica situacional”, sugerido no fim de The Poverty of Historicism, é, para Gallie, uma forma de explicar ações sem cair no enfoque dado por Dray Ŕ exagerado, em sua opinião Ŕ ao elemento racional das mesmas (PHU, 105-125).

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caminho até ela”. A diferença é que “a conclusão é o foco principal do nosso interesse quase desde o começo”. “É principalmente em termos da conclusão Ŕ vorazmente esperada enquanto nós lemos adiante e aceita ao final da estória Ŕ que nós sentimos e apreciamos a unidade de uma estória”. Gallie propõe como exemplo uma partida de críquete. O tipo de compreensão que se tem ao seguir uma estória pode ser comparado, para ele, ao do entusiasta que segue um jogo. Quando explicação é requerida, não o é com o objetivo de eliminar as contingências66, como se dá nas explicações passíveis de predição: uma jogada imprevisível pode ser seguida pelo entusiasta sem dificuldades. O objetivo das explicações (ou, digamos, para prosseguirmos com a comparação, do esclarecimento de uma regra em um lance não compreendido pelo espectador) é unicamente permitir que se volte a seguir o jogo. Aquele que segue uma estória, portanto, alcança um tipo de compreensão muito diferente do encontrado nas ciências teóricas. Em termos ideais, uma explicação deste último modelo se assemelharia não àquela necessária para que um entusiasta siga a partida, mas sim àquela que interessa a um apostador, cujo interesse se encontra unicamente no resultado final da partida. A história, afirmava Gallie, “é uma espécie do genus Estória”, cujas características, tal como este filósofo as concebia, foram acima traçadas. A história, para ele, diferenciava-se por basear-se em evidências e por exibir ao seu leitor “suas interconexões com outras evidências e resultados históricos relevantes”, mas suas narrativas “são seguíveis e inteligíveis na mesma maneira geral que todas as estórias são”. Por isso, Gallie considera que a função das narrativas históricas é “nos permitir seguir o curso verdadeiro de certos eventos a uma conclusão conhecida, com interesse nos próprios eventos e seu interesse humano direto, independentemente de qualquer exemplificação de verdades científicas ou truísmos aceitos elas possam oferecer”. Além da noção de followability, um segundo tema aparece com frequência em Philosophy and the Historical Understanding: a historicidade de toda forma de conhecimento, especialmente a filosofia, mas até mesmo as ciências naturais. A noção de “conceitos essencialmente contestados” é o ponto central da abordagem de Gallie ao tema. O uso de conceitos deste tipo, como “arte”, “religião” e “democracia”, “inevitavelmente envolve disputas intermináveis sobre os seus usos corretos por parte

66

Mink (HU, 134) observa que “Gallie não define „contingente‟ mas permanece firmemente fenomenológico ao usá-lo: o termo sempre significa, para ele, „surpreendente‟ ou „inesperado nas circunstâncias‟, em vez de „não sujeito à lei‟ ou „não predizível em princípio‟”.

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de seus usuários”. Por isso mesmo, “uma compreensão adequada dos mesmos requer alguma apreciação da sua história” (PHU, 158). São cinco as condições formais para que um conceito seja considerado “essencialmente contestado”: 1. O conceito deve ser valorativo (appraisive): ele “dá significado ou legitimidade a algum tipo de “conquista” ou “realização” a que se busca “valorizar” ou “dar crédito”.67 2. Ele deve possuir um “caráter internamente complexo”, ou seja, o valor das partes deve ser atribuído ao conceito como um todo. 3. Seu valor deve incluir referência às respectivas contribuições de cada parte que o compõem. “A realização credenciada pode ser inicialmente descrita de várias maneiras”, com diferentes formas de hierarquizar as partes. 4. Ele possui uma abertura essencial: “admite modificação considerável à luz de mudança nas circunstâncias”. 5. Todos os partidos de usuários do conceito reconhecem que seu uso é contestado pelos demais e compreende, ao menos ligeiramente, que outros grupos empregam critérios diferentes dos seus. O uso de um conceito essencialmente contestado é “simultaneamente agressivo e defensivo”, ou seja, deve ser sustentado reconhecidamente “contra outros usos”.

Gallie adiciona, ainda, duas especificações sobre a natureza de tais conceitos: 6. Os vários usuários concorrentes do conceito derivam de um mesmo “exemplar original cuja autoridade é reconhecida por todos”. Cada grupo, devido a isto, defende que seu uso é o que representa adequadamente a “tradição”. 7. É provável, ou plausível, afirmar que “a competição continua por reconhecimento entre os usuários concorrentes do conceito permite que a realização do exemplar original seja mantida ou desenvolvidos de forma otimizada” (PHU, 161, 168). 67

Gallie não é muito específico nas terminologias relacionadas às noções de “valor” e “crédito”, nem de “conquistas” e “realizações”. A ideia subjacente, porém, é relativamente estável: a de que a disputa pelo reconhecimento de que o próprio uso de um “conceito essencialmente contestado” é o “correto” envolve o reconhecimento do valor de um “exemplar original” (ver item 7), de cuja autoridade provém o valor do uso atual do conceito. O “exemplar original” é uma “realização” ou “conquista” passada, e sua valoração positiva dá credibilidade ao uso que se queira fazer do conceito por uma das partes concorrentes (ou “contestantes”).

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Já desde Collingwood, estava insinuada na filosofia da história a historicização da “ideia de história”. A noção de “conceitos essencialmente contestados” veio a reforçar esta tendência. Nela, o passado é visto como um objeto constante de disputas presentes, capaz de legitimar certos usos de um conceito e excluir outros. A noção aponta também para a impossibilidade de se escolher uma única forma correta de se praticar a arte, a religião, ou Ŕ podemos deduzir, embora Gallie não o afirme Ŕ a história. Veremos no capítulo 3 que Meta-História preenche estas figuras, e em alguma medida em diálogo com a obra de Collingwood. Neste livro, segundo a análise de Kellner, uma das estratégias de White para “se libertar do discurso da filosofia da história anglo-saxônica" foi um “uso abrangente”, embora não-declarado, da noção de Gallie.68 Há ainda outro elemento da abordagem de Gallie que reaparece em MetaHistória. White não apenas incorpora a “explicação por leis” e a “explicação por relato” em um todo maior Ŕ chamando-os agora de “efeito de explicação” Ŕ, mas também insiste na existência de “implicações ideológicas” a partir das combinações específicas assumidas por estas duas formas explicativas. Gallie, embora desse ainda menos espaço que White às explicações “científicas” na historiografia, reconhecia que a explicação de qualquer uso de um conceito essencialmente contestado também requer o recurso a “teorias psicológicas e sociológicas”, o que equivale a dizer que a escolha de um conceito não se dá apenas por motivos racionais. Só assim seria possível esclarecer, por exemplo, por que certos aspectos do conceito de democracia ou da religião chamam a atenção de um grupo, mas não de outro. Em Gallie, porém, este comentário nada mais é que uma doutrina recessiva: ele o admite, mas em seguida insiste que, ainda assim, é possível explicar racionalmente a adoção de uma ou outra forma de um conceito essencialmente contestado (PHU, 185-187). Insistir neste aspecto é a sua forma de ressaltar uma virtude da adoção de sua noção, pelos mesmos motivos que White apontará em defesa da adoção consciente de sua tropologia: o estímulo à tolerância dentre os defensores de diferentes concepções conceituais. Segundo ele: O reconhecimento de um determinado conceito como essencialmente contestado implica no reconhecimento de que seus usos rivais (do tipo que a pessoa repudia) são não apenas possíveis logicamente e humanamente “prováveis”, mas também fonte permanente de valor crítico potencial do uso 68

KELLNER, Hans. A Bedrock of Order: Hayden White‟s Linguistic Humanism. History and Theory, Vol. 19, No. 4, 1980, p. 11.

50 ou interpretação que a própria pessoa tem do conceito em questão. Considerar, em vez disso, que qualquer uso rival como anátema, perverso, bestial e lunático equivale, frequentemente, a se curvar ao perigo humano crônico de subestimar ou ignorar completamente o valor de alguma das posições do oponente. Consequentemente, uma desejável consequência de se reconhecer a contestabilidade essencial de um conceito pode ser um notável ganho de qualidade dos argumentos [...]. E isto seria, prima facie, uma justificativa para a contínua competição por apoio e reconhecimento entre as várias partes concorrentes (PHU, 187-188).

Ao lado de Collingwood, portanto, Gallie argumentava em favor de abordagens históricas da história, em oposição à notável a-historicidade do modelo hempeliano. Juntamente com Dray, dava também motivos crescentes para que a estória fosse considerada como fonte da autônoma compreensão histórica. O desvio da atenção dos filósofos da história para este novo conjunto de questões se daria tanto por motivos “internos” quanto “externos”: no primeiro caso, o cansaço do debate sobre a explicação histórica, que pouco avançava na década de 1960; no segundo, a tendência, oriunda da filosofia da ciência Ŕ que, como vimos, também já se manifestava na filosofia da história Ŕ de se historicizar o conhecimento científico. O positivismo lógico enfrentava uma perda gradual de prestígio, e isto não se dava pelos ataques daqueles que consideravam o modelo das covering laws inadequado à história. “Foi o questionamento sistemático de toda esta concepção de ciência natural,” afirmava Danto em 1984, “portanto da adequação do modelo mesmo para as ciências mais avançadas, o que finalmente tornou as minúcias pós-Hempelianas na filosofia da História de relevância marginal, na melhor das hipóteses”. Isto não significa que a ideia de unidade do conhecimento tenha sido abandonada: de fato, para Danto, “agora realmente havia uma unidade da ciência, no sentido de que toda a ciência foi trazida para a história, em vez de, como antes, a história trazida sob uma ciência construída no modelo da física”.69 Danto afirma que, com Kuhn, “a tendência filosófica tornou-se ver a ciência historicamente em vez de logicamente, como um sistema em evolução em vez de um cálculo atemporal”. O “declínio e queda da filosofia analítica da história”, como Danto o chama, pode ser visto como a substituição do “mundo de acordo com Hempel” pelo “mundo de acordo com Kuhn” (NPH, 70-85). Era este, como 69

Como afirma Giovanna Borradori em sua introdução à entrevista com Thomas Kuhn publicada no livro The American Philosophers: “Publicada na mesma International Encyclopedia of Unified Sciences que serviu como espaço editorial do Círculo de Viena e seus prosélitos, o livro de Kuhn desempenhou o papel do Cavalo de Tróia dentro dos muros do positivismo”. BORRADORI, Giovanna. The American Philosophers. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1994, p. 153. Uma entrevista com Danto também está publicada neste volume. No prefácio de Narration and Knowledge, Danto considera “irônica” a presença do livro de Kuhn na coleção.

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vimos, o mundo de Collingwood e Gallie; era também, como veremos, o de Danto, Mink e White. Para Ankersmit, “a distância entre os „conceitos essencialmente contestados‟ de Gallie e a „metáfora‟ é pequena”, pois aquele tem em comum com este “o desvio da descrição ou da referência para o „ver como‟”.70 Curiosamente, embora teorize sobre dois elementos que, em White, tornar-se-iam quase equivalentes à estória e ao (“efeito de explicação” produzido pelo) enredo, Gallie não articula a discussão da followability e com a dos “conceitos essencialmente contestados”. Porém, mesmo quando tratou apenas da parte seguível da estória, Gallie acabou por chamar a atenção para a narrativa como um todo, com sua insistência no fato de que desde o início o leitor já espera a conclusão. Como veremos no capítulo 2, Mink modificaria a proposta de Gallie: exatamente por seu caráter totalizante, em vez de ser pensada apenas avante, a narrativa também produz compreensão para trás. E isto, por sua vez, apenas enriqueceria o argumento historicizante avançado pelo próprio Gallie: afinal, se a compreensão se opera retrospectivamente, seu locus é o presente do historiador, seu momento histórico. Para argumentar nesta direção, a leitura de Analytical Philosophy of History, de Danto, foi fundamental para Mink.

1.7. Arthur Danto: entre a explicação e a historicidade

Analytical Philosophy of History é primeiro livro escrito por Arthur Coleman Danto. Mas duas outras produções, quase da mesma época, permitem-nos visualizar, em conjunto, o tipo de questões que o preocupavam até então. Em 1960, Danto editou com Sidney Morgenbesser a coletânea Philosophy of Science: Readings; não surpreende, portanto, que tão prematuramente tenha incorporado os debates mais recentes desta área em sua própria obra. Já em 1962, logo após escrever Analytical Philosophy of History, no sul da França, Danto partiu para Roma, onde trabalhou em Nietzsche as Philosopher (coincidentemente, Hayden White também estava em Roma neste mesmo ano), publicado em 1965. Neste caso, poderemos destacar que, como ocorreu com White mais tarde, os contatos de Danto com a filosofia continental o propiciaram um escape ao ambiente excessivamente lógico da filosofia anglo-saxônica (no capítulo 3, sobre White, desenvolveremos o tema com maior detalhe). Danto menciona ter lido Nietzsche ainda 70

ANKERSMIT, Frank. Politics and Metaphor. In: Political Representation. Stanford: Stanford University Press, 2002, p. 255.

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na graduação em Wayne State, nas aulas da filósofa Marianna Cowan.71 E é provável que, como White, Danto também tenha sido estimulado por Bossenbrook para ler os existencialistas, caso ainda não os tivesse lido.72 Os principais artigos e resenhas escritos por Danto até então tratavam de um conjunto de temas que, de variadas maneiras, manifestaram-se em sua obra subsequente: a lógica73, tanto em artigos relacionados à explicação histórica74 quanto em resenhas sobre temas mais gerais; a temporalidade75; o problema das relações entre livre-arbítrio e determinismo76; a estrutura da ação77; além de questões mais gerais da história, das ciências sociais (em relação ou não com a história)78 e da filosofia.79 Além dessas questões, Danto afirma ver em Analytical Philosophy of History, retrospectivamente, um interesse pela noção de “representação”, certamente relacionada à sua carreira como pintor em New York e a seu interesse mais geral pela arte, que mais tarde culminaria em uma bem sucedida carreira como filósofo e comentarista deste campo. Se Danto contrapõe um “mundo de acordo com Hempel” a outro, “de acordo com Kuhn”, Analytical Philosophy of History é um livro que transita entre os dois80. 71

DANTO, Arthur. Nietzsche as Philosopher. New York: Columbia University Press, 2005, xxvii. De qualquer forma, é certo que, mais tarde, Danto publicou um livro sobre Sartre: DANTO, Arthur C. As Ideias de Sartre. São Paulo: Cultrix, 1975. 73 DANTO, Arthur C. 1954. Resenha de Introduction to Symbolic Logic, de A. H. Basson e D. J. O'Connor. The Journal of Philosophy, Vol. 51, No. 8 (Apr. 15, 1954), pp. 250-252. Idem. Resenha de Logic and Knowledge, de Bertrand Russell. The Journal of Philosophy, Vol. 54, No. 11 (May 23, 1957), pp. 360-362. Idem. A Note on Expressions of the Referring Sort. Mind, New Series, Vol. 67, No. 267 (Jul., 1958), pp. 404-407. 74 DANTO, Arthur C. On Historical Questioning. Journal of Philosophy, v. 51, n. 3, 1954, pp. 89-99. Idem. On Explanations in History. Philosophy of Science, v. 23, 1956, pp. 15-30. Idem. Resenha de Laws and Explanation in History, de William Dray. Ethics, Vol. 68, No. 4 (Jul., 1958), pp. 297-299. 75 DANTO, Arthur C. Resenha de Time and Idea, de Robert Caponigri. Ethics, Vol. 64, No. 4 (Jul., 1954), pp. 316-317. Idem. Resenha de The End of Time, de Josef Pieper. The Journal of Philosophy, Vol. 52, No. 12 (Jun. 9, 1955), pp. 331-333. Mas nenhuma das duas resenhas trata da temporalidade estritamente, e aparentemente os livros resenhados também não o fazem. Na segunda das resenhas, podese ver um esboço da crítica de Danto às filosofias “especulativas” da história. 76 DANTO, Arthur C. & MORGENBESSER, Sidney. Character and Free Will. The Journal of Philosophy, v. 54, n. 16, 1957, pp. 493-505. Idem. Resenha de Determinism and Freedom in the Age of Modern Science, de Sidney Hook. The Journal of Philosophy, vol. 56 (1959), 1959, pp. 369-373. 77 DANTO, Arthur C. & MORGENBESSER, Sidney. What Can We Do? The Journal of Philosophy, v. 60, 1963, pp. 435-35. Danto voltou ao tema anos depois, no livro Analytical Philosophy of Action. 78 DANTO, Arthur C. 1955. Resenha de The Social Sciences in Historical Study. A Report of the Committee on Historiography by Social Science Research Council. The Journal of Philosophy, Vol. 52, No. 18 (Sep. 1, 1955), pp. 500-502. Idem. Resenha de Democracy and Marxism, de H. B. Mayo. The Journal of Philosophy, Vol. 52, No. 23, 1955 (Nov. 10, 1955), pp. 696-698. 79 DANTO, Arthur C. 1955. Resenha de The Theory of Knowledge, de Maurice Cornforth. The Journal of Philosophy, Vol. 52, No. 20 (Sep. 29, 1955), pp. 552-554. Idem. Concerning Mental Pictures. The Journal of Philosophy, Vol. 55, No. 1 (Jan. 2, 1958), pp. 12-20. 80 Conforme Dray, em resenha: “Danto está bastante a par da controvérsia contemporânea dentre filósofos analíticos da história [...]. É sintomático do seu desejo de fazer algo além de simplesmente participar dele, porém, que por duzentas páginas ele evite menção ao problema que, mais do que qualquer outro, excitou a controvérsia: o problema da função lógica (se houver alguma) das leis gerais na explicação histórica”. 72

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Como afirmava Danto no prefácio de 1984, ele foi “concebido e escrito na cúspide, por assim dizer, [desta] profunda revolução na concepção filosófica da ciência”. Reconhecendo isto, discutiremos o livro em duas partes. Na primeira, atentos aos seus dois capítulos intitulados “Explicação Histórica” Ŕ o décimo e o décimo-primeiro, subintitulados, respectivamente, “O problema das leis gerais” e “O papel das narrativas” Ŕ analisaremos os meios pelos quais o filósofo busca fechar as questões em aberto sobre o assunto; na segunda, discutiremos as novas questões que Danto traz à tona ao inserir a temporalidade na pauta da filosofia da história. Em comum, nas duas partes em que dividimos o livro para análise, encontra-se a preocupação com a linguagem. O núcleo do argumento é um insight que Danto não desenvolve minimamente Ŕ talvez por considerá-lo “trivial”81 Ŕ, e que, no entanto, é a base tanto para seu modelo de explicação histórica quanto para a tese da historicidade das descrições históricas. Trata-se da ideia de que “não há eventos, mas apenas eventos sob descrição”. No caso do debate das explicações históricas, sua proposta consiste na noção de explanatum, que é uma redescrição do explanandum em termos amplos o suficiente para que ele possa conter leis ou generalizações. Assim, por exemplo, descrições como “choveu hoje”, “choveu na minha varanda entre 2h15 e 2h45” e “choveu granizo na minha varanda entre 2h15 e 2h45, quebrando alguns azulejos” são mais ou menos gerais, e, por isso mesmo, mais ou menos propensos a conter leis ou generalizações. Aqui, é a “descrição do evento” que determina o nível de generalidade da explicação. A noção de eventos sob descrições informa também, no livro, um conjunto de discussões relacionadas à historicidade incontornável de toda explicação histórica. Danto afirmava, no prefácio da primeira edição, ser “impossível superestimar a medida pela qual nossas maneiras comuns de pensar sobre o mundo são históricas. Isto é exibido, se por nada mais, pelo imenso número de termos na nossa linguagem cuja correta aplicação, mesmo a objetos contemporâneos, pressupõem o modo de pensamento histórico”. Com esta percepção, Danto desenrola uma série de consequências do fato de que é impossível conhecer o futuro sob certas descrições, ou seja, que o futuro não é passível de predição exceto em nível muito amplos de

DRAY, William H. Review: Analytical Philosophy of History by Arthur C. Danto. Political Science Quarterly, Vol. 81, No. 3 (Sep., 1966), pp. 510-512. 81 Weingartner percebeu bem este ponto, sugerindo ao leitor que não desse créditos para tal afirmação de Danto. WEINGARTNER, Rudolph. Danto on History. Philosophy and Phenomenological Research, v. 28, n. 1, 1967, pp. 100-113.

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generalização. Basta pensarmos no já mencionado exemplo da meteorologia: em descrições suficientemente inespecíficas, pode-se fazer previsões acuradas sobre o futuro; pode-se prever, por exemplo, que vai chover. Mas não se pode, por outro lado, fazer previsões em um nível muito específico de descrição: escapa-lhe, digamos, a possibilidade de antever que a chuva destruirá uma determinada quantidade de azulejos na varanda de uma casa específica. Ao menos dois argumentos decorrem desta observação: primeiramente, a inevitabilidade do surgimento incessante de novas descrições possíveis de eventos passados; em segundo lugar, a ilegitimidade intelectual das filosofias especulativas da história. A atenção de Danto à relação entre linguagem e temporalidade aparece de maneira ainda mais incisiva por meio da ideia de “frase narrativa”. Uma “frase narrativa” reúne dois eventos temporalmente, mas refere-se apenas ao primeiro: por exemplo, “o autor de Tempo e Narrativa nasceu em 1913”. Esta frase, embora referente ao nascimento de Paul Ricœur, não era passível de formulação até 1983, se considerarmos a publicação do primeiro volume da trilogia. Uma consequência da inevitável presença de frases narrativas na historiografia é que sempre surjam novas descrições possíveis sobre o passado. Por exemplo, “o autor de A memória, a história, o esquecimento nasceu em 1913” não era uma frase possível nem mesmo em 1983, só passando a sê-la em 2000. E ainda mais relevante é que “o autor do sétimo capítulo da Coletânea de textos de filosofia dos últimos dez milênios nasceu em 1913” talvez só venha a ser possível em meados do nono milênio d.C., mas talvez nunca venha a sê-lo: é impossível sabermos, até que aconteça. Assim sendo, como veremos na segunda parte de nossa análise de Analytical Philosophy of History, interpretação do passado está sempre em aberto e é sempre retrospectiva.

a) Redescrição de eventos (I): a “explicação histórica”

Comecemos, então, com a análise da participação de Danto na discussão sobre a explicação histórica. Em sua resenha de Laws and Explanation in History82, Danto exibe um mapeamento do debate, tal como ele o via em 1959: O problema da explicação histórica, tal como ele é debatido atualmente, emerge como resultado de tensões lógicas entre as três posições seguintes: 82

DANTO, Arthur C. Resenha de Laws and Explanation in History, de William Dray. Ethics, Vol. 68, No. 4 (Jul., 1958), pp. 297-299.

55 (1) Os historiadores às vezes explicam eventos. (2) Toda explicação deve incluir pelo menos uma lei geral. (3) As explicações que os historiadores dão não incluem leis gerais.

Danto observava que, destas três posições, a lógica permitiria a adoção de, no máximo, um par, implicando assim a falsidade da restante. Porém, partindo da suposição de que (3) era geralmente aceito como verdadeiro, Danto (ao retomar o esquema em Analytical Philosophy of History) considerava possível caracterizar as posições do debate da seguinte maneira: (A) (2) é absolutamente verdadeiro e (1) é absolutamente falso. (B) (2) é absolutamente verdadeiro, e (1) pode ser reformulado em uma maneira aceitável, embora seja falso da maneira em que está colocado. (C) (1) é absolutamente verdadeiro, e (2) pode ser reformulado em uma maneira aceitável, embora seja falso da maneira em que está colocado. (D) (1) é absolutamente verdadeiro e (2) é absolutamente falso.

Grosso modo, exemplos aproximados destas posições eram, para Danto: (A), a dos idealistas, como Dilthey, Collingwood e Croce; (B), a do positivismo lógico, exemplificada por Hempel; (C), a de críticos moderados do modelo hempeliano, como Michael Scriven; e (D), a de Dray.83 Todas as quatro posições adotadas pelos participantes do longo debate sobre a explicação histórica, dizia Danto, “tinham a ver especialmente com a estrutura do explanans, e a questão em disputa era se leis gerais devem ou não ser incluídas na explanantia”. Danto, por sua vez, busca explorar um caminho diferente. Um olhar sobre sua formalização da explicação histórica pode ser útil:84 (1) x é F no t-1. (2) H acontece a x no t-2. (3) x é G no t-3. “O que não tem sido suficientemente apreciado,” avaliava Danto, “é que o explanandum descreve não simplesmente um evento, mas uma mudança”. Tal como ele propõe, o explanandum é composto por (1) e (3), e, portanto, o que se quer explicar é a

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A esquematização proposta por Danto permite-nos, dentre outras coisas, visualizar mais claramente uma diferença de Dray em relação a Collingwood: para Dray, a noção de “explicação” não devia estar restrita às ciências naturais, motivo pelo qual considerava, por um lado, que nem toda explicação possui leis, e, por outro, que a história fornece explicações. 84 Sendo x o elemento de que trata a narrativa, F, G e H suas condições momentâneas, t-1, t-2 e t-3 os diferentes momentos em que tais condições se manifestam. Neste esquema de Danto, o explanandum (aquilo a que se busca explicar) é composto por (1) e (3); o explanans (aquilo que explica o explanandum), por (2); e o explanatum (noção desenvolvida por Danto, que consiste em uma redescrição ampla do explanans) também por (2).

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mudança entre dois eventos separados. Mas há também um elemento de continuidade ao longo da narrativa, representado por x, que pode ser uma pessoa, um país ou qualquer outro elemento: no momento inicial, x está em uma determinada condição (F), e no momento final, está em outra, a condição (G). Fornecer (2), a explicação, equivale a explicar o caminho entre (1) e (3). Por isso, uma explicação histórica assume automaticamente a forma de uma narrativa, pois (1), (2) e (3) simplesmente já têm a estrutura de uma estória, com início, meio e fim. Para Danto, embora as quatro posições acima identificadas tivessem se ocupado da presença de leis no explanans, nenhuma o havia feito em relação à anatomia do explanandum. É este o caminho que Danto opta por seguir. Para tal, ele desenvolve a noção de explanatum, que é uma redescrição ampla do explanans Ŕ ampla o suficiente para que ele possa conter leis. Afinal, “nós só podemos cobrir o evento com uma lei geral quando já o cobrimos com uma descrição geral” (NK, 220). Mesmo no explanans, a presença de leis gerais depende da descrição original do evento para o qual a explicação é buscada. Afinal, como insiste Danto, fenômenos enquanto tais não são explicados, mas apenas fenômenos cobertos por uma descrição. Também no explanandum, esta descrição deve tornar-se mais generalizante para que possa “fornecer uma lei”. Vejamos o exemplo proposto por Danto: Durante a celebração da última fête nationale mónegasque, as ruas estavam decoradas, como se poderia esperar, com a bandeira de Mônaco. Mas lado a lado com estas estavam bandeiras americanas. Alguém poderia se perguntar por que, se haviam bandeiras americanas dividindo o espaço com bandeiras monegascas, não havia bandeiras de outras nações, por exemplo inglesas ou francesas ou alemãs. Este é um contexto em que alguém sente a necessidade de uma explicação, na verdade uma explicação de duas coisas: a presença de bandeiras americanas e a ausência de bandeiras de outros países ao lado das nacionais (NK, 220).

Como fornecer tal explicação? Danto comenta que alguém poderia tentar explicar a situação afirmando que o príncipe Rainer III estava se casando com a atriz Grace Kelly. Mas, observa Danto, poderíamos “jogar o jogo do Professor Dray” e afirmar, com razão, que “neste nível de descrição, não há uma lei que conecte estes eventos”; porém, “com a redescrição apropriada de cada evento, é suficientemente fácil fornecer a lei, e uma lei, de fato, que tanto licencia quanto é licenciada pelas redescrições”. Danto ilustra esta afirmação com uma tríade de descrições em níveis cada vez mais amplos: (a) Um explanandum: “Os monegascos colocaram bandeiras norteamericanas ao lado de bandeiras monegascas”. (b) Um explanatum concreto: “Os

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monegascos estavam honrando uma soberana nascida nos Estados Unidos”. Danto afirma que se conhecêssemos o explanatum concreto desde o início, sequer haveria a necessidade de explicação. (c) Um explanatum abstrato: “Os membros de uma nação estavam honrando uma soberana de uma origem nacional diferente da deles próprios”. Neste último nível, a descrição do evento já alcançou um grau de generalidade suficiente para que o evento seja posto sob uma lei formal. Mas isto não significa que, feita tal descrição, ela seja passível de extensão aos casos particulares como os expressos em (a) e (b). Danto considera que “não é difícil indicar ao menos em uma maneira vaga qual lei geral poderia ser espontaneamente avançada por qualquer um que se sentisse iluminado pela substituição redescritiva de a para b”. A lei poderia ser formulada, presumindo-se algumas informações conhecidas independentemente, em uma forma como: “Sempre que uma nação tem um soberano de uma origem nacional diferente da de seus próprios cidadãos, estes cidadãos irão, nas ocasiões apropriadas, honrar aquele soberano de alguma maneira aceitável” (NK, 221). Diante disso, Danto afirma “não haver razões para duvidar que poderíamos, no final das contas, exibir [o explanatum abstrato] c como a consequência dedutiva” das conexões entre “condições iniciais relevantes” e a lei. Mas é difícil perceber de que maneira a lei poderia ser formulada a partir do caso específico: se, para Danto, “a lei geral poderia ser espontaneamente avançada por qualquer um que se sentisse iluminado pela substituição redescritiva de a para b”, os problemas passam a ser: sem o conhecimento prévio da lei, quem se sentiria iluminado pela substituição redescritiva? E como se poderia chegar à descrição de b, senão pelo conhecimento prévio da lei? (Em último caso, conhecimento prévio poderia significar imediatamente prévio, supondo-se que a lei fosse descoberta exatamente na tentativa de explicar tal caso particular, sendo confirmada por meio do teste em outros casos.) Danto menciona também que, se alguém fizesse a objeção de que sua formulação é apenas um “esboço de explicação”, ele concordaria. Se, por outro lado, alguém afirmasse que não há a necessidade de detalhar cada passo de como a lógica formal foi aplicada, Danto novamente concordaria. (Danto não chega a detalhar estes passos, o que certamente soa como indício de que, de um ponto de vista lógico, a transição do explanatum para o explanans é mais difícil do que ele parece acreditar. De um ponto de vista pragmático, por outro lado, sua explicação é convincente: intuo que os leitores, assim como eu, se dariam por satisfeitos com a explicação fornecida, e a

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considerariam legítima.) Podemos observar que alguém alinhado com Hempel certamente poderia fazer a primeira das objeções citadas, e alguém com Dray, a segunda. Assim, não surpreende que, para Danto Ŕ que concordaria com ambos Ŕ, esta solução teria sucesso em atender sua pretensão conciliatória, mesmo no caso de posições opostas como as de Hempel e de Dray. (Se nossa opinião está correta, portanto, de certa maneira Danto atende melhor aos objetivos de Dray, pragmáticos, do que os de Hempel, lógicos.) Danto avaliava que, “fora as observações sobre o explananda e o explanata”85, sua análise era “essencialmente a de Hempel”. Mas, em nossa opinião, formular a questão desta maneira obscurece o fato de que não se trata de meras “observações”, mas do núcleo de sua proposta. Para Danto, Hempel ficaria especialmente satisfeito com o fato de que “nós temos a lei, que cobre o evento”. Mas também esta formulação nos soa problemática: embora não seja de todo incorreta, não faz jus à argumentação do próprio Danto. Basta observamos que, logo adiante, este filósofo afirma que sua solução agradaria a Dray porque “a lei não cobre o evento E enquanto tal, nem E é coberto sob a descrição [mais específica]”. Em sua tentativa de conciliação, Danto acaba por soar indeciso: afinal, a lei cobre ou não cobre “o evento”? Mas não se trata disso. O que Danto argumenta é que não se pode deduzir o explanandum do explanans, apenas o explanatum, e que só estamos hábeis a prover o explanatum, e portanto a lei, depois de termos a explicação. A explicação, neste sentido, se dá exatamente quando se é capaz de transformar uma descrição específica (o explanandum) em uma ampla (o explanatum). Mas a função da lei é justificatória Ŕ não se “usa” a lei Ŕ, embora ela também seja qualificável como uma “sentença nórmica” (normic sentence)86. Porém, Danto ressalta que sua análise “apoia claramente a alegação de Hempel de que padrão de explicação é indiferente à distinção entre fenômenos humanos e não-humanos”. Não apoia, por outro lado, a ideia de que, logicamente, os eventos sejam previsíveis. Sabendo a lei e algumas informações, é possível prever a explanatum concreto ou o abstrato, mas não o evento: para sabermos qual evento, dentre os possíveis, de fato aconteceu, é necessário que

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Explananda é o plural de explanandum, explanata é o plural de explanatum. A noção de “sentença nórmica” foi desenvolvida por Michael Scriven, que, na classificação de Danto, pode ser considerado um “crítico moderado” do modelo das covering laws. Para Scriven, uma “sentença nórmica” “delineia as normas a partir das quais os desvios são explicados dentro da teoria, mas que são eles próprios explicáveis, quando muito, apenas em termos de uma teoria diferente”. SCRIVEN, Michael. The Logic of Criteria. The Journal of Philosophy, v. 56, n. 22, 1959, p. 864. 86

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tenhamos evidência documental87. Mas aí Danto cai em outra dificuldade terminológica: se só há eventos sob descrições, a expressão “o evento” não poderia, a princípio, ser reservada para os casos menos generalizantes. Para L. Costa Lima88, a concordância de Danto com Hempel “não passa de um gentleman‟s agreeement, que nada acrescenta aos argumentos de um ou de outro”. Afinal, (a) a nomeação da lei geral é absolutamente ociosa e, (b) em troca, a explicação suplementar nada acrescentará ao conhecimento da lei geral em questão. Para Costa Lima, teria sido preferível para Danto “insistir na conexão peculiar entre a modalidade de causa e a posição específica ocupada pela explicação na narrativa”, pois Hempel encontra-se de modo “parasitário” em sua argumentação. Tal como Danto formula a questão, o papel de Hempel está bem caracterizado por Costa Lima. Mas suavizaríamos a afirmação do crítico brasileiro, com a qual concordamos, ressaltando que, se o destaque dado por Danto ao papel das covering laws na explicação histórica é, de fato, pouco relevante em relação às novidades por ele introduzidas, deve-se levar em conta que Danto buscava (nos dois capítulos em que tratou diretamente do assunto) resolver um problema de grande relevância para o ambiente intelectual no qual escrevia, e do qual ele própria havia tratado em textos anteriores. Danto não poderia ignorar o próprio debate de que se ocupava. Como o próprio Danto afirmaria mais tarde, em 1994: “A teoria de Hempel, na verdade, ainda me parece verdadeira. Ela apenas parou de ser relevante, da maneira pela qual toda a filosofia da história gerada por ela parou de ser relevante” (NPH, 85). De qualquer forma, a questão sobre como se dá a nomeação das leis gerais não é abordada por Danto de maneira especialmente satisfatória. A investigação histórica, argumenta ele, é guiada pelo esboço de narrativa e pela lei geral de acordo com a qual ela foi construída. Sem saber qual lei está envolvida, a investigação histórica não possui

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O comentário de Mink a respeito da tentativa de Danto é preciso: “Os envolvidos podem ver a questão diferentemente. Hempel, eu imagino, poderia contemplar a caridade de Danto com alguma suspeita, já que a nova proposta não parece atender sua condição geral de adequação para explicações de eventos: „Qualquer resposta racionalmente aceitável para uma questão do tipo „Por que X ocorreu?‟ deve fornecer informação que constitua boas bases para a crença que X de fato ocorreu‟. Pois o explanatum pode Ŕ devido à sua generalidade Ŕ ser considerado como uma descrição não de X mas de uma classe de eventos possíveis similares a X em alguns respeitos mas não em outros; o explanatum consequentemente não pode servir (como o explanandum faz) para distinguir X destes outros eventos e consequentemente nem mesmo descreve X como diferente daqueles outros eventos. Consequentemente a explicação não pode fornecer boas bases para a crença que X, em vez de algum outro evento, ocorreu de fato”. MINK, Louis. Philosophical Analysis and Historical Understanding. In: Historical Understanding, p. 144. 88 COSTA LIMA, Luiz. Clio em Questão. In: RIEDEL, Dirce Côrtes (Org.). Narrativa: Ficção & História. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

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direção. Há, portanto, uma relação abdutiva89 entre a descrição geral e as evidências. A argumentação se torna mais complicada, porém, quando Danto busca explicar como a lei é encontrada. Danto não especifica de que maneira se encontraria a lei correta dentre as passíveis de operar na redescrição dos eventos. Menciona apenas, aqui e acolá, que “não é difícil encontrá-las” quando se tem o evento particular. Certamente muito pouco para quem oferece a noção de redescrição de eventos como a chave para se entender o uso de leis e generalizações na história. Quando afirma que “as classes de explicações podem ser ditas como implicando na lei quanto tomadas em conjunção com o que eu posso chamar de regras de redescrição, de acordo com a qual nós podemos substituir uma dada descrição de qualquer evento com um de maior generalidade”, Danto novamente é vago. Que regras seriam estas? Ele não diz, afirmando apenas que “este conjunto de regras é talvez difícil de especificar”. Ficamos, então, com o paradoxo segundo o qual é fácil encontrar as leis da redescrição quando se tem o evento particular, mas de acordo com regras difíceis de especificar. Vimos que, para Danto, como as explicações tratam de mudanças, assumem inevitavelmente forma narrativa. Assim, “uma narrativa e um argumento dedutivo possam constituir formas análogas de explicação”, mas a analogia possui limites. Estes limites se encontram na distinção que Danto estabelece entre narrativas “atômicas” e “moleculares” (NK, 251-256). Uma narrativa atômica cobre uma mudança simples com uma lei, possuindo início, meio e fim. Já uma narrativa molecular cobre uma sequência de mudanças, e, nessas casos, “nenhuma causa singular pode explicar a mudança, mas apenas uma sequência de causas, cada uma explicando a mudança sucessiva” (NK, 252). Nas formalizações abaixo,90 a indica o elemento constante na narrativa, indo de um estado a outro (no caso das narrativas atômicas, por exemplo, do estado F ao G). A mudança de um a outro estado é indicada por y, e, no segundo caso, por y e z: Narrativas atômicas

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Narrativa molecular

A abdução é, para Peirce, uma das etapas na realização das inferências, juntamente com a dedução e a indução. Na abdução, um fato surpreendente é observado, e é criada uma hipótese tal que, caso ela seja verdadeira, o fato passe a ser trivial. Cf. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003. Para uma discussão sobre a relação entre a noção de abdução e o modelo de Hempel, ver: HILPINEN, Risto. Hempel on the Problem of Induction. In: FEZTER, James (Org.), Op. cit., pp. 91-110. 90 Danto não chega a fornecer uma formalização das “narrativas moleculares”. Nossa formulação se baseia em sua descrição da mesma (251-2), e exemplifica o caso mais simples imaginável de tal narrativa. Praticamente toda obra historiográfica, evidentemente, explica um número muito maior de mudanças (embora se possa discutir a validade desse esquema, focado na causalidade).

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(i) (ii) (iii)

Fa y Ga

(i) (ii) (iii) (iv) (iii)

Fa y Ga z Ha

Nas narrativas atômicas, a mudança ocorrida em a (ou seja, de como Fa torna-se Ga devido ao acontecimento y) pode não ser coberta por uma covering law, mas uma vez que a referência seja feita ao episódio causal y, então há o apelo a alguma lei geral. Mas há outro tipo de narrativa, a “molecular”, existente “em casos que uma única causa não pode descrever a mudança, mas apenas uma sequência de causas, cada uma descrevendo uma mudança sucessiva”. A conclusão de Danto é de que narrativas não podem ser construídas sem o uso de leis gerais, mas “nenhuma lei geral precisa ser encontrada para cobrir a mudança inteira coberta e explicada pela narrativa”. Ou seja, a aplicação das leis tal como vista por Danto se dá no mesmo tipo de mudança que, anos antes, Dray mobilizara contra os positivistas. Ora, não é difícil perceber que praticamente todo texto historiográfico possui narrativas moleculares, e não atômicas. Ainda assim, Danto oferece apenas um espaço marginal a este tipo de narrativa. Não se pode culpá-lo, pois, como o próprio autor insiste, a retrospecção oferece vantagens ao observador que faltam ao agente do passado. O que a distância temporal nos permite ver, neste caso, é que Analytical Philosophy of History não se encontra apenas na passagem do paradigma positivista para o, digamos, kuhniano: encontra-se também na passagem do entendimento da narrativa que, por meio de frases isoladas, produz explicações para o da narrativa que, como um todo, produz sentido. A importância da retrospecção para este processo, que será incorporada por Mink à importância do juízo sinóptico, é certamente a principal contribuição de Danto ao entendimento da narrativa como uma estrutura que produz sentido retrospectivamente. É dela que trataremos a seguir.

b) Redescrição de eventos (II): as consequências da retrospecção

Uma das primeiras publicações de Danto apareceu em 1953, no The Journal of Philosophy. Trata-se de Mere Chronicle and History Proper, artigo no qual o filósofo questiona a distinção, outrora formulada por Croce e retomada em 1951 por W. H.

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Walsh91, entre uma mera crônica e uma história propriamente dita – ou, nos termos do próprio Walsh, “significativa”. 92 Danto testa a validade da distinção buscando qual seria o elemento das narrativas significantes capaz de diferenciá-las das meras narrativas planas. Para isto, aponta quatro possíveis sentidos de como o termo “significativa” poderia aplicar-se às narrativas, para, no final, descartar todos os quatro. O primeiro deles seria referente a eventos passados capazes de prover munição para preocupações presentes do historiador. Na versão do texto publicada em Analytical Philosophy of History, Danto menciona especificamente os argumentos morais, chamando este tipo de “significação pragmática”. O segundo sentido de “significativa” trataria os eventos assumidos como instâncias de leis gerais, provendo uma “significação teórica”. Mas, para Danto, nenhum dos dois sentidos é convincente. Por um lado, concorda que, neles, “o historiador não está, é claro, tentando descrever precisamente o que aconteceu”; mas, por outro, afirma que “nenhum deles estará operando como um historiador”, pois a argumentação moral é uma atividade “extra-histórica” e a subsunção às leis gerais é “não-histórica”, típica das ciências naturais. Danto, portanto, descarta a validade de ambas as aplicações. Em um terceiro sentido, seria “significante” o evento cujas consequências são discernidas pelo historiador: uma “significação consequencial”. A distinção, novamente, não convence a Danto: “Descrever com precisão a invasão ateniense da Sicília não é em nada formalmente diferente de descrever com precisão as consequências daquela invasão Ŕ já que as consequências são simplesmente algo que aconteceu”. Danto descarta também o quarto e último dos sentidos possíveis enumerados, referente a uma “significação revelatória”: de acordo com este tipo, “um conjunto de eventos, X, pode ser dito como significante quando há algum outro conjunto, Y, de maneira tal que a presença, existência, natureza ou possibilidade de Y pode ser inferida de X”. O motivo é o mesmo do anterior: em ambos os casos, para Danto, “um historiador que deseja escrever uma história „significante‟ [...] não fará nada genericamente diferente de descrever precisamente o que aconteceu”. Para Danto, portanto, a narrativa plana já é produtora de significado. As significações “sequenciais” e nas “revelatórias” são alcançadas exatamente quando o historiador diz o que realmente aconteceu. No texto de 1953, isto é argumentado

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WALSH, W. H. Introdução à Filosofia da História. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. DANTO, Arthur C. Mere Chronicle and History Proper. The Journal of Philosophy, v. 50, n. 6, 1953, pp. 173-182. 92

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basicamente pela via negativa. Em Analytical Philosophy of History, Danto, além de desenvolver o argumento, também o insere em um conjunto de outras questões, discutidas positivamente. Uma das questões, cuja explicação dividiremos em duas partes, é a impossibilidade de prever o futuro sob certas descrições. Vejamos o que isto significa. Para explicar a impossibilidade de prever o futuro sob certas descrições, Danto recorre a Aristóteles. Para o filósofo grego, sentenças sobre o futuro não podiam ser “verdadeiras” porque as próprias noções de “verdadeiro” e “falso” não são aplicáveis a elas. Uma frase sobre o passado é ou verdadeira ou falsa, mas uma frase sobre o futuro não é nem verdadeira nem falsa, pois a presunção contrária necessariamente eliminaria a contingência do futuro. Mas mencionamos que, para Danto, a impossibilidade não é prever o futuro, mas sim fazê-lo sob certas descrições, já que, em outras, é inteiramente possível fazê-lo. Como já mencionamos, o texto de Danto é amplamente informado pela ideia de que “não há eventos enquanto tais, mas apenas eventos sob descrições”. A noção de explanatum, que permitiu a Danto propor uma solução original para a questão da explicação histórica, depende diretamente deste insight. Tanto é possível prever o futuro sob algumas descrições que um astrônomo, por exemplo, pode calcular o momento do acontecimento de um eclipse. Nem mesmo uma teoria científica pode prever todas as descrições possíveis de um evento: primeiramente, porque isto é incompatível com as próprias características das investigações científicas, cujas linguagens são necessariamente abreviadas e específicas; em segundo lugar, porque é interminável o número de estruturas temporais nas quais os historiadores do futuro podem situar qualquer evento. Danto não considera, portanto, que esta diferença se dê por alguma diferença essencial entre os eventos científicos e os históricos: “não há duas classes de eventos, mas talvez duas classes de descrições”; há, portanto, uma classe de descrições especificamente históricas. Para caracterizar este tipo de descrições, Danto desenvolve o conceito de sentença narrativa. Estas sentenças têm como “característica mais geral [o fato de] se referirem a dois eventos separados no tempo, embora descrevam apenas (sejam apenas sobre) o primeiro evento ao qual se referem”. Um exemplo se encontra na frase “a „Guerra dos Trinta Anos‟ começou em 1618”: a guerra só poderia ser chamada de tal maneira a partir de 1648, e, embora o termo se refira apenas ao início do conflito, liga-o ao término do mesmo.

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Por isso, embora um evento passado não possa ser modificado, há “um sentido no qual podemos falar do passado como mutante”: trata-se das novas descrições que podem ser feitas dos eventos passados. A cada vez que o futuro se torna passado, um evento adquire novas propriedades, já que “entra em diferentes relacionamentos com eventos que ocorrem depois”. É nesse sentido que “a descrição de E-no-t-1 [sendo E um determinado evento e t-1 o momento de sua ocorrência] pode se tornar mais rica ao longo do tempo sem exibir nenhum tipo de instabilidade”. Pelo mesmo motivo, afirma Danto, “aquilo que eu chamei de „descrição completa‟ de E-no-t-1 não pode ser definitiva” (NK, 155). À luz da historicidade inerente às descrições tipicamente históricas, a discussão sobre a inevitável seletividade e, consequentemente, significatividade das narrativas (outrora travada com Walsh) ganha novo fôlego. Dessa vez, Danto imagina as implicações da existência de um “Cronista Ideal”, assim definido: “Ele sabe tudo o que acontece, no momento em que acontece, mesmo em outras mentes. Ele também tem o dom da transcrição instantânea: tudo que acontece ao longo de todo o aro dianteiro do Passado é registrado por ele, como acontece, da maneira que acontece” (NK, 149). O historiador poderia utilizar o Cronista Ideal como testemunha de qualquer evento que o interessasse, mas... isto não é suficiente. Pois há uma classe de descrições de qualquer evento sob as quais o evento não pode ser testemunhado, e estas descrições são necessária e sistematicamente excluídas da Crônica Ideal. Toda a verdade referente a um evento só pode ser conhecida depois, e às vezes apenas muito depois do próprio evento ter acontecido, e esta parte da estória apenas os historiadores podem contar. É algo que nem mesmo o melhor tipo de testemunhas pode saber (NK, 151).

Na Crônica Ideal, “não há inícios e fins”, nem linguagem temporal, nem, consequentemente, linguagem de causalidade, além de vários outros “dispositivos de referência” típicos da atividade historiadora (NK, 157). Vimos que, a partir de seu debate com Walsh, Danto apontara exatamente estes fatores como os responsáveis pela inevitável significação de toda narrativa. Para o Cronista Ideal, portanto, “todo evento é igualmente significante […], ou igualmente insignificante; ou seja, a categoria de significação não se aplica. Como poderia se aplicar, se ele não conhece o futuro? Pois é apenas à luz do futuro que os eventos que ele testemunha vão adquirir alguma medida de significância”93 (NK, 159). 93

Em sua tréplica a Danto, escrita em 1953 mas publicada apenas em 1958 no The Journal of Philosophy (com um pedido de desculpa dos editores pela demora), Walsh reafirmou seu posicionamento. Para ele, a

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Um segundo desdobramento da impossibilidade da pré-cognição é, para Danto, a ilegitimidade das “filosofias substantivas da história”. Esta empreitada intelectual esteve, como afirmamos, em forte descrédito ao longo de todo o período entre a publicação de A Função das Leis Gerais na História e Meta-História, e, neste sentido, Danto usa um insight original (aquele relativo à temporalidade da linguagem) para reforçar esta visão bastante aceita. Assim como a distinção entre narrativas planas e significantes, também aquela entre uma filosofia “crítica” e uma “especulativa” da história difundiu-se, na filosofia da história anglo-saxônica, a partir do manual de Walsh.94 Mas se, por um lado, Danto se opunha à primeira, por outro aderia ao consenso95 quanto à segunda. Esta era definida, por ele, como “uma tentativa de descobrir o tipo de teoria preocupada com [...] o todo da história”, todo este que não é meramente todo o passado, mas também o presente e todo o futuro. Este tipo de filosofia, prossegue Danto, possui uma série de semelhanças com a historiografia. Ambas buscam organizar os fatos do passado, conhecido por meio de descobertas factuais, em padrões coerentes; ambas possuem estrutura narrativa; e ambas realizam interpretações de seus materiais, que, no caso das filosofias especulativas, geralmente são chamadas de “sentido”. Mas enquanto, para Danto, este conceito tem uso justificado na obra histórica ordinária, o mesmo não ocorre com as filosofias da história. Isto se dá porque, de acordo com ele, a significação histórica de um evento só pode ser respondida no contexto de uma estória. Dependendo da estória em que está localizado, “o mesmo evento terá uma significação diferente [...], ou, em outras palavras, de acordo com quais diferentes conjuntos de eventos posteriores ela pode ser conectada” (NK, 11). O problema é que, enquanto “os historiadores descrevem eventos passados com referência a outros eventos que são futuros a eles, mas passados ao historiador”, os filósofos especulativos da história “descrevem certos eventos do passado com referência a outros eventos que são futuros tanto a estes eventos quanto ao próprio historiador” (NK, 15). A

distinção seguia válida mesmo com os argumentos de Danto Ŕ que ainda não incluíam a noção de Cronista Ideal. Em sua resenha de Analytical Philosophy of History publicada em 1967, Walsh não volta a discutir a distinção entre as narrativas plana e significante, e não é possível identificar em que medida faz concessões ao argumento de Danto. Mas Walsh reconhece os méritos da noção de “realinhamento retrospectivo do passado”, que, em nossa leitura acima exposta, invalida seus próprios argumentos de outrora. Cf. WALSH, W. H. „Plain‟ and „Significant‟ Narrative in History. The Journal of Philosophy, v. 55, n. 11, 1958, pp. 479-484; e Idem. Resenha de Analytical Philosophy of History, de Arthur Danto. The English Historical Review, v. 82, n. 322, 1967, pp. 220-221. 94 WALSH, W. H. Introdução à Filosofia da História. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 15-17. 95 A palavra “consenso” é tão forte quanto verdadeira. Cf. The Politics of Contemporary Philosophy of History (texto de 1969, publicado em 1972) e The Discourse of History (1979), capítulos 9 e 12 de The Fiction of Narrative, de H. White.

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intenção dos especulativos é ver o todo da história: passado, presente e futuro; mas, como a categoria “verdade” não se aplica ao futuro, a empreitada é Ŕ conclui Danto Ŕ ilegítima. A recusa de Danto de igualar a possibilidade de predição para as áreas do conhecimento desprovidas dos protocolos linguísticos das ciências (que apenas fornece descrições de ampla generalidade) está ligada a outro tema de interesse deste filósofo: o do livre-arbítrio dos seres humanos. Um ponto central em seu argumento reside no fato de que, ao contrário de fenômenos naturais, as previsões relativas a assuntos humanos podem ser tornadas falsas pelos próprios seres humanos. Danto propõe que imaginemos um livro chamado The Battle of Iwo Jima, escrito em 1815, descrevendo detalhadamente as pessoas e os movimentos deste conflito que ocorreria mais de um século depois. Propõe também que suponhamos a existência de leis capazes de fornecer a previsão da batalha, tornando este tipo de evento tão passível de predição quanto, por exemplo, um eclipse. Ainda assim, afirma Danto, haveria um pré-requisito adicional para que a previsão pudesse se concretizar: ela teria que ser descoberta após a batalha acontecer. “O que nós não podemos imaginar é alguém saber que a predição foi feita e não ser capaz de falsificá-la, sem que o evento previsto ainda não tenha acontecido”. Situações absurdas teriam que ocorrer para tal coisa ser possível: “Imagine ter a predição de que alguém irá mexer o pé esquerdo no t-1 e o pé direito no t-2. A pessoa tenta falsificar isto: tenta apenas ficar em pé no t-1, ou mexer o pé direito, mas apesar de todos os seus esforços, a predição se realiza!” (NK, 179). Dessa forma, o livro The Battle of Iwo Jima só poderia ser uma previsão concretizada (supondo que existissem teorias capazes de fornecer este tipo de previsão) se fosse descoberto após a batalha. Ao contrário do futuro, “nada pode acontecer ao passado para torná-lo falso, mas, à medida que o tempo passa, nós consideraremos mais e mais necessário adicionar novas descrições da Batalha de Iwo Jima [...] e mais a mais frases narrativas entrarão nos relatos posteriores da batalha: sentenças que mesmo o gênio de 1815 [escritor imaginário do livro] não conheceria”. Esta afirmação mostra que, juntamente com a impossibilidade de predição do futuro em descrições que possam ser falsificadas por seres humanos, está a já discutida tese de que novas descrições do passado são sempre possíveis, já que serão ligadas a eventos ocorridos apenas no futuro. Assim como no caso da liberdade humana de realizar escolhas, também esta tese possui uma implicação moral. Como afirma Lydia Goehr,

67 o que está em jogo para Danto é a presença da abertura. Deixar o futuro em aberto é não fazer afirmações substantivas quanto a ele; deixar o futuro aberto é deixar o presente aberto, e também o passado, pois apenas se o passado está aberto o trabalho do historiador faz sentido, quando este gera narrativas históricas. A história não é possível se a interpretação não o é, e a interpretação histórica é dependente tanto do tempo quanto das relações dentre diferentes modalidades do tempo96.

Em sua resenha de Analytical Philosophy of History, Alan Donagan afirmou: “Este é um livro que cumpre o dictum do autor sobre o passado histórico: sua significação completa só irá aparecer no futuro”. A própria resenha de Donagan é um exemplo desta afirmação: todo o enfoque de seus comentários está nos capítulos sobre a explicação histórica.97 Ankersmit recentemente afirmou que a resenha de Donagan estabeleceu o padrão para boa parte das reações posteriores ao livro. Mas, embora critique Donagan, Ankersmit refere-se a Analytical Philosophy of History em termos bastante semelhantes aos deste filósofo: “mesmo agora, em 2006, os filósofos da história nunca compreenderam adequadamente o verdadeiro significado e escopo dos insights de Danto” (NK, 364). Para Ankersmit, o filósofo alemão Hans Michael Baumgartner foi quem melhor compreendeu

as

implicações

de

Analytical

Philosophy

of

History,

“transcendentalizando” seus argumentos sobre a linguagem histórica.98 Danto ainda mantinha uma “ontologia histórica ingênua”, falando em conceitos como Renascimento ou Idade Média “como se tivessem o mesmo status que nomes próprios como „Napoleão‟ ou „César‟”. Não levou em conta, portanto, que tais noções não “pressupõem continuidade e identidade, mas a criam” (NK, 390). Dentre os escritores anglo-saxônicos, Ankersmit reconhece (com nosso pleno acordo) que a leitura de Louis Mink foi de grande importância para que ao menos alguns dos desdobramentos de 96

GOEHR, Lydia. Afterwords: An Introduction to Arthur Danto‟s Narration and Knowledge. In: DANTO, Arthur. Narration and Knowledge, xli. 97 DONAGAN, Alan. Resenha de Analytical Philosophy of History, de Arthur C. Danto. History and Theory, v. 6, n. 3, 1967, pp. 430-5. 98 A introdução de Danto na Alemanha, especialmente por meio de Baumgartner, é um caso relativamente raro de tradução, especialmente em um curto prazo em relação à publicação do original, dos autores discutidos no presente trabalho. Uma das consequências é, aparentemente, um alto reconhecimento da importância das teorias de Danto por parte de filósofos da história daquele país. Rüsen, por exemplo, destaca-o como “um dos pioneiros” na mudança de visão acerca da especificidade do modelo cognitivo especificamente histórico, por meio da a explicação por narrativa deixou de ser vista como uma fraqueza e se tornou uma “qualidade positiva” (RÜSEN, Jörn. Razão Histórica. Brasília: EdUNB, 2001, p. 153154). Recentemente, Rüsen mencionou a importância de Baumgartner para a sua apreciação de Danto, expressada na citação anterior: “Foi Arthur Danto que deu uma resposta muito mais plausível [que Hempel] à questão de o que é uma explicação histórica: [...] a explicação por meio de uma estória. Isto foi um grande avanço epistemológico; eu me convenci disto devido à minha ligação próxima com o filósofo alemão Hans Michael Baumgartner, que introduziu a filosofia analítica da história de Danto na discussão alemã da filosofia da história” (DA MATA, Sérgio & ARAUJO, Valdei. Jörn Rüsen: Theory of History as Aufklärung. História da Historiografia, n. 11, v. 1, 2013, pp. 343-344).

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Analytical Philosophy of History tenham chegado à atenção dos teóricos da historiografia. Podemos apontar que a crítica a Danto aqui mencionada também é válida para a noção de conceitos coligatórios em Walsh. Mink faz na filosofia anglo-saxônica o que Baumgartner faz na alemã: Mink “transcendentaliza” a noção de coligação, por meio da sua compreensão configuracional, assim como Baumgartner o fez com a “metafisica descritiva” de Danto. A ideia de que a historiografia estabelece relação entre eventos concretos formando um todo é mantida por Mink, mas o todo é transferido para a mente do historiador. Esta nova abordagem trará à tona uma série de questões até então implícitas nas obras dos filósofos críticos da história. Para tratar deles, Mink recorrerá a Danto e a Collingwood repetidas vezes.

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Capítulo 2 – Louis Mink: as assimetrias temporais da compreensão histórica Em 1946, logo após retornar de seu serviço militar no Pacífico, Louis Mink iniciou os estudos de pós-graduação na universidade de Yale. Segundo James, o ambiente intelectual daquela universidade foi de grande importância em sua formação: a maioria do Departamento de Filosofia local, no período de permanência de Mink, tendia a ver os movimentos do positivismo, do empirismo e do profissionalismo na filosofia como uma única síndrome cientificista, à qual eles opuseram sua própria defesa do “humanismo” e da “metafísica”. A influência desta perspectiva em Mink foi profunda e duradoura, e um senso de que a filosofia da história era um campo de batalha crucial em uma disputa mais ampla entre as culturas científica e humanista permeou seu trabalho subsequente (LMP, 158).

Embora não seja possível traçar com clareza maior a natureza desta “influência”, James está correto em apontar que Mink se manteve fiel, ao longo de toda sua carreira, ao aspecto humanista da tradição intelectual na qual se formou. Não é à toa que, em 1966, Mink caracterizava exatamente nestes termos o debate sobre a aplicabilidade das covering laws na história: tratava-se, para ele, de um “confronto antagônico entre a cultura científica e a cultura humanística”. A segunda destas “culturas” dizia respeito “à compreensão humana de seu próprio passado e de si mesmo à luz deste passado” (HU, 65), o que tornava indesejável seu abandono em favor de um “monismo metodológico”. Mink também se opunha a tal monismo, em defesa de um “pluralismo metodológico”, por motivos filosóficos. Em sua análise, a forma pela qual os seres humanos compreendem o mundo era categoricamente diferente daquela propiciada pelas ciências naturais. Vimos, no capítulo 1, que os defensores da universalidade das covering laws assimilavam a predição à explicação. Um dos pressupostos desta postura foi criticado por Mink desde seus primeiros anos na academia: o da equivalência entre a cognição do presente e a do passado. Mas tal pressuposto não era restrito aos positivistas, nem estas eram seu alvo inicial: em sua tese de doutorado, Mink considerava-o compartilhado por praticamente todos os epistemólogos de seu tempo. Defendida em 1952, a tese Knowledge of the Past: A Critique of Epistemological Theories with Respect to Their Consequences for Knowledge of the Past tinha como argumento central a ideia de que conhecer o passado era categoricamente diferente de

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conhecer o presente ou, quando possível, o futuro. Sua intenção era seguir o conselho de Samuel Alexander em Space, Time & Deity: “levar o Tempo a sério”:99 … o conhecimento do passado é presumido em todos os lugares, mas em nenhum é investigado em seus próprios termos. Há uma constante tentação em construir uma teoria do conhecimento que veja o conhecimento Ŕ mesmo o conhecimento de eventos em um processo temporal Ŕ como um todo sistemático e logicamente interrelacionado. Há uma notável analogia entre este ideal e a doutrina de Santo Agostinho de que o conhecimento de Deus é um totum simul (KP, 10).

Mink examina e discute a teoria da memória do neo-realismo de Alexander e Laird, a teoria do tempo do idealismo de Bradley e McTaggart, e a teoria da significação do pragmatismo de James, Dewey, Mead e Lewis. Além de sua tese geral, é possível encontrar outras formulações que, nas décadas seguintes, Mink desenvolveria em relação à teoria da história. Ligada à tese central de que o conhecimento do passado possui especificidades, Mink o distingue do conhecimento do futuro: “a batalha naval de amanhã é um problema de lógica, enquanto a batalha naval de ontem é um problema de epistemologia” (KP, 433). Como Danto, se baseia em De Interpretatione, de Aristóteles, para chegar a tal conclusão. Sua recusa a abordar o futuro em termos lógicos é uma discordância irreconciliável com a pretensão de universalidade dos proponentes do modelo das covering laws. Mas, da mesma forma que se opunha à construção de uma teoria do conhecimento que ignorasse as especificidades do conhecimento do passado, Mink também se opunha à tentativa inversa Ŕ que atribuía a Croce e a Collingwood Ŕ de formular uma teoria do conhecimento baseada no conhecimento do passado (KP, 439-440). Ambas as posições, em sua opinião, “sacrificavam a adequação à simplicidade”. Não é possível comparar esta afirmação, apenas esboçada, com sua interpretação posterior de Collingwood; mas é digno de nota que o mais notável ponto de afastamento entre os dos autores reside na noção de reenactment, que, embora comumente tida como central para Collingwood, é subordinada por Mink a uma abordagem que enfatiza a distância temporal, em vez de subestimá-la: a da “mudança conceitual”.

99

O próprio Collingwood menciona o termo (IH, 212). Seria um indício de que Mink já “levava Collingwood a sério” desde seus tempos de estudante? The Idea of History foi publicado no mesmo ano em que Mink entrou em Yale. Dentre as poucas menções a Collingwood na tese, uma também foi citada no início de nosso trabalho: sua afirmação, na Autobiography, de que a história era o principal objeto de reflexão da filosofia do século XX. Com as fontes que temos disponíveis, é impossível apontar se a leitura de Collingwood foi parte da formação do interesse de Mink pela epistemologia “do passado”. Mas, sem dúvidas, seus interesses convergiam nesta questão.

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Quando o nome de Mink se tornou conhecido dentre os filósofos da história, em meados da década de 1960 Ŕ seu primeiro texto de maior circulação, The Autonomy of Historical Understanding, escrito a convite de Dray100, foi publicado em 1966101 Ŕ, o desgaste do positivismo lógico e do debate sobre a explicação histórica já era, como vimos, notável. O solo era especialmente fértil para as ideias que Mink cultivava desde seus primeiros anos acadêmicos, especificamente as referentes à pluralidade das formas de compreensão e, dada a existência de uma forma especificamente histórica, à importância da temporalidade para ela.

2.1. Os “modos de compreensão”

Em um breve texto de 1960, intitulado Modes of Comprehension and the Unity of Knowledge, Mink apontava a existência de uma tendência “irresistível” na história da filosofia, tão antiga quanto Demócrito: o “imperialismo metodológico” das teorias do conhecimento. Diz ele que as tentativas de construção destas teorias “tomaram como o modelo do conhecimento alguma área da ciência positiva e estenderam seus procedimentos, pressupostos e propósitos a uma definição do conhecimento enquanto tal”. O positivismo lógico, portanto, era para ele apenas a mais recente manifestação da tendência milenar, “irresistível”, de “imperialismo” por parte de todo “método geral”, que “inescapavelmente prescreve seu próprio objeto e rejeita como irrelevante e irreal tudo que não pode ser trazido sob sua hegemonia”. Mink busca desenvolver uma solução que transcenda este ciclo de imperialismos metodológicos. Isto seria possível por meio da atenção a “um fato básico” a ser considerado por toda teoria do conhecimento: o de que “as experiências vêm a nós seriatim no tempo e, ainda assim, devem ser capazes de ser mantidas juntamente em uma imagem da variedade de eventos”. Mink chama este ato de compreensão, diferenciado da inferência por se referir “à capacidade de pensar sobre a conclusão junto com as premissas”, e não separadamente. Há, para ele, três modalidades possíveis de compreensão. Na primeira delas, um certo número de objetos é compreendido como instância de uma mesma generalização, fórmula ou lei. Esta compreensão hipotético-dedutiva é

100

Cf. Fay, Golob e Vann (HU, xx). O fato de o convite de Dray ter sido feito “alguns anos antes” de 1966 já indica algum reconhecimento da importância de Mink desde princípios da década de 1960. 101 Na History and Theory e na coletânea Philosophical Analysis and Historical Understanding, editada por Dray.

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chamada por Mink de teórica. Um segundo tipo de se dá quando os objetos são vistos “como elementos em um único complexo de relacionamentos concretos. É dessa maneira que nós vemos juntas as múltiplas imagens e alusões de um poema, a combinação de influências, motivos, crenças, e propósitos que explicam uma ação histórica concreta”. Mink chama esta compreensão de configuracional. Mais do que as outras, esta o interessa especialmente, por ser ela a própria forma pela qual os seres humanos compreendem sua existência: “Não é como instâncias de uma teoria, mas como centros de relacionamentos concretos, que nós entendemos a nós mesmos e aos outros”. Há, por fim, o terceiro tipo de compreensão, a categorial, que consiste em “manter unidos um número de coisas como exemplos de uma mesma categoria, e, na verdade, um sistema de categorias incapazes de abstração umas das outras”. É importante que a repetição do termo “concreto” não nos confunda: ele diz respeito à ênfase no tipo de relações estabelecidas, mas o ato de “ver junto” é mental. Mink ainda não discutia, como faria depois, as implicações cognitivas da compreensão de objetos particulares: o ponto de seu texto é estabelecer que a compreensão opera tanto nas ciências naturais quanto na filosofia e na história. Por isso, dizia ele, há uma “unidade do conhecimento”, a qual, por sua vez, possui uma pluralidade interna, manifestada pela existência destas três formas irredutíveis. A especificidade da compreensão configuracional ainda não estava colocada; o que estava em jogo, na especificação dos modos de compreensão, era o tipo de ênfase que cada um dos modos atribui às relações possíveis entre “universais” e “particulares”: a compreensão teórica enfatiza as relações entre o universal e o particular; a configuracional, entre dois particulares; e a categorial, entre dois universais. As disciplinas acadêmicas tendem a favorecer um ou outro modo de compreensão: as ciências naturais, que àquela altura eram a referência do imperialismo metodológico dos positivistas, são especialmente compatíveis com a compreensão teórica; a história, com a configuracional; e a filosofia, com a categorial. Mas isto não significa que as disciplinam equivalham aos modos: basta vermos que a poesia também é citada como requerente de meios configuracionais para sua compreensão. Temos, assim:

Compreensão

Ênfase relacional

Teórica Configuracional

Universais Ŕ particulares Particulares Ŕ particulares

Afinidades disciplinares aproximadas Ciências naturais História

73 Categorial

Universais Ŕ universais

Filosofia

Como vimos, dos três modos de compreensão, o configuracional era especialmente relevante para Mink, pela sua importância para a (auto-)compreensão específica dos seres humanos. Nos anos seguintes a 1960, sua atenção se voltou crescentemente para as características da compreensão configuracional na história. Em 1966, foi publicado um ensaio detalhado a respeito, embora a própria noção de “modos de compreensão” não seja mencionada: trata-se de The Autonomy of Historical Understanding.

2.2. As conclusões não-destacáveis da compreensão configuracional

The Autonomy of Historical Understanding é estruturado com base na visão dos próprios historiadores sobre sua prática. A partir de suas reflexões sobre elas, Mink constrói sua argumentação, frequentemente em contraste com os dos positivistas.102 Via de regra, suas conclusões apresentam afinidades com as dos historiadores, embora com aprofundamentos e reelaborações de suas teses. Ao menos parte do seu sucesso em explicitar as bases da autonomia da compreensão histórica parece oriunda desta atenção ao que os historiadores de fato fazem, em oposição à tendência positivista de oferecer critérios normativos de explicação. As duas primeiras discussões ressaltam a distância entre a prática historiográfica e as reflexões filosóficas sobre a mesma. Mink apontava, em primeiro lugar, que os historiadores em geral não buscavam prever o futuro, embora considerassem dar explicações “ao menos parciais” sobre o passado. Em segundo lugar, que a função das “hipóteses” na história não é a mesma que nas ciências. Como não consideram as hipóteses “leis em potencial”, os historiadores podem, por exemplo, considerá-las falsas em um determinado caso sem estender a conclusão para qualquer outro caso. Como Dray, e certamente também por meio da leitura de Collingwood, Mink afirmava que para o historiador a hipótese não é uma lei provisória mas uma regra para formular 102

“Pois, como afirma Samuel James: A primeira tentativa sistemática de Mink de aplicar sua teoria geral da compreensão ao caso específico do pensamento histórico, publicado como „The Autonomy of Historical Understanding‟ na History and Theory em 1966, deixou a questão epistemológica [acerca da representação da realidade passada] decididamente de lado. Sua principal meta era redirecionar o debate sobre o caráter lógico da explicação histórica que havia sido provocado pela proposta do „modelo das covering laws‟ por Hempel em 1942” (LMP, 164).

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questões, para delimitar do escopo da investigação e para determinar a relevância da evidência (HU, 74). Nos dois casos até agora mencionados, Mink aponta a inadequação dos critérios positivistas acerca da explicação histórica. A terceira questão marca o posicionamento de Mink em relação à noção de reenactment. Ele aponta: “Os historiadores muito frequentemente testificam que consideram útil ou necessário „reviver‟ ou „recriar‟ na imaginação os eventos que investigam” (HU, 75). Para discutir esta afirmativa, Mink inicialmente busca refutar àqueles que entendem a proposta do re-enactment como um “método” (ver capítulo 1), criticando a “rejeição da empatia baseada na assunção de que compreender um evento equivale a vê-lo como a instância de uma lei”, pois “é exatamente esta a questão em jogo”. Ao afirmar a necessidade de “elucidar o conceito de „compreensão‟”, fornecendo uma “definição alternativa” da mesma, que a distinga de “explicação”, Mink afirma ser chave o termo “contexto” (HU, 76-77). Tal elucidação nada mais é que uma nova formulação da sua noção de “compreensão”: A descrição mínima da prática histórica é que o historiador lida com eventos complexos no que diz respeito ao inter-relacionamento dos seus eventos constituintes (deixando inteiramente aberta a questão sobre a existência de „unidades de eventos‟ na história). Mesmo supondo que todos os fatos em questão estejam estabelecidos, ainda há o problema de compreendê-los em um ato de julgamento que consegue mantê-los juntos em vez de revê-los seriatim” (HU, 77).

Devido ao enfoque no ato mental de “ver junto”, Mink chegava a duas “consequências surpreendentes e conectadas”: primeiramente, que “a ordem temporal não é da essência do julgamento histórico”; em segundo lugar, que “o julgamento „histórico‟ ou sinóptico não é limitado à compreensão de eventos passados”. Mink afirmava que Collingwood e Oakeshott haviam indicado a importância deste ato, mas “parecem ter concluído que, porque um julgamento sinóptico é um ato de compreensão singular e autocontido que não contém sequência temporal, ele consequentemente não pode se referir significativamente a tal sequência”. Nos anos seguintes, o próprio Mink hesitaria quanto a esta possibilidade; no momento, seu objetivo era apontar que “o fato de que os eventos ocorrem sequencialmente no tempo não significa que o historiador deve revivê-los”, mas que deve, em um juízo, “unir os eventos que ninguém poderia experimentar juntos”. Mink já desenhava suas formulações posteriores de que “estórias são vividas mas não contadas” e de que “o tempo não é da essência das narrativas”, com a diferença de que ainda não via a narrativa como instrumento essencial da compreensão histórica; também já assumia a posição, que manteria desde então, de

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rejeitar o aspecto “presentista” do re-enactment; como também o faria posteriormente, porém, também recorreria a Collingwood para formular as características deste ato juízo sinóptico que (a) era construído a partir do re-enactment, embora (b) fosse distinto dele, por ser um ato mental posterior, inacessível aos agentes; e que (c) possibilitava e estimulava a realização de novos re-enactments, tão mais passíveis de efetuação quanto mais completa fosse a “imagem histórica” construída. É interessante que Mink fale tanto do re-enactment quanto do juiz sinóptico como “compreensão”: aquele, pode-se deduzir, era a “característica acidental” deste, à qual, para seu lamento, os críticos haviam direcionado toda sua atenção. A empatia não podia permitir (como Collingwood havia considerado) o “acesso direto” ao passado, mas era condição necessária para realizar as interpolações por meio das quais se constrói “compreensão”. Em outros termos, ao falar tanto do re-enactment quanto da imagem mental como “compreensão” (histórica), Mink concordava com Collingwood que o “pensamento histórico” só poderia surgir a partir de outro “pensamento histórico”. Uma vez atingida a visão de conjunto, ou seja, quanto mais articulada é a rede de interconexões obtida pelo historiador, mais caminhos para a pesquisa serão possíveis. Tivessem se atentado ao elemento mais fundamental da compreensão, seus críticos teriam compreendido que não se tratava “nem de uma técnica de prova nem de um organon de descoberta, mas de um tipo de julgamento reflexivo” (HU, 77). Poderíamos complementar Ŕ embora Mink não fale nestes termos Ŕ que se tratava da “imaginação histórica”: É enganoso dizer que, para entender a decisão de César de cruzar o Rubicão, eu devo de alguma forma „me tornar‟ César ou „reviver‟ sua decisão. [...] Mas, quanto mais eu sei sobre o acontecimento, mais necessário se torna usar algo como a empatia para converter um amontoado indigesto de dados em um julgamento sinóptico por meio do qual eu posso „ver junto‟ todos estes fatos em um único ato de compreensão (HU, 82).

Como consequência desta característica diferenciada da compreensão histórica, “a maior dificuldade na tentativa de transformar a história em uma ciência cumulativa [...] não se refere à lógica da evidência, mas ao significado das conclusões”. É com atenção à significação histórica que Mink desenvolve sua frequentemente chamada “tese da não-destacabilidade”. As conclusões da ciência, diz ele, são “destacáveis”, pois possuem “uniformidade de significado” devido à sua “estrutura teórica”. As conclusões de um texto histórico, por outro lado, não são destacáveis do restante do argumento, são seus “ingredientes”; seu significado e sua validade referem-se retrospectivamente ao

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ordenamento da evidência ao longo do argumento como um todo. Dessa forma, se, ao chegar às páginas finais de uma texto historiográfico, o leitor não o compreendeu, a única possibilidade de fazê-lo é retornar ao início e relê-lo. A mera leitura das “conclusões” apresentadas ao final do texto de nada adiantaria. A inevitável presença das conclusões ingredientes na historiografia tinha, para Mink, a consequência de avizinha-la da poesia (HU, 79). É por isso que, como dizia Mink, enquanto os cientistas podem adotar as conclusões uns dos outros, os historiadores devem ler os livros de seus pares (HU, 77). Mink propunha uma analogia Ŕ à qual White recorreria anos depois Ŕ para iluminar o funcionamento da significação histórica. O julgamento sinóptico, em sua concepção, se dá nos mesmos moldes da interpretação do significado de um enunciado: este pode ser analisado como uma função do significado de seus termos individuais mais a sintaxe mais a ênfase, todos interpretados em um contexto discursivo particular. De maneira análoga, o historiador tenta entender um processo complexo como uma função de seus eventos componentes mais seus inter-relacionamentos (inclusive inter-relacionamentos causais) mais sua importância, todos interpretados em um contexto de mudança mais amplo. É sobretudo na sintaxe dos eventos, claro, que o historiador está interessado (HU, 80).

Por fim, Mink discute a crença dos historiadores de que “eles têm uma audiência potencialmente universal, especialmente para a „síntese compreensiva‟ a que buscam” (HU, 85). Desta tese, ele não possui qualquer discordância. O julgamento histórico é, em sua concepção, como a phronesis aristotélica, “um tipo de sagacidade ou „sabedoria prática‟” (HU, 86). E a comunicação desta sabedoria não pode ser feita por meio de “lições da história”, destacáveis, mas da organização, em uma síntese compreensiva, daquilo que o historiador tem a dizer (HU, 85-87). The Autonomy of Historical Understanding é, como O Fardo da História para White (publicado no mesmo ano), um texto que consolida reflexões que vinham sendo desenvolvidas desde os anos 1950 e indica questões promissoras das quais seu autor se ocuparia na década seguinte. Na segunda metade da década de 1960, Mink passou a trabalhar em um livro sobre Collingwood, publicado em 1969 sob o título Mind, History, and Dialectic: The Philosophy of R. G. Collingwood. Mas, mesmo durante este período, seguia acompanhando de perto os rumos da filosofia da história. Desde 1965, Mink era um dos quatro editores associados da History and Theory, e, juntamente com os demais, avaliava pessoalmente a maioria dos artigos recebidos, em vez de enviá-los

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para avaliadores externos, criticando detalhadamente os artigos recusados ao retorná-los para os autores (cf. LMP, 173). Segundo James: Particularmente importante aqui era o crescente interesse entre outros filósofos na relação entre o pensamento histórico e o relato de estórias. Isto, juntamente com seu trabalho sobre Collingwood, levou o pensamento histórico de Mink a se agrupar ao redor de dois novos conjuntos de questões por volta do fim dos anos 1960. O primeiro tinha a ver com as consequências da mudança conceitual para o pensamento histórico, e o segundo tinha a ver com as propriedades cognitivas da forma narrativa (LMP, 174).

O problema da “mudança conceitual” era inédito em sua obra. O das propriedades cognitivas da forma narrativa não o era, e, de fato, foi fomentado na filosofia da história em grande medida pelo próprio Mink. Ambos os problemas, por sua vez, estão ligados ao tema da retrospecção. Em sua leitura de Collingwood, Mink insistia que a mudança conceitual só pode ser compreendida retrospectivamente, observando-se a antiga “constelação de pressuposições absolutas” a partir da nova. Uma das implicações reside na impossibilidade de prever as características das constelações futuras. Mink junta-se a Danto na defesa do par interligado de teses: o caráter retrospectivo do conhecimento histórico e a impossibilidade de prever as descrições possíveis do futuro. A discussão sobre as propriedades cognitivas da narrativa, por sua vez, tem ao menos duas origens. Em primeiro lugar, a questão já estava incipiente em Modes of Comprehension and the Unity of Knowledge, onde a história e a poesia eram apontadas como meios pelos quais a compreensão configuracional é obtida. Em segundo lugar, a discussão sobre a função da narrativa na historiografia ganhou corpo com as obras de Dray, Gallie, M. White e Danto. Nenhum deles, porém, questionava suas propriedades cognitivas: foi a entrada de Mink no debate que trouxe o problema à tona. Desenvolvendo as implicações da retrospecção das descrições históricas, tal como Danto a havia formulado, Mink concluiu seu History and Fiction as Modes of Comprehension, de 1970, afirmando que “estórias não são vividas, mas contadas”. Sua discussão, ali, não era acerca da referencialidade da historiografia, mas sua conclusão inevitavelmente a trazia à tona, por afastar a “estória” da “realidade” a que a estória se refere. Ricœur destaca o pioneirismo da empreitada de Mink. É por meio dele, diz o francês, que “o problema está posto e atormentará toda uma filosofia literária da história: que diferença separa a história e a ficção, se ambas narram?”.103 O próprio

103

RICŒUR, Paul. A Memória, a história, o esquecimento. Campinas: EdUNICAMP, 2007, p. 53.

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Mink passou a buscar uma resposta para a questão. Narrative Form as a Cognitive Instrument, de 1978 (escrito em 1976, com base em outro texto, não-publicado, de 1974) é sua tentativa mais detalhada de resposta. Entre 1967 e 1968, vieram à tona os primeiros resultados das novas reflexões de Mink. Um dos capítulos de seu livro sobre Collingwood, Collingwood's Dialectic of History, foi publicado na History and Theory já naquele ano. Em 1967, na Synthese, Mink engajou-se em uma discussão com Stephen Toulmin sobre “revoluções conceituais na ciência”, trazendo a público pela primeira vez parte de suas novas ideias construídas com a leitura de Collingwood. Alguns dos desdobramentos de Mind, History, and Dialectic também aparecem em Philosophical Analysis and Historical Understanding, de 1968, onde Mink resenha Philosophy and the Historical Understanding, Foundations of Historical Knowledge e Analytical Philosophy of History, publicados por Gallie, M. White e Danto em 1964 e 1965. Ali, os problemas da retrospecção e da mudança conceitual são aproximados e suas implicações mútuas são decorridas. É pondo Danto e Collingwood em diálogo, por um lado, e pensando este diálogo à luz de suas teses anteriores (a da diferença categórica entre conhecer o passado e presente, a dos modos de compreensão, a da não-destacabilidade das conclusões históricas), por outro, que Mink assume o papel fundamental na filosofia da história do qual Ricœur falava.

2.3. O problema da mudança conceitual

a) Conceitos filosóficos e escala de formas, com atenção especial ao “segundo nível” Collingwood é poucas vezes mencionado na tese de doutorado de Mink e em seus primeiros textos. Como ele conta ao leitor no prefácio de Mind, History, and Dialectic, seu interesse na obra deste filósofo “surgiu porque eu aprovei sua tentativa de aplicar a filosofia às vocações humanas da arte, religião, ciência, história e da própria filosofia, e ao mesmo tempo fui provocado por descobrir repetidamente que suas visões eram muito incisivas para descartar e muito obscuras para adotar” (MHD, vii). Mink defendeu, no livro, que a obra de Collingwood só poderia ser compreendida adequadamente se cada um de seus livros, exceto o primeiro, Religion and Philosophy (1916), fosse lido como fragmento de um sistema em desenvolvimento, cujo leitmotif é “um exame contínuo da possibilidade e da natureza do pensamento dialético”. A

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primeira manifestação da dialética na obra de Collingwood, para Mink, se dá em Speculum Mentis (1924), e sua articulação explícita é feita em An Essay on Philosophical Method (1933). O livro de 1924 trata das “formas de consciência” Ŕ Arte, Religião, Ciência, História e Filosofia Ŕ e exibe suas relações de modo dialético, embora não argumente que elas assim o sejam (MHD, 16). Desde então, porém, já estava presente no sistema intelectual de Collingwood o princípio de que os processos de mudança na vida humana constituem uma “unidade sistemática” na qual o todo e as partes se relacionam dialeticamente. Desse modo, “o self” é entendido como “um processo reflexivo que incorpora e retém, enquanto transforma, suas próximas experiências e atividades passadas” (MHD, 22; 52, grifo no original). Outras manifestações da mente humana também se desenvolvem de maneira similar. Como, para Collingwood, pensamento e ação são indistinguíveis, o lado cognitivo das “formas de experiência” possui uma correspondência com o que Collingwood chamava de “éticas práticas”: a atividade de jogar corresponde à Arte em sua ausência de fins, a “moralidade convencional” à Religião, a “ética utilitária” à Ciência, a “ética do dever” à História e a “ética absoluta” à Filosofia (MHD, 53-55). Este pares de combinações constituem uma “dialética da experiência”. A partir dela, segundo Mink, Collingwood chegou a uma “dialética dos conceitos” e, com base nesta, articulou também uma “dialética da mente”.104 A chave para a compreensão das relações entre estes vários processos dialéticos está na “teoria dos conceitos filosóficos” de Collingwood. De acordo com Mink, tal teoria possui duas noções distintivas, uma intimamente relacionada com a outra: a de “sobreposição de classes” e a de “escala de formas”. A primeira delas pode ser lida a partir da comparação entre conceitos “filosóficos” e “científicos”. Os conceitos de ambos os tipos “denotam uma classe de entidades que compartilham a característica, ou conjunto de características, referida pelo conceito”. Esta classe pode ser dividida em sub-classes. Nem sempre as sub-classes são especificações de uma característica da classe, e nesses casos sua divisão pode ser arbitrária: a classe “homens”, por exemplo, pode ser dividida entre “com barba” e “sem barba”. Quando as sub-classes especificam uma característica da classe, porém, “o conceito determina um genus, do qual as sub-classes são espécies” (MHD, 63). É aqui que, para Collingwood, reside a diferença entre os conceitos filosóficos e os científicos.

104

Jan van der Dussen aponta a originalidade desta abordagem: “Foi Mind, History, and Dialectic (1969), de L. O. Mink, que explicitamente discutiu pela primeira vez a relevância da filosofia da mente de Collingwood para uma melhor compreensão da filosofia da história” (IH, xxvii).

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Em um conceito científico, as classes específicas de um genus são mutuamente exclusivas; elas não se sobrepõem. Os conceitos filosóficos são diferentes: neles, “a variável é idêntica à essência genérica”. Um exemplo são os quatro tipos de conhecimento de Platão: nesta escala, “cada forma mais baixa é uma especificação inadequada da mesma essência mais adequadamente representada nos tipos mais altos” (MHD, 67). A “essência genérica” está sempre presente nos conceitos filosóficos, mesmo no nível mais baixo. Os níveis mais altos são mais extensivos e mais complexos, mas incorporam os níveis inferiores como seus constituintes (MHD, 69). Tomando em conjunto em várias relações formuladas por Collingwood em suas obras, Mink distingue uma “dialética da mente como escala de formas”:105 Nível de consciência

Tipos de pensamento

Primeiro Segundo Terceiro Quarto

Conceitual Proposicional Racional

Formas de consciência Formas de consciência prática teórica Processo corporal orgânico Apetite Imaginação Desejo Percepção Vontade, dividida entre Intelecto, dividido entre 4.1. escolha caprichosa 4.1. pensamento e 4.2. escolha racional. empírico e 4.2. “pensamento sobre pensamento”.

Formas de experiência em Speculum Mentis Arte Religião 4.1: Ciência; 4.2: Filosofia.106

Assim sendo, no primeiro nível de consciência, há apenas um “processo corporal orgânico”, que é “pura sensação”107, um “fluxo sensório-emocional não-diferenciado”. Não se trata ainda de “pensamento”, já que em Collingwood o termo designa a atividade reflexiva de um nível mais alto sobre a experiência do inferior. Este surge, em sua forma mais rudimentar, no segundo nível de consciência, em que o “pensamento conceitual” por meio do apetite e da imaginação. No terceiro nível de consciência, o “pensamento proposicional” se manifesta no desejo e na percepção, respectivamente. No quarto nível, por fim, o “pensamento racional” dá vazão à vontade e ao intelecto. É possível perceber, então, que vários dos conceitos que se tornaram centrais em nosso estudo, seja por meio de Collingwood, seja por meio de Mink ou de White, aparecem no segundo nível de consciência da escala de formas, o que equivale a dizer que aparecem no nível mais baixo de pensamento, logicamente anterior ao pensamento 105

A tabela que apresentamos é uma versão simplificada, adaptada para os nossos propósitos, de um esquema apresentado pelo próprio Mink (MHD, 117). 106 O leitor pode perceber que, das cinco “formas de experiência”, a história fica excluída da escala. Sobre isto, ver adiante: A dialética das ideias: “perguntas e respostas”, “pressuposições absolutas”, p. 81, ff. 107 O termo utilizado para o primeiro nível de consciência é “feeling”. Seria impreciso, nos parece, traduzi-lo literalmente Ŕ como “sentimento”, por exemplo. Como os termos da escala de formas adquirem significação em um processo, muitas vezes eles são incompatíveis com o uso comum. Doravante, optamos por traduzi-los pelas formas que deem conta de especificar as características da função referida. Indicaremos entre parênteses, nesses casos, o termo original.

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racional.108 Nele encontramos: (a) a noção de “pensamento conceitual”, que, por meio do problema da “mudança conceitual”, se tornou central no pensamento de Mink a partir de 1968; (b) a noção de “imaginação histórica”, que, embora lida de maneiras muito diferentes pelos “filósofos críticos da história”, por Mink e por White, foi relevante para a obra de todos eles; e (c) a “forma de experiência” da Arte, que, a partir de White, embora não necessariamente compreendida dialeticamente, tornou-se aceita como legítima candidata a locus da historiografia. A parte cognitiva dos níveis de consciência não chegou a ser formulada por Collingwood explicitamente. Mink a reconstrói com base em The New Leviathan e em The Principles of Art, onde o problema foi tratado “em outros contextos e de modo a responder diferentes questões” (MHD, 92). Em The New Leviathan, o segundo nível cognitivo é chamado de “pensamento conceitual”. Mink ressalta que tal pensamento “não é, de modo algum, um processo de inferência”, mas sim “idêntico ao ato de atenção seletiva pelo qual discriminações são feitas dentro do aqui-e-agora indiferenciado da sensação sensório-emocional” (MHD, 94). Em The Principles of Art, Mink observa, a mesma atividade é chamada de “imaginação”, termo que “se refere tanto à atividade da consciência prática quanto aos produtos desta atividade”. Tais produtos, por sua vez, são “objetos de contemplação para a consciência teórica”, que, neste segundo nível, se manifesta “em sua forma mais embrionária”, de modo que “o conceito de „conceito‟” está sendo definido de forma “extraordinária”, “em sua especificação mínima”, como parte de “um relato genético de funções de níveis mais altos” (MHD, 95; grifo no original). O “pensamento conceitual”, ou “imaginação”, não pode sequer ser avaliado como verdadeiro ou falso. Isto se torna possível apenas no nível seguinte, o “pensamento proposicional”, que “é identificado explicitamente com [...] o pensamento de perguntas-e-respostas”. O quarto nível, por sua vez, não apenas tem o conceito de verdade, mas também é capaz de formular proposições sobre a verdade”. Ele segue sendo um pensamento de perguntas-e-respostas, “mas suas questões são acerca das conexões entre proposições” (MHD, 95-96). A imaginação expressa proposições sobre as sensações, sem fazer asserções (MHD, 99). Collingwood menciona a frase “É assim 108

Como Mink descreve: “[No segundo nível de consciência,] a „suposição‟ da arte se torna o “pensamento conceitual” do apetite e da imaginação, e o „monadismo‟ da arte torna a imediação do apetite e a indivisibilidade da imaginação. A forma prática da „consciência estética‟, que em Speculum Mentis é chamada de „jogo‟, também desconhece finalidades, razões ou objetos específicos como as formas de apetite na consciência de segundo nível” (MHD, 114).

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que eu me sinto” como exemplo, mas Mink considera tal afirmação enganadora. Para ele, “o tipo de frase que expressa a consciência de segundo nível é uma metáfora ou imagem poética, entendida do ponto de vista de um nível mais alto como expressiva daquilo que não pode ser formulado no próprio segundo nível”. Embora a frase “É assim que eu me sinto” não seja verdadeira nem falsa, “ela pode falhar na expressão de um sentimento”, ocasionando o que Collingwood chama de “corrupção da consciência” (MHD, 99), equivalente da mauvaise foi sartreana (MHD, 11). Veremos adiante que tal descrição reaparece de modo muito parecido nas obras de Mink e White. Mink afirma, em seguida, que os conceitos de verdade e falsidade se desenvolvem a partir deste nível. “A imaginação, portanto, pode ser não-verdadeira, mas não pode ter consciência de si própria enquanto não-verdadeira; tal consciência pode ocorrer apenas em um nível mais alto”. A sugestão parece ser a de que apenas em um nível mais alto é possível perceber a “corrupção da consciência”. Menos claro, porém, é de que maneira a verdade de uma proposição formulada nos níveis superiores se relaciona com o nível inferior da imaginação em questões que não se referem à expressão do sentimento, mas à verdade de proposições. Afinal, tal expressão, ocorrida no segundo nível, é pré-requisito para que proposições verdadeiras cheguem até mesmo a ser formuladas, e, portanto, de alguma maneira podemos supor que a atenção seletiva, guiada por critérios não-epistemológicos, tenha alguma relação com as questões epistemológicas cuja existência só se torna possível no terceiro nível, e cuja existência consciente só o faz no quarto. Não se trata de uma questão irrelevante para Mink: a partir de 1970, após concluir que “estórias não são vividas, mas contadas”, ele passará a se perguntar pelas funções cognitivas da narrativa, entendo conhecimento em um sentido referencial. Sendo a forma narrativa uma expressão do segundo nível de consciência e as proposições do terceiro, podemos afirmar que uma das questões que o ocupam, na década de 1970, é a da relação entre o segundo e o terceiro nível. O problema já estava prefigurado em sua leitura de Collingwood, embora, ao menos em textos publicados, nenhum de seus preenchimentos tenha sido feito com referência à abordagem dialética, marcante na sua análise de Collingwood. Neste autor, Mink identifica não um, mas três tipos de funções da imaginação, que propiciam uma transição gradual do primeiro para o terceiro nível. A mais baixa delas é a que diferencia o então indiferenciado fluxo de sensações (feeling) psíquicas, produzindo “impressões”, que são objetos da consciência cognitiva. Da modificação desta sensação (feeling) pura, surge a “senciência ou sensação” (sensation). Mas a senciência resultante

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deste processo “não é ainda imaginação propriamente dita”: esta surge quando “nos tornamos conscientes da sensação e do seu sensa”. Mink considera, porém, que Collingwood “não percebeu claramente que alguma ponte é necessária entre a perpetuação temporária do sensa pela imaginação e a disponibilidade da mesma para o “pensamento comparativo” dos níveis superiores. “E esta ponte”, acrescenta Mink, “pode ser provida pela própria imaginação, com a condição de que [...] ela esteja presente não para si própria, mas que se torne um objeto para a consciência de terceiro nível” (MHD, 101-102). É na descrição desta terceira etapa da imaginação que podemos identificar as características da “compreensão configuracional” apontada por Mink: A imaginação revive e constrói ideias, além de converter impressões em ideias; mas, embora ela possa manter unidas, em uma única experiência, o presente, o passado lembrado e o futuro antecipado, ela por si só não distingue passado, presente e futuro. Ela adiciona ao aqui-e-agora da experiência presente um lá-e-então de outra experiência, embora não reconheça a diferença entre eles, e os funde em uma única experiência imaginativa, na qual aqui que será distinguido como relações entre partes da experiência em um nível mais alto de consciência aparece apenas como qualidades da própria experiência total [...]. Esta atividade proporciona a transição do segundo para o terceiro nível (MHD, 102).

O terceiro nível não é ainda o do intelecto: “por estar a apenas um passo de distância da imaginação, cujo objeto só pode ser um aqui-e-agora, sua função óbvia é que consciência do aqui-e-agora como aqui e agora, que o permite comparar com o láe-então” (MHD, 103). Embora Collingwood não tenha caracterizado este nível explicitamente, Mink o interpola, denominando-o “percepção”. Embora a “percepção” lide com relações presentes na imaginação, só no nível seguinte é realizado o pensamento abstrato, chamado de “intelecto” em The Principles of Art e de “pensamento racional” em The New Leviathan. Ele se divide em dois sub-níveis: o “primário”, ou “empírico”; e o “secundário”, ou “pensamento sobre pensamento”. O pensamento empírico “consiste em detectar e construir relações e redes de relações entre os objetos complexos da consciência de terceiro nível. Este pensamento é inferencial, mas “não está acompanhado por uma consciência explícita de estar raciocinando”. Tal consciência aparece no sub-nível seguinte, onde finalmente “os princípios da inferência podem ser formulados e se tornam objeto de reflexão” (MHD, 105). A parte empírica do pensamento racional pode ser associada à Ciência, a parte reflexiva à Filosofia. A questão que surge da análise de Mink, evidentemente, é: “o que, nesta reconstrução, aconteceu com a História? [...] O desenvolvimento da dialética da experiência até a dialética da mente foi como um jogo de dança das cadeiras, em que as cinco formas de

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experiência finalmente se encaixaram (levemente ofegantes) em quatro níveis da mente, e a História sobrou”. É verdade, afirma Mink, que “o que nós viemos a chamar de „Filosofia‟ se tornou muito parecido com a História”; mas não é uma questão meramente nominal: resta o problema das características deste último nível de pensamento. Quanto a ele, Mink aponta o que “parece ser um paradoxo: a dialética da mente não tem ponto terminal, e ainda assim não há nenhum nível maior que o quarto” (118). A segunda parte de Mind, History, and Dialectic, intitulada The Dialectic of Ideas, trata destas questões não resolvidas. Para Mink, a chave está na “lógica de perguntas e respostas” e na “teoria das pressuposições”.

b) A dialética das ideias: “perguntas e respostas”, “pressuposições absolutas” Como Mink aponta, a “lógica de perguntas e respostas” é a noção por meio da qual Collingwood caracteriza o processo de desenvolvimento de um determinado “corpo de conhecimentos”. Tal como sintetizada no Essay on Metaphysics e na Autobiography, a tese afirma que todo conhecimento é um conjunto composto pelos “atos assertivos do pensamento” (que incluem tanto a atividade da mente quanto aquilo que é por ela conhecido) e pelas questões a que eles visam responder. Cada uma destas questões, por sua vez, vem à tona a partir da “pressuposição de uma e apenas uma proposição”, o conhecimento da qual só pode ser obtido retrospectivamente (MHD, 125). Analisando a proposta de Collingwood por meio dela própria, Mink reconstrói a questão a que o inglês buscava responder. “A questão dele Ŕ em seus termos mais gerais Ŕ era: Quais são as características genéricas do processo pelo qual nós podemos corretamente interpretar os significados de uma afirmação?” Não se trata de uma questão de lógica, mas de hermenêutica; “e, como tal, ela suplementa a lógica formal, mas não a substitui” (MHD, 131). Entendida desta maneira, a “dialética de perguntas e respostas” atende a uma exigência que, já em sua tese de doutorado, Mink fazia às teorias do conhecimento: que elas levassem em conta a diferença categórica entre passado e futuro.109 Mink afirma que “a relação entre pergunta e resposta, ou entre questão e pressuposição, deve ser entendida como parte de um processo que é 109

Assim, ele retoma a crítica ao pragmatismo nos mesmos termos que fizera em sua tese, contrastando-o com a abordagem de Collingwood, a qual aprova: “... a Lógica de Perguntas e Respostas tem uma referência dupla que está ausente no pragmatismo clássico; ela olha tanto para trás quanto para frente” (MHD, 138). Isto ocorria, para ele, porque Collingwood buscara, mas os pragmáticos não, diferenciar o conhecimento histórico do científico.

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prospectivamente aberto mas retrospectivamente determinado” (MHD, 132). Trata-se, segundo o próprio Mink, de uma “emenda na visão de Collingwood”, embora uma que a “suplementa” e não que a contradiz. Para fazer tal emenda, Mink recorria às suas próprias teses Ŕ e, como cogitaremos mais adiante, também à leitura de Analytical Philosophy of History Ŕ, ao mesmo tempo em que descobria novos motivos para defendê-la. Deste suplemento decorrem todas as especificações que Mink discerne na “dialética de perguntas e respostas”. Quando sabemos a questão mas não temos uma resposta para ela, é preciso que avancemos, para descobri-la; quando, por outro lado, já temos a resposta e desejamos reconstruir a pergunta, é possível inferi-la, retrospectivamente (MHD, 132). Cada pressuposição pode dar origem a várias perguntas, e, por sua vez, cada pergunta pode dar origem a várias respostas. Mas uma resposta é dada a uma única pergunta, e cada pergunta vem à tona a partir de “uma pressuposição”, “a qual, unicamente, tomada em conjunto com as demais, é suficiente”. Este último aspecto é chamado de “eficácia lógica” da pressuposição. A formulação pode soar estranha, e deve ser lida tendo-se em mente que se baseia na concepção temporal segundo a qual o futuro é aberto e o passado, determinado. De acordo com ela, uma questão só pode vir à tona quando são combinados um número indefinido de pressuposições; é na reconstrução do processo que, como dito, “há uma única pressuposição que unicamente, tomada em conjunto com as outras, é suficiente”. Isto se dá porque “a pressuposição não é uma condição suficiente para que a questão venha à tona, mas [...] uma vez que ela tenha vindo à tona ela não pode mais ser pensada exceto como uma consequência inevitável da pressuposição”. “A eficácia lógica de uma pressuposição”, por isso, “não é a força que causa a ascensão da questão [...], mas sim a propriedade que conduz de volta às pressuposições em reconstrução retrospectiva” (MHD, 133-134).110 Vimos que Mink encontrou em Collingwood um partidário de sua

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A emenda, porém, não me parece resolver completamente a questão. Uma pressuposição que possa ser retrospectivamente identificada como suficiente já teria que ser suficiente no momento em que ela desse origem à pergunta, ainda que, naquele momento não pudesse ser identificada como tal. Enxergamos duas saídas dessa encruzilhada: (a) negar a contingência do futuro, tornando-o tão determinado quanto o passado; (b) afirmar que é possível identificar o conjunto de pressuposições que deram origem à pergunta, mas sem que sua ascensão não necessariamente possua uma única pressuposição, em conjunto com as outras, como causa suficiente. O passado é determinado porque aconteceu, mas como o que aconteceu poderia não ter acontecido, a reconstrução não deve eliminar o ter sido contingente daquilo que não o é mais. A segunda alternativa é plenamente compatível com o sistema intelectual de Mink, e, assim como ele remendou a proposta de Collingwood, podemos remendar seu remendo. Não discuto, aqui, a correção da interpretação que Mink faz de Collingwood, mas a afirmação do próprio Mink. Uma possibilidade

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tese da assimetria entre passado e futuro; e, por meio dela, buscou suplementar a proposta do filósofo inglês. Outra de suas teses, a da não-destacabilidade, também era defendida por Collingwood; mas um de seus corolários, menos enfatizado, era o de que “as respostas científicas são destacáveis das perguntas que conduziram à sua descoberta” (MHD, 136), e disto Collingwood discordava. Por isso, Mink observa que, ao contrário do que Collingwood defendia, nem todas as frases possuem significado apenas como resposta a uma pergunta. As afirmações científicas eram um exemplo, e outro era o das perguntas que são “dissolvidas” quando seus pressupostos perdem força, como “a justiça é redonda ou quadrada?” (MHD, 136). Mas é o caso das respostas científicas que merece nossa atenção especial. Tal como defendida em The Autonomy of Historical Understanding, a tese da não-destacabilidade das conclusões históricas não presumia a adoção da dialética de perguntas e respostas. Mas partia de um ponto que, em Collingwood, é pré-requisito desta dialética: o da diferença entre os conceitos científicos e não-científicos. Mink, naquele texto, afirmava que os conceitos científicos têm uniformidade de significado, enquanto os históricos não. A diferença entre história e ciência era trazida à tona para argumentar pela necessidade de encontrar outros critérios para a significação histórica, e a diferença entre os conceitos científicos e os históricos servia apenas para descartar a hipótese de que as conclusões históricas eram de natureza semelhante às científicas. Positivamente, sem se apoiar na tese de que os conceitos filosóficos se sobrepõem, Mink propôs a tese de que, como a poesia, as narrativas históricas exibem o argumento, em vez de demonstrá-los, como a ciência o faz (HU, 79). A dialética de perguntas e respostas chegava por outros meios e argumentava por outros motivos pela ideia de que a história só é significativa vista como um totum simul; mas, como partia da distinção em comum ente conceitos científicos e não-científicos, não surpreende que seja compatível com a tese da não-destacabilidade. Como os conceitos pelos quais os seres humanos significam suas ações no mundo se sobrepõem dialeticamente, toda representação de um processo de perguntas e respostas apresenta conclusões nãodestacáveis: explicar o processo equivale a exibir o conjunto de seu desenvolvimento. Dissemos que, diferentemente de Collingwood, Mink considera que a dialética de perguntas e respostas não se aplica a todas as atividades humanas: não o faz em relação às “questões dissolventes”, normalmente associadas à filosofia, nem às adicional seria questionarmos o sentido de se falar em “unicamente [uma pressuposição], tomada em conjunto com as demais”.

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“destacáveis”, que encontramos na ciência. Porém, feitas estas ressalvas, Mink aponta, concordando com Collingwood, que “há outras frases que se tornam inteligíveis apenas quando são reconstruídas como respostas a questões específicas”; e especifica: “tais reconstruções predominam na história intelectual” (MHD, 136) Ŕ o que, para Collingwood, significa afirmar que predominam na investigação histórica.111 Uma característica desta investigação ainda não havia sido formulada explicitamente por Collingwood até 1939. Já vimos, nos itens anteriores, que a “mudança conceitual” deve ser entendida de maneira dialética e retrospectiva. Por fim, Mink encontra em Collingwood, por meio da noção de “pressuposições absolutas”, o esclarecimento sobre como estes conceitos funcionam. c) Pressuposições absolutas Mink afirmava que “apenas uma coisa” “se encaixa na descrição de uma pressuposição absoluta: um conceito a priori”. E especifica: “Pressuposições absolutas são conceitos funcionando como a priori; constelações de pressuposições absolutas são sistemas conceituais a priori” (MHD, 146; itálico no original). Por isso, Mink procede a uma comparação entre as “categorias do entendimento” de Kant e as “pressuposições absolutas” de Collingwood. Ambas as noções são caracterizadas por seus respectivos proponentes como “fornecedoras da estrutura geral da experiência, e, ao mesmo tempo, quando „esquematizadas‟ ou aplicadas ao longo do tempo aos dados não processados da variedade de sensações, como produtores de verdades sintéticas a priori que são as premissas básicas do conhecimento científico” (MHD, 146). Mink insere Collingwood em uma longa tradição, que inclui não apenas Kant, mas também Wittgenstein e até mesmo William James, para a qual “em toda a experiência e pensamento um esquema conceitual é trazido para a ordenação de uma congérie intrinsecamente indeterminada de dados”, sendo que “tal esquema é a priori no sentido de que ele determina previamente ao menos parte do que nós aparentemente encontramos na experiência” (MHD, 146). Mas considera sua abordagem única dentro desta tradição, devido à sua 111

É evidente que, aqui, ele está falando mais de sua própria abordagem ao falar em “histórica intelectual”: na página seguinte ele fala apenas em “História”, e, pouco adiante, especifica melhor: “Para Collingwood, é claro, não apenas a história intelectual mas toda a história é a reconstrução do pensamento passado”. A especificação “história intelectual” dá a entender que, para Mink, há história não-intelectual. Mas ele parece hesitante: afirma, por exemplo, que “a investigação histórica é duplamente dialética, tanto em seu procedimento quanto em seu objeto” (MHD, 139). Ele certamente considerava que a “história intelectual” o é, mas atribuir a todo processo uma característica de processos mentais não é adotar a posição collingwoodiana? Abandonamos a questão em aberto, mas lembramos ao leitor que a mesma oscilação aparecerá em Hayden White no capítulo 3.

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ênfase “primariamente nos sistemas conceituais envolvidos na experiência prática, social, estética e intelectual” (MHD, 147), em detrimento da tradicional ênfase na “análise epistemológica da percepção”. Seu interesse é “no papel desempenhado pelos sistemas conceituais naquelas atividades das quais pode haver histórias, ou reenactments”; por isso a percepção fica excluída: “não há história da percepção” (MHD, 147). Mink

afirma

que,

tradicionalmente,

embora

seus

praticantes

não

necessariamente o soubessem, a filosofia buscava articular e codificar as constelações de pressuposições absolutas. Tal como concebida por Collingwood, porém, a filosofia inclui dialeticamente esta função em um todo mais amplo: A filosofia (no novo estilo) é também a análise da estrutura de sistemas conceituais assim articulados e do processo pelo qual um sistema conceitual se transformou em outro; mas ela também é a análise dos sistemas conceituais contemporâneos e, como tal, tem consciência de ser parte do processo pelo qual tais sistemas se tornam mais coerentes e compreensivos, ou então dão espaço, por modificações graduais, a sistemas notavelmente diferentes” [...] [A] análise das pressuposições absolutas é uma análise do processo de sistemas conceituas sujeitos à mudança no tempo, não de “entidades atemporais” (MHD, 148).

Mink conclui que, na história do pensamento de Collingwood, a noção de “pressuposições absolutas” incorpora dialeticamente, como etapas rumo a si própria, outras desenvolvidas anteriormente, como a de “conceito filosófico” e a de “imaginação histórica”. Mas o mesmo não se dá com a “dialética da mente”. A dialética da mente e as pressuposições absolutas “representam o mesmo sistema subjacente de ideias”, e estas pressuposições se entrelaçam com aquela dialética e a completam (MHD, 151). Por isso, Mink conclui que, embora pareça tentador localizar as pressuposições absolutas no segundo nível da escala de formas, esta é uma solução “muito simples” (MHD, 151-152). O pensamento de segundo nível, por exemplo, é chamado de conceitual não porque todos os conceitos pertençam a ele, mas porque ele é o nível mais baixo no qual os conceitos funcionam. Como consequência disso, aponta Mink, “o que parece ocorrer é que há sistemas conceituais em todos os níveis de consciência, e, além disso, que cada um destes sistemas é a priori em relação ao seu próprio nível, porque em nenhum nível um ato consciente pode se tornar seu próprio objeto” (MHD, 152). Tais atos se tornam objetos dos níveis superiores, que refletem sobre ele em um processo de perguntas e respostas. Quando isto ocorre, os conceitos inferiores são incorporados aos conceitos superiores a que eles próprios deram origem (MHD, 152153).

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No quarto nível, porém, opera o pensamento racional, que possui uma “característica profundamente significativa” (MHD, 153): ele é capaz de entender tanto a si próprio quanto a outras coisas”. Mink afirma que “consequentemente a série vertical de funções mentais para no quarto nível” (MHD, 154) e que “uma ordem de consciência mais alto que o quarto nível é rigorosamente inconcebível, porque o quarto nível cruza o T da série de funções mentais” (MHD, 155).112 Mas neste ponto o “consequentemente” da primeira citação e o “porque” da segunda não se sustentam: que a série horizontal surja devido à capacidade da razão de refletir sobre outros atos racionais não implica que um nível superior de abstração não seja possível. Mas, ainda que este motivo não seja, em nossa opinião, justificado, a conclusão parece claramente verdadeiro.113 Como os objetos dos demais níveis, “um ato de pensamento racional não pode ser seu próprio objeto”; a diferença, porém, é que ele “pode ser objeto de outro ato de pensamento racional”. Assim, nos níveis inferiores, há sequências, mas no quarto nível há uma série. Surge, portanto, uma linha horizontal de re-enactments. Disso decorre que “atos de quarto nível” possuem uma “dupla gênese”: na linha vertical, elas surgem a partir da sensação e da emoção; na horizontal, elas herdam “atividades racionais antecedentes” (MHD, 154). Dentro do pensamento racional, há uma “série dialética de tipos de pensamento racional”, manifestadas historicamente pela “ciência greco-medieval”, pela “ciência moderna” e pela “consciência histórica”, em um processo horizontal eternamente em andamento. Mink desdobra disto uma consequência que, a partir de então, tornou-se um ponto central de sua obra. Especulando sobre a possibilidade de vir a existir um quarto tipo, ele conclui afirmativamente, afirmando, porém, que suas características não podem ser previstas: este quarto tipo “viria à existência como uma importante transformação, oriunda da constelação de pressuposições que ordena o pensamento da Europa ocidental contemporânea, rumo a 112

Conforme a descrição de um livro de história militar, “cruzar o T” de um navio rival consiste em “colocar seu próprio navio perpendicular à proa ou à popa do navio inimigo” (TUCKER, Spencer C. (Org.). Encyclopedia Of the War Of 1812. ABC-CLIO, 2012, p. 694). Da mesma forma que, nesta metáfora, os navios assumem a posição de um T, a escala de formas é representável como uma linha vertical nos três primeiros níveis, enquanto o quarto é parte não apenas da linha vertical, mas também de uma linha horizontal, na qual funciona o processo histórico em que seres humanos repensam o pensamentos de outras mentes. 113 Poder-se-ia argumentar Ŕ mas não o estamos fazendo Ŕ pela existência de uma limitação fisiológica humana para tal: a cada nível, o pensamento atinge maior abstração e requer a capacidade de reter informações derivadas dos níveis inferiores. Como todos os níveis estão ligados às atividades do corpo humano, porém, é evidente que a capacidade humana de autorreflexão não é ilimitada. Assim, poder-se-ia afirmar que a escala de formas do pensamento para no quarto nível da mesma forma que, ao afirmar (apud MHD, 155) que existem três espécies dentro do pensamento de quarto nível, Collingwood diz que “por que três eu não sei nem pergunto”.

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uma nova constelação” (MHD, 155). Junto com “uma profunda mudança das instituições e ideias” que expressavam as constelações, o desenvolvimento da nova constelação “será inteligível apenas de seu próprio ponto de vista, mas apenas por critérios de inteligibilidade formados durante aquele desenvolvimento”. Intelectualmente, a década e meia de vida que Mink teve após a conclusão de seu livro sobre Collingwood foi marcada pelas conclusões alcançadas por seu estudo. Tanto sua leitura de Analytical Philosophy of History, publicada em 1968, quanto sua retomada de noção de “modos de compreensão”, em 1970, foram fertilizadas com o pensamento de Collingwood. Como Danto, Mink também argumentava pela impossibilidade de se prever o futuro; mais drasticamente que ele, porém, situava essa impossibilidade não apenas no nível da descrição dos eventos, mas no próprio conjunto de pressuposições a priori: as que viabilizam tais descrições (as de segundo nível), as que se manifestam por meio delas (as de terceiro) e as que refletem sobre elas, possivelmente gerando novas descrições (as de quarto). Todos estes níveis, para ele, operam juntos: a “variedade de histórias humanas” consiste exatamente na relação dos níveis uns com os outros. Assim sendo, “as relações de pressuposições absolutas verticais e horizontais constituem respectivamente a estrutura da realidade histórica e a dinâmica da mudança histórica” (MHD, 156). Já a ênfase dada por Danto à retrospecção aparece com a mesma força em Mink: nele, a “mudança conceitual” (termo que, em sua obra desde então, significou “mudança de constelações de pressuposições absolutas”; cf. MHD, 256) só é compreensível retrospectivamente, e tal compreensão nunca é definitiva, pois o advento de uma constelação ainda mais nova mudará o conjunto de relações nos quais os elementos da constelação anterior estavam situados, e, portanto, os ressignificará. Como em The Autonomy of Historical Understanding, mas com motivos adicionais, Mink seguiu pensando que as partes da história só fazem sentido em relação ao todo que compõem. Mas, como isto é válido tanto para o historiador no presente quanto para os agentes no passado, a passagem do tempo basta para que o processo deste último seja colocado em um diferente conjunto de relações e, portanto, tenha um significado inacessível a ele próprio. Além disso, como tanto o historiador quanto o agente informam suas existências por conceitos dialéticos, e a incorporação dos conceitos passados no presente faz com que, ao mesmo tempo, elas sobrevivam, mas em forma modificada. A tensão conceitual entre diferentes constelações de pressuposições absolutas, assim, passou a ser a questão intelectual de maior interesse para Mink. Em fins da década de 1960, ele buscou redirecionar os debates da filosofia

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da história por meio da discussão deste problema. Com Collingwood, ele ampliaria o enfoque de Danto nas sentenças isoladas, ao mesmo tempo em que mantinha seu insight dos “eventos sob descrição”. Em seguida, porém, veremos que, com Merleau-Ponty, Mink jogou fora a “água suja” de sua leitura de Collingwood: a subestimação da distância conceitual entre presente e passado. O re-enactment seria, senão abandonado, deixado de lado; a mudança conceitual, por outro lado, foi mantida e explorada ao máximo.

2.4. “Levar o tempo a sério”, novamente: o problema da retrospecção

Vimos que, desde a década de 1940, o modelo das covering laws vinha sendo frequentemente modificado, por meio de progressivas atenuações que, porém, invariavelmente mantinham o elemento dedutivo básico como componente de toda explicação possível. Em 1968, Mink considerava que o debate havia chegado ao seu “limite do desenvolvimento útil”: ... ainda que histórias possam ser reconstruídas como séries de declarações causais sobre as sequências e conexões de eventos [como M. White propunha], tal interpretação e reconstrução inibe conceitualmente o insight em outras características importantes de histórias. De uma maneira similar, tem sido argumentado (como por Stephen Toulmin, T. S. Kuhn e N. R. Hanson) que a reconstrução racional das ciências naturais como um conjunto de teorias hipotético-dedutivas inibe o insight no processo e nas condições da descoberta científica. O que o argumento de White exclui são os conceitos de inovação, desenvolvimento e crescimento (131).

Era exatamente este conceito de desenvolvimento, ausente em M. White, que Mink identificava como o principal elemento do livro de Gallie. Mas o autor de Philosophy and the Historical Understanding, por outro lado, “virtualmente ignora[va] a causalidade”, problema central para M. White. Para Mink, a “fascinação entusiasmada de Gallie com as analogias entre seguir uma narrativa e assistir o desenvolvimento de uma partida de críquete” acaba por conduzi-lo a outro impasse: Gallie conectava o conceito de explicação causal com o de necessidade, e o de necessidade com o de um “único sistema causal compreensivo”, e, deste modo, acabava por considerar o papel das explicações na história como “intrusivas”, porque os eixos cruciais da história são contingentes, portanto imprevisíveis (HU, 135-6). Mink recorre implicitamente à noção de “conceitos filosóficos” para analisar o debate. Para ele, o problema da “explicação” (tal como abordado por M. White) e o da

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“compreensão” (tal como formulado por Gallie) não ocupam “territórios conceituais sobrepostos”: “No final das contas, o que prometeu ser uma disputa fundamental sobre a lógica da explicação histórica acabou por ser uma diferença de interesse e de preocupação relativa com a lógica da análise causal, por um lado, e com a retórica da escrita narrativa, por outro”. Mink lamenta o desencontro, pois, em sua opinião, “a lógica da explicação deveria ter algo a ver com a fenomenologia da compreensão; a primeira, esperaríamos, deveria servir para corrigir a última, e a última para enriquecer a primeira” (HU, 135). Porém, se a análise das diferenças entre M. White e Gallie situava seus interesses em diferentes “territórios conceituais”, o exame da semelhança entre um pressuposto de ambos coloca-os sobre um mesmo campo Ŕ que Mink, como vimos, considerava minado: “apesar de suas diferenças prima facie, Gallie e [M.] White compartilhavam uma mesma ontologia do tempo, cuja característica principal era a de considerar passado e futuro como semelhantes categoricamente”; ou seja, o passado de Gallie era um “passado futuro”, e o futuro de M. White, um “futuro passado”: “Gallie deseja transferir a abertura e contingência do nosso presente futuro à narrativa de eventos passados. M. White, por outro lado, vê o passado como uma série de necessidades causais, a compreensão do qual pode em princípio ser extrapolada para o futuro”. Ausente desta ontologia, em sua opinião, está “a pungência da consciência histórica”. Mink aponta uma “visão alternativa”, que, embora afirme não estar defendendo, é nada menos que parte da tese central de Knowledge of the Past: a de que “o futuro é, em parte, indeterminado e imprevisível, enquanto o passado é, em princípio, inteiramente determinado e inteligível” (HU, 137). A concepção de tempo é defendida por Danto em Future – and Past – Contingencies (NK, 182-200). É devido a esta proximidade que Mink poderá recorrer a Danto para reformular a proposta de Gallie: invertendo a argumentação deste, Mink afirma que “quando nós contamos a estória, nós retraçamos para frente o que nós já traçamos para trás”: É o ato de seguir não-reflexivo que [Gallie] descreve tão bem Ŕ mas, no final das contas, tão pouco proveitosamente, já que o que um leitor sofisticado da narrativa histórica deve ser e o que, em qualquer caso, o historiador deve fazer, é seguir reflexivamente (134-5). [...] O argumento de Gallie é baseado inteiramente na experiência de seguir uma estória pela primeira vez. Mas a 114 história não é a escrita, mas a reescrita de estórias , e a leitura reflexiva da história depende disto. Aqui a analogia com o seguimento de um jogo em 114

Em 1972, Mink apresentou o paper On the Writing and Rewriting of History, em que discutia as implicações desta afirmação, no Symposium on the Philosophy of History, ocorrido na Georgetown University.

93 progresso é enganosa. Para o historiador o jogo está encerrado [...] (HU, 136).

Para Mink, esta crítica à ontologia temporal de Gallie e M. White não podia ser estendida a Danto, que, diz ele Ŕ trazendo de volta o termo de Samuel Alexander mencionado em sua tese, 16 anos antes Ŕ, “leva o tempo a sério”. Mink busca estender a argumentação de Analytical Philosophy of History, a partir de pressupostos básicos compartilhados. Mink observa que o argumento de Danto “busca trazer à tona, com força máxima, o argumento de que há muitas descrições de um evento, e nenhuma descrição padrão ou completa”. Mink levaria muito a sério esta questão nos anos seguintes. Neste texto, ele considerava possível desdobrar mais consequências desta ideia do que Danto fizera. Recorrendo a uma tática comum em sua obra Ŕ especialmente em Knowledge of the Past Ŕ Mink propõe uma tentativa de classificação dos tipos de descrição possíveis: 1. Descrições contemporâneas dos eventos. [...] 2. Descrições contemporâneas possíveis. [...] 3. Descrições possíveis apenas após o evento, porque se referem a, e consequentemente dependem de, conhecimento sobre eventos posteriores: estas são as „sentenças narrativas‟ de Danto. 4. Descrições possíveis apenas após o evento porque elas dependem de técnicas de aquisição de conhecimento desenvolvidas subsequentemente, por exemplo, „Ricardo II morreu de uma embolia coronária‟ [...]. 5. Descrições possíveis após o evento porque elas dependem de modos conceituais de interpretação e análise posteriores, por exemplo, „Os cidadãos sem propriedades de Roma constituíram o primeiro proletariado urbano‟ (HU, 139-40).

Como observa Ankersmit, os dois últimos tipos de descrição da lista são novos, em comparação com a proposta de Danto (NK, 385). Não é difícil perceber que o último é derivado de seu estudo de Collingwood, que já se encontrava às vésperas de ser publicado. Ele explica a lista: “Danto está preocupado principalmente com as assimetrias temporais, reveladas pela análise da linguagem temporal, que fazem (algumas) declarações sobre o passado diferentes logicamente de declarações sobre o futuro,” observa Mink, para em seguida concluir que, porém, “ele não dá peso total às assimetrias conceituais que emergem do fato de que há uma história de mudança nos conceitos e nos sistemas conceituais pressupostos nas descrições que temos e buscamos” (HU, 140). Assim sendo, Mink recorria, sem mencionar, ao problema da mudança conceitual de que falava em seu livro, ainda inédito, sobre Collingwood, para complementar a análise da assimetria temporal avançada por Danto.

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O caminho oposto também parece ter ocorrido: ao “suplementar” a análise de Collingwood com a afirmação de que uma “constelação de pressuposições absolutas” só pode ser conhecida a partir da próxima constelação, Mink provavelmente recorria ao insight fornecido por Danto. A atenção à assimetria temporal já era constante, por parte de Mink, desde sua tese de doutorado, mas até esta resenha ela tinha sido pouco discutida em materiais publicados. Sua tese parece tê-lo equipado para, dentre todos os filósofos críticos da história de seu tempo, ser aquele que mais habilmente se apropriou das teses de Analytical Philosophy of History; o livro de Danto, por sua vez, parece tê-lo auxiliado a desenvolver sua tese do caráter retrospectivo do conhecimento histórico. Mink reconhece que Danto não deixou o insight da mudança conceitual totalmente de lado, especialmente quando trata da noção de “evidências conceituais”. Mas critica-o por não atentar-se ao fato de que tais evidências também possuem historicidade. Desse modo, algumas das estórias que empregam uma ou outra determinada “evidência conceitual” ainda não podem ser contadas. A desatenção à historicidade da mudança conceitual é problemática, para Mink, pela dupla maneira pela qual os conceitos pertencem às narrativas da ação humana: alguns deles “informam nossa compreensão de eventos passados”, enquanto outros, “ao menos em parte, foram constitutivos de ações passadas” (HU, 141). Para Mink, a argumentação de Danto tem o mérito de deixar de pé ambas as possibilidades; mas “a fraqueza, no final das contas, é que ele não explicita a assimetria da mudança conceitual tão lucidamente quanto ele o faz com as assimetrias da linguagem temporal”. Não se trata, para ele, de um mero detalhe: na sua tentativa de definir os limites do conhecimento histórico, a assimetria da mudança conceitual é tão importante quanto a as da linguagem temporal. Assim como é impossível que se conte uma estória cujas descrições se refiram a eventos futuros, e por isso imprevisíveis, também é impossível fazê-lo com descrições dependentes de conceitos ainda não desenvolvidos (HU, 142). A mesma crítica é válida para a noção de explanatum. Danto, como vimos, propôs que esta redescrição de eventos em termos de ampla generalidade explicava as mudanças históricas, embora não fornecesse as descrições mais específicas. Para Mink, a maior dificuldade deste “modelo conciliador de explicação” oferecido por Danto estava na “negligência” em aplicar à sua própria proposta o reconhecimento da “assimetria temporal das descrições essencialmente históricas”. O enfoque de Danto, critica Mink, “estava na relação lógica entre explanans e explanatum, e na ausência desta entre explanatum e explanandum”; e estas relações lhe “parec[iam] muito

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atemporais”. Mink, por sua vez, afirma que descrições possíveis apenas após o evento (ou seja, do tipo 3 e 5) não podem ser parte do explanatum nem do explanandum em uma explicação ajustada ao modelo das covering laws, pois, em ambos os casos, “se elas pudessem sê-lo, então elas poderiam ser usadas para se referir ao evento antecipadamente por qualquer um que soubesse as leis gerais apropriadas e as condições antecedentes ao evento, mas não a ele” (HU, 144). Isto não criaria dificuldades para descrições do tipo 4 [ver lista na página anterior]: nós poderíamos dizer simplesmente que qualquer um poderia ter predito o evento se tivesse o conhecimento teórico apropriado e o conhecimento de fatos contemporâneos ou passados dele. Mas descrições do tipo 3 e do tipo 5 não podem ser construídas de tal maneira. Aplicar antecipadamente uma explicação do tipo 3 requereria conhecimento preditivo de muitos e complexos eventos subsequentes (por exemplo, não apenas que um menino nasceria de Mme Diderot mas que ele um dia escreveria O Sobrinho de Rameau); e aplicar uma descrição do tipo 5 antecipadamente requereria conhecimento preditivo de esquemas conceituais ainda não concebidos (e, é claro, não meramente que haveria alguns, mas o que exatamente eles seriam). Danto argumenta energicamente contra o primeiro (Capítulo IX) e, tenho certeza, rejeitaria o segundo (144-5).

Com base no fato de que também as explicações conceituais não podem se basear no conhecimento de eventos ainda não ocorridos Ŕ já que os conceitos também têm historicidade Ŕ Mink argumenta que “a análise de descrições possíveis apenas após o evento é também um argumento contra a possibilidade de explicações por covering laws no discurso caracteristicamente histórico”. Com base nisto, aponta que “a generosidade de Danto quanto à possibilidade de tais explicações conduz ao reconhecimento de que nem todo discurso é caracteristicamente histórico” (HU, 145). Podemos desdobrar, como implicação, que os discursos “caracteristicamente históricos” são, para ele, aqueles em que há ao menos a possibilidade de mudança conceitual, ou seja, em que há a possibilidade de que, embora mantendo a mesma “essência genérica”, o conceito modifique-se dialeticamente. Ora, tal característica é presente, antes de tudo, nas constelações de pressuposições absolutas com base nas quais as pessoas significam suas vidas. Mink lembra que, segundo Danto, “o objetivo da análise conceitual é salientar uma „metafísica descritiva da existência histórica‟ como o que „somos obrigados a conceber‟ do mundo, „dado de nós pensamos como pensamos e falamos como falamos‟”. Mas, pergunta Mink, poderíamos pensar e falar de maneiras diferentes? As “testemunhas da história”, para ele, responderiam que sim. Reconhecer esta possibilidade, afirma Mink, “é trazer a nossa metafísica descritiva sob a categoria (ela própria histórica) da história” (HU, 145-6).

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O diálogo com a fenomenologia, mais especificamente a de Merleau-Ponty, também o ajudou a articular esta abordagem. Isto fica evidente no texto Phenomenology and Historical Understanding, de 1969.115 Para Mink, havia quatro questões a serem colocadas para os fenomenólogos em relação à compreensão histórica: (1) A compreensão histórica essencialmente inclui imputações de valor, ou, pelo contrário, as exclui? (2) Ela requer “replicação imaginativa do passado, uma pintura fiel à original”, como pensava Ranke, ou ela é “um processo contínuo de perguntas e respostas”, como afirmava Collingwood? (3) Ela é alcançada e expressada essencialmente na forma de narrativas inteligíveis, ou requer que os dados das estórias sejam reorganizados em forma de leis, tipos, padrões e regularidades? (4) Ela é alcançada pela aplicação das nossas descrições e explicações dos eventos ou pela compreensão que os próprios agentes tiveram deles? A quarta questão, como Mind, History, and Dialectic e Philosophical Analysis and Historical Understanding deixa claro, é a que mais interessava a Mink. Ao buscar apoio fenomenológico para ela, o filósofo recorre a Maurice Merleau-Ponty, mas não a Husserl e Heidegger. O problema da abordagem destes dois últimos, para Mink, era o descarte da possibilidade de “uma compreensão especificamente histórica, que por si só possa justificar a história como uma disciplina”. Afirmava Mink: “Para um, toda compreensão é histórica. Para o outro, nenhuma compreensão é histórica” (HU, 112). Embora a fenomenologia da história de Merleau-Ponty não tivesse sido nem mesmo iniciada, este filósofo havia feito, na opinião de Mink, “sugestões brilhantes e coerentes” em sua direção (HU, 117). A sugestão que interessa a Mink tem como ponto de partida a rejeição tanto ao “empirismo” quanto ao “intelectualismo”, sendo o primeiro “a visão de que a consciência apreende os dados da experiência sem alterá-los” e o segundo a “visão oposta”, segundo a qual “a consciência possui a priori e constitui ativamente a estrutura inteligível de todos os seus objetos”. O problema, dizia MerleauPonty, é que nem ou nem outro podia compreender a consciência “no processo de aprendizado” (grifo de Mink; HU, 114). Conforme Mink: “O empirismo não pode ver que nós precisamos saber o que estamos procurando, caso contrário não estaríamos 115

Provavelmente por engano, os editores de Historical Understanding não incluíram este artigo na lista de trabalhos de Mink, inclusive os não-publicados, contida no final do livro. O material está apresentado sem data, e sua referência mais tardia é ao livro de Mink sobre Collingwood, publicado em 1969. Tudo indica que seja exatamente o ano de seu trabalho. Segundo a Revue Philosophique de Louvain (v. 67, n. 95, 1969, p. 514), Mink participou, juntamente com Thomas Langan e John O‟Neill, de uma mesa intitulada exatamente Phenomenology and Historical Understanding em um colóquio de filosofia da história e das ciências sociais na Universidade de York, no Canadá, ocorrido entre 10 e 12 de abril de 1969.

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procurando por tal coisa, e o intelectualismo não vê que nós precisamos ser ignorantes quanto ao que estamos procurando, ou, da mesma forma, também não estaríamos procurando” (HU, 114). Nas considerações sobre a história no final da Fenomenologia da Percepção, a distinção volta a aparecer, agora sob os nomes de “pensamento objetivo” e “reflexão idealista”. Exemplificando, Merleau-Ponty caracterizava o primeiro como a postura intelectual que “deriva a consciência de classe da condição objetiva do proletariado”, e o segundo como a que “reduz a condição proletária à consciência [de tal condição]”. O problema, para ele, era que nenhuma das duas abordagens podia mostrar “o vir a ser da consciência de classe”. E é essa a conclusão que Mink tira da abordagem de Merleau-Ponty: “O que nós podemos compreender historicamente e apenas historicamente, ele [Merleau-Ponty] sugere, são os processos de mudança pelos quais modos de consciência articulados vêm a ser. O problema unicamente histórico não é a explicação de eventos mas a compreensão de adventos” (HU, 115). Certamente não é coincidência que, ao articular este argumento em Philosophical Analysis and Historical Understanding, Mink houvesse recorrido ao exemplo do proletariado para caracterizar o tipo de descrição que recorre a conceitos posteriores ao evento narrado Ŕ a de “tipo 5”. Em 1968, às vésperas destas reflexões sobre as possibilidades de contribuição da fenomenologia à compreensão histórica, Mink havia passado a afirmar, com Danto, que o passado sempre está aberto a novas descrições, e, com Collingwood, que isso também vale para conceitualizações. As reflexões de Merleau-Ponty apenas vinham a embasar tais afirmações. Tanto em Danto quanto em seus desdobramentos de Collingwood, o que estava em jogo era “a questão sobre se as ações passadas dos homens devem ser entendidas em termos das nossas teorias ou das crenças deles” (HU, 116). Mink apontava, então, que as duas alternativas eram defendidas por “duas escolas de monogamia histórica”: a primeira entende que, em sua busca por causas, o historiador utiliza descrições possíveis em sua própria época, mas inacessíveis ao agente, no passado; a segunda entende que o enfoque da explicação está na perspectiva dos próprios agentes, que pode ser re-enacted no presente. (M. White é apontado por Mink como um representante da primeira “escola”; Collingwood, da segunda.) Ao mesmo tempo em que elogiava Danto por formular uma teoria capaz de deixar espaço para as duas abordagens, Mink se afastava não apenas da via de M. White e de Gallie, mas também da que, neste texto, associava a Collingwood. Optava, em vez disso, por uma “terceira via quanto à questão sobre as ações humanas passadas devem ser

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compreendidas em termos das nossas teorias ou das crenças deles” (HU, 116), indicada por Merleau-Ponty. A mesma crítica aparece em Philosophical Analysis and Historical Understanding e em Phenomenology and Historical Understanding: a de que nem Husserl e Heidegger, nem M. White e Gallie haviam deixado espaço para uma “compreensão especificamente histórica”, uma que fosse capaz de “recapturar o desenvolvimento enquanto desenvolvimento”. A abordagem de Merleau-Ponty, por sua vez, o fazia, levando à conclusão de que este tipo de compreensão só podia ser “um modo de inteligibilidade unicamente retrospectivo”. E isso levava Mink a deixar pelo caminho a associação collingwoodiana entre pensamento histórico e re-enactment: “os adventos e passagens que são seus objetos não poderiam ter sido compreendidos pelos seus próprios agentes e participantes como nós, agora, podemos compreender; nem podemos nós, agora, compreendê-los nos colocando inteiramente em suas situações, por meio de um esforço imaginativo” (MHD, 116; argumento semelhante em Philosophical Analysis and Historical Understanding, HU, 142). Mas, como vimos, no lugar do reenactment (e também da “explicação”), Mink recorreu a outra noção também collingwoodiana: a de “constelações de pressuposições absolutas”, com a especificação de que elas só são compreensíveis retrospectivamente.116 Estudamos com nossos conceitos as ações de outrem, informadas pelos conceitos deles. Eles não poderiam compreendê-las com os nossos conceitos, pois eles não existiam. Já nós não podemos compreendê-los senão com os nossos conceitos, embora estes só tenham vindo à tona por meio de um processo dialético que manteve, mas modificou, os conceitos passados. Como (e com) Collingwood, vimos, Mink concebia a mudança histórica como um processo dialético. Diferentemente dele, porém, via mais acentuadamente as 116

Neste texto, Mink caracteriza Collingwood de modo mais parecido com o que chamou, em 1972, de “Collingwood ficcional” do que com o que ele próprio apresentou em seu Mind, History, and Dialectic. Este “Collingwood ficcional” considera, dentre outras coisas, que o historiador “pode repensar exatamente as sequências de pensamento escondidas por trás das ações que está investigando” (HU, 225). Se é verdade que, como já mencionamos, ocasionalmente Collingwood afirmou que o pensamento histórico é “um objeto eterno” (IH, 218), também é verdade que ele reconhecia abertamente a diferença entre o pensamento passado e o presente. Vejamos, por exemplo, sua discussão da possibilidade de reenact um pensamento de Nelson: “... este re-enactment [...] é re-enactment com uma diferença. O pensamento de Nelson, como ele o pensou e como eu o re-pensei, é certamente um e o mesmo pensamento; e ainda assim, de alguma forma, não é um único e mesmo pensamento, são dois pensamentos diferentes. Qual era a diferença? Nenhuma questão no meu estudo do método histórico me causou tantos problemas; e a resposta não estava completa até alguns anos mais tarde. A diferença é de contexto. Para Nelson, aquele pensamento era um pensamento presente; para mim, é um pensamento passado vivendo no presente mas (como eu afirmei em outro lugar) encapsulado, não livre”, ou seja, que não é parte do complexo de perguntas-e-respostas da “vida real”. An Autobiography. Oxford: Clarendon Press, 1978, pp. 112-113.

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descontinuidades entre as diferentes épocas, na medida em que os indivíduos possuíam diferentes esquemas conceituais. Em On the Writing and Rewriting of History, de 1972, Mink historicizava sua própria visão em termos próximos aos de Collingwood em The Idea of History: antes da ascensão do historicismo no século XIX, dizia ele, “a história não era um problema”, no sentido de que “nunca se havia pensado que o presente é separado do passado por nada além da passagem do tempo” (HU, 97-98). Agora, porém, já era possível “suspeitar que a natureza humana é indefinidamente vária e auto-criada”, de modo que “o passado é muito mais descontínuo em relação ao presente do que havíamos imaginado” (HU, 105-104). Dentre os autores a quem Mink recorre para exemplificar esta visão, dois eram, também, parte do arsenal de H. White (como veremos adiante): Thomas Kuhn (e toda a “nova história da ciência” que o acompanhava) e Ernst Gombrich. Como veremos, estes autores também propiciaram a White a possibilidade não apenas de pensar a mudança histórica, mas concebê-la como dialética e descontínua. Um terceiro nome, que, em meados dos anos 1970, começaria a aparecer com maior força no ambiente intelectual norte-americano, é o de Michel Foucault. Podemos, sem chance de erro, presumir que um teórico da erudição de Mink conhecia seus livros (no mínimo por meio de White, que publicou Foucault Decoded: Notes from Underground na History and Theory em 1973, argumentando que as epistemes distinguidas por Foucault na história intelectual do Ocidente eram formalizações da linguagem poética). Porém, como aponta James, Mink nunca citou Foucault em seus textos e “tinha pouca paciência com o que chamou [em 1982] de „ragout Saussure-Freud-Marx”. Mas o motivo dizia respeito mais às suas inclinações como crítico que à sua concepção do processo histórico: especialmente como comentador de Finnegans Wake, Mink lamentava o “giro em direção à teoria” em detrimento de uma abordagem que “começa com o texto e busca tudo que possa propiciar uma maior compreensão daquele texto” (cf. LMP, 154-155). No que diz respeito à ideia de descontinuidade entre presente e passado, portanto, Mink e White estavam próximos não apenas de Kuhn e Gombrich, mas também de Foucault; e afastados daquele que, em tantos outros aspectos, os aproximou:117 Collingwood. Tendo em mente as leituras de Danto, Collingwood e Merleau-Ponty publicadas por Mink entre 1968 e 1969, fica mais fácil compreender o próximo passo por ele, em

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Cf. VAN DER DUSSEN, Jan. The Case for Historical Imagination: Defending the Human Factor and Narrative. In: PARTNER, Nancy & FOOT, Sarah (Orgs.). The SAGE Handbook of Historical Theory. London: SAGE Publications, 2013, p. 66; LMP, 151-184.

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sua dialética de perguntas e respostas: a afirmação, feita em 1970, de que a perspectiva dos agentes nunca corresponde à estória narrada posteriormente. Dito assim, soa relativamente pouco polêmico; dito como “estórias não são vividas, mas contadas”, nem tanto.

2.5. “Estórias não são vividas, mas contadas”

Em 1970, no texto History and Fiction as Modes of Comprehension, Mink retoma a argumentação desenvolvida em 1960 sobre os modos teórico, categorial e configuracional, colocando-a em diálogo com as novas questões que, como vimos, ocupavam sua mente na segunda metade da década de 1960. Danto e Gallie são os principais interlocutores do texto, o primeiro como apoio, o segundo como contraponto. O anúncio de sua tese, logo nas primeiras páginas, mostra-o bem: Gallie aparece com a já conhecida inversão da sua noção de followability; Danto, de duas maneiras. Em primeiro lugar, por meio do reconhecimento do caráter retrospectivo da compreensão tipicamente historiográfica; em segundo, pela ideia de que os eventos são fenômenos linguísticos. Esta questão nunca deixou de intrigar a Mink e seria analisada em maior detalhe nos anos seguintes, como veremos adiante. Nós sabemos que a diferença entre passado e futuro é crucial no caso de atitudes morais e afetivas. [...] Minha tese é que a diferença é crucial também para a cognição: ao menos no caso de ações humanas e de mudanças, conhecer um evento por retrospecção é categoricamente, não incidentalmente, diferente de conhecê-lo por predição ou antecipação. Ele não pode nem mesmo, em nenhum sentido estrito, ser chamado de “mesmo” evento, pois no caso anterior [o de conhecer as ações por retrospecção] as descrições sob as quais ele é conhecido são governadas por uma estória à qual ele pertence, e não há estória do futuro (HU, 48).

Para “dar plausibilidade a esta tese”, Mink passa a discutir “o que significa ter seguido uma estória” (HU, 48). Dessa forma, sua leitura de Danto, com quem concorda e a quem amplia, é a base da sua leitura de Gallie, de quem discorda, mas cuja formulação é requerida para a elaboração da sua própria. É para o desenvolvimento dessa discussão que, na segunda parte do texto, Mink retoma a distinção entre os três modos de compreensão Ŕ sem diferenças substanciais em relação à formulação de 1960. Na terceira parte, porém, faz alguns comentários adicionais à sua tese, enfatizando a importância da autonomia do modo configuracional, “o qual parece ser o mais frequentemente confundido com os outros, ou considerado, por assim dizer, como uma

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das sombras onde suas luzes não conseguiram alcançar” (HU, 55). Narrativistas como Gallie, em sua opinião, haviam sido bem-sucedidos nessa defesa, mostrando que “as estórias produzem uma tipo diferente e às vezes indispensável de compreensão”; mas “falharam em identificar o genus ao qual a narrativa pertence, e consequentemente tentaram encontrá-lo na forma sequencial de estórias, nas técnicas de relato e na capacidade de seguir, nas experiências de interesse, expectativa, surpresa, aceitabilidade e resolução”. Mas, para Mink, estas explicações não davam conta de caracterizar a compreensão que o próprio historiador tem de sua narrativa: “É importante refletirmos também sobre aquelas estórias que nós queremos ouvir de novo e de novo, e aquelas que dão forma à consciência comum de uma comunidade”. Daí que Mink coloque a pergunta: “Por que vale a pena repetir as estórias?” (HU, 56) Sua resposta é que um dos motivos reside no fato de que as estórias almejam produzir e fortalecer o ato de compreensão no qual ações e eventos, embora representados como tendo ocorrido na ordem temporal, podem ser vistos em um único olhar como unidos em uma ordem de significância, uma representação do totum simul que nós nunca podemos alcançar mais do que parcialmente. Esta conclusão pode parecer ou um truísmo ou um paradoxo: na compreensão de uma narrativa, o pensamento da sucessão temporal enquanto tal desaparece [...]. Mas na compreensão configuracional de uma estória que alguém seguiu, o fim é conectado com a promessa de um começo bem como o começo com a promessa de um fim, e a necessidade de referências para trás cancela, por assim dizer, a contingência das referências futuras. Compreender a sucessão temporal significa pensar em ambas as direções de uma só vez, e então o tempo não é mais o rio que nos carrega, mas o rio em vista aérea, montante e jusante vistos em uma única panorâmica.118

Nesse contexto, afirma Mink, a função das técnicas narrativas é, em parte, facilitar a compreensão da estória como um todo. “Mas alguém poderia perguntar, a essa altura: quais são as conexões dos eventos dispostos em uma única configuração?” (HU, 57) Sua resposta é que “as ações e eventos de uma estória compreendida como um todo são conectados por uma rede de descrições sobrepostas”, que não são parte da 118

Carr, em grande medida baseado em ensaios como History and Fiction as Modes of Comprehension, considera possível incluir Mink em uma “corrente” de “destemporalização da narrativa”, ao lado do movimento estruturalista francês. É contra esta corrente que Carr escreveu Time, Narrative, and History. Cf. CARR, David. Response to Casey, Crowell and Kearney. Human Studies, v. 29, 2007, p. 498. Dado o intenso diálogo da chamada “segunda geração dos Annales” com o estruturalismo (cf., por exemplo, REIS, José Carlos. História da História (1950/60). História e Estruturalismo: Braudel versus Lévi-Strauss. História da Historiografia, n. 01, ago. 2008), não surpreende que Carr também estenda a crítica a Braudel em Narrative Explanation and its Malcontents. History and Theory, v. 47, n. 1, 2008, pp. 19-30. Tomada em conjunto, a argumentação de Carr mostra que, na historiografia, a tentativa de “destemporalizar” a narrativa está ligada ao descrédito do tipo de compreensão (Carr usa o termo “explicação”) fornecido pelas próprias narrativas, ou, em outros termos, está ligada ao descrédito da própria compreensão configuracional Ŕ cuja relevância Mink buscava mostrar. O que, para Mink, parece um paradoxo, para Carr é uma contradição insustentável.

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sucessão de eventos que compõem a estória, “mas apenas da compreensão dela como um todo”. Se tivermos o texto de 1968 em mente, lembraremos que, para Mink, havia cinco tipos de descrições possíveis; algumas delas, as de tipo 1 (descrições feitas no passado), eram acessíveis apenas ao agente; outras, como as de tipo 2 (descrições possíveis de formulação já no momento da ação), poderiam ser inferidas pelo historiador, mas não requerem a percepção da mudança conceitual; as de tipo 4 (descrições dependentes de técnicas de aquisição de conhecimento inventadas posteriormente) não poderiam ser feitas no passado, mas por motivos puramente técnicos; também não ocasionam, portanto, em nenhuma dificuldade teórica devido à distância temporal. Já as de tipo 3 e 5, ou seja, as frases narrativas e os conceitos surgidos posteriormente, só podem ser formulados a partir da atual “constelação de pressuposições absolutas”. Assim sendo, só podem ser corretamente compreendidas pelos filósofos da história se o problema da mudança conceitual fosse levado em conta. Assim sendo, Mink mantinha-se na “terceira via”, em oposição às “escolas de monogamia histórica”: algumas descrições da historiografia dizem ou poderiam ter dito respeito à perspectiva dos agentes; e outras só são ou só poderiam ter sido feitas pelo historiador temporalmente afastados. A especificidade da compreensão histórica reside exatamente nesta tensão entre diferentes “constelações de pressuposições absolutas”. Como Danto também considerava, a distância temporal não é um problema, mas a própria condição de possibilidade (e de necessidade) da compreensão histórica. Mas uma nova questão vem à tona, a partir desta nova articulação de proposições acerca da compreensão histórica. As descrições sobrepostas não podem estar apenas nos próprios eventos, pois: a) são descrições, não os próprios eventos (como vimos no fim do capítulo 1, Ankersmit aponta que, embora Danto tenha avançado nesta direção, não modificou sua ontologia histórica para levar em conta as consequências de seu próprio insight); b) algumas delas só se tornaram possíveis posteriormente. Mas tais descrições não estão apenas na mente do historiador, pois: a) algumas delas já estavam acessíveis aos próprios agentes (embora não sejam recuperáveis naquele contexto, mas apenas a partir da distância temporal) e são parte do objeto de estudo do historiador;119 b) o próprio historiador também recorre a conceitos históricos, que posteriormente serão dialeticamente superados e incorporados a uma

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Em 1981, debatendo com White, o próprio Mink reconhecia que as intenções dos agentes fornecem alguma estruturação possível para o objeto da narrativa. MINK, Louis O. Everyman His or Her Own Annalist. Critical Inquiry, v. 7, n. 4, 1981, pp. 777-783.

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nova “constelação de pressuposições absolutas”. A distinção entre “o historiador” e o “agente” é fluida: o historiador também é um agente. A retrospecção das descrições, por isso, é o que diferencia a compreensão configuracional da teleologia reconhecida pelo conceito de coligação. Mas quais são as implicações da constatação de que as estórias não estão nos próprios eventos, apenas aguardando para serem descobertas e contadas? Com menos de uma página de extensão, a última sessão do ensaio, a IV, é a primeira tentativa feita por Mink de responder esta questão. Também é, de toda a obra de Mink, a que mais gerou polêmicas. Invertendo a afirmativa da crítica literária Barbara Hardy, que afirmara ser a narrativa “um ato primário da mente transferido da arte para a vida”, Mink afirma que “estórias não são vividas, mas contadas. A vida não tem começos, meios, ou fins”. O trecho requer uma análise próxima. Mink inicia com seu ponto de acordo (“é verdade, eu argumentei, que...”), cuja menção, porém, parece ter a função textual de atenuar uma eventual aparência de contradição ou de paradoxo em relação à afirmação a ser anunciada mais adiante: É verdade, eu argumentei, que as narrativas são, em um sentido importante, primárias e irredutíveis. Elas não são substitutos imperfeitos para formas mais sofisticadas de explicação e compreensão, nem são os primeiros passos irrefletidos pelo caminho que conduz à meta do conhecimento científico ou filosófico. [...] Mas dizer que as qualidades da narrativa são transferidas da vida para a arte me parece um hysteron proteron. Estórias não são vividas, mas contadas; há encontros, mas o começo de uma relação pertence à estórias que nós contamos a nós mesmos depois, e há términos, mas términos finais apenas na estória.

Para ele, portanto, não é verdade que as estórias são vividas, porque concordar com isto implicaria em negar um dos elementos fundamentais das estórias, a retrospecção. Não se trata apenas de ver o rio de cima, mas de vê-lo de cima olhando para trás. O que Mink afirmava, implicitamente, é que apesar de a compreensão configuracional ser um ato mental primário e irredutível, estórias são contadas mas não vividas; e que apesar de elas não serem um “substituto imperfeito para formas mais sofisticadas de explicação e compreensão”, seus atributos (“contados”) não estavam presentes no passado (“vivido”), mas são, ainda assim, a condição de possibilidade de conhecê-lo. Isso não significa negar que as pessoas do passado não estruturavam suas ações por meio de estórias: significa que a estória contada aqui não é a mesma vivida lá. E a história contada lá, por aquele que vivia, também incluía descrições de ações “não vividas”. Por isso, afirma Mink: “Há esperanças, planos, batalhas e ideias, mas apenas em estórias retrospectivas as esperanças são em vão, planos malogrados, batalhas

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decisivas, e ideias seminais. Apenas na estória é a América que Colombo descobre, e apenas na estória o reino é perdido por um triz”. O exemplo final de Mink, porém, modifica o tom, introduzindo outro elemento na discussão: “Nós não sonhamos ou lembramos em narrativa, penso eu, mas contamos estórias que entrelaçam as imagens separadas da recolecção”. Todos os elementos dados até então combinavam a interação entre as intenções, expectativas, opiniões etc. dos agentes com o mundo externo: espera-se que a batalha tome um rumo, e isto pode ou não ocorrer; Colombo chega a um lugar, e só posteriormente este lugar passa a ser compreendido como um novo continente e chamado de América; etc. O exemplo dos sonhos, porém, trata apenas de elementos da “experiência vivida” do agente, sem referência a eventos externos que podem ou não acontecer. Não se sonha em narrativa porque, supunha Mink, nos sonhos não é possível alcançar a visão de conjunto das estórias; e, na medida em que só se tem “imagens separadas”, não se tem nem mesmo a linguagem temporal que, por meio de descrições sobrepostas na narrativa, é capaz de propiciar tal visão de conjunto. O raciocínio é o mesmo exemplificado ao longo do texto, quando Mink afirma que as “impressões e recolecções em primeira pessoa” de Benjy, O Som e a Fúria, de Faulkner, só fazem sentido retrospectivamente. Na medida em que passa a falar da interioridade do indivíduo, porém, Mink chega a um ponto diferente do argumentado por meio da frase “apenas na estória é a América que Colombo descobre”. Toda narrativa, como ele mesmo relembrou no começo da seção, é um ato mental. Se a percepção do indivíduo é um exemplo válido, como Mink acredita, por que a estória Ŕ vivida mentalmente por Colombo Ŕ de ter chegado às Índias não merece o status de “estória”, seja utilizando uma descrição do tipo 3, seja uma do tipo 5? Os exemplos de “experiências vividas” são curiosos: o de um sonhador e o de um doente mental ficcional. Tivesse falado também de pessoas comuns em experiências cotidianas, teria sido forçado a observar que a ação dos agentes também se dá por meio da construção de outras histórias. Seu argumento não seria em nada afetado, muitas das críticas recebidas posteriormente teriam sido evitadas, mas o “slogan” (como o chama Ankersmit) teria tido menos impacto. Não “estórias não são contadas, mas vividas”, mas, quem sabe, “as estórias que são contadas não são as mesmas que foram vividas”, o que nos levaria, por sua vez, a afirmar que “narrativas historiográficas não são vividas, mas contadas”.

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Como, porém, seu Ansatzpuntk era a frase de Hardy, Mink opta por manter a distinção entre “narrativa” e “vida”. ... parece mais verdadeiro dizer que as qualidades narrativas são transferidas da arte para a vida. Nós poderíamos aprender a contar estórias de nossas vidas a partir de canções de ninar, ou de mitos culturais se tivéssemos algum, mas é da história e da ficção que nós aprendemos como contar e entender estórias complexas, e como é que as estórias respondem perguntas (HU, 60; grifo no original).

Mas como é que as “estórias respondem perguntas”? A análise de seu estudo sobre Collingwood novamente fornece valiosas pistas. Mink recorreu à teoria da arte de Collingwood para afirmar que a arte é expressão, é imaginação e é linguagem. Vejamos como esta tripla função esclarece a conclusão de History and Fiction as Modes of Comprehension. A afirmação de que a narrativa, criada por um ato imaginativo de segundo nível, “responde perguntas” não significa que ela possa ser re-enacted como parte de um processo de perguntas e respostas, pois apenas atividades a partir do terceiro nível podem sê-lo. Mas “a obra de arte é, em certo sentido, a solução de um problema”. Este tipo de problemas, porém, não pode ser formulado: pode apenas ser expressado (MHD, 207). O problema é a expressão de “estados emocionais complexos”. Por meio de descrições, estes estados seriam meramente contraditórios; mas não por meio da arte: “o nascimento da lógica”, afirma Mink, “é a morte da poesia”. Como ele insistiria mais tarde, em Narrative Form as a Cognitive Instrument, a forma narrativa “não pode ser „dita‟, mas deve ser „mostrada‟ Ŕ na narrativa como um todo” (HU, 197-198). Da mesma forma que White em Meta-História, Mink recorria à comparação com a música para demonstrar a natureza expressiva da narrativa: “A situação não é diferente da estória apócrifa contada sobre muitos compositores, por exemplo de Schubert: quando perguntado sobre o „significado‟ da sonata que ele acabara de tocar, sua única resposta foi sentar e tocá-la de novo” (HU, 198). Trata-se, como afirma Mink, do que Vico chamou de “lógica poética” (MHD, 208); mas, diferentemente de White, Mink considerava necessário fazer uma especificação: “A diferença, claro, é que uma narrativa histórica afirma ser verdadeira, de uma forma que a música não o faz” (HU, 198). Então, embora Mink vislumbrasse uma função retórica na narrativa histórica (que a permitia, por exemplo, expressar o que seriam contradições lógicas), se opunha ao que mais tarde chamou de Novo Relativismo Retórico Ŕ o qual associava especialmente a White.

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A segunda tese que Mink identifica em Collingwood sobre o tema é a de que “arte é imaginação”. Isto quer dizer que a arte não é aquilo a que chamamos de “obra de arte”, mas a “atividade imaginadora” que se manifesta na criação ou na contemplação de tal objeto. Por isso, também o espectador realiza uma atividade artística quando observa uma obra, e sua “comunhão” não é com os sentimentos do artista, mas com os dele próprio. Isto, tanto em Mind, History, and Dialectic quanto no ensaio Art Without Artists, de 1969, leva Mink à conclusão de que mesmo a leitura um “poema gerado por computador”, no qual não expressividade de emoções do “artista”, é possível aprender a “estrutura da vida do sentimento”.120 Porém, esta concepção de arte como imaginação também leva Mink a concluir que a tentativa de Collingwood de atribuir à arte o status de conhecimento deveria ser abandonada (MHD, 223). Sendo a imaginação uma atividade de segundo nível, seu objeto não pode ser re-enacted: “não há nada errado em falar em „conhecimento se nos lembrarmos que é da consciência de segundo nível que estamos falando”, mas, “no sentido em que pode haver conhecimento de segundo nível, nós não conhecemos nossas emoções” (MHD, 224). Destas visões segundo as quais a arte é expressiva e imaginativa, a terceira se torna inevitável: a de que a arte é linguagem, já que apenas a linguagem pode ser expressiva e comunicativa ao mesmo tempo” (MHD, 226). Mink aponta que já em 1928 Collingwood havia proclamado sua “teoria da linguagem”, quando afirmara que “a poesia é a base de toda linguagem” (MHD, 226). Em The Principles of Art, a tese é elucidada pela dialética da mente: a poesia é uma instância da atividade expressiva, que dá origem dialeticamente às linguagens “intelectualizadas” dos níveis superiores (MHD, 227). No capítulo 3, o leitor verá que White se posiciona de maneira semelhante a Collingwood em relação à teoria da linguagem e, consequentemente, a Mink em relação à expressividade da narrativa.121 Nenhum nível da escala de formas precisa dar origem ao próximo: “cada atividade mental é acompanhada por sua própria emoção característica, e esta emoção pode permanecer não-expressada naquele nível” (MHD, 237); A emoção não expressada “inibe a consciência Ŕ o que equivale a dizer, o pensamento Ŕ de se tornar autoconsciente e consequentemente crítico” (MHD, 238). Aprender a “como contar e entender estórias complexas” não é uma função meramente acessória à racionalidade da 120

MINK, Louis O. Art Without Artists. In: HASSAN, Ihab (Org.). Liberations: New Essays on the Humanities in Revolution. Middletown: Wesleyan University Press, 1971, p. 81. 121 Analisando o argumento de Collingwood, Mink aponta um paralelo em sua concepção de linguagem que White também havia apontado poucos anos antes, em 1965: com Wittgenstein.

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pesquisa: é seu pré-requisito fundamental. Da mesma forma, a leitura da estória não é meramente é a obtenção de conclusões destacáveis por parte de leitor: é a busca pelo juízo sinóptico que deve ser produzido por sua própria imaginação. Muito se discutiria, nas décadas seguintes, acerca dos problemas exemplificados pela frase “estórias são contadas, mas não vividas”. De qualquer forma, havia uma questão mais imediata trazida à tona por Mink, a das comparação entre história e ficção. Os títulos de seus dois trabalhos mais conhecidos da década de 1970 são claros: o texto de 1970, History and Fiction as Modes of Comprehension, trata das semelhanças entre ambos; o de 1978, Narrative Form as a Cognitive Instrument, trata das diferenças Ŕ pois, ao menos de uma perspectiva do “senso comum” (da qual Mink busca partir naquele texto), o caráter cognitivo deveria ser o diferencial entre um texto de história, que o possui, e um de ficção, que não o possui. Em fins da década de 1960, como vimos, Mink tanto considerava que a forma narrativa, por ser artística, não é conhecimento, quanto afirmava que a atividade imaginativa que ela manifestava era um pré-requisito para a produção de conhecimento nos níveis mais altos da escala de formas. A preocupação com “a forma narrativa como instrumento cognitivo”, e o desejo de se afastar de eventuais conclusões relativistas, marcariam a filosofia de Mink nos anos 1970.

2.6. A forma narrativa como instrumento cognitivo

Narrative Form as a Cognitive Instrument, de 1978, apresenta, em cada uma de suas linhas, uma tensão entre a crescente dissolução da distinção entre história e ficção, por um lado, e o desejo de manter tal distinção, por outro. A primeira versão deste texto, intitulada History and Narrative, foi escrita em 1974 e nunca foi publicada. Fay, Golob e Vann afirmam que, ali, pode-se ler um Mink hesitante em romper as distinções entre ficção e história. Entre 1976 e 1978, a hesitação era menor, mas ainda se fazia presente (basta compararmos a abordagem de Mink com a de White, que, ao longo da década de 1970, ressaltou com cada vez mais confiança o elemento “ficcional” da historiografia122). Mas parte do problema está na forma pela qual Mink coloca a questão. A investigação da forma narrativa como instrumento cognitivo só poderia 122

David Carr, por exemplo, observou: “Se Mink apenas relutantemente chega a conclusões tão céticas, Hayden White as abraça firmemente” (Narrative and the Real World: An Argument for Continuity. History and Theory, v. 25, n. 2, 1986, p. 118).

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encontrar semelhanças entre a história e a ficção, já que toma por objeto exatamente aquilo que é compartilhado por ambos. Mink busca semelhanças e, por fim, mostra-se angustiado por não encontrar diferenças. A preocupação de Mink orbitava ao redor do significado da distinção entre história e ficção para o senso comum. A narrativa, dizia Mink, “não é apenas um problema técnico para escritores, mas uma forma de compreensão humana primária e irredutível, um artigo na construção do senso comum” (HU, 186); e, para este “senso comum compartilhado, não há nenhum problema em princípio quanto à distinção entre história e ficção” (HU, 183): as narrativas historiográficas, diferentemente das ficcionais, pretendem-se verdadeiras. Mink buscará, por um lado, minar este pressuposto do senso comum; mas, por outro, manter a distinção entre história e ficção presente no mesmo. Mink inicia as discussões tomando como base a famosa asserção do texto de 1970, “estórias são contadas mas não vividas”. Sua afirmação agora é menos enfática Ŕ e quase se torna mais coerente com o restante de sua obra: “nossa experiência de vida não necessariamente tem, ela própria, a forma de narrativa, exceto quando damos a ela tal forma, ao torná-la o assunto de estórias” (HU, 186; grifo adicionado). Quase. A primeira parte da frase poderia solucionar os problemas que identificamos em History and Fiction as Modes of Comprehension: Mink poderia argumentar que a maior parte das estórias só podem ser contadas após o evento, mas uma pequena parte das descrições possíveis já são acessíveis ao agente. A segunda parte, porém, impede tal solução: ao distinguir a “experiência de vida” das “estórias”, Mink implica que não há “sobreposição de descrições” na experiência de vida. Como ele havia dito em Mind, History, and Dialectic: “nós pensamos para frente, mas entendemos para trás”. A “experiência de vida” parece estar, aqui, associada a “pensar para frente”, as “estórias” a “entender para trás”. Uma caracterização mais coerente, porém, com a noção de “sobreposição de descrições” e com a exigência de “complexidade” para as estórias incluiria a “experiência de vida” como parte das estórias, ela própria informada por outras estórias. As “experiências de vida” são incluídas dialeticamente nas estórias. A metáfora do rio visto de cima tem seus limites. Chega-se a um ponto mais dianteiro do rio e, dele, imagina-se, com base em evidências, como seria ver de cima o rio desde um ponto passado até o presente, e talvez com uma expectativa de como será o rio mais adiante. Em coerência com seu sistema intelectual, podemos mesmo afirmar: as estórias são contadas de dentro de um rio em movimento. (E então, sem dúvidas, chegaríamos

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também ao limite poético da metáfora: precisaríamos dizer que as pessoas dentro do rio também criam o restante de seu curso, sem saber previamente o resultado de sua criação.) Mink estava consciente de que sua afirmação Ŕ estórias são vividas mas não contadas Ŕ não seria considerada óbvia, mas, com base na noção de “constelação de pressuposições absolutas”, munia-se de uma explicação para tal: “Não deveríamos nos surpreender que esta implicação seja surpreendente. Isto meramente reflete a diferença entre os vereditos do senso comum e seus pressupostos”. Mink identificava várias dificuldades ocasionadas por esta falta de sintonia. O primeiro deles dizia respeito ao elemento fornecedor da coerência da narrativa. A única explicação fornecida até então era a de que tal coerência é fornecida pelos elos causais, e Mink não a considerava satisfatória.123 Era necessário, por isso, “tornar explícitos os critérios pelos quais nós, de fato, reconhecemos uma narrativa como coerente ou incoerente. Mas este é um problema para a forma narrativa em general, seja ela história ou ficção”. Outro pressuposto do senso-comum, do qual Mink já mostrara sua discordância outrora, é o de que a realidade histórica possui forma narrativa, cabendo ao historiador apenas descobrir esta forma: segundo este pressuposto, a “história-tal-como-foi-vivida [...] é uma estória não contada”. Mas, para Mink, caso esse pressuposto fosse explicitado, seria abandonado pelos historiadores. Opinião certamente muito otimista: basta observarmos que, algumas páginas adiante, Mink cita nada menos que o recémpublicado Meta-História, de Hayden White, como exemplo deste senso-comum. A recepção deste livro nos anos seguintes viria a mostrar que, pelo contrário, havia grande resistência à ideia de que as histórias são tão inventadas quanto encontradas (TD, 81100) (embora pelo fato de que, em alguma medida, termos como “invenção” Ŕ usados por White Ŕ eram, e na verdade são, impactantes demais para ouvintes menos habituados a eles. Mas isto se dá exatamente porque nem os termos nem as ideias que se busca expressar por meio deles são tão familiares assim ao “senso comum”: por isso mesmo, foi tão habitual que se entendesse o argumento de White como se este fosse

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O principal defensor dessa abordagem, evidentemente, era M. White. Danto, por sua vez, concebia as ligações entre os elementos da narrativa de modo causal, mas não parecia entender a narrativa como uma totalidade, mas como a articulação causal entre o início e o fim escolhidos. Um pressuposto dessa visão, é claro, é que o início e o fim da narrativa constituem aquilo a que se busca explicar, enquanto o meio é aquilo que o explica. Ver a seção 1.7 deste trabalho e os capítulos XX e XI de Narration and Knowledge (NK, 201-256).

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referente às evidências nas quais as sentenças singulares componentes da narrativa se baseiam, e não à estrutura da estória como um todo.124 Vimos que, logicamente, Mink considerava “a dissonância entre pressuposto implícito e crença explícita” como a fonte dos problemas acima citados. Mas, além disso, o filósofo considerava ser possível identificar historicamente estes problemas conceituais, sendo eles “o legado da ideia que outrora foi chamada de História Universal [...]”. Mink reconhecia que esta noção já não era mais defendida explicitamente, mas, em sua opinião, “os relatos que davam conta de sua morte foram prematuros”. Ela ainda sobrevivia, agora como pressuposto, na concepção de que a realidade passada é uma estória não contada (HU, 188-9). Os “elementos em comum” presentes nas várias manifestações desta “ideia complexa” da História Universal eram, em primeiro lugar, “a afirmação de que o conjunto de eventos humanos pertencem a uma única estória”, que inclui até mesmo o futuro, “em esboço se não em detalhe”125. Em segundo lugar, afirmava Mink, “a ideia de História Universal especifica que há um único assunto ou tema central no desenrolar do enredo da história”. Em terceiro lugar, está implícito “que os eventos do processo histórico são ininteligíveis quando vistos apenas em relação às suas circunstâncias imediatas”. E, por fim, “a História Universal não negava a grande diversidade de eventos, costumes e instituições humanas; mas considerava esta variedade como as permutações de um único e imutável conjunto de capacidades e possibilidades humanas” (HU, 190-1). Mas, para o próprio Mink, três destas quatro características da História Universal não eram mais consensuais àquela altura: não mais se pressupunha que houvesse “um único assunto ou tema no desenrolar do enredo da história” e, como 124

Como Mink, White também subestimava as dificuldades de compreensão destas ideias. Basta vermos, por exemplo, que em 1978, na introdução de Trópicos do Discurso, ele afirmava-se esperançoso de que os ensaios ali presentes o aliviaria da acusação de “ceticismo radical” e de “pessimismo”. A forte oposição à obra dos dois, dentre outras coisas, indica em que medida o pressuposto de que o passado seja uma estória não contada (ou, pelo menos, de que contenha estórias não contadas) era (e segue sendo) muito mais enraizada no senso comum do que Mink pressupunha. Trazê-la à tona definitivamente não era o suficiente. 125 Como veremos no capítulo seguinte, a noção de “enredo” foi mobilizada por Hayden White, a partir de sua leitura de Northrop Frye, para dar conta de um problema posto por Mink, o da relação entre historiografia e os “modos de compreensão”: diferentemente de Mink, White afirma que os três modos podem ser encontrados nas obras historiográficas. O tipo de compreensão fornecido pelo enredo é o categorial. Este trecho acima citado tem, implicitamente, a aceitação da ideia whiteana de que as filosofias da história são informadas pelos mesmos princípios meta-históricos que a “história propriamente dita”, sendo a diferença entre ambas uma mera questão de enfoque. Disto decorre que as filosofias da história não são falsificáveis pelos elementos do que White até então chamava de “campo histórico”. Não surpreende que Walsh considere The Historical Text as Literary Artifact (de White) e Narrative Form as a Cognitive Instrument (de Mink) “complementares”, em sua resenha do volume The Writing of History, que conta com ambos (The English Historical Review, v. 95, n. 377, 1980, pp. 889).

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o próprio Mink aponta, a ideia de que haja um “único e imutável conjunto de capacidades e possibilidades humanas” havia entrado em declínio, pois se tornara uma regra da investigação histórica que a significação da ações passadas deve em primeiro lugar ser compreendida em termos das crenças do próprio agente”. Outro pressuposto, o de que os “processos históricos são ininteligíveis quando vistos apenas em relação com as suas circunstâncias imediatas”, também declinara: “a história da humanidade [...] se tornou dispersa”. O que sobrevivia, então, era apenas um dos pressuposto: “a ideia de que o conjunto de eventos humanos pertence a uma única estória”. Mas não se tratava de uma decisão consciente, pois “a visão de conhecimento histórico mais amplamente compartilhado é precisamente a negação daquilo afirmado pela História Universal”. Devido a ele, Mink afirmava que “o conceito de história universal não foi de todo abandonado, apenas o conceito de historiografia universal” (HU, 194). Aqui, novamente, a síntese entre Danto e Collingwood é efetuada com maestria: a História Universal é, basicamente, aquilo que o Cronista Ideal faria (e, portanto, podemos afirmar que Danto expressou a impossibilidade da História Universal). Para chegar à conclusão de que mantemos tal noção como parte de nossos pressupostos, Mink recorreu à sua leitura de Collingwood: a ideia de História Universal, dizia ele, é “um pressuposto naquela área dos nosso esquemas conceituais a priori que resistem formulação e exame explícitos”.126 Mas, como com Danto e White, a filosofia da ciência de Kuhn, Hanson e Toulmin também informava suas formulações: “Como nós sabemos mais claramente a partir da história da ciência, os problemas conceituais mais difíceis e interessantes vem à tona quando uma teoria é substituída por outra, embora suas pressuposições (ou „metafísica‟, ou „paradigma‟) da antiga teoria persistem, como que inconscientemente”. A “confusão conceitual” e a “sensação de desconforto” causada por esta “dissonância entre novas ideias e velhos pressupostos” aparecia, no caso da narrativa histórica, em ao menos três novas questões (HU, 195). A primeira delas é a seguinte: podem duas narrativas ser combinadas para formar uma única narrativa mais complexa? (HU, 195). O “desconforto” instalava-se 126

Ankersmit comentou recentemente, sobre a noção de História Universal formulada por Mink, que “não hesitaria em aplaudir como o insight mais profundo na filosofia da história desde a Segunda Guerra Mundial. A ideia central aqui é que nós acreditamos que o passado seja uma „estória não contada‟ a que os historiadores tentam aproximar suas estórias o máximo possível. Agora, o aspecto absolutamente crucial no argumento de Mink é que essa crença é inconsciente. [...] Em outros termos, nós somos cegos às estórias (mais ou menos da mesma forma que alguém olhando para uma pintura pode acreditar que está olhando para a própria realidade) [...]”. O título do texto de Ankersmit parece ser uma referência ao ensaio de Mink que agora discutimos: Representation as a Cognitive Instrument. History and Theory, v. 52, n. 2, 2013, pp. 171-193.

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pela expectativa de que “narrativas históricas deveriam se agregar em narrativas mais compreensivas, ou dar lugar a narrativas rivais que irão se agregar de tal maneira”, sendo que “na verdade, elas não o fazem”. Isto porque, devido à própria estrutura das narrativas, os eventos nelas presentes assumem funções específicas dependendo de onde são inseridos (e sob quais descrições, poderíamos acrescentar). Uma narrativa, para Mink, deve ter uma unidade própria, com início, meio e fim; e, se agregamos duas narrativas, o fim da primeira delas “não é mais um fim, e consequentemente o começo não é mais aquele começo, nem o meio aquele meio”. Esta nova narrativa, que engloba duas outras em um todo mais amplo, possuirá uma nova unidade formal, “que substitui a coerência independente de cada uma de suas partes em vez de uni-las”. Com base nisso, Mink afirma: “O ponto ao qual nós chegamos, portanto, é que as histórias narrativas deveriam ser agregativas, à medida em que elas são histórias, mas não podem ser, à medida em que são narrativas” (HU, 197). Não é à toa que Mink ressalta o “desconforto” do problema: ainda que sua argumentação mostre a plausibilidade da afirmativa, o tom da formulação é nitidamente paradoxal. A segunda questão colocada por Mink a respeito da forma narrativa como instrumento cognitivo diz respeito à aplicabilidade das noções de “verdadeiro” e “falso” às narrativas. Não se tratava mais, como no modelo da “conjunção lógica”, de se discutir a veracidade de frases isoladas, por meio de deduções lógicas ou de evidências, mas sim da narrativa como um todo. Mink observava que “a dificuldade do modelo de conjunção lógica [...] é que ele não é, de modo algum, um modelo da forma narrativa. Ele é, em vez disso, um modelo de crônica”. Por sê-lo, não se aplica às narrativas, que contém “indefinidamente muitas relações de ordenação, e indefinidamente muitas maneiras de combinar estas relações”. Retomando e especificando em maiores detalhes sua argumentação de History and Fiction as Modes of Comprehension, segundo a qual a coerência da narrativa era fornecida pela sobreposição de descrições, Mink apontava que a coerência da narrativa, ou sua ausência, é fornecida pela combinação das relações de ordenação presentes nestas descrições”: “uma narrativa histórica não se pretende verdadeira meramente para cada uma de suas frases individuais tomadas distributivamente, mas para a própria forma complexa da narrativa”. A caracterização desta forma, por sua vez, era feita nos termos da sua já conhecida concepção da narrativa como expressiva, sobre a qual falamos acima. A função cognitiva da forma narrativa, então, não era “apenas meramente a de relacionar uma sucessão de eventos, mas de dar corpo a um conjunto de muitos tipos

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diferentes de relacionamentos como um único todo”. O problema residia no fato de que a narrativa histórica tinha pretensões adicionais: além de buscar, como as narrativas ficcionais, fornecer “satisfação estética ou emocional”, ela também almejava ser verdadeira.127 Mas, se “a análise e crítica da evidência histórica pode, em princípio, resolver disputas sobre questões de fato ou sobre as relações dentre fatos, não pode resolvê-las em relação às combinações possíveis dos tipos de relações”. A “narrativa em história, como na ficção, é um artífice, um produto da imaginação individual. Mas ao mesmo tempo é aceita como dotada de pretensões de verdade Ŕ isto é, como representando um conjunto real de relacionamentos na realidade passada”. Disto Mink conclui, em tom novamente plausível e novamente paradoxal, a respeito das narrativas elaboradas pelos historiadores: “enquanto históricas, elas pretendem representar, por meio de sua forma, parte da complexidade real do passado, mas, enquanto narrativa, elas são um produto da construção imaginativa, que não pode defender sua pretensão de verdade por nenhum procedimento aceito de argumento ou verificação” (HU, 197-199). Uma terceira dissonância entre crenças e pressupostos do senso comum dizia respeito à noção de “evento”. Desde The Autonomy of Historical Understanding, em 1965, e muitas vezes depois, Mink já se mostrava consciente das dificuldades colocadas por esta noção; pela primeira vez, proporia uma solução. Mink apontava dois problemas em relação a ela. O primeiro deles aparecia “quando consideramos os limites da aplicação do conceito”: até que ponto mínimo, e até que ponto máximo, ele pode ser estendido? O problema já estava latente em Analytical Philosophy of History: se os eventos podem ser, como Danto argumentou, descritos em diferentes níveis de generalidade, é relevante sabermos se há limites superiores e inferiores, e as implicações de sua existência ou inexistência. O segundo é relacionado ao primeiro, e também estava posto por Danto: “é claro que não podemos nos referir a eventos enquanto tais, mas apenas eventos sob uma descrição; então pode haver mais do que uma descrição do mesmo evento, todas eles verdadeiras, mas referentes a diferentes aspectos do evento ou descrevendo-o em diferentes níveis de generalidade”. Surgia, desta constatação, um problema adicional, em relação ao qual a obscuridade de Danto já havia criticada por Mink (como em Philosophical Analysis and Historical Understanding; HU, 143): “Mas o que nós podemos possivelmente querer dizer com „mesmo evento‟?” Assim utilizado, 127

Registro, porém, uma impressão: tanto Mink quanto White parecem exagerar, em sua leitura do “senso comum” (seja o historiográfico, seja o de comunidades humanas mais amplas), a ideia de que, para seus defensores, a narrativa histórica é verdadeira. O próprio Mink reconhece que, dado o enfoque do “senso comum” em frases singulares, a questão sequer vem à tona.

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o termo presume uma “descrição padrão e preeminente”, que, porém, inexiste. Portanto, diferentemente do que o uso ordinário do termo parece presumir, “nós não temos ideia se há ou não eventos mínimos ou máximos, e nenhum conhecimento de descrições padrão ou preeminentes de nenhum evento” (HU, 200). O problema parece um tanto mais complicado pelo fato de que, como o próprio Mink aponta, sua própria formulação dos paradoxos anteriores foi feita com a presunção de que não era problemático falar em “mesmos eventos”. Sua proposta positiva para a resolução do problema iniciava pela constatação de que há “alguma coisa incompatível” entre os conceitos de “evento” e de “narrativa”: o conceito de evento é primariamente ligado à estrutura conceitual da ciência, que o purga de todas as conexões narrativas, e se refere a algo que pode ser identificado e descrito sem nenhuma referência necessária à sua localização em um processo de desenvolvimento Ŕ um processo que apenas a forma narrativa pode representar. Por isso, para Mink, “falar em uma „narrativa de eventos‟ é quase uma contradição em termos”. Novamente, para ele, a noção de História Universal era o pressuposto que impedia o senso comum de perceber tal coisa (HU, 201). Disto decorria, em sua opinião, a necessidade de “uma maneira diferente de pensar sobre a narrativa”, que considerasse os eventos Ŕ “ou, mais precisamente, descrições de eventos” Ŕ como outra coisa que não suas matérias-primas: Um evento pode durar cinco segundos ou cinco meses, mas em qualquer caso, se ele será um ou muitos eventos depende não de uma definição de „evento‟ mas da construção narrativa particular que gera a descrição apropriada do evento. [...] [S]e nós aceitarmos que uma descrição de eventos é uma função de estruturas narrativas particulares, nós não podemos ao mesmo tempo supor que a realidade do passado é uma estória não contada. Não pode haver estórias não contadas, assim como não pode haver conhecimento não conhecido. Pode haver apenas fatos passados ainda não descritos em uma forma narrativa (201).

Isto equivalia a dizer, recorrendo à analogia entre o significado da narrativa e o das frases, que o léxico da narrativa é uma função da sintaxe. Mas, ao ter isto em mente, não precisaríamos, como White, subestimar o fato de que a própria sintaxe é construída gradualmente a partir do léxico já existente, em um processo de interdependência. Ao propor o funcionamento de algo como a “imaginação histórica” em The Autonomy of Historical Understanding, Mink havia reconhecido isto: a narrativa não se impõe sobre os eventos, mas é a “rede imaginativa” que vai sendo construída durante a pesquisa. A mesma ideia aparece implicitamente quando, em Mind, History, and Dialectic, Mink discutia a ideia de que a arte é imaginativa. Falar nestes

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termos não significava que o músico compõe toda a música mentalmente e depois a executa; da mesma forma que na relação entre a pesquisa historiográfica (onde o historiador já se depara com o léxico dos documentos) e a rede imaginativa (onde elas formam uma sintaxe), a execução ou escrita da música auxilia o músico a retomar sua atividade imaginativa. Quanto mais próximo estiver da conclusão de sua obra, mais as notas serão escolhidas pelo artista em função do conjunto da música. Vimos que, para Mink, os três problemas conceituais discutidos em Narrative Form as a Cognitive Instrument tinham origem na incompatibilidade entre a crença explícita de que as narrativas históricas são “construídas” e o pressuposto de que são “descobertas” (HU, 202). Como em toda situação em que dois conceitos mostram-se incompatíveis, um dos conceitos deveria ser abandonado. Como o retorno à História Universal era inimaginável, Mink obviamente considerava necessário abandoná-la, inclusive seu remanescente ainda pressuposto, “a ideia de que há uma realidade histórica determinada, o referente complexo para todas as narrativas do que „realmente aconteceu‟, a estória não contada da qual as histórias narrativas se aproximam” (HU, 202). Assim, as narrativas ficcionais e históricas estavam “mais próximas do que o senso comum aceitaria”. “Mas a crença do senso-comum de que a história é verdadeira em um sentido que a ficção não é, de modo algum, revogada, embora devamos rever nossas opiniões sobre a forma pela qual isto ocorre”. Seu motivo para a manutenção da distinção também era, em algum nível, extra-filosófico: “Seria desastroso, creio eu, se o senso comum fosse destituído de sua última fortaleza nesta questão”. Seu argumento é que precisamos do contraste entre história e ficção para que possamos efetuar a “suspensão voluntária da descrença” necessária para a “qualidade das nossas respostas à ficção imaginativa e aos seus usos em nossas vidas” (HU, 203). Porém, como Mink falava de “verdades narrativas”, não de verdades factuais, é estranho que, em seguida, ele afirme que “não poderíamos aprender como e quando suspender a descrença exceto por meio do aprendizado de como distinguir entre ficção e história enquanto reivindicantes de diferentes verdades para as suas descrições individuais”. Ora, nem ele nem White (cujo Meta-História já havia sido publicado há cinco anos) questionaram este critério como estabelecedor de uma diferença entre história e outras narrativas ficcionais. Assim sendo, outra questão poderia ser colocada: por quê reconhecer a estrutura mítica da narrativa como um todo seria “desastroso”? A narrativa como um todo não é toda a narrativa; abrir mão da distinção no nível da configuração, ou no do

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enredo, pode ser questionável, mas não necessariamente leva a uma “queda de volta ao mito” (HU, 203). White (que tendia a identificar sinedoquicamente o “todo da narrativa” como “toda a narrativa”) não via os mesmos riscos que Mink. Como veremos no próximo capítulo, para ele o fundamental era exatamente reconhecer este elemento mítico que assemelha história e ficção. Mink conclui que “embora o mito sirva tanto como ficção quanto como história para aqueles que não aprenderam a discriminá-los, nós não podemos esquecer o que aprendemos”. Para White, a resposta era a de Nietzsche: na prática, frequentemente esquecemos, e tal esquecimento é necessário para a ação. Ao que tudo indica, Mink ainda pretendia retornar às questões sobre o juízo sinóptico produtor de compreensão histórica: trabalhava, provavelmente desde fins dos anos 1970, em um comentário à Crítica da Faculdade do Juízo de Kant.128 Mas o tempo Ŕ que nunca deixa de se levar a sério Ŕ não permitiu que prosseguisse. No início de janeiro de 1983, Mink sofreu um ataque cardíaco, falecendo duas semanas depois, aos 61 anos.129

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A única fonte desta informação é a nota biográfica da Critical Inquiry (v. 7, n. 4, p. 778) em seu Everyman His or Her Own Annalist, de 1981. Na lista de seus trabalhos não-publicados disponibilizada em Historical Understanding, é possível ver que, já em 1979, Mink apresentou, em Chapel Hill, o paper The Status of Aesthetic Judgement in Kant. 129 Dr. Louis O. Mink Jr., 61, Dies; Taught Philosophy at Wesleyan. The New York Times, 21 de janeiro de 1983. Disponível em: . Acesso em 28 abr. 2012.

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Capítulo 3 – Hayden White: o enredo como produtor de sentido

3.1. White e a filosofia da história anglo-saxônica

Em seu livro Hayden White: The Historical Imagination, Herman Paul argumentou que uma questão central perpassa toda a obra deste pensador: “como viver uma vida moralmente responsável em um mundo histórico?”. Suas oscilantes respostas foram,

para

Paul,

“invariavelmente

motivadas

pelo

ideal,

inspirado

pelo

existencialismo, de que indivíduos humanos assumem responsabilidade pela sua própria existência e ousam pôr em enredo130 o curso de suas próprias vidas” (HWHI, 11-12). De fato, como expõe o próprio White em uma entrevista: “Da mesma forma que Jameson, minha formação foi no existencialismo. Como um homem jovem, eu fui completamente tragado para o mundo de Jean Paul Sartre e Nietzsche”.131 Este interesse de White certamente foi estimulado Bossenbrook, que, segundo Danto, “havia lido bastante a filosofia”, usando o existencialismo como forma de “iluminar o passado”. Assim, seguindo não apenas as trilhas abertas pelas análises de Paul, mas também as sugestões de Hans Kellner, Carlo Ginzburg, David Harlan, Frank Ankersmit, Ewa Domanska e Dirk Moses, analisaremos a questão que ora nos ocupa partindo do princípio de que o a dimensão ética envolvida na “escolha” de um “passado prático” é o elemento fundamental das reflexões históricas avançadas por Hayden White. De todos os comentadores da obra de White, aqui mencionados estão dentre os que apontaram a centralidade (e não meramente a importância) desta questão. Não é coincidência que, em suas abordagens, apareça um elemento comum: a análise de textos anteriores a Meta-História, e mesmo a O Fardo da História.132 White começa sua carreira como medievalista. Entre 1953 e 1955, esteve em Roma, realizando pesquisas para a sua tese de doutorado, The Conflict of Papal Leadership Ideals from Gregory VII to St. Bernard of Clairvaux with Special Reference to the Schism of 1130, concluída em 1955. Lá, encontrou Mario Praz, que publicava a 130

No original, “to plot”. O neologismo “emplotment” é desenvolvido por White com base nesta noção de plot, tal como avançada por Northrop Frye em Anatomia da Crítica (São Paulo: Cultrix, 1973). Como fizemos com o termo followability, de Gallie, buscaremos preservar a distintiva do neologismo proposto por White, falando, por exemplo, em “enredamento” e outros termos afins. 131 KOUFOU, Angelica & MILIORI, Margarita. The Ironic Poetics of late Modernity. An Interview with Hayden White. Historein, a review of the past and other stories (Athens), v. 2, 2000. 132 O primeiro a fazê-lo é KELLNER, Hans. A Bedrock of Order: Hayden White's Linguistic Humanism. History and Theory, v. 19, n. 4, Beiheft 19: Metahistory: Six Critiques, dez. 1980, pp. 1-29.

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revista English Miscellany. “Eu sempre estive interessado em R. G. Collingwood, Arnold Toynbee e em filosofia da história, mesmo enquanto eu estava trabalhando como um medievalista, e Praz disse que aceitaria algo sobre esses assuntos. Então eu publiquei sobre Collingwood, Toynbee e Christopher Dawson, um filósofo da história católico-romano muito conhecido na época”.133 Collingwood and Toynbee: Transitions in English Historical Thought, apareceu em 1957; Religion, Culture, and Western Civilization in Christopher Dawson‟s Idea of History, no ano seguinte. Em Roma, White também encontrou Carlo Antoni, de quem foi tradutor. O contato com Antoni aproximou White do pensamento de Croce, que passou a ser uma de suas maiores inspirações intelectuais durante a juventude. Assim, embora possamos falar com certeza que até 1964 White ainda esteve ligado aos estudos de História Medieval,134 o interesse em filosofia da história e na história intelectual já se fazia presente desde antes disto. No início dos anos 1960, White passou a lecionar o curso de “Civilização Ocidental” na Universidade de Rochester, e isto pode explicar parcialmente sua mudança de rumos. Entre 1961 e 1962, voltou à Itália, desta vez com uma bolsa para estudar a relação entre a “ciência e o pensamento social na Itália, 1543-1643” (cf. HWHI, 25-26). É difícil definir, como se vê, limites cronológicos claros do envolvimento de White com a história intelectual europeia, mas o certo é que em 1966 ele já resultava em publicações constantes. Neste ano, aparece o breve texto Hegel: Historicism as Tragic Realism, que mais tarde culminaria no capítulo sobre este autor em Meta-História, além dos dois volumes co-escritos com Willson H. Coates sobre o “humanismo liberal”: The Emergence of Liberal Humanism, de 1966, e The Ordeal of Liberal Humanism, de 1970.135 A publicação de Meta-História é a culminação de um processo de “perguntas e respostas” que White levou a cabo por quase duas décadas, muitas delas ligadas ao contexto intelectual do qual nos ocupamos neste trabalho, o da filosofia da história anglo-saxônica. Aqui, simultaneamente seguimos e complementamos uma pista indicada por Paul. Este importante comentador de White sugere que, em vez de 133

WHITE, Hayden. The aim of interpretation is to create perplexity in the face of the real. Hayden White in conversation with Erlend Rogne. History and Theory, v. 48, 2009, p. 63. 134 Em outubro e dezembro daquele ano, White publicou duas resenhas de livros do setor: WHITE, Hayden. Resenha de Perspectives in Medieval History, de S. Harrison Thomson et al. The American Historical Review, v. 70, n. 1, 1964, pp. 109-110; WHITE, Hayden. Resenha de Medieval History: The Life and Death of a Civilization, de Norman F. Cantor. Political Science Quarterly, v. 79, n. 4, 1964, pp. 593-597. No primeiro deles, como observa Paul, White ainda falava em “nós, medievalistas”. 135 NIETZSCHE, Friedrich. Segunda Consideração Intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.

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tomarmos Meta-História como o ponto de partida do “narrativismo” da obra posterior de White, o vejamos como o ponto de chegada, ainda que provisório, de seus questionamentos das décadas de 1950 e 1960.136 Um dos aspectos que esta mudança de enfoque traz à tona é, como Paul também ressalta, o fato de que, ao contrário do que a introdução de Meta-História faz parecer, o livro praticamente não possui análises de narrativas historiográficas.137 Uma explicação pode ser deduzida de “um comentário muito precioso” que Ewa Domanska ouviu de White: o de que a introdução do livro foi escrita por último, depois de todo o corpo estar pronto. Isto ficará bastante evidente em nossa análise do diálogo entre White e Mink: a partir de 1971, White escreve sucessivos textos desenvolvendo o ensaio The Structure of Historical Narrative, os quais culminam em A Poética da História e ainda geram alguns outros frutos. Mas, em um ponto, parece-nos que nosso trabalho permite não apenas seguir, mas também complementar as análises de Paul. Em seu Hayden White: The Historical Imagination, este autor mostrou convincentemente que a ética é uma dimensão essencial da obra de White, na qual é recorrente a tese de que os indivíduos e as sociedades realizam a “escolha de um passado” para orientar suas ações no mundo. Mas, da mesma forma que a esmagadora maioria dos comentadores de White, o enfoque de Paul pouco recai sobre os diálogos de White com o mundo anglo-saxônico, muito frequentes durante sua juventude. Longe de exigir de um autor que faça as mesmas perguntas que nós, nosso interesse é o de complementá-lo por meio da análise de um aspecto ainda pouco estudado na fortuna crítica de White. Esta carência tem consequências graves para a interpretação de sua obra; Allan Megill, por exemplo, comenta as críticas de Carlo Ginzburg a White:138 A tentativa de Carlo Ginzburg de interpretar o desenvolvimento intelectual de White como uma consequência de sua exposição “ao neoidealismo filosófico italiano” e de mostrar afinidades entre o desenvolvimento de White e a obra do filósofo fascista Giovanni Gentile, parece para mim equivocada, porque, 136

PAUL, Herman. An Ironic Battle Against Irony. In: KORHONEN, Kuisma (Org.). Tropes for the Past: Hayden White and the History/Literature Debate. Amsterdan Ŕ New York, NY: Rodopi, 2006, p. 3. A leitura do trabalho de Paul tem uma forte influência em nossa compreensão da obra de White. Em muitos momentos deste trabalho, de fato, este débito não poderá ser reconhecido, por ter se “internalizado”. 137 PAUL, Herman, Metahistorical Prefigurations: Toward a Re-Interpretation of Tropology in Hayden White. Journal of Interdisciplinary Studies in History and Archaeology, v. 1, n. 2, 2004, pp. 1-19. O tema da narrativa aparece mais fortemente em sua obra na coletânea de 1987, The Content of the Form: Narrative Discourse and Historical Representation. 138 DOMANSKA, Ewa. Encounters: Philosophy of History after Postmodernism. Charlottesville: University Press of Virginia, 1998, p. 11. Megill refere-se a GINZBURG, Carlo. Just One Witness. In: FRIEDLANDER, Saul (Org.). Probing the Limits of Representation: Nazism and the “Final Solution”. Cambridge and London: Harvard University Press, 1992, pp. 82-96.

120 dentre outras coisas, Ginzburg omite inteiramente o contexto americano no qual White desenvolveu suas ideias.

A interação de White com a filosofia da história anglo-saxônica se dá a partir da posição de um outsider que conhece detalhadamente o campo, mas que, também por não compartilhar de seus pressupostos, pode se pôr a analisá-los com alguma distância.139 White não entra no debate para responder “o que é uma explicação histórica?”, mas para mudar a própria pergunta Ŕ que, poderíamos dizer, passa a ser algo como “por que estamos debatendo isto?”.140 Uma consequência para este capítulo é a necessidade de buscar suas leituras em outras tradições que não as das filosofias “crítica” e “analítica”, como se deu em nossas discussões até o momento. Esta posição favoreceu sua tendência de fecundar o campo por meio da articulação com a filosofia continental ou com outras áreas de conhecimento, valendo-se por isso de pensadores que variam desde Karl Jaspers, Benedetto Croce, E. H. Gombrich e Albert Camus a Claude Lévi-Strauss, Michel Foucault, Lucien Goldmann e tantos outros.141 Basta lembrarmos, se quisermos insistir na relação de White com a filosofia crítica da história, que seu primeiro ensaio de grande notoriedade, O Fardo da História, foi publicado em 1966 na mesma History and Theory que concentrava alguns dos principais artigos discutidos nos capítulos anteriores. E, para não perdermos de vista a posição de White, basta atentarmos para o fato de que sua tese central era a de que a história, tal como era praticada, havia se tornado irrelevante Ŕ e que precisava ser modificada. Isto também valia, em sua concepção, para a filosofia da história, que, ao discutir a lógica por meio do qual o passado é conhecido, insistia em negligenciar a questão do seu uso.

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Em artigo recente, Paul A. Roth falou sobre a formação e os relacionamentos intelectuais de White em termos parecidos com o que defendemos aqui: “[…] White demonstra familiaridade em primeira mão com cada filósofo na tradição analítica que escreveu sobre filosofia da história ou que criticou a ausência da história na filosofia (analítica), incluindo Collingwood, Danto, Hempel, Kuhn, Mandelbaum, Mink, Popper, W. H. Walsh, Morton White e Wittgenstein. Além disso […],White tinha conexões acadêmicas e pessoais com, pelo menos, Danto (ambos eram estudantes de e foram influenciados por Bossenbrook na Wayne State University), Mandelbaum (em Michigan), e Mink”. ROTH, Paul A. The Pasts. History and Theory, v. 52, n. 1, 2013, p. 135. 140 No texto The Discourse of History, de 1979, White dizia que havia “não muito” a ser dito no âmbito do debate iniciado por Hempel. Para ele, autores como Barthes, Foucault e Derrida haviam “mudado a discussão da natureza da explicação histórica para uma consideração da questão de por que explicações históricas chegam a existir” (FN, 187). 141 Embora a comunicação entre as tradições da filosofia da história anglo-saxônica, por um lado, e do (pós-)estruturalismo, por outro, praticamente inexistisse, White era familiarizado com ambas. Lia Barthes na década de 1960 (Kellner relata ter pego emprestado seu exemplar de Mythologies em 1966), e também Foucault, antes mesmo dele ser traduzido para o inglês (cf. RFHW, 2). Allan Megill chega a considerar White como um dos principais introdutores de sua obra nos Estados Unidos. MEGILL, Allan. The Reception of Foucault by Historians. Journal of the History of Ideas, v. 48, n. 1, 1987, pp. 117-141.

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Se a análise que vai do autor ao contexto está justificada, quanto à direção oposta isto não é menos verdadeiro. Meta-História não “resolveu” o debate sobre a explicação histórica nem aquele, ainda incipiente, sobre a narrativa historiográfica: ele redirecionou as questões então em voga, e, na medida em que estas eram compatíveis com as que vinham sendo colocadas por críticos literários, historiadores da ciência e filósofos continentais,142 forneceu a possibilidade de articulações e enfoques intelectuais inacessíveis ao cansado e cansativo debate hempeliano. Basta-nos dizer, dando enfoque à filosofia da história, que todas as tendências ligadas ao debate narrativista dos anos cinquenta e sessenta (Dray, Gallie), à historicidade das “explicações” oferecidas pela historiografia (Danto, Mink) e à noção de “juízo sinóptico” (Mink) passaram a ser discutidas nos termos colocados por ele. Pouca semanas após sua publicação, Mink escreveu que Meta-História era “o livro em torno do qual todos os historiadores reflexivos deveriam reorganizar seus pensamentos sobre a história”. E mesmo um pensador profundamente ligado ao debate sobre a explicação histórica como Dray afirmou, posteriormente, que “nos anos seguintes à aparição da monumental obra de Hayden White, Meta-História, em 1973, houve uma mudança sísmica na maneira que a narrativa era discutida pelos filósofos”. Tratou-se, para ele, de uma mudança que partia das “características lógicas e conceptuais da narração” em direção às suas implicações ideológicas.143 Aqui, importa menos atestar ou refutar a correção desta análise que o simples fato de ela ter sido formulada desta maneira. Mas o reconhecimento do peso do livro no redirecionamento das questões da filosofia da história anglo-saxônica não 142

Isto não significa que a relação entre os filósofos da história, por um lado, e os da crítica literária e da filosofia da ciência, por outro, tenha sido a de uma fertilização unidirecional da obra dos primeiros por parte dos segundos. A direção oposta também foi seguida, embora em menor medida. Um exemplo é Frank Kermode. Como Vann aponta em Turning Linguistic (NPH, 60), este crítico literário “havia lido Gallie e Danto, e notou que muito do que eles diziam sobre explicação e followability das estórias poderia se aplicar a romances não menos do que a relatos históricos”. Tal como Kermode entendia o termo, o historiador faz “ficção” ao transformar eventos reais em história; White, que foi seu colega na Wesleyan University (onde esteve entre 1973 e 1978), adotou o termo em sentido semelhante, e podemos supor que, em alguma medida, pode ter se beneficiado do contato com ele para fazê-lo. Em ambos os autores, a “ficção” é também “um modo de cognição” Ŕ como aponta White em um artigo de 2012, Historical Fictions: Kermode‟s Idea of History (Critical Quarterly, v. 54, n. 1, p. 57). Além do contato pessoal, White e Kermode compartilharam o interesse por uma gama de autores e temas comuns, inclusive os “filósofos analíticos da história” que o crítico lera. White aponta (após ressalvar que Kermode não estava interessado na filosofia da história per se) que o pensamento do autor de The Sense of an Ending sobre a história “parece ter sido derivado da leitura de Popper, Arthur Danto e Morton White, e mais tarde de E. H. Gombrich e Thomas Kuhn”. White, como veremos, recorreu também à última dupla de autores citados, com o intuito de, dentre outras coisas, responder questões colocadas pelo primeiro trio. Quanto à filosofia da ciência, podemos indicar que Stephen Toulmin, ao menos, estava consciente da formulações de Collingwood sobre as “constelações de pressuposições absolutas”. Cf. TOULMIN, Stephen. Conceptual Revolutions in Science. Synthese, v. 17, n. 1, 1967, pp. 75-91, e MINK, Louis O. Comment on Stephen Toulmin's “conceptual revolutions in science”. Synthese, v. 17, n. 1, pp. 92-99. 143 In: FETZER (Org.). Op. cit., p. 220.

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significa, claro, que os principais filósofos da história do período tenham aderido à tese do livro: Dray144, Danto145 e Mandelbaum146 são alguns dos que nunca se mostraram convencidos por ela. Assim como em nossa análise da obra de Mink, o foco analítico deste capítulo é duplo: tanto buscaremos identificar como as questões da filosofia da história obtêm espaço na obra de White quanto as maneiras pelas quais White, com seus textos, modifica este campo. A reconstrução do processo de perguntas e respostas culminará na conclusão, não só como Mink, mas também frequentemente com Mink, de que a história atribui sentido ao seu objeto por meio de sua estrutura narrativa.

3.2. O jovem White: a defesa da autonomia da história

Como Mink, White desde muito cedo se manifestou contrariamente ao positivismo predominante no mundo intelectual anglo-saxônico. As palavras de White sobre Collingwood e Toynbee são em grande medida reveladoras suas próprias opiniões: A obra deles, vista como uma totalidade, é um ataque orquestrado contra o positivismo ou cientificismo no pensamento histórico. [...] Ambos tomam como ponto de partida a convicção de que o conhecimento histórico pode ser usado para a formulação de uma filosofia geral da história com base na qual os valores culturais que sofreram como um resultado do cientificismo no pensamento Ocidental moderno possa ser reestabelecido (FN, 1).

Para White, a historiografia inglesa, devido à sua fidelidade a pensadores como David Hume e William Robertson, havia estabelecido “o tipo peculiar do historicismo 144

Dray caracteriza a posição de White como a de um “presentismo cético”. DRAY, On History and Philosophers of History, New York: Brill, 1989, p. 164. 145 Em 1993, Domanska perguntou a Danto: “Qual foi a sua opinião sobre Meta-História, de White, quando ele apareceu? [...]” Danto respondeu ter considerado o livro “mais engenhoso do que convincente”. Segundo ele: “Eu achei interessante que houvessem aqueles quatro tropos retóricos, mas fiquei me perguntando por que quatro, e por que aqueles quatro. Eu penso que realmente existem organizações objetivas de eventos na história, que há realidades às quais as narrativas correspondem. Então, de certa forma, a diferença entre nós é uma a distância da controvérsia realismo/antirrealismo na filosofia da ciência. Claro, é uma questão difícil de resolver Ŕ mas eu não consigo imaginar que a existência de tropos alternativos contribua de qualquer maneira para a resolução”. Pouco antes, Danto havia feito uma comparação esclarecedora: “a inspiração de White veio da retórica, a minha, pode-se dizer, veio da lógica”. Tendo em vista que muitas críticas a Danto tratam de sua ausência de reconhecimento da função retórica da estrutura narrativa, e que muitas críticas a White lamentam sua negligência quanto às conexões lógicas da “crônica” de eventos, pode-se argumentar que articular as obras de ambos seria uma tarefa importante, e, nos parece, ainda não realizada, para a teoria da história contemporânea. DOMANSKA, Ewa. Op. cit., pp. 176-177. 146 Mandelbaum, que foi professor de White na pós-graduação em Michigan, recomendou à Cornell University Press que não publicasse o livro (cf. Vann em NPH, 69).

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inglês, um historicismo que”, em sua opinião, “estudou eventos históricos em sua individualidade, porque o empirismo proibia o exame das „conexões‟ entre os eventos”. Porém, observava White, este posicionamento filosófico não era capaz de lidar com questões morais. Já não era mais possível se dar a este luxo: o impacto de “crise da civilização Ocidental moderna” tornava tais questões urgentes, proporcionando um “renovado interesse na filosofia da história”. Utilizando termos de sua obra posterior, poderíamos dizer que, já nesta sua primeira publicação, White criticava, com base em suas “implicações ideológicas”, a limitação de um modelo argumentativo estritamente “formista”, a ponto de louvar a tentativa de Toynbee de formular uma “filosofia especulativa da história” em modo “organicista”. Isto não significa que White estivesse especialmente preocupado em mostrar a veracidade das conclusões de Collingwood e, menos ainda, da filosofia especulativa de Toynbee. Ele inclusive reconhece a validade de boa parte das críticas recebidas por estes autores. O relevante, porém, era que ambos, Collingwood e Toynbee, buscaram fazer de suas visões da história uma visão universal da humanidade; pois, nessa época de crise, eles afirmariam, como Jaspers, que „uma visão universal da história e a consciência da pessoa quanto à sua situação presente sustentam mutuamente um ao outro. A forma pela qual eu vejo a totalidade do passado, assim eu experimento o presente. Quanto mais profundas as fundações que eu adquiro no passado, mais marcante será minha participação no curso presente dos eventos. Onde eu pertenço e para que eu estou vivendo, eu aprendo primeiro no espelho da história‟.

White faz aqui o que Louis Mink fará mais tarde: aponta a afinidade do pensamento de Collingwood com o existencialismo. Segundo Mink, “os temas mais explícitos na obra tardia de Collingwood, mas detectáveis ao longo de toda a carreira de seu pensamento, são aqueles comumente associados com o pragmatismo e o existencialismo”. Não se tratava de uma leitura comum, ao menos nas décadas de 1950 e 1960: o próprio Mink, reconhece a estranheza que seu leitor poderia ter com a aproximação de Collingwood com as correntes citadas, especialmente “com o existencialismo contemporâneo”. Se observarmos os elementos que, para Mink, justificam a aproximação de Collingwood com o pragmatismo e com o existencialismo, veremos que parte considerável deles pode ser encontrada também em sua própria reflexão histórica, assim como na de White Ŕ especialmente na de White. Collingwood compartilhava com o pragmatismo, na opinião de Mink, a rejeição de distinções como

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pensamento e ação,147 teoria e prática, etc.; a concepção genética e funcional da mente; a concepção do conhecimento como um processo ativo de investigação; bem como a negação de que a lógica formal possa exaurir os padrões possíveis do pensamento inferencial. Em suma, dizia ele, “todos os seus mais notáveis princípios [...] são inteligíveis apenas como características de uma concepção pragmática da verdade, em vez de correspondência, coerência ou semântica”. Com o existencialismo, para Mink, Collingwood compartilhava a “rejeição existencialista da noção de que a experiência humana pode ser compreendida e explicada exaustivamente em termos de determinantes causais da experiência” (MHD, 10). Um corolário desta rejeição, segundo Mink, é o princípio de que não há “natureza” humana fixa ou determinada; há, em vez disso, o processo histórico, que é “um processo no qual o homem cria para si mesmo este ou aquele tipo de natureza humana ao recriar em seu próprio pensamento o passado do qual ele é herdeiro” (MHD, 11). A semelhança da concepção de história que Mink (em 1969) e White (em 1957) encontram em Collingwood é, portanto, patente. A história, nessa visão, é capaz de fornecer aos seres humanos o conjunto de valores necessários para que ele possa tomar as decisões morais requeridas pelo mundo em que vive. O nome de Jaspers aparece como exemplo de abordagem análoga à de Collingwood tanto no texto de White quanto no de Mink: “Sua posição”, diz Mink sobre Collingwood, “embora difira em muitas particularidades, não é muito diferente daquela de Jaspers quanto ao „problema fundamental da razão e da Existenz‟: „A filosofia, onde quer que seja bem-sucedida, consiste naquelas ideias únicas nas quais abstrações lógicas e o presente concreto se tornam, por assim dizer, idênticos”. Por isso mesmo, White, como Mink, defende desde seu mais antigo texto publicado a irredutibilidade da história às ciências positivas, visando preservar aquela que julga ser a grande contribuição possível da historiografia, a saber, a mobilização do passado para a ação presente no mundo. Vimos que Mink desde cedo apresentou seus argumentos contra tal redução, caracterizando de diferentes maneiras os modos de compreensão propiciados pelas ciências naturais, pela filosofia e pela história. White, por sua vez, apenas mais tarde o fez, ao insistir que os discursos em linguagem nãoprotocolar, como o da história, diferem dos protocolares, como o da física, devido à sua

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Este ponto, porém, pode ser apontado como negligenciado por Mink e White. Pode-se argumentar, afinal, que a distinção entre “narrar” e “viver” implica numa separação artificial entre “pensamento” e “ação”.

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estrutura poética. Inicialmente, tal ideia era mais pressuposta do que argumentada, quase sempre com base na autoridade de Collingwood ou de Croce. White, por um lado, elogiava Collingwood por ter se engajado nesta empreitada. “Era sua meta direcionar a pesquisa histórica para longe do cul de sac do empirismo atomista Ŕ no qual os eventos eram meramente notados Ŕ bem como da tendência positivista de reunir história e sociologia” (vimos como, no capítulo 1, era exatamente esta a proposta de um pensador como Morton White). Compreendida como um ramo da ciência, a história teria como desvantagem a “incapacidade de lidar com a ética”, já que a ciência “não podia inculcar o tipo de insight necessário para dizer ao indivíduo qual lei aplicar na situação existencial social” (FN, 13-14). Mas a solução de Collingwood não agradava a White: “ao fazer a mente individual o único juiz da desejabilidade de qualquer ação social dada, é difícil ver o quanto Collingwood pode evitar o ativismo que caracterizou a filosofia e o pensamento fascista de Giovanni Gentile”.148 De qualquer forma, Collingwood não havia, para White, estabelecido a autonomia do conhecimento histórico, como considerava ter feito: se ele “teve sucesso em evitar o empirismo e o positivismo”, o fez “apenas para identificar o conhecimento histórico com a filosofia”, o que White lamentava. Quando tentou, uma década e meia depois, formular um modelo ideal da obra histórica, que, dentre outras coisas, desse conta de reconhecer a autonomia da história, White recorreu a uma “leitura criativa” da noção de “imaginação histórica”, de Collingwood. Mas não deixa de ser irônico que, em suas modificações, White acabasse (parafraseemos) por evitar o empirismo e o positivismo apenas para identificar o conhecimento histórico com a literatura. White volta ao assunto da autonomia da história quando trata de Croce. Na sua “introdução do tradutor” de From History to Sociology, ele classifica “quatro tipos de historicismos”, para em seguida criticar seus respectivos defensores por não preservarem tal autonomia e apontar o italiano como, inversamente, aquele que o fez. Dos quatro “historicismos”, o primeiro era o naturalista, que “deu à luz a tentativa de aplicar as categorias da ciência positiva nos fenômenos históricos”; o segundo, o metafísico, caracterizado “por um desejo de transcender o tempo de modo a encontrar o princípio ideal que [...] não apenas governava a história, mas, em um sentido especial, era a história”. Em terceiro lugar, White lista o historicismo estético, caracterizado em 148

Ironicamente (como Paul também percebe), é esta a crítica que Carlo Ginzburg voltou a White trinta e cinco anos depois. GINZBURG, Carlo. Just One Witness. In: FRIEDLÄNDER, Saul (Org.). Probing the Limits of Representation: Nazism and the “Final Solution”. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, pp. 82-96.

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oposição aos dois primeiros tipos. Esta vertente, segundo ele, “cresceu a partir da necessidade de garantir a liberdade humana e a criatividade individual”. Nela, “o historiador”, e não mais a “realidade histórica”, é posto no centro das atenções e tomado como o “ponto de partida para a construção de uma visão verdadeira da história”. Embora White considerasse os méritos de tal abordagem, avaliava que o historicismo estético havia ido “longe demais”, reduzindo a importância “dos objetos tradicionais de reflexão histórica”, como o pensamento e a ação, em detrimento da “criação original e imaginativa do historiador individual”. Assim, “o efeito da narrativa foi considerado mais importante que sua verdade ou falsidade”. Por fim, surgiu o “oposto polar dos outros três: a história objetiva do período burguês”. Todos os quatro, afirmava White, compartilhavam o pressuposto de que toda a realidade deve ser vista historicamente, mas ainda assim tentaram assimilar a história a alguma outra forma de pensamento: o historicismo metafísico o fazia na filosofia; o naturalista, na ciência positiva, representada pela sociologia; o estético, na arte; e a história dita objetiva, na ciência empírica (TI: xxvi-xxiv). História assimilada à arte, liberdade, criatividade, enfoque na imaginação do historiador em detrimento da “realidade”: o leitor de textos posteriores de White provavelmente esperaria encontrar uma a filiação de White ao historicismo estético. Mas, como o restante do argumento deixa claro, seu posicionamento ainda não era este: Esta visão, é claro, conduziu a um relativismo radical, a um niilismo, que sustentava que, já que a história não era conhecível por nenhum cânone de conhecimento científico, religioso ou filosófico, seu modo adequado de investigação deveria ser o da arte. Mas a arte não fazia distinção entre o mundo imaginário, criado na mente do artista, e a realidade; ela não buscava a verdade, apenas a beleza (TI, xxi).

Para ele, todas as quatro formas de historicismo eram “visões parciais e, consequentemente, pouco saudáveis”. É à luz deste cenário que White se refere, se forma elogiosa, à obra de Croce, cuja “tarefa era libertar o pensamento histórico da sua subserviência a outras formas de pensamento” Ŕ o que, em sua visão, o italiano havia alcançado ao definir rigidamente a competência de cada uma destas formas. O “aspecto revolucionário do pensamento maduro de Croce”, para White, era “sua tentativa de abraçar a ciência pragmática e a filosofia idealista em um sistema comum, unificado”. Duas observações podem ser feitas sobre este raciocínio. Em primeiro lugar, ele manifesta a tendência à sistematização Ŕ aqui elogiada em Croce, embora, como veremos, White posteriormente o tenha criticado pelo mais tarde por adotar uma

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“suspeição „irônica‟ de sistema em qualquer ciência humana” (TD, 95). Esta era e seguiu sendo uma característica marcante de White, e se manifesta tanto em sua tese de doutorado quanto em On History and Historicisms, culminando, é claro, na “tétrade quádrupla”149 de Meta-História.150 Em segundo lugar, cabe uma observação sobre a menção de “visões parciais”. Pode soar estranho, a um leitor de sua obra madura, que White critique uma visão por ser “parcial”, mas algo deste posicionamento é compatível com os textos posteriores: a crítica se dirige às posições parciais que não percebem sua parcialidade. Esta preocupação, que está presente em praticamente todos os seus ensaios de juventude, é estritamente ligada à sua atenção aos critérios pelos quais são definidos o que conta e ao que não conta como uma abordagem “realista”. Os procedimentos de pesquisa eram, já neste momento, descartados como um possível árbitro. No ensaio sobre Collingwood, White afirma que “um século de historiografia científica meticulosa certamente não nos trouxe nem um pouco mais perto de um acordo quanto aos principais problemas históricos”. Da mesma forma, como vimos, os quatro tipos de historicismo eram para ele “visões parciais e consequentemente pouco saudáveis”. Em The Abiding Relevance of Croce's Idea of History, apresentado em dezembro de 1961 no encontro anual da American Historical Association e publicado em sua versão definitiva no Journal of Modern History em 1963, White volta ao tema, afirmando que, para Croce, “as grandes visões de mundo do fim do século XIX eram todas baseadas em visões parciais do mundo e eram escravas das metáforas providas por estas visões parciais. Todas elas erraram quando tentaram especificar a “real natureza da vida humana” Ŕ que, para Croce, sequer existia, já que o homem não tem “natureza” e sim “história” (primeiro grifo no original, segundo adicionado). A referência às “metáforas” neste ensaio sobre Croce é altamente significativa, pois aliava à rejeição dos dados empíricos como juízes para a valoração dos diferentes realismos a defesa do papel da linguagem na constituição do que conta como “realismo”. Não é à toa que o ensaio seja aberto com uma citação de Erich Auerbach, 149

KELLNER, Hans. A Bedrock of Order: Hayden White's Linguistic Humanism. History and Theory, v. 19, n. 4, Beiheft 19: Metahistory: Six Critiques, dez. 1980, pp. 1-29. 150 Paul aponta que “tanto as análises de White sobre o pensamento medieval quanto seus estudo da teoria histórica moderna focaram em seus pressupostos fundamentais” (grifo nosso). Este autor aponta que “se há um leitmotiv na tese de doutorado de White, é a noção de que a liderança carismática será cedo ou tarde racionalizada, mecanizada, e institucionalizada, consequentemente se tornando tão burocrática quanto as formas de liderança que originalmente ela pretendia desafiar”. Esse esquema, completa Paul, “efetivamente funcionou como uma covering law” perfeitamente compatível com a proposta de Hempel”. A noção de ideologia, neste sentido, poderia funcionar como um explanans sobre como as pessoas agiam e pensavam: “O autor simplesmente partiu do princípio que os indivíduos normalmente agem de acordo com as normas e valores de seu grupo” (HWHI, 20-25).

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autor que, posteriormente, foi frequentemente citado por White como tendo mostrado que a realidade pode ser representada realisticamente de diversas maneiras.151 Dizia ele: “Em um de seus muitos momentos agudos, Erich Auerbach observou: „Escrever história é tão difícil que a maioria dos historiadores é forçada a fazer concessões à técnica da lenda‟”. White, em seguida, desenvolve o argumento, afirmando que a generalização poderia ser estendida também à teoria social e à crítica: “o teórico social que não percebe que modos legendários de pensamento vão intrometer-se em suas narrações é ou ingênuo epistemologicamente ou está preocupado apenas com questões triviais. A queda na lenda é o preço que a ciência paga ao mito pelo uso da linguagem”. Em Auerbach, a distinção entre “lenda” e “história” aparece no capítulo inicial de Mimesis, A Cicatriz de Ulisses, onde os estilos de Homero e do Velho Testamento são tomados como ponto de partida na história das representações da realidade na literatura ocidental. Auerbach apontava que Homero permanecia, ao longo de sua narração, no estilo lendário, compreendido como aquele que “desenvolve-se de maneira excessivamente linear”: A lenda ordena o assunto de modo unívoco e decidido, destaca-o da sua restante conexão com o mundo, de modo que este não pode intervir de maneira perturbadora; ela só conhece homens univocamente fixados, determinados por poucos e simples motivos cuja integridade de sentimentos e ações não pode ser prejudicada.152

O estilo histórico, por outro lado, “contém em cada indivíduo uma pletora de motivos contraditórios, em cada grupo uma vacilação e um tatear ambíguo”. Esta tendência, diz Auerbach, aparece no Velho Testamento, embora nele também haja o recurso à lenda. Em comum com a caracterização que White mais tarde veio a atribuir às narrativas em geral está a ideia de que a lenda impõe teleologia e homogeneização àquilo que narra. Outros termos eram utilizados por White com sentido semelhante: o “mito”, a “fábula” e a “lenda”, dizia ele, “ganhavam “cada vez mais espaço no pensamento social da nossa época, não apenas como objetos mas também como meios de investigação”. Enquanto, para os historiadores da geração de Auerbach, o recurso às “técnicas lendárias” era uma “concessão forçada”, para os da sua frequentemente eram recebidas como uma bem-vinda liberação das “restrições irritantes da investigação racional”. Mas, como Auerbach, White ainda considerava possível, embora difícil, não 151

Cf. especialmente Historical Emplotment and the Problem of Truth in Historical Representation, The Modernist Event e Auerbach‟s Literary History, capítulos 2, 4 e 5 de Figural Realism. 152 AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 16.

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recorrer à lenda. Até que atingisse a conclusão de que “estrutura mítica da linguagem” constitui a história, em vez de ser oposta a ela, White hesitou muitas vezes. No texto de 1959, White usa, de passagem, o termo “mito”. Afirma que os historicismos naturalista e metafísico haviam ignorado que ação e pensamento são “partes integrais da realidade humana”, mesclando ambos; “sempre” que isso ocorre, argumentava White, o resultado é a “formação do mito, seja ele o estado, a classe, a dialética ou a ciência positiva” (TI, xx). O mito era caracterizado como a simplificação de uma realidade complexa Ŕ da “história”, se mantivermos a distinção de Auerbach em mente Ŕ e, como vimos, para White isto se dava pelas “metáforas parciais”. O mito ainda não era uma estrutura linguística, mas já adentrava a história por meio da linguagem. O texto de 1961-3 já manifesta a tendência, que se acentuaria ainda mais nos anos seguintes, do enfraquecimento da distinção entre “mito” e “história”. Ali, o jovem White já falava em “modos de pensamento legendários”, e não (como Auerbach) em “técnicas”, de forma que prefigurava sua compreensão futura do mito como um fenômeno linguístico constitutivo de “modos de pensamento”. Por outro lado, White menciona “inteligências capazes de viver sem os alívios proporcionados pelo mito”, as quais “também são geralmente imunes ao narcótico de aclamação popular” (FN, 50-51). E tal imunidade era positiva, pois, em um ambiente intelectual tão receptivo aos mitos, “aqueles que possuem uma sensibilidade peculiar às complexidades da vida humana e procuram nos advertir quanto aos poderes diabólicos do mito raramente recebem uma audiência pública desinteressada, muito menos reconhecimento público de seu verdadeiro valor”. Este era o caso do autor a quem ele pretendia, com estes palavras, introduzir: o “mitófobo consistente” Benedetto Croce. Portanto, se por um lado White afirmava que os “modos de pensamento legendários inevitavelmente vão se intrometer” nas narrativas dos teóricos sociais (grifo adicionado), e que “a queda na lenda é o preço que a ciência paga ao mito pelo uso da linguagem”, White considerava a possibilidade de figuras como Croce não serem “seduzidos” pela lenda. Na medida em que White associava o “mito” à “lenda”, esta última tal como formulada por Auerbach, considerava-se justificado a caracterizar como “mitófobos” aqueles que, como Croce, não impunham às “complexidades da vida humana” a teleologia simplificadora do estilo lendário. Em On History and Historicisms, de 1959, e em The Abiding Relevance of Croce‟s Idea of History, de 1961-3, a estratégia era a mesma: por um lado, era apontado que um grupo intelectual majoritário tem sua visão de mundo “escravizada por metáforas” ou pela “lenda” (os

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quatro historicismos, em 1959; a história, os teóricos sociais e até a ciência, em 1961-3); por outro, uma exceção à regra era trazida à tona: em ambos os textos, a exceção era Croce. Mas a contradição entre o recurso queda inevitável no mito e a possibilidade de evitá-lo era insustentável. O estudo do pensamento de Giambattista Vico possibilitou a White vislumbrar uma solução. Para White, a importância deste pensador aparece ao menos de três maneiras em sua obra. Primeiro, por ter reconhecido o valor da imaginação, sem concebê-la como descontínua à razão; depois, por perceber o mundo não a partir de oposições, mas por meio de categorias de continuidade; e, por fim, por prover a teoria poética da consciência utilizada por White como introdução à MetaHistória.153 Sobre esta última, veremos mais adiante. Por hora, basta apontarmos que conceber a linguagem como estruturada poeticamente levou White a modificar, entre 1963 e 1966, a ideia que buscara em Croce: já não era o caso de considerar certas visões equivocadas por adotarem metáforas parciais, mas por não perceberem que todo discurso em linguagem comum recorre a metáforas. Antes, White falava em “escravidão” devido à adoção de metáforas parciais; agora, considerava o outro lado da moeda: não temos a liberdade de não adotar metáforas, mas, ao nos tornarmos conscientes disto, temos a possibilidade Ŕ libertadora Ŕ de escolher qual delas adotar. Qualquer teórico que insistisse em opor rigidamente imaginação e razão seria incapaz de explicar adequadamente esta dimensão fundamental da historiografia. Para White, tal dimensão faltava aos filósofos analíticos da história. Em sua resenha, de 1966, de Foundations of Historical Knowledge, de Morton White, Hayden White, após tecer diversos comentários elogiosos, encerra seu exame com algumas ressalvas. O livro era, para o resenhista, “racionalista demais” na sua análise sobre a explicação histórica, e Ŕ o que, sem dúvidas, era pior Ŕ “toda a dimensão estética da narrativa histórica escapava ao seu alcance, largamente porque, acredito, ele evitou o problema da metáfora”. Esta falta seria sentida especialmente por “aqueles historiadores que se deleitam com a riqueza do registro histórico”154. O que era “o problema da metáfora” e quem eram estes historiadores, a breve resenha não diz; mas White havia dedicada todo um ensaio, publicado alguns poucos meses antes pela History and Theory, para responder a estas questões. 153

DOMANSKA, Ewa. Hayden White: Beyond Irony. History and Theory, v. 37, n. 2, 1998, pp. 173181. 154 WHITE, Hayden. Resenha de Foundations of Historical Knowledge, de Morton White. The Journal of Modern History, Vol. 38, No. 4 (Dec., 1966), pp. 422-423.

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3.3. O Fardo da História

Em O Fardo da História, White afirmava que os artistas e os cientistas contemporâneos hostilizavam os historiadores devido à concepção ultrapassada de arte e de ciência por estes adotadas: a de ciência social do fim do século XIX e de arte de meados do século XIX. Já nove anos antes, em 1957, White havia considerado insuficiente esta noção oitocentista de ciência: “deve ser admitido que, no mundo de quanta, relatividade e evolução, a filosofia da história de Collingwood é certamente muito mais comensurável com o que sabemos sobre a natureza do que aquela de seus críticos empiristas”. Em Croce, por outro lado, White valoriza a noção de arte como uma fonte de conhecimento, e a retomava em O Fardo da História como um pressuposto amparado na autoridade da “maioria dos pensadores contemporâneos”, não especificados, segundo os quais a arte e a história não são meios essencialmente distintos de conhecer o mundo, pois compartilham um “caráter construtivista habitual” (TD, 40). No capítulo 2, vimos que Mink rejeitara a adoção, por parte de Collingwood, da ideia de que “arte é conhecimento”. Aqui se instaura uma diferença entre Mink e White que nunca será reconciliada: aquele hesitará em falar na arte como produtora de “conhecimento”; este, não. Mas a diferença reside mais no significado que ambos escolher atribuir ao termo “conhecimento” do que em uma diferença filosófica irreconciliável. Se a distinção entre “ciência” e “arte” perdera parte de sua importância, então não fazia sentido, para White, que os historiadores de sua geração mantivessem a expectativa de mediá-los. Sua tentativa insistente de fazê-lo havia resultado, segundo ele, em uma justificada “revolta contra a consciência histórica” por parte de cientistas e artistas, à qual boa parte de O Fardo da História busca analisar, especialmente na literatura. Para White, esta pretensão deveria ser abandonada em detrimento de outra: a de se colocar “em harmonia com os objetivos e propósitos da comunidade intelectual como um todo”, promovendo a assimilação da história a um “tipo superior de investigação intelectual”, fundada numa percepção mais das semelhanças entre a arte e a ciência que das suas diferenças. Para fazê-lo, os historiadores deveriam lançar mão das modernas técnicas artísticas disponíveis, abandonando a pretensão de dizer como as coisas “realmente aconteceram”. Desta forma, argumentava White, uma explicação

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poderia “ser julgada unicamente em termos da riqueza das metáforas que governam sua sequência de articulação. Assim vista, a metáfora governante de um relato histórico poderia ser tratada como uma regra heurística que autoconscientemente elimina certos tipos de dados de serem considerados como evidência”. White recorre à noção de “sistema de notação” desenvolvido por Gombrich em Arte e Ilusão, que, em sua opinião, era capaz de resultar no “reconhecimento de que o estilo escolhido pelo artista para representar tanto uma experiência interna quanto uma externa carrega consigo, por um lado, critérios específicos para determinar quando uma dada representação é consistente internamente e, por outro, provém um sistema de tradução que permite ao observador ligar a imagem com a coisa representada em níveis específicos de objetificação”. Adotando as metáforas como este “protocolo provisório”, os historiadores seriam levados a reconhecer que “não há algo como uma única visão correta de qualquer objeto sob estudo mas que há muitas visões corretas, cada uma requerendo seu próprio estilo de representação”. White ainda não deixava claro como se poderia pensar a relação entre a metáfora e os dados,155 e ainda não afirma, como fará depois, que a função daquela era construtiva, a não ser na mesma medida em que, na ciência, a “teoria” também o era. Mas, diferentemente de quando oscilara no que diz respeito à relação entre “lenda” e “história”, ao menos agora ele chega a entrar na questão: Nós apenas deveríamos solicitar que o historiador exiba algum tato no uso de suas metáforas governantes: que ele não as sobrecarregue como dados nem deixe de usá-los até seu limite; que ele respeite a lógica implícita no modo de discurso que ele decidiu empregar; e que, quando sua metáfora começar a se mostrar incapaz de acomodar certos tipos de dados, ele abandone aquela metáfora e busque outra, mais rica e mais inclusiva que aquela com a qual ele começou - na mesma maneira que um cientista abandona uma hipótese quando seu uso é esgotado.156

Este ponto de chegada é também um ponto de partida. Se O Fardo da História incorpora vários dos argumentos elaborados na década anterior, a nova formulação proposta para o “problema da metáfora” será desdobrada pelos próximos anos, culminando, sete anos depois, no “modelo da obra histórica” de Meta-História. Se adotarmos uma perspectiva teleológica na leitura de seus textos entre 1957 e 1973, O Fardo da História pode ser apontado como o “ponto de virada” no rumo da relação entre “lenda” e “história” em seu pensamento: White vislumbrava um poder constitutivo 155

Como percebe também Vann em Turning Linguistic: History and Theory and History and Theory, 1960Ŕ1975 (NPH, 40Ŕ69). 156 WHITE, Hayden. Tropics of Discourse. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1978, pp. 46-7.

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cada vez maior da “metáfora” sobre os “dados”. Mas tal poder só ganhará seus contornos finais quando da formulação da teoria dos tropos, que ainda não existia aqui. Esta foi a solução para o projeto que, por hora, apenas se insinuava. Vimos que, em On History and Historicisms, White criticara o “historicismo estético” devido às consequências niilistas de sua abordagem historiográfica. No entanto, as propostas de O Fardo da História são bastante compatíveis com as características apontadas por ele, sete anos antes, como definidoras daquela corrente: valorização da “liberdade humana”, da “criatividade individual”, privilégio da “imaginação” do historiador em detrimento da “realidade” passada, do “efeito da narrativa” sobre a “verdade ou falsidade” da mesma, etc. Como explicar isto? Segundo Paul,157 o jovem White possuía um duplo posicionamento em relação à “ironia”: defendia uma “ironia” epistemológica e rejeitava a ironia ideológica. A ironia epistemológica consiste na adoção de um “ceticismo epistemológico”, que duvida da capacidade da linguagem de apreender o mundo. A ironia ideológica era a postura de desencorajamento diante da possibilidade de ação no mundo. Este posicionamento consolidou-se gradualmente nos anos 1960 e já era indubitável em O Fardo da História. White passou a considerar os meios empregados pelo historicismo estético (resultantes de sua “ironia epistemológica”) como antídotos contra o “niilismo” (ou seja, contra a “ironia ideológica”) por ele ocasionado. Em 1959, Nietzsche, “cujo pensamento era uma revolta contra a própria história”, era apontado como o “sumo sacerdote” do historicismo estético, enquanto Croce era louvado como o sintetizador capaz de resolver a parcialidade dos quatro historicismos em um todo coerente. O Fardo da História já indica a mudança de postura em relação a estes pensadores manifestada em Meta-História: White se afasta de Croce e se aproxima ainda mais de Nietzsche. Em 1959, White criticava o historicismo estético por considerar que “o efeito da narrativa [...] mais importante que sua verdade ou falsidade”. Agora, já se delineava em sua argumentação a posição nietzscheana, descrita em Meta-História, segundo a qual a metáfora podia ser comparado à música como fornecedora de imagens que não têm valor de verdade ou mentira. Como consequência de sua visão de 1959, o historicismo estético era então criticado por permitir a mobilização da história para causas justificadas por uma “vontade irracional”.

157

PAUL, Herman. An Ironic Battle Against Irony. In: KORHONEN, Kuisma (Org.). Tropes for the Past: Hayden White and the History/Literature Debate. Amsterdan Ŕ New York, NY: Rodopi, 2006, pp. 35-44.

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Já em 1966, era visível a postura expressada doze anos depois na introdução de Trópicos do Discurso: a de que “as implicações morais das ciências humanas jamais serão percebidas enquanto não se restabelecer na teoria a faculdade da vontade” (TD, 37). Isso não conduz White à negação da afirmação anterior sobre os perigos da “vontade irracional”, mas ilustra sua maior atenção também aos perigos de uma historiografia presa que ignora qualquer manifestação da “vontade” no presente. A mudança de posicionamento, novamente, caminha junto com a mudança de sua leitura de Nietzsche. Em 1959, White já concordava com as críticas da Segunda Consideração Intempestiva aos “eunucos” praticantes da “história objetiva”, e elogiava o historicismo estético por “apontar a necessidade de uma visão histórica que daria à criatividade humana individual (as demandas da vontade) e a responsabilidade humana universal (as demandas da razão) seus devidos lugares em uma visão unificada e total da realidade” (TI, xxii). Porém, afirmava que seus praticantes haviam falhado na defesa e na prática de tal historiografia, ao “abandonar completamente” a razão e concentrar toda a atenção “na vontade irracional do ego dionisíaco”. Por sua vez, a proposta de O Fardo da História é idêntica à sua nova leitura de Nietzsche Ŕ cuja formulação explícita é apresentada em Meta-História: em O Nascimento da Tragédia, dizia White, Nietzsche havia buscado “reinterpretar a tragédia como combinação de forças dionisíacas e apolíneas” (MH, 342). A história da ascensão e queda do espírito trágico foi escrita em um tom irônico, mas, “com relação a seu objeto [...], ela é tudo menos irônica”, sendo “posta em enredo como um agon que cria as condições para um retorno à „gaia ciência‟ da consciência cômica”. Este contraste de formas irônicas, uma adotada e outra rejeitada, é semelhante ao apontado por Paul e nítido em O Fardo da História. A (re-)aproximação com Nietzsche é simultânea ao afastamento em relação a Croce. A partir de 1963, White pouco citou o pensador italiano; sua leitura sobre ele em Meta-História inclui a afirmação de que “em certo sentido, [...] o inimigo primeiro de Croce era Nietzsche”, pois Croce pretendia extirpar da arte “os impulsos „dionisíacos‟”, para em seguida devolver a história “ao santuário da „arte‟”, domesticando-a. Esta versão domesticada da história se manifestava por meio da resistência do italiano em permitir que a historiografia pudesse emitir juízos sobre seu mundo presente, tornandose assim “ineficiente” (cf. termo posterior, de 1982, em The Politics of Historical Interpretation). Mas isto não se dá, como afirmou Ginzburg, 158 devido ao “realismo” de 158

GINZBURG, Carlo. Unus Testis: o extermínio dos judeus e o princípio de realidade. In: O Fio e os Rastros. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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Croce,159 mas sim à necessidade de ação no mundo presente: “foi a ironia ideológica de Croce, ou sua ironia em relação à ideologia, que suscitou a crítica de White”.160 Inversamente, sua conclusão em O Fardo da História é que “se a geração atual necessita de alguma coisa, é de certa boa vontade em enfrentar heroicamente as forças dinâmicas e destrutivas da vida contemporânea” (TD, 63). Como Nietzsche, White considerava que “um olhar retrospectivo a seu passado é um modo de definir seu presente e seu futuro; a maneira como esculpe o passado, o tipo de imagem que o homem lhe impõe, é preparatória ao ato de se lançar no futuro” (MH, 356). O Fardo da História havia insistido na importância deste “olhar retrospectivo” e encorajado os historiadores a se atentarem às múltiplas maneiras de “esculpi-lo”. No ano seguinte, o texto What is a Historical System? não apenas presumia, mas também buscava explicar a natureza da retrospecção.

3.4. O processo histórico como preenchimento de figuras

O problema da relação dos seres humanos com o seu passado continuava, portanto, central no pensamento de White. O recurso ao pensamento de Nietzsche forneceu-lhe uma forma de argumentar em defesa das opiniões que, já desde Collingwood and Toynbee, manifestava sobre o assunto. What is a Historical System? esteve, por muito tempo, pouco acessível aos comentadores, sendo republicado apenas em 2010, em The Fiction of Narrative. “Neste 159

Em seu texto, cita que, em 1959, White considerava como “revolucionário” o texto La storia ridotta sotto il concetto generale dell'arte, de Croce; mas que, em Meta-História, sua apreciação do texto havia “esfriado notavelmente”. Para Ginzburg, a insatisfação de White com Croce se dava por conta da “concepção da arte como uma representação literal do real”, ou seja, sua atitude “realista” deste último. Ginzburg busca mostrar as semelhanças entre o pensamento de White e do filósofo fascista Giovanni Gentile, e, para tal, analisa a relação entre Croce e Gentile. A etapa idealista mais definitiva no pensamento de Croce, afirma, se deu por influência de Gentile, responsável pelo seu reconhecimento da identidade entre história e arte. Porém, o tempo faria emergir “ambiguidades intrínsecas” na concordância entre ambos, tanto neste aspecto quando em um nível mais geral. Croce parecia dissolver a filosofia na história, enquanto Gentile dissolvia a história na filosofia. Afirma Ginzburg: “Ele [Gentile] enfatizava que os fatos históricos [res gestae] „não são pressupostos pela história [historia rerum gestarum]‟”. E prossegue: “ao identificar a não-nomeada „teoria metafísica da história‟ com o historicismo, Gentile estava reagindo a um polêmico ensaio antifascista de Croce, „Antistoricismo‟, que acabara de ser publicado”. Embora a discussão já remetesse a textos mais antigos, “por volta de 1924 a disputa filosófica entre os dois antigos amigos havia se transformado em uma amarga disputa política e pessoal”. O raciocínio parece ser: a divergência intelectual de Gentile com Croce é também a de White; divergência que, por parte de Gentile, surge em uma reação a um ensaio antifascista de Croce; e, portanto, poder-se-ia concluir que (ainda que involuntariamente) a posição de White na teoria da história é próxima do fascismo. Mas o argumento é evidentemente equivocado. Não é o “realismo” de Croce que leva White a se afastar dele (e, segundo Ginzburg, se aproximar de Gentile), mas exatamente a ineficiência que, em sua opinião, o posicionamento de Croce possuía para lidar com questões como o fascismo. 160 Idem, p. 38.

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ensaio,” dizia ele em 2010, ao se declarar satisfeito em finalmente ver o texto publicado em livro, “eu tentei desenvolver o pensamento de Nietzsche sobre a mudança histórica como a substituição do passado (histórico) do qual alguém desejaria ter descendido por aquele passado (genético) do qual a pessoa de fato descendeu” (FN, x). Em 1967, White apresentou o texto em uma “conferência de biólogos, historiadores e filósofos, cuja meta era tentar trazer as teorias de sistemas gerais para a discussão da relação entre natureza (biologia, genética, evolução) e cultura (história, sociedade, linguagem)”. O texto tratava das diferenças entre os sistemas biológicos e os sistemas históricos. Elas residiam, em sua opinião, nos “conceitos de escolha, propósito ou intenção”. Se, por um lado, tais conceitos não davam conta de “descrever as respostas que organismos biológicos ou espécies inteiras dão aos estímulos oriundos de seus ambientes”, por outro, os historiadores “não podiam passar sem tais termos”. A escolha em prol de um ou outro elemento de um sistema sociocultural explicaria, por exemplo, porque às vezes eles escolhem por não sobreviver. Em certos momentos, os termos voluntaristas adotados por White chegam a ser surpreendentes. Usando um exemplo da transição da Antiguidade para a Idade Média, ele afirma: O que aconteceu entre os séculos III e VIII é que os homens deixaram de considerar a si mesmos como descendentes de seus ancestrais romanos e começaram a se tratar como descendentes de seus predecessores judaicocristãos. E foi a constituição desta ancestralidade cultural ficcional que assinalou o abandono do sistema sociocultural romano.

Talvez pela própria característica do evento em que foi apresentado, o texto não dá créditos ou busca apoio para a tese em outros pensadores, embora recorra ocasionalmente a “sociólogos”, “psicólogos”, “um recente discípulo de Freud”, e, na única referência mais específica, Erwin Schrödinger. Em 1973, pouco após a publicação de Meta-História, White publicou o manual The Greco-Roman Tradition, como parte da série Major Traditions of World Civilization, em que atuou como editor. Muitos dos desenvolvimentos do período 19671973 já são perceptíveis neste texto. Sua definição de “tradição” remete à maneira pela qual, em O Fardo da História, mobilizara a noção de “criptograma relacional”, de Gombrich: “uma tradição é um complexo de ideias que serve como uma matriz na qual diferentes conteúdos podem ser inseridos e à qual diferentes experiências podem ser assimiladas. Ela fornece uma espécie de disposição mental que nos diz não tanto o que pensar mas sim como pensar e em qual direção nós poderíamos dirigir o nosso

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pensamento em nossos esforços para dar sentido ao sentido”. Sua definição de clássico também se baseia no caráter retrospectivo da escolha: trata-se de uma “época ou ideais que uma dada civilização toma como o paradigma das tradições que a informam”. A referência à “paradigma” deve ser entendida no sentido de Thomas Kuhn, que, como veremos adiante, foi citado com aprovação em textos de fins dos anos 1960 e em MetaHistória. Com base na escolha dos seus paradigmas, de seus “clássicos”, é que as sociedades definiam para si uma tradição. Ou seja, uma tradição é o “conjunto de textos tomados, em algum sentido, como „sagrados‟, como contendo modelos de expressão artística e intelectual e como provendo os ideais diante dos quais tanto o pensamento quanto a ação podem ser julgados”. Assim, “os clássicos de uma tradição proveem a base para a sua articulação”.161 Duas características do What is a Historical System? eram, por fim, retomadas em termos bastante parecidos: primeiramente, a afirmação de que “o que aconteceu no quarto século d.C. é que as pessoas do mundo mediterrâneo perderam confiança, em uma grande escala, nos principais elementos da visão de mundo greco-romana”, recorrendo a partir de então ao Cristianismo. Em segundo lugar, White insistia nas diferenças entre sistemas naturais e humanos, bem como entre a ancestralidade genética e a retroativa. Embora White ainda não falasse em figura e preenchimento, seu modelo já era, na prática, análogo às tais noções. White dizia que “a tradição greco-romana, por si só, não morreu. Ela meramente foi consignada à história, a aguardar ressurgimento [revival] e restauração como um modelo de comportamento civilizado quando as tradições cristãs e bárbaras começassem a mostrar suas debilidades em épocas posteriores”. Dessa forma, dizia White, “a história da Idade Média Ocidental pode ser vista legitimamente como uma série de renascimentos [“renascences, or rebirths”] culturais em que a tradição greco-romana desempenhou um papel progressivamente mais central como modelo e guia para o comportamento civilizado” (xvii).162 Este elemento auerbachiano, mais forte em 1973 que em 1967, pode ser notado logo no primeiro parágrafo do texto, que pode ser lido como análogo (embora com diferentes 161

WHITE, Hayden. The Greco-Roman Tradition. New York: Harper & Row, 1973, ix-xi. Collingwood, que compartilha com Auerbach a filiação intelectual a Vico, caracteriza a história da “civilização ocidental” em termos semelhantes: “A civilização ocidental se formou fazendo exatamente isto, reconstruindo dentro de sua própria mente a mente do mundo helenístico e desenvolvendo a riqueza daquela mente em novas direções (IH, 163). Porém, como afirmamos no capítulo 2, White e Mink tendem a visualizar uma separação mais intensa entre o passado e o presente que Collingwood. Então, os “renascimentos” de que White fala certamente devem ser compreendidos mais como uma construção retrospectiva, criativa mesma, do que um re-enactment. 162

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conteúdos) à compreensão da literatura ocidental, por parte de Auerbach, como o desenvolvimento das possibilidades contidas nas matrizes de Homero e do Antigo Testamento: “A civilização Ocidental moderna”, afirmava White, “pode ser concebida como um amálgama de três tipos de tradições culturais: bárbara (germano-céltica), oriental (judaico-cristã) e clássica (greco-romana)”.163 Assim, o texto de 1973 não apresenta mudanças drásticas em relação ao de 1967, mas caminha mais solidamente, em sua terminologia e em seus exemplos, à adoção do modelo figura-preenchimento. É quase inequívoco que, por volta de 1970, White voltou a ler Auerbach, já que discute sua obra com algum grau de minúcia no texto The Culture of Criticism, que aparece no ano seguinte no livro Liberations, editado por Ihab Hassan. Uma resenha publicada em 1970 já indicava novas reflexões nesta direção. Discutindo o livro Idealism, Politics and History: Sources of Hegelian Thought Ŕ sobre o qual dizia: “mais do que bom, é brilhante” Ŕ White apontava que o autor George Armstrong Kelly levava à tona uma “importante questão metodológica para historiadores intelectuais”, refletida no próprio subtítulo do livro. Esta questão era “a natureza da afiliação entre membros de diferentes gerações dentro de uma única convenção de discurso político-filosófico”. É relevante que White chamasse tal abordagem de “existencialista, no sentido que Kelly joga fora o lixo das „influências‟ e vê corretamente que, no que diz respeito às melhores mentes, uma geração é relacionada a outra por escolha retrospectiva em vez de por descendência genética. Kelly compreende que os intelectuais são influenciados apenas pelo que eles escolhem ser influenciados”. White dizia que Kelly, embora começasse “com a introdução do pensamento de Rousseau na Alemanha, […] não considerava este evento como análogo a um pedregulho sendo jogado na piscina, mas sim como o estabelecimento de uma potência para ser ou não desenvolvida, de acordo com as sensibilidades daqueles pensadores alemães que agem sobre ela e a afinidade do pensamento nela contido com os ambientes social e político nos quais ela foi projetada” (grifo nosso). Podemos observar, de qualquer forma, que neste texto há uma oscilação em relação às análises de 1967: White já não fala de sociedades humanas inteiras, mas sim de um grupo circunscrito, o dos intelectuais (as “melhores mentes”); e deixa claro que não está generalizando para todo o resto. Mas não é à toa que falamos em “oscilação”, não “mudança de opinião”: ao longo de toda a sua trajetória intelectual, White nunca chegou

163

Idem, p. ix.

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a apresentar uma única resposta coerente sobre como a escolha de um passado pode operar ora em toda a sociedade, e ora se restringir a membros específicos da mesma. Argumentaremos adiante, porém, que há uma resposta implícita em seus textos: a de que toda a sociedade realiza tais escolhas, mas a autoconsciência de alguns amplia a liberdade com que tais escolhas são feitas.164 O modelo que White adotou gradualmente nestes textos do período 1967-1963 é o de figura-preenchimento Ŕ embora apenas muito mais tarde, em Auerbach‟s Literary History, de 1996, a adoção do mesmo tenha se dado explicitamente. Em Mimesis: A Representação da Realidade na Literatura Ocidental, o realismo figural é a forma de representação realística da realidade que se manifesta pela primeira vez na atividade dos Pais da Igreja. Estes, por meio da interpretação figural, “estabelece[m] uma relação entre dois acontecimentos ou duas pessoas, na qual um deles não só se significam a si mesmo, mas também ao outro, e este último compreende ou completa o outro”. A concepção de que White fala difere-se da cristã por ser “estética”: esta, segundo ele, privilegia a escolha retrospectiva dos agentes por meio da apropriação da figura para construção de seu próprio passado; assim concebida, estrutura não apenas o pensamento do próprio White Ŕ como nos textos acima discutidos Ŕ, mas também o eixo diacrônico da história da literatura ocidental do livro de Auerbach. Em sua análise, White caracteriza esta relação construtiva como a de uma “causação figural”, e considera que tal forma é o “modo de causação tipicamente histórico”. A referência a “causa” em nada se assemelha às análises de Hempel, M. White ou, na parte causal de Analytical Philosophy of History, Danto: a causação figural caracteriza-se por ser essencialmente retrospectiva. Dessa forma, o preenchimento tem a figura que o antecede como condição necessária, mas nunca como suficiente. Como em 1967, o texto de 1996 também assemelhava a relação entre figura e preenchimento à genealogia nietzschiana: Um dado evento histórico pode ser visto como o preenchimento de um evento precedente e, aparentemente, inteiramente não conectado quando os agentes responsáveis pela ocorrência do evento posterior o ligam „genealogicamente‟ ao antecessor. A ligação entre eventos históricos deste tipo não é causal nem genético. Por exemplo, não há qualquer necessidade governando a relação entre, digamos, a cultura do Renascimento italiano e a civilização clássica greco-latina. As relações entre os fenômenos antecessores e posteriores são puramente retrospectivas, consistindo de decisões por parte de um número de agentes históricos... (FR, 89). 164

WHITE, Hayden. Resenha de Idealism, Politics and History, de George Armstrong Kelly. History and Theory, v. 9, n. 3, 1970, pp. 343-363.

140

Tal como a lê em Auerbach, a relação é (como dissemos) de caráter estético, e os eventos tardios preenchem os anteriores da mesma maneira que “uma figura retórica, com um trocadilho ou uma metáfora, aparecendo em uma passagem do começo de um texto, pode ser relacionada com outra figura, como a catacrese ou a ironia, que aparece em uma passagem posterior” (FN, 90-91).165 Assim sendo, “a figura posterior preenche a antecedente repetindo seus elementos, mas com uma diferença” (FN, 91). Como afirma Ankermsit: “é impossível não perceber a similaridade da figura com aquilo a que Louis Mink chamou de compreensão configuracional”166 (2001: 203). Ambas relacionam eventos afastados temporalmente, permitindo que os visualizemos como um conjunto. Acrescentaríamos que a “compreensão configuracional” requer mais complexidade que a figuração, já que pode comportar em si uma grande quantidade de figuras e preenchimentos sobrepostos. Mas Ankersmit aponta também uma relevante diferença: Auerbach localiza as figura na própria realidade, de modo que ela se torna “no final das contas, uma noção ontológica”, a “compreensão configuracional” tem um status epistemológico. O restante do nosso trabalho mostrará que a abordagem de White é mais próxima da de Mink neste sentido, mas com um caráter é mais estético que epistemológico: enquanto, para Mink (e para Auerbach) a o enfoque é na relação concreta entre os eventos que compõem a compreensão, White buscará a noção de enredo para considerá-la constituinte dos eventos. Dray havia caracterizado a “interpretação vertical” como “x, y e z acarretam um Q”. A figura em Auerbach implica que Q está na realidade, sendo preenchido por x, y e z; a compreensão configuracional é a visão de x, y e z construída com base no conceito a priori Q; em White, o enredo Q selecionará e hierarquizará, dentre vários eventos, x, y e z. O único “ancestral comum” de Mink e Auerbach é Vico, diretamente no caso de Auerbach, indiretamente, via Collingwood, no caso de Mink. White, portanto, já tinha em seu sistema intelectual uma concepção do processo histórico semelhante à compreensão configuracional. Mas a compreensão fornecida pelo enredo é a teórica, não a configuracional, pois a relação entre o enredo e os dados não é entre dois 165

Segundo Robert Doran: “White toma o que era para Auerbach uma noção com uma aplicação muito específica (o realismo figural da Idade Média) e a transforma em um princípio metodológico geral (interpretação figural). Este princípio metodológico anima, de fato, o trabalho do próprio White sobre a representação histórica”. DORAN, Robert. Literary History and the Sublime in Erich Auerbach‟s Mimesis. New Literary History, v. 38, n. 2, 2007, p. 360. Mas o princípio não é apenas metodológico: consiste em nada menos que na própria definição de “história” de White. Nesse sentido, também o objeto da escrita histórico se desenvolve figuralmente. 166 ANKERSMIT, Frank. Historical Representation. Stanford: Stanford University Press, 2001, p. 203.

141

elementos particulares, mas entre um geral e seus constituintes particulares: por isso, a partir de 1971 White insistirá que toda coligação, configuração ou estória seguível só possui “sentido” devido ao enredo. As formas de enredamento possuídas por uma sociedade são também as formas que ela possui de representar a realidade. O problema que White tinha diante de si, agora que trabalhava em um livro de história intelectual, era o de como articular diacronicamente a mudança de um para outro “estilo de representação”. Seu modelo novamente foi o de figura-preenchimento. As menções a Gombrich nos anos anteriores indicavam alguma inquietação: já que o “estilo [...] funciona como o que Gombrich chama de „sistema de notação‟, um protocolo provisório ou uma etiqueta” (TD, 39-64), White percebeu que “precisava de uma maneira de caracterizar diferentes estilos de representação. É por isso”, dizia ele, em entrevista de 1992, “que eu comecei a estudar teoria literária. Pessoas como Northrop Frye, mas não só Frye Ŕ Kenneth Burke e outros”. Sua preocupação em caracterizar o processo de mudanças de estilo fica bastante claro quando lemos a transcrição do diálogo subsequente a uma palestra de Gombrich na Cornell, em 16 de abril de 1971. White foi um dos envolvidos no debate que a seguiu;167 foi, de fato, o mais ativo de todos.168 A questão que mais o preocupava fica clara no trecho que segue: “Meus alunos me perguntam se, embora você obviamente não seja um hegeliano, você não teria uma concepção dialética do inter-relacionamento entre estes diferentes sistemas de notação que podem ser comparados aos tipos de relacionamentos entre os estilos alto, médio e baixo que o tardio Erich Auerbach atribuiu à evolução do realismo na literatura ocidental”. É curiosa a formulação da pergunta: poderíamos especular o quanto ela realmente vinha de dúvidas de seus “alunos”, já que o próprio White evidentemente era o maior interessado nela. Vejamos a resposta de Gombrich: Sim, se você retirar da palavra “dialético” seu significado metafísico, hegeliano, e também seu significado lógico Ŕ que os termos de uma contradição podem ambos ser verdadeiros Ŕ o que eu não defendo; então eu penso que você pode descrever minha ideia sobre arte como dialética. Se você não tem nenhuma outra palavra, eu estou pronto para aceitar esta, pela qual eu quero dizer, como disse várias vezes, que há, você poderia dizer, um elemento sinfônico na arte. Cada tema que aparece tem uma relação com o que acontece antes e é às vezes até mesmo visto como tendo uma relação com o que vem depois; e o tema adquire seu significado parcialmente a partir

167

GOMBRICH, Ernst; WHITE, Hayden et al. Interview: Ernst Gombrich. Diacritics, v. 1, n. 2, 1971, pp. 47-51. 168 Chegando a justificar (idem, p. 50), ao realizar sua última intervenção: “Eu tenho mais uma pergunta. Esta chance de esclarecer certas coisas sem tentar te forçar a posições fixas, como se estivéssemos num tribunal de justiça, não pode ser desperdiçada […].”

142 desta relação dentro da história da arte. Ao menos isto é verdadeiro quanto à arte ocidental, embora não de todas as outras artes.

A presença deste “elemento sinfônico” também explica parte do interesse de White em Northrop Frye. Em um texto posterior ao período em que estamos analisando Ŕ Ideology and Counterideology in Anatomy of Criticism, de 1991 Ŕ White defende que a “teoria dos modos”169 de Frye possibilita que sua obra seja, ao contrário do que afirmam muitos de seus críticos, apta a lidar com “modos especificamente históricos de apreensão da realidade” (FN, 249). Seguindo a primeira das Críticas de Kant, White afirma

que

nossas

noções

de

“modalidade”

(“possibilidade-impossibilidade”,

“existência-não-existência”, “necessidade-contingência”) são, de acordo com a Anatomia da Crítica, as mais relevantes para a caracterização e a análise da relação entre “eventos literários” e seus contextos. Embora este aspecto não seja detalhado na análise de White, o relevante para nosso propósito é identificar que, seguindo Frye, ele argumenta que a história “só pode ser compreendida enquanto história como parte de um processo de mudança” (FN, 250). Cada período histórico, segundo White, “é marcado por uma transformação modal que, como os modos têm a ver com razões [ratios] de relacionamentos (e não com formas ou conteúdos), inevitavelmente se assemelham de alguma forma ao modo de algum período precedente” (FN, 251-252). Em um texto de 1994, Frye‟s Place in Contemporary Cultural Studies, White deixa claro que esta relação entre um modo e seu antecedente é compatível com o modelo que adotara com base não só em Auerbach, mas também Collingwood, Nietzsche, Gombrich e outros: Aqui nós chegamos ao ponto fulcral da teoria da mudança histórica de Frye, ou, o que equivale à mesma coisa, sua teoria da mudança literária/cultural. Repetição Ŕ “não a simples repetição de uma experiência, mas a recriação da mesma que a redime ou a desperta para a vida” Ŕ nomeia o processo produtivo do relacionamento do tipo/antítipo pelo qual um evento, texto, período, cultura, pensamento ou ação posteriores podem ser ditos como tendo „preenchido‟ um anterior Ŕ da mesma maneira que se pode dizer que uma figura de linguagem como a metalepse ou a ironia „preencheu‟ outra figura – como a prolepse ou a metonímia – que pode tê-la precedido em uma sequência verbal (FN, 270). [Grifo adicionado: notar que o exemplo é semelhante àquele de Auerbach‟s Literary History, publicado dois anos depois.]

Tanto Auerbach quanto Frye são estudiosos da tradição cristã de interpretação bíblica, que, em suas obras, foi por eles incorporada através de Dante e Blake,

169

FRYE, Northrop. Crítica Histórica: Teoria dos Modos. In: Anatomia da Crítica. São Paulo: Cultrix, 1973, pp. 37-72.

143

respectivamente Ŕ literatos a quem estes críticos dedicaram suas primeiras obras. A importância de Vico para ambos, Auerbach e Frye, certamente fortaleceu ainda mais o interesse de White pela obra dos dois. Sua importância para White é tão grande que, na sua introdução a The Fiction of Narrative, Doran afirma que “a grande síntese que define a obra de White [é] aquela entre o formalismo arquetípico de Northrop Frye e o historicismo figural de Erich Auerbach” (FN, xxxii). “Esta síntese,” afirma Doran em uma nota, “está presente virtualmente desde os primórdios e percorre toda a trajetória de sua carreira” (FN, 345, n29). É difícil identificar o que Doran quer dizer por “primórdios”, e parece-nos possível afirmar que Frye e Auerbach são mobilizados posteriormente para resolver questões já trazidas à tona em textos que dialogavam com Collingwood, Croce e Nietzsche. Além disso, Paul parece-nos ter razão ao afirmar, em resenha a The Fiction of Narrative, que “a fórmula „Frye + Auerbach = White‟” obscurece a relevância das dimensões morais e políticas da obra de White, dando ênfase exagerada aos motivos estéticos por trás da apropriação dos dois autores.170 Mas a discordância, de Paul e nossa, é especialmente de ênfase; Doran não é o primeiro a apontar o peso destes pensadores para a obra de White, e tem razão em fazê-lo. A importância de Auerbach, por exemplo, é reconhecida e enfatizada também por Hans Kellner. “Os ancestrais escolhidos de White,” afirma Kellner, “não são difíceis de listar, mas nenhum é presente com mais força ao longo de sua carreira que Erich Auerbach [...]. Meta-História mostra seu débito para Mimesis de muitas maneiras, como um preenchimento da figura de Auerbach” (RFHW, 6). Kellner tem razão em apontar a semelhança de Meta-História com Mimesis,171 especialmente no que diz respeito à estrutura do livro, em que (como veremos) cada um dos modos é compreendido como o preenchimento de figuras anteriores. Porém, nos textos que discutimos até o momento, as “figuras” ainda não são entendidas como estruturas linguísticas, ou seja, tropos. White, até onde o analisamos, falava da escolha de um passado feito retrospectivamente pelas sociedades humanas, que portanto preenchiam suas figuras. A noção de tropo surgiria da necessidade, sentida por White, de identificar uma “estrutura profunda” para os textos da historiografia oitocentista que vinha estudando. Como sabemos os leitores de Meta-História, esta estrutura é concebida como essencialmente poética e, embora seja escolhida individualmente, é

170

PAUL, Herman. Resenha de The Fiction of Narrative, de Hayden White. Journal of the Philosophy of History, v. 5, 2011, pp. 131Ŕ145. 171 Como já havia feito em A Bedrock of Order (op. cit).

144

compartilhada pelos membros de uma dada sociedade. Vejamos, a seguir, como White chega a esta conclusão.

3.5. A concepção poética da linguagem

Na resenha de The Later Philosophy of R. G. Collingwood, de Alan Donagan, publicada em 1965172 Ŕ bem próximo, portanto, de O Fardo da História Ŕ, White não apenas retoma várias das discussões que caracterizavam sua trajetória intelectual até aquele momento,173 mas também aponta uma das questões que o marcaria sua produção nos anos seguintes: o papel constitutivo da linguagem compartilhada socialmente. Vimos que Collingwood, para White, tinha o mérito de ter reinserido na filosofia da história inglesa a preocupação com questões éticas. Agora, mais forçosamente do que em 1957, White apontava o elemento coletivo inseparável de tais preocupações. O Collingwood tardio, conforme White o lia Ŕ bem como o segundo Wittgenstein, a quem White dava o crédito de ter trazido a questão à tona em contraposição ao empirismo dominante na filosofia anglo-saxônica Ŕ, “viu a tentativa de reconstruir eventos humanos passados como um ensaio na definição das limitações éticas e epistemológicas do próprio historiador e consequentemente limitações da cultura de que ele era um membro”174. Este último fator se dava por meio de um elemento presente tanto na teoria da mente de Collingwood quanto nas Investigações Filosóficas de Wittgenstein: a ideia de que a consciência humana “começa em sentimentos privados mas se torna acessível publicamente quando é expressa na linguagem, que é comunicável a outros homens na base de regras geralmente reconhecidas de uso linguístico”. Assim, afirmava White, os tardios Collingwood e Wittgenstein teriam compreendido a vida humana como um processo no qual as respostas privadas à confusão dos dados sensórios “são traduzidas por atos linguísticos em materiais a partir dos quais um mundo público ou comum é construído”.175 No ensaio Romanticism, Historicism, and Realism: Toward a Period Concept for Early Nineteenth-Century Intellectual History, apresentado em dezembro de 1965 em um encontro da American Historical Association, é um exemplo. Nele, encontramos 172

WHITE, Hayden. Resenha de The Later Philosophy of R. G. Collingwood, de Alan Donagan. History and Theory, v. 4, n. 2, 1965, pp. 244-252. 173 Em muitos momentos, o texto é bastante similar a Collingwood and Toynbee. 174 Idem, p. 251. 175 Idem, p. 249.

145

White em busca de soluções metodológicas para abordar a relação entre os três movimentos da história intelectual europeia referidos no título. White considerava necessário encontrar “um modelo analítico, ou sistema de notação” Ŕ aqui aparece sua primeira menção a este conceito de Gombrich Ŕ diferente dos já empregados até então176 para tratar das relações entre movimentos culturais próximos no tempo e no espaço. Como na resenha ao livro de Donagan, também de 1965, White recorre às Investigações Filosóficas de Wittgenstein para fazê-lo. Como ele apontava, Wittgenstein entende que os “jogos de linguagem” ocorrem entre fenômenos relacionados uns aos outros em muitas maneiras diferentes, por meio de “uma complicada rede de similaridades e intercruzamentos”. Wittgenstein caracterizara estas similaridades por meio da metáfora de “semelhanças de família”. White recorre a ela para concluir: Romantismo, historicismo e realismo diferem em suas expectativas sobre a resolução de qualquer conflito entre o indivíduo e o mundo social em que ele vive. Mas eles compartilham uma importante atitude em relação a fenômenos especificamente sociais, o que nos permite declará-los membros individuais de uma única família de jogos culturais. Todos eles consideram as forças sociais como fatores relativamente autônomos no drama histórico.

Na mesma época em que começava a trabalhar naquele que se tornou o MetaHistória, portanto, White considerou que a compreensão adequada de movimentos intelectuais poderia se dar com base na metáfora de “semelhanças de família”. Isto, por sua vez, o conduziu a novos problemas. Como ele relatava anos depois, em MetaHistória, “a fim [...] de identificar as características de família dos diversos tipos de reflexão histórica produzidos pelo século XIX, é necessário em primeiro lugar esclarecer em que poderia consistir a estrutura típico-ideal da “obra histórica”. Esta 176

Lukács e Auerbach eram apontados por White como “os defensores mais importantes” da abordagem “formal ou comparativa” ao estudo das relações entre romantismo, historicismo e realismo. White tinha críticas a esta abordagem. Os dois, segundo ele, concebem o realismo como “o produto da combinação da teoria romântica da personalidade com a teoria historicista da irredutibilidade social”. Assim procedendo, não conseguem explicar porque tal combinação produzira o realismo na França e não o fizera na Alemanha, onde sua ascensão só teria se tornado possível quando suas condições sociais se aproximaram das encontradas na França em meados do século XIX. “Assim concebido”, afirmava White, “o historicismo nada mais é que uma forma abortiva do realismo, que é, por sua vez, uma visão de mundo que reflexiva das necessidades ideológicas da classe média”. White apontava uma série de problemas em tal abordagem: a riqueza do historicismo ficava obscurecida e não se fazia justiça ao realismo do início do século XIX, já que ambos eram concebidos apenas como etapas de um “drama intelectual mais amplo que alcança sua culminação apenas no século XX”; o estudioso da história intelectual do início do século XIX era levado não para dentro, mas sim afastado do historicismo e do realismo: mais especificamente, “fora para o ambiente social e político e avante para o realismo „verdadeiro‟ moderno...”. Além disso, diferenças fundamentais dos três movimentos ficavam obscurecidas. Daí a necessidade, argumentada por White, de uma nova forma de abordá-los.

146

estrutura seria construída como um modelo linguístico, no qual diferentes “efeitos de explicação” são produzidos em um nível superficial enquanto os “tropos” prefiguram o objeto em um nível profundo. Em Meta-História, White insinuou que tropos e enredos eram correspondentes uns aos outros, e nas introduções de Trópicos do Discurso e Figural Realism foi, finalmente, explícito em afirmar a correlação entre ambos. Porém, as noções ganharam espaço em sua obra por meios independentes. No momento, uma definição superficial basta-nos: o enredo é a forma linguística socialmente compartilhada por meio da qual as estórias produzem sentido; os tropos são as figuras de linguagem por meio das quais a consciência constitui qualquer objeto a que se busque representar. Na discussão do primeiro destes itens, White recorre a Northrop Frye, buscando na distinção entre “estória” e “enredo” uma terminologia capaz de dar conta do papel da interpretação na historiografia, negligenciada, em sua concepção, tanto pelos positivistas quanto pelos seus críticos. No segundo caso, recorre à tradição renascentista dos tropos quádruplos, retomada e desenvolvida, em momentos distintos, por Vico e por Kenneth Burke. Apenas no início da década de 1970 o “sistema” que culminou na introdução de Meta-História começaria a ganhar corpo. Vimos que, originalmente, o livro foi concebido como um estudo do pensamento histórico do século XIX, levando a cabo o programa delineado em O Fardo da História; vimos também que, enquanto trabalhava nele, White consolidou, por meio do estudo de Vico, sua opinião de que toda linguagem possui uma base poética. Em 1970, um comentário de Geoffrey Hartman em um evento177 parece ter propiciado uma espécie de epifania em White, possibilitando-o articular esta concepção de linguagem (poética) com seu objeto de estudo (historiografia europeia oitocentista). Em 1974, em um colóquio na Yale University (onde Hartman lecionava, como ainda o faz, e no qual estava presente), White descreveu aquele comentário e mencionou sua importância: Geoffrey Hartman observou-me certa vez, durante uma conferência que proferi sobre história literária, que não estava certo de saber o que os historiadores da literatura poderiam querer fazer, mas sabia que escrever uma história significava colocar um evento dentro de um contexto, relacionando-o como uma parte a algum todo concebível. E sugeriu que, até onde sabia, havia apenas duas maneiras de relacionar as partes ao todo, a saber, mediante a metonímia e mediante a sinédoque. Tendo estado ocupado por algum tempo com o estudo do pensamento de Giambattista Vico, senti-me muito atraído por essa ideia, porque ela quadrava à noção, defendida por Vico, de que a 177

Referimo-nos ao simpósio cujos textos foram publicados pela New Literary History com o título de A Symposium on Literary History. O trabalho de White era intitulado Literary History: The Point of it All.

147 „lógica‟ de toda „sabedoria poética‟ estava contida nas relações que a própria linguagem fornecia nos quatro modos principais de representação figurativa: metáfora, metonímia, sinédoque e ironia (TD, 111).

Kellner assistiu aos cursos ministrados por White “em fins dos anos 1960”, e relata que Vico e Auerbach “eram, na época, parte do arsenal intelectual” do autor. Ele ressalva, porém, que estes pensadores “serviam a outros fins” que não aqueles manifestados em Meta-História: “Eu nada ouvi sobre tropos ou figuralismo em seus seminários” (RFHW, 3). Assim, embora Vico fosse já fosse, no fim dos anos sessenta, uma importante figura dentre os “ancestrais intelectuais escolhidos” por White, é apenas a partir de 1970 que White passa a perseguir as implicações, tais como as conhecemos, que sua concepção de linguagem poderia ter para a escrita de uma história da historiografia. Esta nova estratégia fica clara quanto lemos os comentários de White à obra de Croce no texto de 1972-1973,178 A Interpretação na História. Ali, White afirmava que as “teorias da interpretação histórica” de Hegel, Droysen, Nietzsche e Croce manifestavam, em seus modelos quádruplos, a natureza tropológica da linguagem nãoformalizada, o que poderia explicar a sensibilidade destes autores “à necessidade de identificar os elementos poéticos e retóricos na historiografia”. White considerava que Croce “esteve na iminência de captar a natureza essencialmente tropológica da interpretação em geral” Ŕ o que, àquela altura, o próprio White considerava ter feito. Mas o filósofo italiano, segundo White, “[f]oi provavelmente impedido de formular esta percepção direta em função de sua própria suspeição „irônica‟ de sistema em qualquer ciência humana” (TD, 95). Aqui, mais importante do que sua mudança de opinião sobre Croce é a opinião de White acerca da necessidade de construir um sistema capaz de explicar o papel da interpretação na história. Por meio desta sistematização, os historiadores poderiam deixar de ser “escravos” das “metáforas parciais”, não por meio do abandono de visões parciais, mas por meio da possibilidade de escolher autoconscientemente quais empregar. Disto resultaria o abandono da dimensão “ideológica” da “ironia” que White passara a reprovar em Croce. Sua primeira formulação deste sistema foi The Structure of Historical Narrative, paper de 1972 que teve Louis Mink como principal interlocutor.

178

É com esta datação, “1972-1973”, que o texto aparece em Trópicos do Discurso. A New Literary History o publicou na edição do “inverno de 1973”, ou seja, no início de 1973. É apenas importante ressaltar que o texto aparece pouco antes de Meta-História e é amplamente baseado nele. Sem dúvidas ambos foram concluído na mesma época, provavelmente quando o livro já estava no prelo.

148

3.6. A estrutura típico-ideal da obra histórica

a) A distinção entre estória e enredo The Structure of Historical Narrative foi apresentado na Conference on Philosophy of History promovida pela Universidade da Califórnia, Davis, em 26 e 27 de novembro de 1970.179 Ao menos três publicações de White são modificações ou reelaborações deste texto: A Interpretação na História (1972-1973), A Poética da História (que introduz Meta-História, 1973) e O Texto Histórico como Artefato Literário (1974). White afirma que três artigos de Mink estão em seu “pano de fundo”: The Autonomy of Historical Understanding (1965), Philosophical Analysis and Historical Understanding (1968) e History and Fiction as Modes of Comprehension (1970). Afirma ele: “Todos os três são iluminadores do problema com o qual estou lidando, e muito do que eu digo é uma amplificação de alguns pontos levantados por Mink nestes artigos”. Outros créditos são apontados por ele: pela distinção entre estória e enredo, sobre a qual falaremos adiante, para Northrop Frye; pela abordagem da relação entre início e fim nas “ficções literárias”, para Frank Kermode; pela análise dos elementos da “estória”, para Dray e Gallie; e pela já mencionada noção de “criptograma relacional”, para Gombrich (FN: 359-360). Em 03 de outubro de 1970,180 segundo Vann, White escrevera uma carta para Mink, afirmando estar “estudando com muito cuidado” seu texto da New Literary History. E o diálogo prosseguiu, não apenas por publicações, mas também pessoalmente: a palestra teve o próprio Mink como um dos comentadores. Mink, como vimos, afirmava existirem diferentes “modos de compreensão”, relativamente próximos (embora não identificáveis) ao que se produz nas ciências naturais, na filosofia e nas narrativas históricas e ficcionais. Afirmava também que os modos são irredutíveis uns aos outros: uma compreensão teórica, por exemplo, é um tipo diferente de compreensão em relação à categorial. White modifica a proposta de Mink, buscando “distinguir dentro da narrativa histórica três diferentes níveis de

179

Vann (Louis Mink‟s Linguistic Turn. History and Theory, v. 26, n. 1, 1987, pp. 1-14) afirma que o ano correto do evento é 1970, enquanto Doran (FN, 112) indica 1971. Seja como for, o texto foi publicado em 1972 na revista Clio. 180 Ou seja, “oito semanas” se ambas as datas fornecidas por Vann estiverem correta, um ano e oito semanas se, neste texto, a data da carta está correta mas a do evento não.

149

compreensão”:

no

nível

da

estória

propriamente

dito,

uma

compreensão

“configuracional” de um conjunto de eventos; no nível do argumento, uma compreensão “teórica”; e no nível do enredo, uma compreensão “categorial”, “embora não tanto dos eventos na estória quanto da própria estória”. Assim sendo, White não apenas distinguia explicação por estórias (Dray et al) e explicação por argumento (Hempel et al): também dividia o primeiro caso em estória e enredo. Embora não mencione isto explicitamente, White recorre à proposta de Mink segundo a qual, como vimos, o significado da narrativa “pode ser analisado como uma função do significado de seus termos individuais mais a sintaxe mais a ênfase, todos interpretados em um contexto discursivo particular” (HU, 80). Nos três “níveis de compreensão” que identifica na “estrutura da narrativa histórica”, White situa no primeiro os elementos léxicos, que são “os eventos atômicos definidos de um modo particular na autoridade de documentos de algum tipo de evidência e ordenadas em uma crônica bruta”. O “efeito de explicação” aqui obtido é o científico, e a crônica resultante deve obedecer os cânones da lógica e dos procedimentos de pesquisa. A passagem da crônica à estória se dá para responder a perguntas como “o que aconteceu depois?”. White afirma que as respostas a estas perguntas “têm duas dimensões, uma factual, consistindo em mera informação, e uma conceitual, consistindo na organização de eventos em conjuntos motívicos”. Esta organização conceitual é necessária porque “eventos históricos não são enquanto tais aberturas ou fechamentos de processos, ou mesmo reconhecíveis imediatamente como transições”, mesmo no caso de nascimentos ou mortes de indivíduos (FN, 121). A repetição de motivos, por sua vez, cria um “tema”, que estabelece a continuidade dentre as várias mudanças apresentadas pela estória. Quando o leitor “compreende” a estória de modo “configuracional”, o que ele está identificando são os motivos e os temas da narrativa. Estes, segundo a adaptação de White da analogia de Mink, “fornecem uma espécie de gramática dos eventos históricos deste conjunto”. Mas esta compreensão configuracional dos motivos e temas da estória não levam o leitor a parar de perguntar “o que acontecerá em seguida?” e dizer “Ah, agora eu vejo o que realmente estava acontecendo este tempo todo”. Quando ele pode fazê-lo, para White, está obtendo um tipo diferente de compreensão: sintática. É aqui que White recorre à noção de enredo, adaptada de sua leitura de Frye: “estruturas de enredo funcionam como „criptogramas relacionais‟ por meio dos quais nós identificamos as várias fases organizadas como motivos e como temas a um tipo particular de estória” (FN, 122). Ele especifica:

150

Esta explicação secundária, que é uma explicação da estória, não dos eventos na estória, é de natureza moral ou estética, mas nem por isso subjetiva ou puramente pessoal. É provida culturalmente pelos arquétipos narrativos que uma cultura reconhece como diferentes formas de contar estórias sobre certos tipos de eventos de modo a alcançar diferentes tipos de efeitos emocionais (FN, 122).

Na “compreensão categorial” obtida pela identificação de um enredo, portanto, “temas e motivos são relacionados ou como componentes de um argumento”, cuja compreensão é teórica, “ou como fases de modelos reconhecidos e tradicionais de estória”, que propicia compreensões configuracionais (FN, 123). Com base nesta tripla distinção, White revisa a tese da não-destacabilidade de Mink. Afirma ser concebível que as conclusões no nível da estória funcionem assim, mas não as do argumento ou do enredo. Cada um destes níveis fornece um “efeito de explicação” diferente dos demais (FN, 123). O que o enredo explica não são os eventos, isolados ou dispostos pela estória como conclusão ingredientes: o enredo explica a estória (FN, 122). White afirmava estar de acordo com Hempel e seus seguidores que os argumentos do historiador devem ser confirmados pelos testes de adequação aplicáveis a qualquer argumento científico; e também concordava com os “narrativistas” que o ato de contar uma estória provê um tipo de explicação que é diferente de, embora não necessariamente oposto a, os tipos de explicações nomológicas; mas, ainda assim, afirmava que nenhum dos dois lados havia apreendido corretamente o tipo de compreensão referente aos “modos de contar estórias tradicionalmente fornecidos, [que] funcionam para nos informar das maneiras pelas quais nossa própria cultura pode prover um conjunto de diferentes significados para um mesmo conjunto de eventos”. Neste nível, a compreensão não resulta do seguimento da narrativa, tampouco da argumentação, mas da interpretação: “é aqui, penso eu, que a „imaginação construtiva‟ de Collingwood é realmente ativa nas melhores obras de história” (FN, 125). White encerra The Structure of Historical Narrative ainda sem desenvolver a ideia, embora deixe clara a tese que mais tarde defenderá: de que a “imaginação histórica” opera por meio do enredo. Não surpreender que o tema de seu próximo texto, publicado em 1973 na New Literary History, seja A Interpretação na História. Cabe, antes de passarmos à discussão deste texto, um comentário à apropriação do “enredo” por parte de White. A distinção entre estória e enredo permitiu a White desdobrar consequências da percepção de que as estórias adquirem sentido quando comunicadas por meio da linguagem, que é de caráter necessariamente coletivo. Agora,

151

como vimos, White detalhava sua ideia da função dos “criptogramas relacionais” na narrativa histórica: “Esse processo de exclusão, realce e subordinação é levado a cabo no interesse de constituir uma estória de tipo particular” (FN, 121-122, n5). White já conhecia e admirava a Anatomia da Crítica desde 1960, aproximadamente (cf. seu relato pessoal: FN, 263); mas o uso que faz da reflexão de Frye como forma de iluminar a compreensão historiográfica não poderia se dar antes que Mink trouxesse à tona o problema da relação entre o movimento para frente da narrativa, como um conjunto de eventos, e a compreensão para trás da narrativa, como um conjunto de eventos. A fertilização do pensamento de Mink com as ideias de Frye, por parte de White, permite-nos identificar convergências em algumas teses destes dois autores. Em Myth, Fiction, and Displacement, de 1961,181 Frye menciona que, na “experiência direta” da leitura, não é possível ao leitor perceber cada detalhe presente no primeiro plano, mas sim “uma série de agrupamentos maiores, eventos e cenas que compõem o que chamamos de estória”. Embora os dois casos fossem usualmente traduzidos pelo termo aristotélico mythos, Frye optava por reservar mythos para o enredo e lexis para a narrativa do primeiro plano: “O enredo, então, é como as árvores e casas nos quais focamos nossos olhos pela janela do trem: a narrativa é mais como as folhas e pedras que passam rapidamente no primeiro plano”. Mas Frye aponta uma “curiosa dificuldade” gerada pela distinção: embora “a essência da ficção” seja, como apontou Aristóteles, “o enredo [aqui, na sua forma “em movimento”] ou imitação da ação”, este elemento “essencial” tende a se perder, ou a se tornar confuso, quando o leitor dele tenta lembrar, posteriormente. Embora o “enredo” aqui seja menos “totalizante”, e mais seguível do que a ideia de compreensão para Mink, ambas as abordagens rejeitam a possibilidade de se “resumir” uma conclusão (na historiografia) ou um enredo (na literatura). Em primeiro lugar, o que Frye diz sobre o enredo vale também para a tese da não-destacabilidade das conclusões historiográficas de Mink. “O resumo de um enredo, digamos, de uma novela de Scott,” afirma Frye, “tem praticamente o mesmo efeito entorpecedor no ouvinte quanto um resumo do sonho da última noite”. É o que Mink afirma acontecer, no caso da historiografia, com as conclusões das narrativas: elas aparecem na leitura como um todo, e de nada adianta que se tente “resumi-las” ao final. É possível fazer uma sinopse, mas elas não dão conta de substituir a experiência da

181

Frye, Northrop. Fables of Identity. New York: Harcourt, Brace & World, 1963.

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leitura do texto. Assim sendo, essa “curiosa dificuldade” apontada por Frye é próxima ao quase-paradoxo de Mink, para quem as narrativas, embora sejam seguidas temporalmente, propiciam uma compreensão que “cancela o tempo”. Segundo Frye, “na experiência direta da ficção, a continuidade é o centro da nossa atenção; nossa memória posterior [...] tende a se tornar descontínua”. A atenção é desviada da sequência de incidentes para o tema da estória.182 É este elemento temático que interessa à apropriação de White. Como Mink, sua inclinação a uma abordagem atemporal é maior que a de Frye, que, vimos acima, fala em uma tendência à descontinuidade. Para Frye, o tema podia ser expresso em ao menos três maneiras distintas; veremos que o interesse de White e a proximidade com Mink aparecem especialmente na última das maneiras possíveis. As duas primeiras são referentes ao “assunto” (“o assunto de Hamlet é a tentativa de Hamlet de se vingar de um tio que assassinou seu pai e se casou com a sua mãe”) e ao valor alegórico (Hamlet “é a estória de um homem que não conseguia se decidir”). Uma terceira concepção de tema, “menos abstrata que o assunto e mais direta que uma tradução alegórica”, era “o mythos ou enredo examinado como uma unidade simultânea, quando sua forma inteira está clara em nossas mentes”. Neste sentido, diz Frye, o tema “difere apreciavelmente do enredo em movimento”: “os fatores unificadores assumem uma importância nova e aumentada”, cada evento passa a ser visto como a “manifestação de alguma unidade subjacente, uma unidade que ele tanto esconde quanto revela”.183 Do ponto de vista do leitor, a última manifestação do tema é a que mais requereria a releitura da obra. Assim vista, é também a mais próxima do trabalho do historiador como Mink o analisa, pois o historiador já sabe o ponto de chegada do relato, de modo que sua experiência não é a mesma de um leitor que eventualmente o desconheça. Era este, relembremos, sua maior crítica a Gallie: a followability explica bem a leitura de alguém que desconheça a conclusão do processo, mas, por isso mesmo, não poderia dar conta de explicar o funcionamento da narrativa historiográfica, cujo final já é conhecido pelo historiador e muitas vezes também pelo leitor. Podemos aproximar as considerações de Frye sobre a ficção ao tratamento que Mink confere à compreensão configuracional: “Na maioria das obras de ficção nós estamos imediatamente conscientes de que o mythos ou sequência de eventos que prende a nossa atenção está sendo moldado em uma unidade”, o que

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Idem, p. 23. Devemos ter em mente, porém, que o termo “tema”, tal como aqui usado por Frye, não tem o mesmo significado em White. 183 Idem, p. 24.

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equivale a dizer que “[n]ós nos sentimos confiantes de que o início implica um fim”.184 O momento da anagnorisis, que Frye traduz de Aristóteles como “reconhecimento”, é também o momento da compreensão. A tese da não-destacabilidade, de Mink, expressa a maneira pela qual este processo opera na historiografia: o reconhecimento será projetado sobre a narrativa como um todo, que comporta e distribui as conclusões parciais. Parece-nos, contudo, haver uma diferença de ênfase entre a abordagem de Frye e a de Mink. Em The Archetypes of Literature, de 1951, Frye apontava que “em algumas artes se movimentam temporalmente, como a música; outras são apresentadas no espaço, como a pintura. Em ambos os casos o princípio organizador é a recorrência, que é chamada de ritmo quando é temporal e padrão quando é espacial”.185 Vimos que, para Mink, a “essência” da narrativa não é temporal. Sua posição pode parecer idêntica à de Frye quando este afirma que “nós ouvimos a narrativa, mas quando compreendemos o padrão total de um escritor, nós „vemos‟ o significado”. Porém, embora Frye também concorde que o momento da anagnorisis não é temporal (pois é “visual” e não “auditivo”), ao menos não considera um dos momentos como “essenciais”. Em vez disso, o canadense considera que “todas as artes podem ser concebidas tanto temporal quanto espacialmente”, inclusive a literatura, que “parece ser intermediária entre a música e a pintura”. Como ele afirma na Anatomia da Crítica: “[...] cada obra literária tem um aspecto ficcional e um temático, e a questão de saber qual o mais importante é frequentemente apenas uma questão opinativa ou de ênfase na interpretação”.186 A posição de Mink pode ser considerada ainda mais drástica pelo fato de que Frye trata apenas da narrativa ficcional, enquanto Mink também inclui, até mesmo enfatiza a histórica: ora, o elemento diferencial da história em relação a outros “artefatos literários” está exatamente na referencialidade dos componentes “auditivos”, ou seja, das frases referenciais que compõem a dimensão sincrônica; e, ainda assim, Mink não apenas dá mais enfoque aos componentes visuais da mesma que Frye, como também considera-o como a “essência” da compreensão histórica. O leitor não terá dificuldades em perceber que, neste aspecto, a apropriação de White da noção de enredo se dá com o enfoque na sincronia fornecido por Mink. White modifica a tese de não-destacabilidade, mas retém dela o enfoque neste elemento visual Ŕ no “rio visto de cima”. O resultado da 184

Idem, p. 25. Idem, p. 14. 186 FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 59. 185

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modificação foi outro: em vez de a compreensão dos eventos da estória ser resultante de uma disposição específica das conclusões, a disposição das conclusões é que passou a ser considerada como uma função do enredo que informa a estória. A decisão sobre como as evidências serão organizadas, por sua vez, passa a ser de natureza ética ou estética. Exatamente porque, já em Mink, as “conclusões” não ditavam previamente como deveriam ser organizadas, o próprio termo “conclusão” perdia o sentido quando aplicado ao texto: pois, nesta linha de raciocínio, não é possível “concluir” qual é o enredo “correto” com base nas evidências. White seguia Mink ao privilegiar a sincronia, mas se afastava ao considerava que a dimensão sincrônica era determinante das características da linha diacrônica.187

b) A Interpretação na História Vimos que White encerra The Structure of Historical Narrative afirmando que a “interpretação” informada pelo enredo havia sido negligenciada pelos envolvidos no debate sobre a “explicação histórica”. Em A Interpretação na História, a discussão é articulada não só por meio de Frye e Collingwood, mas, mais radicalmente, por meio de “críticos da historiografia como disciplina”, exemplificados na figura de Claude LéviStrauss. Buscando os argumentos do antropólogo em O Pensamento Selvagem e na introdução de O Cru e o Cozido, White mostra que, para ele, a história é incontornavelmente interpretativa, pois seus fatos sempre podem ser decompostos em momentos cada vez menores ou cada vez maiores. Apenas por meio de uma escolha arbitrária de nível, portanto, o historiador pode impor seus “esquemas fraudulentos” para interpretá-los. A escolha da escala em que se vai operar, portanto, constitui os fatos que, em seguida, são integrados em uma estrutura verbal escrita com um propósito. Na leitura que White faz do antropólogo, ... os registros históricos nada mais são que interpretações, tanto no estabelecimento dos eventos que constituem a crônica da narrativa quanto nas avaliações do sentido ou significações desses eventos para o entendimento do processo histórico em geral (TD, 71).

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Pois, embora Mink considere (explicitamente, a partir de 1978) que a visão do totum simul governa a descrição de seus eventos Ŕ e, poderíamos acrescentar, de todos os elementos diacrônicos Ŕ, esta “imagem” é resultante das relações articuladas na linha narrativa. As duas dimensões se modificam mutuamente, nenhuma é determinante em última instância. Em White, embora as estruturas arquetípicas de enredo não existam a-historicamente, sem dúvidas modificam-se muito mais lentamente que a “rede imaginativa”, tal como Mink a entende.

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Lévi-Strauss reconhecia a dependência da historiografia em relação aos “dados” e sua organização cronológica. Mas isto, em sua visão, não a tornava menos mítica, nem mesmo no nível da crônica, que não é “menos constituída em registro histórico do que o é a narrativa que ele elabora com base nela”, já que “os próprios dados já nos chegam agrupados em „classes de datas‟ que constituem os supostos „domínios da história‟ que os historiadores de uma dada época têm de enfrentar na forma de problemas a solucionar” (TD, 72). A argumentação de Lévi-Strauss conduz, por outros caminhos, à ideia de que não há eventos em si, mas apenas eventos sob descrição. Como Danto já notara, mas sem buscar as conclusões a que o francês chegara, os eventos podem ser descritos em diferentes níveis de generalidade e com diferentes referências temporais e valorativas. É igualmente rejeitada a possibilidade de uma História Universal, pois não há qualquer história antes do historiador criar os próprios fatos. Neste texto de 1972, White concordava (em outros termos) que só há eventos sob descrição e que não há História Universal; mas, como Mink apontaria mais tarde, a rejeição consciente da História Universal não necessariamente conduzia à sua eliminação como um pressuposto. Assim, em Meta-História White ainda fala, como veremos, de um “campo histórico não processado” a partir do qual a crônica de eventos é montada. Apenas a partir de 1974 sua abordagem da crônica eliminou a tensão entre sua crença consciente e seu pressuposto inconsciente (para falarmos como Mink), de modo que ele passou a caracterizá-la como descrita, ou seja, já processada Ŕ embora reprocessável. White aponta que, segundo Lévi-Strauss, “o que o historiador oferece como explicações das estruturas e processos do passado, na forma de narrativas, são simples formalizações desses „esquemas fraudulentos‟ que, em última análise, são míticos em sua essência”.188 White parece tentado a concordar que as explicações recorrem a esquemas, mas não quanto à fraudulência dos mesmos. Por isso, após delinear os argumentos de Lévi-Strauss, White aponta que “[e]sta concepção da historiografia apresenta notáveis semelhanças” com as de dois importantes “ancestrais intelectuais” seus, Northrop Frye e R. G. Collingwood (TD, 73). A noção de enredo serve a ele como freio à “atuação caprichosa” da “consciência mítica” da análise de Lévi-Strauss, ao mesmo tempo em que a argumentação do antropólogo o impele a desdobrar de Frye

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A edição publicada pela EdUSP em 1994 traduz o original “mythic” como “místicos”, talvez por erro de digitação. Corrigi este equívoco na citação acima.

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implicações construtivistas para a historiografia, as quais são em seguida estendidas também para Collingwood. As ideias de Frye às quais White aqui recorre são as de seu ensaio New Directions From Old. White cita a afirmação de Frye: “Notamos que, quando o projeto de um historiador atinge certo nível de abrangência, ele se torna mítico na forma e, assim, se aproxima do poético em sua estrutura” (TD, 73). Mas, naquele ensaio, Frye falava apenas da “filosofia especulativa da história”, não da “historiografia propriamente dita”, e insistia na distinção entre historiadores e poetas, afirmando que os primeiros trabalham indutivamente e o segundos dedutivamente.189 White busca enfraquecer estas distinções, estendendo seu insight sobre a estrutura poética da “filosofia especulativa da história” para toda a historiografia. Para isto, se baseia no reconhecimento do próprio Frye de que as obras de historiografia também possuem mythos, que é seu “padrão de composição”, embora para o canadense ele seja “secundário”. “Estendendo190 as ideias de Frye”, afirmava White, “pode-se afirmar que a interpretação na história consiste em fornecer a uma sequência de acontecimentos uma estrutura de enredo, de tal modo que a sua natureza de processo abrangente seja revelada por figurar como uma estória de um tipo particular” (TD, 74).191 White se baseia em Frye para apontar “dois níveis de interpretação” na obra histórica, especificando que “[n]o segunda nível de interpretação é que a consciência mítica atuaria de forma mais clara” (TD, 75). Como, porém, o mito atua “segundo convenções literárias bem conhecidas”, White também ressalta que, segundo Frye, a consciência mítica “não atuaria caprichosamente, como Lévi-Strauss parece sugerir” (grifo adicionado). Ainda mais drasticamente, aponta que, por isso, há “„normas‟, senão „leis‟, da narração histórica” (TD, 75). A divisão de “níveis interpretativos” da estória e do enredo, dizia White, equivale à distinção entre as abordagens “crítica” e “construtiva” em The Idea of History, por meio das quais o historiador pode ir além do que dizem as “autoridades”. 189

FRYE, Northrop. New Directions From Old. In: Op. cit., pp. 52-66. Pouco tempo depois, no início de 1974, White já estava mais disposto a reconhecer as diferenças dentre as abordagens de Frye e dele próprio: “Quero crer que devemos dizer das histórias o que Frye parece pensar que vale apenas para a poesia ou para as filosofias da história, a saber, que, considerada como um sistema de signos, a narrativa histórica aponta simultaneamente para duas direções: para os acontecimentos descritos na narrativa e para o tipo de estória ou mythos que o historiador escolheu para servir como ícone da estrutura dos acontecimentos”. Isso implica que “a narrativa histórica serve de mediadora entre, de um lado, os acontecimentos nela relatados e, de outro, a estrutura de enredo prégenérica” (TD, 105). 191 Em uma nota, White voltava a indicar: “Utilizo o termo enredo quase que no mesmo sentido com que Mink usa a noção de „sintaxe‟ de eventos” (TD, 75). 190

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Por meio da crítica das fontes, o historiador realiza inferências que culminam na “moldura” uma narrativa. A “imaginação construtiva” age a partir daí, de uma maneira “simultaneamente apriorística (o que significava que ela não agia caprichosamente) e estrutural (o que significava que era regida por noções de coerência formal em sua constituição de possíveis objetos de pensamento)” (TD, 76). White admite que “na sua exposição do assunto, Collingwood tendia a concluir que o possível objeto de pensamento em questão era a estória do que de fato aconteceu numa dada época e lugar no passado”. Porém, para White, este elemento apriorístico e estrutural por meio do qual o historiador interpreta as “autoridades” é melhor caracterizado como o enredo. Em oposição ao que presumia Collingwood, White afirma que “o historiador não leva consigo uma noção da „estória‟ que está incrustrada nos „fatos‟ dados pelo registro”, devendo por isso “abeberar-se no lastro de mythoi fornecidos pela cultura a fim de construir os fatos de modo a configurar uma estória de tipo particular” (TD, 77). Como ele afirmou posteriormente, em 1974, em O Texto Histórico como Artefato Literário: O que Collingwood não logrou perceber é que nenhum conjunto dado de acontecimentos históricos casualmente registrados pode por si só constituir uma estória; o máximo que pode oferecer ao historiador são os elementos da história. Os acontecimentos são convertidos em estória pela supressão ou subordinação de alguns deles e pelo realce de outros, por caracterização, repetição do motivo, variação do tom e do ponto de vista, estratégias descritivas alternativas e assim por diante (TD, 100).

Como a compreensão configuracional é a relação entre eventos concretos, o complemento é igualmente válido para Mink Ŕ que foi, como vimos, o interlocutor cuja obra White complementar com a noção de enredo, em The Structure of Historical Narrative. Mink já havia insistido na diferença entre seguir a estória e compreendê-la, mas não havia esclarecido como a compreensão ocorre. Para White, a “compreensão” de uma configuração assumida pela estória só pode se dar por meio da identificação da categoria a que a estória pertence. Em 1957, elencando algumas das possíveis críticas à obra de Collingwood, White comentou a noção de “imaginação histórica”: […] alguém poderia perguntar como se alcança a “imaginação histórica”. Collingwood afirma que ela é uma categoria da mente mais ou menos desenvolvida em diferentes indivíduos. Mas, se é assim, então por que diferentes culturas produzem diferentes formas de ver a história? […] O aparente viés do humanismo ocidental de Collingwood o teria levado a afirmar que nossa visão de História é superior à dos hindus, mas esta asserção, por si só, dificilmente nos convenceria. Por outro lado, se as visões de história de várias sociedades são igualmente válidas, é difícil ver como uma “ciência das questões humanas” que seja válida para todos os seres

158 humanos, ocidentais e orientais, pode ser construída com base no conhecimento histórico (FN, 15).

Seu novo uso da noção de “imaginação histórica” permite-o evitar tais objeções. Por meio do recurso a Frye, seria possível afirmar que diferentes culturas possuem diferentes “ideias de história”, i.e., diferentes formas de pôr os eventos em enredo, e portanto diferentes critérios pelos quais a realidade é representada. Isto impede que se fale em “ciência das questões humanas”,192 especialmente uma baseada no conhecimento histórico, que White reconhece como um tipo de discurso distintivamente ocidental e moderno:193 a narrativa, como diria ele em The Value of Narrativity in the Representation of Reality (1980), é um “fato panglobal da cultura”, mas as formas ocidentais modernas de “narrativização” são apenas uma forma de narração dentre várias (CF, 1-25), e só se tornam operantes após o processo de “de-sublimação” dos processos históricos requerido pela “disciplinarização” da história (CF, 58-81). Vimos que Mink entendia a “imaginação histórica” como um conceito depois subsumido por Collingwood na formulação das “constelação de pressuposições absolutas”. É com este último sentido que Mink se apropriou da ideia. Já White afirma que o enredo fornece a “imagem imaginária” (IH, 245) do passado a partir do qual o historiador realiza as interpolações e (como ele reconhece em textos posteriores a Meta-História) redescreve os eventos que dela participarão. Assim sendo, o enredo é o instrumento da “imaginação histórica”, e determina o que conta e o que não conta como uma representação “realista”. É neste sentido que a análises das “ideias de história” feitas em MetaHistória são descritas como um estudo da “imaginação histórica na Europa do século XIX”. Como no caso de Mink, a forma pela qual White descreve a “estrutura narrativa” também a coloca como um produto das atividades da consciência de segundo nível da escala de formas. Isto já seria esperado por seu recurso mais direto, embora modificado, da noção de “imaginação histórica”, mas se destaca ainda mais em seus desdobramentos 192

White nega que seu esquema quádruplo de Meta-História, sobre o qual falaremos adiante, seja uma tentativa de formular um modelo científico, mesmo que referente apenas à historiografia europeia oitocentista. “Eu enviei uma cópia de Meta-História a um antigo professor meu a quem eu venerava [Bossenbrook?], e ele pensou que eu estava tentando fazer a história mais científica e ele não concordava com isto”. White prossegue afirmando que não se trata disto, mas de formular uma teoria da escrita história, dado o fato de seu livro ser “uma história da escrita da história”. Esta teoria visava “dar uma explicação ao fato de que diferentes histórias são moldadas em diferentes modos”. WHITE, Hayden & VANDERSCOFF, Cameron. Hayden White: Frontiers of Consciousness at UCSC. Santa Cruz: 2013, p. 75. Disponível em: . Acesso em 22 mar. 2013. 193 WHITE, Hayden. The Westernization of World History. In: RÜSEN, Jörn (Org.). Western Historical Thinking: an intercultural debate. New York: Berghahn Books, 2002.

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posteriores. Ainda mais interessante é o fato de que as semelhanças aparecem com ainda mais detalhe nas descrições feitas por Mink do que nos textos do próprio Collingwood. A descrição da “imaginação” em Collingwood feita em Mind, History, and Dialectic é, em pelo menos cinco aspectos, perfeitamente compatível com a função da “imaginação histórica” caracterizada por White posteriormente, em 1973. Em primeiro lugar, Mink apontava que a imaginação não é assertiva, mas Ŕ tal como Collingwood compreende o termo Ŕ artística. A concepção, adotada por White de que a narrativa não é verdadeira ou falsa, enquanto suas frases singulares podem sê-lo, pode ser traduzida em termos collingwoodianos como uma afirmação de que a estrutura narrativa é produzida por uma atividade do segundo nível da consciência cognitiva, suas proposições referenciais por uma do terceiro, e os elementos reflexivos do discurso, por uma do quarto. Em segundo lugar, como vimos, a arte pode falhar em expressar emoções, apesar de não poder ser falsa. Neste sentido mais fraco, seria possível falar em “verdade” ou “falsidade”; é o que White faz por meio da noção de “verdade figural”, desenvolvida mais claramente apenas em Auerbach‟s Literary History. A verdade “figural” nada mais é do que a expressão, por meio de figuras de linguagem, de algum elemento interior daquele que narra. Neste sentido, White considera que uma sequência de figurações é referencial: a referência é “uma pessoa real em um tempo e local reais”. Sua análise do relato de Primo Levi sobre sua experiência em Auschwitz é uma perfeita caracterização da atividade de segundo nível da consciência, por meio do qual as sensações de primeiro nível chegam à consciência por meio de sua expressão: As cenas de horrores na vida nos campo mais vívidas produzidas por Levi consistem menos na delineação dos „fatos‟ como concebidos convencionalmente que na sequência de figuras que através das quais ele dota dos fatos de paixão, de seus próprios sentimentos a respeito e do valor que, consequentemente, ele lhes confere [...]. “Se questo è un uomo […] deriva sua força como testemunho, menos do registro positivo e científico os „fatos‟ de Auschwitz, que da sua efetivação [enactment], em elocução poética de como era a sensação de ter tido que suportar tais „fatos‟” (grifo no original).194

Em terceiro lugar, como Collingwood concebe a escala de formas dialeticamente, a atuação poética do segundo nível é necessariamente anterior à possível referencialidade do terceiro nível e à atuação da faculdade da razão do quarto; de sua anterioridade, decorre não apenas que sua ocorrência seja uma pré-condição para a formulação de frases “científicas” ou análises “racionais”, mas também que ela se 194

WHITE, Hayden. Figural Realism in Witness Literature. Parallax, v. 10, n. 1, 2004, p. 113Ŕ24.

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mantenha presente, embora com modificações, durante as atividades dos níveis superiores. Porém, isto não necessariamente implica a conclusão de White de que a imaginação constitua os níveis superiores. A “rede imaginativa” formada pelo individuo, tal como Collingwood a concebe, é mais passível de ser modificada pelos “dados” (embora ela própria defina o que conta como um “dado”) do que o são os enredos, na concepção de White. Em quarto lugar, o “mito” em White atua de modo semelhante à “imaginação” em Collingwood: é ele que diz como pensar, que direciona a atenção, que organiza as ênfases a serem dadas sobre o material do nível inferior (TD, 75), ainda “não constituído” Ŕ sejam as “sensações” dos indivíduos, para Collingwood e para o White recente, seja o “campo histórico”, para o White de Meta-História. Em quinto lugar, os tropos de White e a escala de formas de Collingwood só operam em processos humanos de desenvolvimento, condicionando a compreensão da realidade tanto do historiador quanto de seu objeto de estudo. Mas Collingwood presume a possibilidade do historiador reviver a experiência passada do ser humano estudado, enquanto o de White consiste em uma imposição linguística do presente sobre o passado. A ênfase de White (esclarecida a partir de 1974) é na redescrição dos eventos na narrativa, e, portanto, na atividade presente do historiador: [...] toda narrativa não é simplesmente um registro “do que aconteceu” na transição de um estado de coisas para outro, mas uma redescrição progressiva de conjuntos de eventos de maneira a desmantelar uma estrutura codificada num modo verbal no começo, a fim de justificar uma recodificação dele num outro modo final (TD, 115).

Como Mink, e diferentemente de Collingwood, White considera que a consciência histórica é temporalmente descontínua. A possibilidade de compreensão retrospectiva da antiga estrutura do pensamento (“constelações de pressuposições absolutas” para Mink, “tropos” para White) aparece em White a partir da posição específica do tropo da ironia, mas a natureza dialética do processo aparece nos três, Collingwood, Mink e White. Estas semelhanças entre poderiam ser explicadas de várias maneiras. A primeira delas atua no último dos itens citados: tanto White quando Collingwood têm, como uma das âncoras de seus pensamentos, o princípio do verum factum, de Vico. Em segundo lugar, porque o próprio White foi um leitor cuidadoso de Collingwood. Em terceiro, porque as semelhanças são muito mais visíveis no

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Collingwood descrito por Mink, e, como vimos, o próprio Mink propiciou diálogos fundamentais com base nos quais White construiu suas obras.195 White, em suma, segue Lévi-Strauss em sua afirmação de que a história é constituída por uma “consciência mítica”, que (como Collingwood afirmava sobre a “imaginação construtiva”) atua de modo apriorístico e estrutural, por meio de uma linguagem socialmente compartilhada (como afirmava Frye, por meio da noção de enredo, mas como White já lia no próprio Collingwood, juntamente com Wittgenstein, desde 1965). White esvazia, tanto de Frye quanto de Collingwood e de Mink, a atuação indutiva do historiador, das evidências para a estória e o enredo, e correlaciona o “segundo nível de interpretação”196 que identifica em Frye e Collingwood com o próprio mito de que falava Lévi-Strauss. Veremos adiante que, ao postular uma “estrutura profunda” na narrativa histórica, White não buscará distinguir o enredo de tal estrutura. A compreensão categorial que “explica a estória” sempre receberá, por parte de White, mais relevância que as demais.

c) A Poética da História Como Vann afirma (LMLT, 8), em The Structure of Historical Narrative o modelo de White se ainda encontrava “em uma etapa relativamente rudimentar”. Já A Interpretação na História, publicado quase simultaneamente a Meta-História, já apresenta dois importantes acréscimos feitos por White à estrutura típico-ideal da historiografia. Em primeiro lugar, as “implicações ideológicas” passaram a ser considerados como mais um dos “efeitos explicativos” das narrativas. Como existencialista de longa data e leitor atento de Karl Mannheim e Lucien Goldmann, 195

Em primeiro lugar, White construiu sua teoria dos tropos como um complemento Ŕ dialético, no sentido de que modifica mas mantém aquilo a que modificou Ŕ aos modos de compreensão de Mink. Em segundo lugar, porque White construiu tal teoria dizendo-a análoga à “imaginação histórica”, tal como Collingwood a concebeu em The Idea of History. E disto vêm à tona um problema para a história intelectual da teoria da história: Mink observa que a terminologia de The Principles of Art não é idêntica nem à de The New Leviathan nem à de The Idea of History, os dois outros livros em que a noção de “imaginação” reaparece. Embora o elo entre a “imaginação” de The Principles of Art e o “pensamento conceitual” de The New Leviathan seja, para Mink, clara, o mesmo não se dá quando The Idea of History é adicionado à discussão. Dizia ele que, “até onde sei, ninguém nunca buscou explicar o que ele [Collingwood] diz [em The Idea of History] sobre a „imaginação histórica‟ por meio da referência à sua teoria da imaginação em The Principles of Art”. (MHD, 97). Ao menos uma diferença, porém, podemos apontar: em The Idea of History, a “imaginação” atua por meio da construção inferencial de uma “imagem do passado” (IH, 237), enquanto, de acordo com a análise do próprio Mink, o “pensamento conceitual” apresentado em The New Leviathan, análogo à “imaginação” em The Principles of Art, não realiza inferências (MHD, 94). 196 Não confundir com os “níveis de consciência” de Collingwood: no primeiro nível de interpretação, a estória interpreta os eventos; no segundo e determinante nível, o enredo interpreta a estória.

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White há muito reconhecia que a historiografia possuía implicações para a ação humana no mundo. Em Meta-História, como veremos, ele apontava especificamente que a escolha do argumento está ligada ao desejo de mudar ou manter a estrutura social, tal como vista pelo estudioso em seu presente. Em segundo lugar, White passou a postular um “nível profundo” capaz de articular os níveis do argumento, do enredo (que explica a estória, a qual, por sua vez, organiza a crônica em motivos e temas) e das implicações ideológicas. Embora, como dissemos, White jamais tenha deixado de conceber um elo entre o “nível profundo” da narrativa e o enredo,197 White chegou a afirmar que “nega[va] a possibilidade de atribuir prioridade a um ou a outro dos níveis de interpretação”. De acordo com o seu relato, ao analisar os resultados da pesquisa de Meta-História, ele avaliou que “um interessante padrão quaternário reapareceu” em suas análises “dos níveis diferentes em que a interpretação entre na elaboração de uma dada narrativa histórica”. White afirmava ter, então, “postulado” (MH, 12), desenvolvido “apenas uma hipótese” (TD, 112), com “hesitação”198 (TD, 92) acerca da existência de um nível mais profundo, a partir do qual o enredo, a argumentação e a ideologia eram articulados. Com estes dois “níveis” adicionados aos já discutidos anteriormente, White agora tinha todos os elementos para o “sistema” cuja ausência da obra de Croce ele tanto lamentava. White inicia A Poética da História, de Meta-História, apresentando esquematicamente os cinco “níveis de conceptualização da obra histórica” de que falamos anteriormente: “1) crônica; 2) estória; 3) modo de elaboração de enredo; 4) modo de argumentação; e 5) modo de implicação ideológica”, com uma estrutura profunda que articula os três últimos níveis. As características de cada nível já foram parcialmente apontadas nas discussões anteriores. A seguir, discutiremos os aspectos relevantes para a compreensão do desenvolvimento do sistema intelectual de White e de sua relação com as demais questões já discutidas em nosso trabalho. White especifica que tanto a “crônica” quanto a “estória” “remetem a „elementos primitivos‟ do relato histórico, mas ambas representam processos de seleção e arranjo de dados extraídos do registro histórico não processado no interesse de tornar esse 197

Os primeiros resenhistas de Meta-História manifestaram dúvidas diversas sobre a relação entre o tropos e o níveis manifestos da interpretação. Como afirmamos anteriormente, apenas em textos posteriores White aponta explicitamente a existência de uma correlação específica entre os tropos e o enredo. 198 Em A Interpretação na História, White afirmava que “[a] questão da natureza dos tropos é difícil de abordar, e devo confessar a minha hesitação em sugerir que eles são a chave para a compreensão do problema da interpretação em campos protocientíficos como a história”. Em seguida, citava Burke, Vico e Jakobson como exemplos que o “impeli[ram] a preserverar nessa crença” (TD, 92).

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registro mais compreensível para um público de determinado tipo” (MH, 21). Ao falar em “registro histórico não processado”, White pressupunha a História Universal, registrável (exceto por motivos práticos) pelo “Cronista Ideal” de Danto. Como vimos, o que a análise de Danto havia mostrado era exatamente que todo registro histórico já é processado: não há algo como um evento sem descrição, ou um evento com uma descrição padrão, motivo pelo qual a própria Crônica Ideal era impossível. Diferentemente de A Interpretação na História, White aqui dava munição aos que o acusariam de manter uma concepção tradicional de linguagem, incompatível com a tese, sustentada por ele próprio, de que sua natureza seja essencialmente poética. O que ele parece ter tentado dizer é que, ao ser “processado” pelo historiador, o “registro histórico” precisa ser redescrito. Apenas a partir de Historicismo, História e a Imaginação Figurativa, de 1975, White defendeu com clareza a tese Ŕ implícita em Mink desde 1965 e explícita a partir de 1978, e também implícita já em The Structure of Historical Narrative Ŕ de que o léxico (da crônica) e a gramática (do argumento) são funções da sintaxe da narrativa. Como vimos, a transformação da crônica em estória se dá pela colocação dos eventos, que a primeira “apenas registra”, em uma estória dotada de motivos de início, de meio e de fim. A compreensão configuracional dos motivos da estória abre as portas para que a forma diferente e “verdadeiramente” significativa de compreensão venha à tona: “Quando um dado conjunto de eventos é posto num código de motivos, o leitor tem diante de si uma estória; a crônica de eventos transforma-se num processo diacrônico concluído, a respeito do qual é possível então fazer perguntas como se se estivesse lidando com uma estrutura sincrônica de relações”. Trata-se da explicação por elaboração de enredo, que, como vimos, “prov[ém] o sentido de uma estória através da identificação da modalidade de estória que foi contada”. Em The Structure of Historical Narrative, White ainda não havia sistematizado as categorias de enredo que já informavam seus estudos: aquelas propostas por Frye na Anatomia da Crítica, a saber, a estória romanesca, a tragédia, a comédia e a sátira. White explica que a estória romanesca é um drama de reconciliação entre o herói e seu mundo, o qual ele transcende, vence e do qual se liberta. Na sátira, o oposto ocorre: nela, o ser humano é essencialmente cativo do mundo, sua consciência e sua vontade são sempre “inadequadas para a tarefa de sobrepujar em definitivo a força obscura da morte”. Na tragédia e na comedia, há ao menos possibilidade de vitórias do herói sobre o mundo que o cerca, mas elas são sempre provisórias. Na comédia, é

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apresentada a “perspectiva de reconciliações ocasionais das forças em jogo nos mundos social e natural”, enquanto na tragédia são sugeridos, ao fim, “estados de divisão entre os homens ainda mais terríveis do que aquele que incitou o trágico agon no início do drama”, mas os sobreviventes adquirem conhecimento acerca da “lei regedora da existência humana” (MH, 24).199 Outro nível no qual, para White, o historiador produz uma “impressão explicativa” é o da “argumentação formal”. Neste, segundo White, é oferecida “uma explicação do que acontece na estória mediante a invocação de princípios de combinação que fazem as vezes de leis putativas de explicação histórica”; ou seja, o historiador constrói um argumento nomológico-dedutivo. É neste nível que a discussão iniciada por Hempel em 1942 se concentrou por praticamente três décadas. O uso do termo “explicação” por White ao mesmo tempo o afasta e o aproxima de Hempel. Como Hempel, White insiste que o “argumento pode ser analisado à maneira de um silogismo, no qual a premissa maior consiste em alguma lei putativamente universal de relações causais, a premissa menor, nas condições do limite dentro do qual a lei é aplicada, e uma conclusão na qual os eventos realmente ocorridos são deduzidos das premissas por necessidade lógica”. White também concorda com Hempel que o historiador não oferece “explicações” no sentido “científico” do termo, e que muitas das leis

invocadas

pelos

historiadores

consistem

apenas

em

“bom

senso

ou

convencionalismo”. Mas White, ao falar em “efeito de explicação”, não está, como Hempel, sugerindo que o “esboço de explicação” oferecido pelo historiador só possui um correspondente bem sucedido nas ciências naturais. White não discorda nem da exatidão do modelo de Hempel nem das propostas feitas em contrapartida por Dray ou por Gallie: o que ele não aceita é a pretensão de que exista uma forma correta de “explicar”. White junta-se a Danto e a Mink em rejeitar não o modelo das covering laws, mas sim sua pretensão universalista. Como vimos, esta pretensão aparece com muito mais força em Hempel que em seus críticos: Dray, por exemplo, insistiu na

199

Porém, tais categorias não são tomadas com muita rigidez: White reconhece que “pode haver outros, como o épico”; que “é provável que um determinado relato histórico contenha estórias vazadas num modo como aspectos ou fases do conjunto inteiro de estórias postas em enredo de outro modo”; e que a escolha do método de Frye, embora este seja “demasiado rígido e abstrato” para obras com texturas mais complexas, “serve muito bem para a explicação das formas simples de elaboração de enredo encontradas em formas de arte „limitadas‟ como a historiografia” (MH, 23). É interessante, embora não necessariamente significativo, que em The Structure of Historical Narrative a necessidade de embasar as frases da narrativa história em evidências também era citada como um motivo pelo qual a estória e o enredo eram mais facilmente distinguíveis na historiografia do que em outras modalidades de narrativa. Em Meta-História, o argumento não reaparece.

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existência de várias formas legítimas de explicar um conjunto de acontecimentos. O que White faz é transcender o debate por meio de sublação, incorporando as propostas de ambos os lados, mesmo a de Dray e seus seguidores, a uma estrutura ideal mais ampla, na qual o conceito de “explicação” na historiografia é considerado como “essencialmente contestado”,200 podendo portanto ser legitimamente aplicado tanto às estórias quanto ao argumento. Porém, como Gallie havia argumentado, a adoção autoconsciente de um conceito essencialmente contestado leva a uma maior tolerância dentre os debatedores, mas não enfraquece o envolvimento destes nas disputas acerca do “verdadeiro significado” dos conceitos. E, assim, dentre as três formas de argumentação já mencionadas, a por elaboração de enredo é mais importante em seu sistema: não apenas porque, em sua opinião, o enredo é o elemento-chave da interpretação, mas porque o “valor para a vida” da compreensão por enredo é maior que o das outras formas. A explicação “científica” fornecida pelo argumento, dizia White, poderia ser articulada de maneiras mais diversas do que era então reconhecido pelos filósofos e historiadores. Nessa diversidade, reside, para White, a própria diferença entre a história e “as ciências”, depois especificadas como “ciências físicas”: aquela difere destas “precisamente porque os historiadores discordam, não só sobre quais são as leis de causação social que poderiam invocar para explicar uma dada sequência de eventos, mas também sobre a questão da forma que uma explicação „científica‟ deve assumir” (MH, 27-28). Inspirando-se na argumentação desenvolvida por Thomas Kuhn onze anos antes, White afirmava que a comunidade de praticantes das “ciências físicas” chegavam a acordos temporários sobre “o que conta como um problema científico, à forma que uma explicação científica deve assumir e as gêneros de dados que poderão ser acolhidos como provas numa descrição corretamente científica da realidade”. Porém, “entre os historiadores não existe tal acordo, nem nunca existiu”, o que implica que “as

200

Cf. KELLNER, Hans. Op. cit., p. 10. Como vimos no capítulo 1, Gallie esperava que o reconhecimento da “contestabilidade essencial” de um conceito levaria a um crescimento da tolerância em relação aos adotantes de conceitos opositores. A definição dada por Paul (in KORHONEN (Org.). Op. cit., pp. 42-43) da “ironia epistemológica” de White (sobre a qual falamos anteriormente) mostra que tal posicionamento fornecia a base para a defesa de uma visão de mundo pluralista, tolerante, em que a ideologia do indivíduo é vista pelo próprio como apenas uma dentre várias possíveis: “Se nós percebemos, White argumentou, que a ironia ideológica é apenas um dos pontos de partida ideológicos que um ser humano pode escolher Ŕ um insight possibilitado pela ironia epistemológica Ŕ então não estamos mais presos a esta ironia ideológica”. Assim sendo, “a única forma de resistir à ironia ideológica, permanecendo fiel a uma forma de ironia epistemológica, seria aderir a uma ideologia não-dogmática, ou seja, a uma ideologia em que a diversidade, a tolerância e o reconhecimento dos outros são considerados valores importantes”.

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explicações históricas são obrigadas a basear-se em diferentes pressupostos metahistóricos acerca da natureza do campo histórico, pressupostos que geram diferentes concepções dos tipos de explicações que podem ser usadas na análise historiográfica” (MH, 28). Inspirado nas “hipóteses de mundo” de Stephen Pepper, White distingue quatro concepções acerca da forma que uma “verdadeira” explicação por argumentação formal pode assumir: o formismo, o mecanicismo, o organicismo e o contextualismo. Estas quatro formas podem ser caracterizadas de acordo com suas tendências à “integração” ou à “dispersão”. O modo mais dispersivo é o formista, seguido do “relativamente integarativo” contextualista, enquanto os modos organicista e, por fim, o mecanicista são os mais integrativos. O modo formista busca identificar as “características ímpares” dos objetos, e portanto prioriza “a descrição da variedade, do colorido e da vividez do campo histórico”. As abordagens organicistas são “relativamente mais “integrativas” que as formistas, pois os pormenores discernidos no “campo histórico” não são descritos em sua individualidade, mas como componentes de processos sintéticos que se agregam em totalidades “maiores ou qualitativamente diferentes da soma de suas partes”: “princípios” ou “ideias” que formam “imagens” da totalidade do processo histórico. No modo mecanicista, esta pretensão à síntese é substituída por uma tendência ainda maior ao reducionismo. As abordagens mecanicistas buscam as leis causais que determinam as manifestações dos objetos no “campo histórico”. Há, por fim, a abordagem contextualista, que considera os eventos explicados na medida em que eles são postos dentro do “contexto” de sua ocorrência (MH, 28-33). Boa parte do debate travado na “filosofia crítica da história” pode ser incluído neste modelo. A teoria das covering laws evidentemente opera no modo mecanicista, e foi formulada em parte como crítica do formismo de pensadores como Wilhelm Windelband.201 O “modelo de séries contínuas” de Dray e a explicação pelo seguimento de estórias, de Gallie, podem ser apontados como exemplos ao menos próximos do modelo formista. Dray, porém, não propõe que a explicação na história funciona de apenas uma maneira, e nisto se aproxima de White. Basta vermos que as propostas de “explicar o quê”, bem como a da coligação, são formuladas no modo contextualista. Porém, como o restante da “filosofia crítica”, Dray não aceitava a legitimidade dos modos organicista e mecanicista, quando estas se manifestam nas tentativas de

201

Isto foi apontado por Dray em FETZER, James (Org.). Op. cit., 221.

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determinar o sentido ou as leis da história de maneira “especulativa”. (White não discute a possibilidade de se empregar estes modos em textos de escopo mais reduzido.) Há, por fim, o nível da implicação ideológica. Ideologia, para White, é “um conjunto de prescrições para a tomada de posição no mundo presente da práxis social e a atuação sobre ele”. A adoção de um modo específico de “realismo” deriva de tais prescrições, motivo pelo qual são de caráter ético. Para ele, o “momento ético de uma obra historiográfica se reflete no modo de implicação ideológica pelo qual uma percepção estética (a elaboração do enredo) e uma operação cognitiva (o argumento) podem combinar-se para deduzir enunciados prescritivos daqueles que pareçam ser puramente descritivos ou analíticos”. As implicações morais de um determinado argumento histórico têm de ser inferidas do relacionamento que o historiador presume ter existido, dentro do conjunto de eventos considerado, entre a estrutura de enredo e a forma do argumento (MH, 41). Para White, “não existem premissas extra-ideológicas que permitam arbitrar entre as conflitantes concepções do processo histórico e do conhecimento histórico a que recorrem as diferentes ideologias”, pois tais concepções têm origem em considerações éticas. Não se pode esperar que haja meios científicos ou realistas para julgá-las, porque elas definem o que conta como uma abordagem histórica científica ou realista (MH, 40-41). São quatro as implicações ideológicas que White distingue para a historiografia oitocentista, com base em Mannheim: o anarquismo, o conservantismo, o radicalismo e o liberalismo. Todas as quatro reconhecem a inevitabilidade da mudança social, mas representam visões diferentes quanto à desejabilidade e quanto ao ritmo em que tal mudança é efetuada. As várias ideologias, portanto, possuem “diferentes orientações temporais”, que Mannheim classifica por suas tendências à “congruência” ou à “transcendência” social, num espectro que vai do conservantismo, pelo liberalismo, em seguida pelo radicalismo, até o anarquismo. É “o valor atribuído à instituição social existente que explica suas diferentes concepções, tanto da forma da evolução histórica quanto da forma que deve assumir o conhecimento histórico (MH, 40). Não possuímos qualquer oposição a este argumento. As duas críticas que faremos em relação à sua abordagem acerca da relação entre a ideologia e o restante da estrutura da narrativa histórica consistem em desenvolvimentos de potencialidades de sua própria obra. O primeiro deles diz respeito à relação entre a narrativa e os “dados”, tema que sempre foi o aspecto mais criticado, e certamente o mais criticável, de sua obra. Em suas elaborações posteriores à A Poética da História, ao menos três direções

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para a questão podem ser traçadas: em A Tropologia, o Discurso e os Modos da Consciência Humana (1978), White afirmava enfaticamente que o discurso constitui os dados que pretende apenas representar; na introdução de Figural Realism (1999), identifica mais claramente a correspondência entre o nível dos tropos e o do enredo. Nesse meio tempo, porém, em The Value of Narrativity in the Representation of Reality (1980), White defendeu que, em última instância, o que governa a estruturação narrativa do discurso é seu caráter “moralizante”. Embora o próprio White tenha insistido cada vez mais no caráter constitutivo deste ato poético determinado em última instância por fins morais, seu recurso à noção de “responsabilidade cognitiva”, de Stephen Pepper, representa uma espécie de contradiscurso implícito em sua obra. Neste contradiscurso, os “dados” (em contraposição ao enredo), a “racionalidade” (em contraposição ao “ato poético”) e a “cognição” (em contraposição à moralização) recuperam parte do terreno perdido em sua estrutura da obra histórica. Segundo ele, Pepper emprega a noção “para fazer distinção entre sistemas filosóficos comprometidos com defesas racionais de suas hipóteses de mundo e outros que não têm tais compromissos”. Daí que doutrinas como o “misticismo”, o “animismo” e o “ceticismo extremo” tivessem um “conteúdo positivo [...] em última instância indefensável em bases racionais, uma vez que negam ao fim a autoridade da própria razão” (MH, 38). A insistência no reconhecimento da “responsabilidade cognitiva” das “implicações ideológicas” analisadas poderia defender White até mesmo de críticas que associam sua defesa da importância da “efetividade” a uma certa permissividade diante de posturas fascistas, já que, conforme o próprio, o fascismo não é cognitivamente responsável. As formas de implicações ideológicas oitocentistas empregadas por ele em Meta-História são, em sua opinião, “cognitivamente responsáveis‟ de um modo que suas congêneres „autoritárias‟ não são”, pois “não assumem suas responsabilidades diante da crítica desfechada por outras posições, diante dos „dados‟ em geral ou do controle pelos critérios lógicos de consistência e coerência” (MH, 38). Curiosamente, porém, White nunca mais recorreu à noção de “responsabilidade cognitiva”, nem mesmo diante de críticas como as de Carlo Ginzburg, que associa seu pensamento ao pensamento fascista, logo não responsável cognitivamente, de Giovanni Gentile. Além de não levar tão a sério a noção de “responsabilidade cognitiva”, White também não o fez, como já argumentamos, com a concepção poética de linguagem, que, em Meta-História, era ignorada no nível da crônica em detrimento de um positivismo reintroduzido sub-repticiamente. White dizia que as implicações ideológicas podem ou

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não estar formalmente delineadas na narração: o “tom ou clima em que estão moldadas a resolução do drama e a epifania da lei que assim se manifesta” já bastam para que tais implicações sejam delineadas. White deveria concluir disto, mas não o faz, que o nível do léxico, equivalente à crônica dos eventos, descrita de uma certa maneira, pode portanto direcionar a leitura de uma ou outra implicação ideológica tanto quanto o enredo, o argumento ou sua combinação. Mas White está certo em apontar que a descrição dos eventos na crônica não poderia servir como árbitro da escolha de um ou outro modo de representar realisticamente a realidade, já que a escolha de uma ou outra descrição também se dá por motivos éticos, estéticos ou ideológicos. Vimos que, segundo White, a implicação ideológica pode ser “deduzida” de uma combinação do enredo e do argumento. A combinação entre os três níveis, por sua vez, forma o que White chama de “estilo”. O estilo é governado por “homologias estruturais” que geram “afinidades eletivas” entre os três níveis interpretativos, que, portanto, “não podem ser indiscriminadamente combinados” (MH, 43-44). Tais afinidades podem ser representadas na tabela abaixo (MH, 44; o primeiro item à esquerda será discutido adiante):

Tropo dominante Metáfora Metonímia Sinédoque Ironia

Modo de elaboração de enredo Romanesco Trágico Cômico Satírico

Modo de argumentação Formista Mecanicista Organicista Contextualista

Modo de implicação ideológica Anarquista Radical Conservador Liberal

As combinações acima delineadas não são, porém, necessárias. A obra de todo historiador “magistral”, para White, apresenta uma “tensão dialética” oriunda da tentativa de aliar modos inicialmente incompatíveis entre si. Porém, esta tensão parece ser o próprio critério Ŕ circular, portanto Ŕ utilizado para White para definir quais historiadores são magistrais e quais não são.202 Tal tensão “se desenvolve dentro do contexto de uma visão coerente ou imagem diretiva da forma da totalidade do campo histórico”. Os “atributos estilísticos” resultantes desta visão possuem fundamentos 202

David Carroll (On Tropology: The Forms of History. Diacritics, 1976, pp. 58-64) nota uma relação entre o “abuso da palavra „grande‟ para descrever historiadores”, “às vezes aparece quarto ou cinco vezes no mesmo parágrafo”, e um pressuposto mais geral do livro: White parece possuir uma concepção ostensivamente romântica do historiador-escritor como um criador (em termos de seu uso da forma) e gênio. A forma permanece em White uma expressão do self [...]”. O comentário é um tanto mais preciso se nos atentarmos ao fato de que em 1976 os textos mais antigos de White eram praticamente desconhecidos dos comentadores, que portanto tendiam a ver o esquema de Meta-História mais como uma manifestação da falta de escolha humana do que parte de um esquema em que tal escolha é um fator fundamental.

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“poéticos, e especificamente linguísticos, por natureza” (MH, 44). Eles são os elementos prefigurativos: Antes que o historiador possa aplicar aos dados do campo histórico o aparato conceptual que usará para representá-lo, cabe-lhe primeiro prefigurar o campo, isto é, constituí-lo como objeto de percepção mental. Esse ato poético é indistinguível do ato linguístico em que o campo é preparado para a interpretação como um domínio de tipo particular.

As características dessa “estrutura profunda” foram relativamente pouco desenvolvidas por White ao longo de sua obra. Em Meta-História, o leitor se depara com menos de cinco páginas a respeito. Na introdução de Trópicos do Discurso, o tema é retomado em maior detalhe; mas, depois disso, raramente o é, e nunca de maneira sistemática. White define o ato de prefiguração como aquele ato poético pelo qual o historiador constitui o “campo histórico” como objeto de percepção mental. Ele é anterior e constituinte até mesmo dos conceitos que o historiador “empregará para identificar os objetos que povoam aquele domínio e caracterizar os tipos de relações que eles podem manter entre si” (MH, 44-45). São quatro estes tropos linguísticos por meio dos quais o historiador pode prefigurar seu objeto de estudo: a metáfora, a metonímia, a sinédoque e a ironia. Embora todas sejam “tipos de metáfora”, “diferem umas das outras nos tipos de reduções ou integrações que efetuam no nível literal de suas significações e pelos tipos de iluminação que têm em mira no nível figurado” (MH, 45). A metáfora é essencialmente representacional; a metonímia, reducionista; a sinédoque, integrativa; e a ironia, negacional. As três primeiras destas figuras, para White, são “ingênuas”. Eles se apresentam como paradigmas, supridos pela própria linguagem, das operações pelas quais a consciência pode prefigurar áreas problemáticas da experiência. O tropo da ironia, por outro lado, é “autoconsciente”, proporcionando um paradigma linguístico radicalmente autocrítico inclusive em relação ao esforço de captar adequadamente a verdade das coisas na linguagem. Por isso mesmo, “a ironia é em certo sentido metatropológica, pois desenrola-se na percepção autoconsciente do possível abuso da linguagem figurada”. O termo aparece em vários sentidos ao longo do livro: John Nelson distingue ao menos quatro usos fundamentais, com várias nuances mais específicas. O próprio White falava de dentro do tropo da ironia, buscando “voltá-la contra si própria”, o que equivale a dizer que sua meta era libertar a historiografia da “ironia ideológica” dominante na disciplina desde a “crise do historicismo”. Kellner tem

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razão, então, quando, ao comparar as diferenças na “Ironia” do Iluminismo com a do século XX, caracteriza o local de fala de White: A ironia do Iluminismo tardio é um “momento” dentro de um discurso que é amplamente Metonímico; a Ironia do século XX é o tropo amplo do próprio discurso, um Meta-Tropo [Over-Trope], dentro do qual diferentes visões trópicos podem operar, incluindo um momento irônico dentro do discurso irônico (o que é, praticamente, Meta-História).

Como Ankersmit aponta, a “alegação de verdadeiramente surpreendente” de Meta-História é que “a grade é opcional” (FRHW, 36). Até mesmo no “nível profundo”, é possível escolher quase tropo usar. O que não é opcional é a própria atividade de tropeamento: algum tropo necessariamente opera em todo uso da linguagem comum. Isto fica claro quanto White recorre à “distinção entre esquemas e figuras em retórica convencional”. Ele explica que “um esquema [...] é uma ordem de representações que não envolve saltos ou substituições „irracionais‟; já uma figura envolve precisamente tal substituição irracional (ou pelo menos inesperada)”. Como considera toda a linguagem como essencialmente poética, o que diferencia um uso “científico” é a eliminação dos “desvios” da linguagem por meio do estabelecimento de um protocolo. Para todo discurso que, como a história, deve recorrer à linguagem comum, tropear é inevitável. Assim caracterizada, a “figura” não parece possuir qualquer relação com o conceito de Auerbach. No entanto, é exatamente o caráter figurativo do tropo que faz com que ele opere por meio de um processo de preenchimento de figuras. Pois cada figura de linguagem preenche a anterior, e, ao fazê-lo, passa a aguardar preenchimento pela figura subsequente. White considera não apenas que a “consciência” das sociedades se modifica por meio do preenchimento de figuras, mas também que os discursos sobre estas sociedades o fazem. Ambas compartilham a mesma estrutura tropológica de consciência. Sua análise desta estrutura em A Formação da Classe Operária Inglesa, de E. P. Thompson, deixa claro: Demorei-me nesse desempacotamento tropológico da estrutura do discurso de Thompson porque, diferentemente de Piaget e de Freud em suas análises da consciência, Thompson afirma estar atentando em primeiro lugar para a realidade histórica concreta, e não para a aplicação de um método. Ademais, conquanto estivesse preocupado com a consciência humana, preocupava-se com ela como fenômeno de grupo social, e não como fenômeno individual. Se louvamos (como muitos o fizeram) a sua afirmação de que derivou de uma consideração empírica da evidência as suas categorias a fim de discernir entre fases diversas no desenvolvimento dessa consciência de grupo, então foi alcançado algum tipo de confirmação empírica da atuação dos modos tropológicos na consciência de grupo. Se consideramos que ele impôs esses

172 modos à esfera geral de fenômenos por ele estudados, como um meio de caracterizá-la segundo um modo puramente hipotético, com o único fito de delinear as estruturas mais amplas de sua representação no seu discurso sobre ela, teremos então de perguntar por que um intérprete de “dados” tão sutil encontrou esse padrão tropológico para organizar seu discurso, e não algum outro. Se, entretanto, concordamos em que a estrutura de qualquer discurso complexo, isto é, autoconsciente e autocrítico, espelha ou reproduz as fases por que a própria consciência deve passar na sua progressão de uma compreensão ingênua (metafórica) para uma compreensão autocrítica (irônica) de si mesma, então deixa de existir a necessidade de uma escolha entre os juízos alternativos acima arrolados. (TD, 33).

A compreensão deste caminho da metáfora até a ironia pela metonímia e pela sinédoque pelo qual a consciência (seja as que o historiador toma como objeto, seja a sua própria) passa em sua compreensão do mundo fica especialmente clara em sua “decodificação” de Foucault, em 1973. White analisava, em Foucault Decodificado, que este filósofo Ŕ como também Derrida (TD: 285-307) e os demais estruturalistas (MH: 14) Ŕ é “cativo” das estratégias tropológicas de seu discurso, ou seja, não as percebe como constituintes de sua própria análise. Discutindo As Palavras e as Coisas, White argumenta que “a busca das similitudes” empregada pelas ciências humanas no século XVI “continha as sementes de sua própria frustração”, pois trouxe à toma a percepção da “dessemelhança fundamental entre as coisas”. Esta percepção, diz ele, “levou a um abandono do modo de discurso fundado no paradigma de semelhança” e abriu espaço para um fundado na busca pela contiguidade entre as coisas. As ciências humanas operaram assim durante os séculos XVII e XVIII, até que as categorias da Analogia e da Sucessão preenchessem “o lugar onde a plenitude clássica do ser silenciou”. Veio à tona, assim, a tentativa de elaborar uma ciência histórica do homem. Porém, este projeto explicitou a incapacidade da linguagem de representar o mundo adequadamente. As ciências humanas, para ele, reproduziam este estado “irônico” propiciado pela descrença no poder representativo da linguagem. Isto significa, para White, que o que Foucault demonstrou foi que dos séculos XVI ao XX as ciências humanas operaram num ciclo que rumou da metáfora para a metonímia para a sinédoque para a ironia como consequência de sua própria lógica interna. Alguns comentaristas de Meta-História, como Fredric Jameson e Arnaldo Momigliano,203 se basearam neste artigo sobre Foucault para esclarecer o processo de

203

JAMESON, Fredric. Figural Relativism, or the Poetics of Historiography. Resenha de Metahistory, de Hayden White. Diacritics, v. 6, n. 1, 1976, pp. 2-9. MOMIGLIANO, Arnaldo. The Rhetoric of History

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mudança tropológica. Ambos, porém, consideravam que White não fornecia uma “explicação precisa” a respeito. Jameson afirmou que White estava tendo uma “ilusão de ótica” provocada pelo formalismo de sua abordagem, o que o levava a uma concepção de tempo “circular”.204 Para White, porém, adotar um método formalista não equivalia a presumir que a lógica interna dos tropos fosse independente em relação ao mundo. Em coerência com isto, podemos lembrar que, em Meta-História, há uma discussão prolongada sobre a “disciplinarização” da história no início do século XIX, em forte contraste com as discussões do formalistas do restante do livro. E, exatamente por causa desta dependência, White não se incomodava com a incompatibilidade com que ocasionalmente a passagem de um a outro tropo manifesta em relação ao “modelo formal” de Meta-História. Mandelbaum, por exemplo, em sua análise do livro, considera que este sistema “inflexível” não teve seu “esquema de desenvolvimento” demonstrado, não apenas porque White ignorou fatores intelectuais como o nacionalismo, a Kulturgeschichte, a biologia evolucionária, o evolucionismo social, o interesse sociológico nas massas, etc., mas também porque a própria seleção de autores deixou de lado nomes cuja compatibilidade com a linha de desenvolvimento de White “não era evidente”.205 Mas, como fica claro em O Que Está Vivo e o Que Está Morto na Crítica de Croce a Vico, White não concebera seu próprio modelo de forma tão rígida. Defendendo Vico das críticas de Croce, White afirmava que a “lei dos ricorsi” não requer que todas as civilizações completem seu corso para que seja válida (como Croce exigia de Vico, embora desaprovasse a própria tentativa de formular “leis” para a mudança histórica). A “lei dos ricorsi”, dizia ele, é “menos uma „lei‟ que uma teoria ou uma interpretação, vale dizer, um conjunto de leis cuja utilidade para fins de previsão requer a especificação das condições limite em que se aplicam aquelas leis” (TD, 250). Sem dúvidas, o mesmo vale para sua interpretação da historiografia do XIX, baseada no próprio Vico:

and the History of Rhetoric: On Hayden White's Tropes. Comparative Criticism: a Yearbook, n. 3, 1981, pp. 259-268. 204 Crítica parecida foi feita por David Carroll, mas este ao menos especificava que o retorno à ironia “não é simplesmente cíclica no sentido viconiano, mas também dialético no hegeliano, pois nós não retornamos exatamente à mesma ironia, nem retornamos exatamente da mesma maneira”. Para Jameson, o procedimento de White poderia se tornar “genuinamente histórico” se levasse em conta que a infraestrutura limita algumas combinações dos tropos. Para Carroll, da mesma forma, White situava o processo interpretativo “fora do processo da história”. 205 MANDELBAUM, Maurice. The Presuppositions of Metahistory. History and Theory, v. 19, n. 4, Beiheft 19: Metahistory: Six Critiques. 1980, pp. 39-54. Mandelbaum aponta também que White ignora trabalhos que tentam corrigir os feitos por historiadores antecessores, além de textos voltados não à narração, mas à solução de problemas.

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A morte de uma pessoa antes da puberdade não invalida as “leis fisiológicas do desenvolvimento orgânico” que regem a fase pubertária; ela tão-somente requer, se quisermos explicar a incapacidade particular de chegar à puberdade, que invoquemos outras leis, especificamente as que expliquem a morte do organismo, para esclarecer por que não se confirmou a predição de que a puberdade ocorreria normalmente (TD, 250).

“Normalmente”, no caso da tropologia, significa: de acordo com sua lógica interna. Tanto é possível subverter esta lógica que o próprio White propõe uma libertação da condição irônica em que a historiografia se encontrava desde a “crise do historicismo”. Em Vico, aponta White, o Cristianismo atua como “um solvente, de origem divina, da consciência irônica” (TD, 237). Em White, não se trata de mobilizar uma doutrina “verdadeira” contra a ironia, ou seja, de definir o protocolo linguístico “correto” para praticar a historiografia. Pelo contrário, para ele, apenas o reconhecimento da multiplicidade de formas pelas quais a realidade pode ser representada é o que possibilita a saída autoconsciente de uma dada sequência tropológica, possibilitando sua utilização criativa.

3.7. Filosofia utópica da história Em 1969, White assim falou sobre a “política da filosofia da história contemporânea”: Na minha visão, o debate iniciado por Popper e Hempel há cerca de vinte e cinco anos foi tão longe quanto pode nas linhas originalmente delineadas para o seu desenvolvimento. A relação entre narrativa histórica convencional, explicação história, e ciência social, foi tão bem analisada quanto pode ser dentro do contexto de uma tradição filosófica que está contente em deixar o mundo tal como o encontra. [...] No que diz respeito ao estudo do passado, é talvez apenas por meio de um questionamento radical da utilidade de tal estudo que nós poderemos contribuir para a salvação da espécie humana, à qual é nossa obrigação, como pensadores, servir (FN, 152).

As “conclusões gerais” de Meta-História são melhor compreendidas como a proposta de uma filosofia da história alternativa: uma que permita a mobilização da história para a vida. Como vimos na seção anterior, apenas o reconhecimento da liberdade humana para escolher o protocolo linguístico a ser utilizado na “escolha do passado” poderia informar esta filosofia da história libertária. São sete as suas conclusões:

175 1) não pode haver “história propriamente dita” que não seja ao mesmo tempo “filosofia da história”; 2) os modos possíveis de historiografia são os mesmos que os modos possíveis de filosofia especulativa da história; 3) esses modos, por sua vez, são na realidade formalizações de intuições poéticas que analiticamente os precedem e que sancionam as teorias particulares usadas para dar aos relatos históricos a aparência de uma “explicação”; 4) não há apodicticamente premissas teóricas infalíveis em que se possa de forma legítima assentar uma justificativa para dizer que um dos modos é superior aos outros por ser mais “realista”; 5) em consequência disso, estamos irremediavelmente presos a uma escolha entre estratégias interpretativas opostas em qualquer esforço de refletir sobre a história em geral; 6) como corolário disso, os melhores fundamentos para escolher uma perspectiva da história em lugar de outra são em última análise antes estéticos ou morais que epistemológicos; e, finalmente, 7) a exigência de cientificização da história representa apenas a declaração de uma preferência por uma modalidade específica de conceptualização histórica, cujas bases são morais ou estéticas, mas cuja justificação epistemológica ainda está por estabelecer.

Estas conclusões, por sua vez, podem ser sintetizadas em uma mais fundamental, da qual decorrem duas especificações. O argumento central é o do item 3, segundo o qual qualquer modo historiográfico é precedido e sancionado por uma intuição poética. Os desdobramentos são: isto vale tanto para a história propriamente dita quanto para a filosofia da história (itens 1 e 2); e a escolha de um ou outro modo se dá em bases éticas ou morais, pois a epistemologia não fornece critérios de “realismo” (itens 4 a 7).206 O primeiro dos desdobramentos é amplamente dependente da conclusão central, mas este último pode ser reformulado mesmo que não se aceite o postulado da “estrutura poética” da historiografia. Assim, embora seja verdade que a ética é a dimensão da historiografia mais enfatizada por White ao longo de sua carreira de White, em MetaHistória sua importância é apontada como decorrente da impossibilidade de se determinar epistemologicamente os “critérios meta-históricos”. Mas seu argumento (anti-)epistemológico tem caráter negativo, que funciona para “limpar o terreno” para a tese afirmativa, a de que, se não há nenhuma maneira de determinar a forma correta de representar a realidade, tal representação pode ser feita de inúmeras formas diferentes. A tese central e a primeira especificação buscam transcender as questões da filosofia crítica da história do período, que, em primeiro lugar, não percebia que tanto a 206

Inspiramo-nos, aqui, em Jacques Le Goff (História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1990, p. 29), para quem as conclusões de Meta-História “podem resumir-se em três ideias: 1) Não existe diferença fundamental entre história e filosofia da história; 2) A escolha das estratégias de explicação histórica é mais de ordem moral ou estética do que epistemológica; 3) A reivindicação duma cientificidade da história não é mais que o disfarce de uma preferência por esta ou aquela modalidade de conceitualização histórica”. Mas, como argumentei, todas estas três conclusões, especialmente a primeira e a última, são derivadas da afirmação de que qualquer modo de (filosofia da) história resulta de uma intuição poética precedente, conclusão que curiosamente Le Goff deixa de fora de sua síntese. Talvez por não perceber a importância desta conclusão, o medievalista empregue o termo “disfarce” para caracterizar a opinião de White acerca da exigência de cientificidade da história Ŕ a não ser que concordemos ser possível disfarçar aquilo de que não se está consciente.

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explicação mecanicista (Popper, Hempel, M. White) quanto a explicação por relato (Dray, Gallie, Mink) derivam de um ato poético fundamental, e que, em segundo lugar, por não perceberem tal ato, distinguiam por tipo as histórias e as filosofias da história. David Carr afirma: esta “interessante característica da obra de White tem sido, creio eu, amplamente negligenciada”. Para Carr, White é parte (com Popper, Karl Löwith e outros) do grupo que, após a Segunda Guerra Mundial, se pôs a analisar a filosofia “clássica” da história (como Carr prefere chamá-la). Para este projeto, Carr sugere o nome de “metafilosofia da história, ou a filosofia da filosofia da história” (RFHW, 1517). Em sua própria abordagem, uma “metafilosofia da história pós-Hayden White”, Carr junta-se a ele na recusa de uma distinção clara entre história e filosofia clássica da história. Para ele, ao presumirmos que elas “realmente diferem” (grifo adicionado), ignoramos o importante fato de a filosofia clássica da história tem um caráter mais prático do que teórico: Kant, Marx e Hegel, para ele, não estavam descrevendo a história do futuro da humanidade (como Danto pensava, criticando-os), mas propondo uma. Essa implicação faz com que uma das conclusões de Carr seja amplamente compatível com a obra de White: Parte da historicidade humana é que nós vemos a nós mesmos e nossa situação presente como o ponto de virada dramático entre o passado e o futuro, e nós arranjamos o passado de uma maneira tal que torne um certo futuro significativo, se não inevitável. Neste sentido, a narrativa não é apenas a metafísica do cotidiano, como Danto disse, mas também a metafísica da vida social e histórica (RFHW, 32).

Assim embora Carr derive estes argumentos de sua crítica a Mink e a White (segundo a qual “a função da narrativa é prática antes de ser cognitiva ou estética”, como ambos pensavam, respectivamente), sua conclusão em relação à finalidade das filosofias da história é semelhante à de White.207 Em suas análises desde fins dos anos 1960, White criticava a “política da filosofia contemporânea da história” pelo “acordo virtualmente universal” nela vigente de que “a „meta-história‟ ou filosofia especulativa da história, a tentativa de determinar a Weltplan ou leis universais do processo histórico, é uma ofensa contra a filosofia, a ciência, e afins da história propriamente dita” (FN, 142). Mas tal distinção, para ele, era “ideologicamente carregada” (FN, 143). Sua divisão real seria “entre aqueles que desejam usar a história para refrear o impulso para

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Comparemos a afirmação de Carr com a de White, em 1969: “Agora nós vemos que a nossa reconstrução de um passado socialmente útil não é senão o outro lado do nosso encontro com a nossa ordem social recebida e uma função dos projetos que nós estabelecemos para o nosso futuro social” (FN, 136).

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generalizações totalizantes (ou metafísicas ou éticas) e aqueles que querem usá-la para cultivar aquele impulso” (FN, 141). É isto, para White, que difere a posição de Sartre (que é também a dele próprio) da de Popper: “ambos veem a busca por leis na história como a manifestação de uma inclinação socialista”, mas discordam quanto à sua desejabilidade. White associa a rejeição à “meta-história” à proibição de se formular análises históricas em outros termos que não os da “sabedoria comum do grupo”, ou seja, que não nos modos linguísticos “disciplinados”. Se, como Mink afirmou, o que é dito na historiografia é inseparável de como é dito (FN, 137), e se, como Mannheim afirmou (1954), toda ideologia ou é socialmente congruente ou é socialmente transcendente, então tal recusa tem implicações ideológicas específicas. Nesse caso, elas são ou conservadoras ou liberais: “me parece que a objeção ao uso da visão de um futuro desejável para dar forma ao relato do passado e do presente faria sentido apenas para aqueles que consideram o presente satisfatório como está” (FN, 144; grifo adicionado). Embora fale em futuro “desejável”, White reconhecia que alguns “meta-historiadores” tentavam profetizar o futuro. Em sua ênfase utópica, White não fica sujeito às críticas de Danto; mas, ao afirmar que as referidas “profetizações” e “legislações” “são exatamente o que falamos quando falamos em radicais”, acaba sendo um alvo potencial delas. A diferença, como entre Sartre e Popper, passa a ser o quão recompensadores pareçam, a um ou outro pensador, os riscos inerentes a isto Ŕ que podem, não necessariamente precisam ser algo como a tentativa de distinguir as “Leis Inexoráveis do Destino Histórico”.208 Para Danto, é desejável que não se pretenda conhecer um futuro que está aberto; para White, o desejável é que não se feche a possibilidade de projetá-lo. Como Carr apontou, prescrever um futuro desejável significa incluir o presente e o passado em uma estória maior, “e isto pode requerer que o presente e o passado sejam descritos de uma nova maneira. Então nós podemos dizer que eles estão sendo redescritos” (RFHW, 25). Aqui, as teses de que os eventos existem sempre sob descrição (Danto), de que os eventos da narrativa adquirem sentido em função da estória como um todo (Mink e White), e de que o sentido é projetado retrospectivamente (Danto, Mink e White) são mobilizadas com força total em prol do ideal utópico de Hayden White.

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POPPER, Karl. The Poverty of Historicism. New York: Harper & Row, 1961.

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Conclusão I Neste trabalho, estudamos o conceito de narrativa no contexto da filosofia “crítica” ou “analítica” da história anglo-saxônica. Nosso recorte temporal se inicia por volta de 1942, com a publicação de A Função das Leis Gerais da História, e, embora faça referências a desenvolvimentos posteriores, se encerra por volta de 1973, ano em que Hayden White publica Meta-História. A mudança que buscamos mostrar é a passagem de uma concepção da narrativa como ordenação de frases causais à visão de que a narrativa é o instrumento de um juízo sinóptico nos quais os eventos fazem sentido em relação ao todo em que estão inseridos, não podendo, por isso mesmo, ter sido “vivida” pelos agentes. Afirmamos que, em amplo diálogo com R. G. Collingwood e Arthur Danto, e em sintonia com tendências intelectuais de outras áreas do saber, esta concepção de narrativa se desenvolveu especialmente nos sistemas filosóficos de Louis Mink e Hayden White. No capítulo 1, afirmamos que a filosofia da história anglo-saxônica teve a problemática da “explicação histórica” como tema central desde 1942 até meados dos anos 1960. Buscamos mostrar que parte considerável das críticas ao modelo das covering laws foi construído em diálogo com a obra de Collingwood, inicialmente com enfoque na forma narrativa assumida pela explicação de ações (Dray) ou de qualquer processo cujo desenvolvimento se queira seguir (Gallie), posteriormente com atenção ao caráter apriorístico e estruturante do julgamento histórico (White e Mink). Embora Collingwood houvesse ocasionalmente percebido a retrospecção como condição de possibilidade do conhecimento histórico, mais perceptíveis aos seus leitores eram os tons “presentistas” da doutrina do re-enactment. Assim, a retroatividade da explicação ou compreensão histórica foi posta em discussão por outros meios. Seu caráter teleológico já havia sido apontado por Walsh desde a década de 1940, quando este filósofo afirmou que parte do trabalho do historiador é realizar uma “coligação” de ações intencionais, cujo desfecho ele conhece, graças a seu afastamento temporal. Mas foi Danto, por meio da ideia de que só há “eventos sob descrição”, que mais severamente chamou à atenção o fato de, na conexão entre dois eventos, o mais antigo é ressignificado ao ser posto em diálogo com o posterior. Uma das implicações disto é que novas descrições dos eventos serão sempre possíveis (neste sentido, como o futuro é “aberto”, o passado também o é); outra, como Mink e White argumentariam, é que

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toda narrativa construída com distância temporal em relação aos eventos “vividos” irá redescrevê-los. No capítulo 2, buscamos mostrar como o desenvolvimento intelectual de Louis Mink culminou em uma combinação dos problemas da retrospecção e da sinopticidade segundo a qual a estória contada posteriormente não corresponde, descritiva e conceitualmente, a uma História Universal a que o historiador possa aproximar seu próprio relato. Mostramos que Mink inicia sua carreira interessado em formular uma epistemologia capaz de explicar adequadamente o conhecimento do passado, algo que, em sua opinião, havia sido amplamente negligenciado pela filosofia até então. Para fazê-lo, argumentava ele, é necessário levar em conta que o passado é determinado (embora nem as descrições de seus eventos nem o conjunto de relações em que eles serão postos o sejam, como ele argumentaria posteriormente), enquanto o futuro não o é. Assim sendo, Mink rejeitava qualquer “imperialismo metodológico” que buscasse conhecer o passado da mesma forma que se busca conhecer o presente ou antever o futuro. Tal rejeição o levou a formular o conceito de “modos de compreensão”, especificando para o conhecimento histórico o tipo de compreensão “configuracional”, no qual eventos particulares são ligados para formar um “todo simultâneo”. Para explicar as características desta forma de conhecimento, Mink formulou a tese de que as conclusões de um texto histórico não são, como as científicas, destacáveis do restante do argumento; a “conclusão” é a disposição das evidências na narrativa como um todo. Buscamos mostrar que uma segunda linha de desenvolvimento do pensamento de Mink se manifestou em sua leitura de Collingwood, da qual Mink concluiu que conhecemos o passado a partir da “constelação de pressuposições absolutas” do presente, e, dessa forma, a compreensão histórica se caracteriza por uma tensão entre diferentes formas de compreender o mundo. Assim sendo, a compreensão que o historiador tem de um processo histórico não pode ser aquela dos próprios agentes. As duas linhas de desenvolvimento foram postas em diálogo a partir de 1968, e, mais forçosamente em 1970, quando, em History and Fiction as Modes of Comprehension, Mink buscou mostrar que “estórias não são vividas, mas contadas”, o que tanto significa que algumas das descrições das estórias não eram acessíveis aos agentes (como Danto mostrara) quanto que alguns dos conceitos empregados pelo historiador também não o eram (como ele apreendeu da leitura de Collingwood). Dada a discrepância entre a “história contada” e a “história vivida”, Mink passou a se ocupar, nos anos 1970, em identificar um sentido em que a narrativa histórica, e não apenas

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suas frases tomadas individualmente, podia ser considerada verdadeira. Não chegou a encontrar uma resposta, embora insistisse na importância “para o senso comum” de se manter a distinção entre história e ficção. Por fim, mostramos que a apropriação feita por White das teses de Mink tinha por horizonte a tentativa de formular uma filosofia da história capaz de pensar as implicações éticas envolvidas na construção de narrativas. Segundo White, as sociedades humanas constroem suas identidades por meio da escolha de seus ancestrais, cujas figuras preenchem. A retrospecção que caracteriza tais escolhas é de caráter estético, não podendo, portanto, ser compreendida por meio de modelos científicos ou da causalidade: sua causalidade é “figural”. Esta escolha estética é, por sua vez, informada por algum princípio ético por meio do qual as pessoas e sociedades definem quem são e quem querem ser. Buscamos mostrar que, desde sua fase “croceana”, White entendia que as “metáforas” escolhidas para observar a realidade determinavam, como a teoria nas ciências, aquilo que pode ser visto. A partir de O Fardo na História, porém, White insistiu que a escolha consciente das metáforas possibilita a libertação do que antes chamou de “escravidão” de “metáforas parciais”. Sua tentativa de mostrar a possibilidade de “criar” um “passado prático” por meio da adoção de diferentes “criptogramas relacionais” para representá-lo visava libertar a historiografia da condição de “ironia ideológica” em que se encontrava desde a “crise do historicismo”. Enquanto escrevia o livro de “história monumental” pelo qual mostraria as possibilidades de representar a realidade na “época de ouro” da historiografia, White recorreu à noção de enredo, adaptada de Northrop Frye, para explicar as maneiras pelas quais os historiadores e filósofos da história atribuíam sentido aos seus objetos. Enquanto buscava identificar a relação entre os “enredos” e o “argumento” dos textos que estudava, concebeu a possibilidade de compará-los com a noção de “modos de compreensão”, de Mink. Argumentou que a “compreensão teórica” opera no nível da crônica, a “configuracional” no nível da estória, mas que há uma, mais fundamental, que explica não os eventos, mas a própria estória: a “compreensão categorial” fornecida pelo enredo. Ainda mais radicalmente, como buscamos mostrar, argumentou que o enredo é a “imagem construtiva” por meio da qual o historiador “interpreta” a história. Dissemos que a “teoria dos tropos” de White foi elaborada com o intuito de explicar as correlações entre o “enredo”, a “argumentação” e o recém adicionado “modo de implicação ideológica”. Para White, as diferentes formas de “interpretação” dos processos históricos possuem “afinidades eletivas” devido à estrutura linguística pela

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qual podem ser prefigurados, podendo ser ela a metafórica, metonímica, sinedóquica ou irônica. Este modelo, argumentou ele por fim, podia explicar o desenvolvimento da “imaginação histórica” europeia no século XIX, a qual, em sua visão, rumou de um modo metafórico de apreender a realidade para um irônico, passando pela da metonímia e pela sinédoque. Após identificar este mesmo padrão nos textos de Foucault, Piaget, E. P. Thompson e outros, passou a defender ser este o processo pelo qual a própria consciência humana, tanto a dos agentes históricos quanto a dos historiadores (que também são agentes históricos) apreende o mundo.

II Quando afirmamos que o problema da narrativa, tal como manifestado em MetaHistória e posteriormente desenvolvido por White, se tornou parte da “ciência normal” da teoria da história, não pretendemos dizer que a solução de White foi amplamente aceita pelos participantes do campo, menos ainda pelos historiadores “propriamente ditos”. Pode-se argumentar que o conceito de narrativa assumiu, na disciplina, um caráter “essencialmente contestado”. Há uma grande variedade de usos do mesmo, como há também infindáveis disputas sobre seu “uso correto”. Gallie parece-nos acertar em sua afirmação de que o reconhecimento da contestabilidade essencial de um conceito abre as portas para um ganho de qualidade nas disputas sobre seu uso apropriado, pois conduz a um reconhecimento dos méritos de posições divergentes. Porém, a polissemia ao redor do termo dificulta que se reconheça a existência da própria divergência. Carr, por exemplo, afirma que Mink, White e outros operam com uma distinção falsa entre “narrativa” e “vida”, contra-argumentando que os seres humanos compreendem a “realidade” narrativamente. Sua contribuição é fundamental para questionar a ênfase dada por Mink e White a certo elemento da narrativa, mas devemos ter em mente que tanto “realidade” quanto “narrativa” significam para ele coisas totalmente diferentes do que o fazem para estes autores. Carr fala de “realidade” no sentido de “realidade humana”, enquanto Mink e White o fazem no sentido de um conjunto de eventos não necessariamente experimentados por indivíduos; Carr fala de “narrativa” como a estrutura temporal da ação humana, dotada de retenção e protensão, enquanto Mink fala dela como uma “estória complexa” e White como uma estrutura linguística. Não se trata de discutir, por exemplo, as características desta estrutura linguística: digamos, se ela se impõe ou não sobre os eventos. O que estamos dizendo é que Carr e White em alguma medida (ainda a ser estudada) falam de aspectos não-

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sobrepostos da narrativa. Para que dois pensadores discordem de algo, é essencial que falem da mesma coisa, e nem sempre isto ocorre nos debates sobre a narrativa historiográfica, fazendo com que possíveis convergências sejam deixadas de lado.209 Parece-nos que o mesmo ocorre em quase todos os termos envolvidos no debate sobre a narrativa historiográfica desde então: interpretação, representação, verdade, ficção, arte, linguagem, metáfora, conhecimento, linguagem, etc. Assim sendo, o debate tem muito a ganhar com o mapeamento dos diferentes usos de seus conceitos mais básicos. No que diz respeito ao de narrativa, gostaríamos de sugerir um esquema provisório, a ser corrigido futuramente, que nos permita identificar diferentes usos dos termos. (Algumas observações serão acrescentadas quando o esclarecimento parecer necessário.) Primeiramente, o termo narrativa pode ser empregado para se referir a (1) uma construção ou reconstrução mental, que se passa na consciência do indivíduo, podendo ser compartilhado pelo grupo, no caso do enredo. Estão neste grupo: (1a) A estrutura narrativa da ação. (1b) O ato mental de “ver junto”, como um totum simul, as ações e objetos isolados da experiência. (1c) Os enredos, isto é, as formas de atribuições de sentido compartilhadas por uma sociedade. Estamos afirmando, aqui, que mesmo as ações descritas por Carr podem ser informadas pela compreensão que o indivíduo tem do enredo. Por exemplo, a decisão de ir a uma guerra pode ser parte de uma estória, presente na mente do agente, na qual ele é o herói romanesco. Um segundo grupo de distinções trata das evidências textuais, que, no caso da historiografia, frequentemente são a expressão do pensamento do item (1), mas materializado em textos (ou, menos comumente, expressados por meio da oralidade). Eles só produzirão compreensão quando, por meio da leitura (ou da audição), forem seguidos por mentes humanas na forma de narrativas descritas em (1a), e compreendidos nas formas (1b) e (1c). A importância de levá-los em conta está na 209

Em Meaning, Truth, and Reference in Historical Representation, publicado em 2012, Ankersmit (que outrora tendia a posições mais extremas Ŕ embora continue defendendo que “estórias não são vividas, mas contadas”) mostra que é possível articular de maneira mais proveitosa os posicionamentos de Carr, por um lado, e Mink e White, por outro, quanto à questão: a relação entre viver e narrar, afirma ele, “lembra aquela entre ler e interpretar o que é lido: ambos complementam e mesmo pressupõem um ao outro, mas seguem sendo operações distintas, em última análise”. ANKERSMIT, Frank. Meaning, Truth, and Reference in Historical Representation. Cornell: Cornell University Press, 2012, p. 40.

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necessidade que eles impõem à narrativa historiográfica (da qual falaremos abaixo) de reestruturar suas narrativas de uma forma tal que dê conta de inclui-los, se necessário for. Por exemplo, a imagem totalizante que o historiador possui da Revolução Francesa se modificará (ainda que levemente) a cada documento histórico a que tiver acesso, ou a cada nova narrativa que ler sobre o tema. Assim, temos: (2) A narrativa construída no passado, utilizada pelo historiador como evidência para seu estudo. Esta, por sua vez, pode ser subdividida em: (2a) um evento sob descrição. Mesmo que encontremos tais descrições isoladas, desconhecendo a narrativa a que ela pertencia, tais descrições fazem sentido apenas como parte daquele conjunto. Por exemplo, uma (1a) ação estruturada narrativamente pode ter, como única evidência de sua ocorrência, um bilhete dizendo “vou embora”. Não sabemos para onde, quando, como nem porque o agente o fez, ou seja, nada sabemos da narrativa de sua ação. Mas sua ação foi estruturada de acordo com este conjunto, e portanto o historiador terá que abduzir uma narrativa mental, ainda que descrita em termos suficientemente gerais, para que este evento sob descrição faça sentido. (2b) uma estória; (2c) um enredo. Por exemplo, um romance do século XIX ou um relato de viagens do período moderno podem servir de fonte historiográfica não apenas pelas informações que transmitem, nem apenas pela estória que contam, mas também pelo sentido que produzem. Descobrir os enredos comuns na literatura oitocentista, por exemplo, pode ajudar o historiador a entender tanto o que uma (1) ação significava para um agente do período quanto a maneira pela qual (2) outros textos eram estruturados, inclusive historiográficos que estejam sendo usados como evidência “documental”; (3) O texto historiográfico, que incorpora e reconfigura as evidências mencionadas no nível (2), o que pode ou não ser uma forma de compreender (1) as ações de seres humanos no passado. Ele pode ler itens (2) como um fim em si (como na história literária), como também pode refletir outros do mesmo tipo (como na história da historiografia). Invariavelmente, mesmo quando toma por estudo (1) ações ou (2) textos, deve levar em conta as outras (3) obras

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historiográficas, construídas com procedimentos metódicos específicos deste tipo de narrativa. Aqui também encontramos: (3a) eventos sob descrição; (3b) estória; e (3c) estrutura narrativa.

Os três grupos seguem a distinção básica proposta por White entre estória e enredo, afirmando que as (1a, 2a e 3a) descrições de eventos que compõem uma (1b, 2b e 3b) estória devem fazer sentido à luz do (1c, 2c e 3c) enredo que as informa. Estamos apontando estas nove formas como componentes possíveis, não necessários, na estrutura da narrativa histórica. Por exemplo: um indivíduo pode agir e logo em seguida esquecer a própria ação, e fazê-lo repetidas vezes, sem que nunca mais alguém se lembre delas. Nesse caso, seria difícil dizer que a ação faz sentido por ter sido projetada com vistas a uma estória e a um enredo. Uma criança que ainda não aprendeu os meios compartilhados pela sua sociedade para produzir sentido, por exemplo, pode agir com vistas a uma (1b) estória estruturada, mas ainda sem um (1c) enredo. Nosso argumento, baseado nos autores estudados, é de que mesmo estas as ações ou eventos podem ser redescritos em um contexto narrativo, no qual se tornam significativos. A (1b) estória rapidamente projetada por um atleta que cabeceia uma bola para o gol pode ser redescrita em (3) um texto de história que possua (3a), (3b) e (3c). O atleta poderia ter a estória e o enredo em sua mente no momento da ação (“vou fazer o gol do título e virar um herói nacional”), mas não era necessário que o tivesse. Porém, caso o tivesse, compreender tal enredo seria um pré-requisito para que o historiador pudesse re-enact sua ação, caso desejasse, ou para que pudesse inclui-la em uma nova (3) narrativa historiográfica, ainda que com um novo (3c) enredo, de uma forma que levasse em conta o significado da ação para o próprio agente. Embora o esquema acima proposto fale em nove atribuições possíveis de atividades narrativas, ele é, na verdade, mais complexo:  Cada teórico dá enfoque a diferentes itens dentre os grupos e sub-grupos elencados, e o termo “narrativa” pode ser usado tanto com referência a um ou mais de um deles quanto com a exclusão de alguns deles de sua abrangência. Por exemplo, a insistência na dimensão arquivística da pesquisa tende a ser feita com a afirmação que os níveis (2a) e (2b) determinam a natureza de (3), e poderia focar sua análise na “crítica” pela qual a (1) ação é descoberta por meio

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das (2) evidências. Já Mink, ao afirmar que estórias não são “vividas”, permitiuse compreender como se dissesse não haver narrativas no grupo (1). White, por sua vez, embora não negue (como Mink também não o faz) que (1) seja estruturado narrativamente, subestima a importância da sobrevivência, na (3) narrativa historiográfica, de estruturações já presentes na (1) ação e nas (2) evidências.210 O melhor exemplo de ausência, embora não necessariamente “exclusão”, é o do item (3c), que, antes de White, talvez tenha tido em Collingwood um único pensador a levá-la em conta na filosofia da história anglo-saxônica.  Cada um itens e subitens é caracterizado de maneiras diferentes por cada um dos teóricos. O caso mais notável é o das conexões lógicas. M. White, por exemplo, consideram que a (3b) estória é formada por encadeamentos causais dos (3a) eventos consistem em toda a (3) narrativa histórica. Os (3a) eventos não são “sob descrição” para M. White, enquanto o são para Danto, mas Danto não considera a simultaneidade da compreensão da (3b) estória como Mink o faz.  A relação entre os diferentes itens é caracterizada de maneiras diferentes por cada um dos teóricos. Por exemplo, a opinião de H. White pode ser caracterizada como a de que o (3c) enredo constitui a (3) narrativa historiográfica, determinando a forma que as (1) ações serão interpretadas por meio das (2) evidências. A de Mink pode ser a de que (3b) é a dimensão essencial da narrativa, enquanto (3a) não o é, pois “o tempo não é da essência das narrativas”; mas, diferentemente de White, Mink defendia que alguma estruturação das (1) ações sobrevive e determina o início e o fim dos textos históricos.211 210

LaCapra considera que White vê o historiador como um agente que molda livremente registros documentais inertes, neutros. Insiste, em vez disso, que os documentos são sempre textualmente processados antes que o historiador possa ir a eles, motivo pelo qual os fenômenos põem resistências à sua imaginação. LaCAPRA, Dominick. Rethinking Intellectual History: Texts, Contexts, Language. Ithaca and London: Cornell University Press, 1983, p. 79. LaCAPRA, Dominick. History and Criticism. Ithaca: Cornell University Press, 1985, pp. 34-35. Por outro lado, LaCapra avalia que a fidelidade de muitos historiadores ao “modelo documentalista”, cujo enfoque é criticar (2) evidências para descobrir (1) ações passadas, reduz outros textos a elementos redundantes ou meramente suplementares em relação ao contexto. De maior valia, para LaCapra, seria um modelo que incorporasse tanto a dimensão documentária da linguagem quanto a retórica. LaCAPRA, Dominick. History and Criticism. Ithaca: Cornell University Press, 1985, pp. 18-21. Parece-nos que a atenção às diferentes dimensões narrativas envolvidas nos processos de pesquisa e escrita histórica, tal como propomos aqui, coloca-no em sintonia com proposta de LaCapra. 211 Mink assim comenta a proposta de White de que a passagem de uma a outra ordem moral, da perspectiva do narrador, é o que define o início e o fim das narrativas: “Como W. B. Gallie apontou, as narrativas são, de modo geral, teleológicas: uma narrativa se move por uma série de contingências rumo a

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 Deve-se levar em conta também a relação entre diferentes narrativas do grupo (3). Para a compreensão adequada da operação historiográfica, porém, é indispensável levar em conta a intersubjetividade da construção de um texto histórico, pois o historiador deve lembrar em conta as os eventos, seus encadeamentos lógicos, as estórias, os enredos, os argumentos e as implicações ideológicas de outras (3) narrativas históricas, em cada um de seus níveis, para formular sua própria, e frequentemente buscará corrigi-las ou reescrevê-las.  Poder-se-ia argumentar mesmo pela historicidade da relação entre as várias manifestações do (1c, 2c, 3c) enredo e (1a, 1b, 2a, 2b, 3a, 3b) os demais componentes da narrativa, tanto em relação às (1) ações quanto aos (2) e (3) textos. Isto teria, portanto, consequências tanto para a compreensão dos processos históricos quanto da operação historiográfica. Seria concebível, por exemplo, que em uma determinada sociedade as pessoas se habituassem mais a narrativizar suas próprias vidas que em outras. Da mesma forma, levaríamos em conta que a interpretação de um (3) texto histórico tanto pode visar o reenactment da (1) ação narrada quanto pode se ocupar do (1c) sentido que a ação tinha para o agente.

Vimos que, para White, a história compartilha com a arte sua estrutura literária. Em certo sentido, nossa esquematização concede a ele este ponto: uma “ficção factual” e uma “não factual” podem ter eventos, estórias e enredos. Porém, a história deve levar em conta as dimensões narrativas de todos os níveis aqui incluídos, e esta negociação entre diferentes “ordens narrativas”212 não é necessária em outras formas narrativas. Em

uma conclusão prometida mas aberta. Mas cada estória inclui seu próprio passado como determinando e consequencial, e a conclusão rumo à qual ele se move se torna menos e menos aberto; quando a conclusão é alcançada, não está mais, de modo algum, aberta. As estórias terminam, penso eu, quando, do ponto de vista da própria estória (e de seus protagonistas), é tarde demais para mudar”. “Há uma resposta à questão de White, „Mas em que outras bases [que não o moralismo] poderia uma narrativa de eventos reais possivelmente ser concluída?‟ [...] Em cada estória de questões humanas, intenções, escolhas e ações se movem rumo à realização ou frustração de fins parcialmente almejados e frequentemente mutantes. O fim reflete significado de volta aos eventos que conduziram a ele, mas, por outro lado, o que conta como o fim é constituído pelas intenções, escolhas e ações às quais a descrição dos próprios eventos se referem”. MINK, Louis O. Everyman His or Her Own Annalist. Critical Inquiry, v. 7, n. 4, 1981, p. 782. 212 Martin Jay (Of Plots, Witnesses, and Judgments. In: FRIEDLÄNDER, Saul (Org.). Probing the Limis of Representation. Cambridge and London: Harvard University Press, 1992, pp. 97-107) propôs o abandono da distinção entre crônicas não-narrativizadas, por um lado, e imposição formal de enredo e sentido, por outro, em proveito da tensão entre narrativas de “primeira” e de “segunda” ordem. A negociação entre as diferentes ordens narrativas, afirma ele, limita a arbitrariedade da representação histórica tal como White a concebe. Este esquema permite-nos evitar tanto uma compreensão unicamente “documentalista” da atividade historiográfica, em que as (2) evidências textuais são lidas apenas como

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um esquema simples, concluiríamos afirmando que a (3) narrativa historiográfica é feita pela reescrita ou reelaboração ou desenvolvimento ou preenchimento de lacunas de outras (3) narrativas historiográficas, usando as (2) evidências para permitir que as (1) ações ou (2) textos do processo histórico sejam compreendidos pelos leitores, que então Ŕ como White afirma, mas também Ricœur,213 Rüsen214 e outros Ŕ poderão mobilizar o conhecimento adquirido para novas (1) ações no mundo.

meio de se descobrir (1) ações, quanto uma postura “imposicionalista” do tipo adotado por White, em que (3c) o enredo estrutura todos os outros elementos da narrativa. 213 Na trilogia Tempo e Narrativa, publicada entre 1983 e 1985, Ricœur partiu da hipótese de base de que “o tempo torna-se tempo humano na medida em que é articulado de um modo narrativo”, afirmando a partir daí a tese de que o próprio sentido da operação da configuração constitutiva da tessitura da intriga, ou mimese II, resulta de sua posição intermediária a mimese I e a mimese III, que constituem seu montante e sua jusante. A mimese II extrai sua inteligibilidade de sua faculdade de mediação, que é a de transfigurar o montante em jusante por seu poder de configuração. A trajetória hermenêutica, portanto, percorre o destino de um tempo prefigurado (mimese I) em um tempo refigurado (mimese III) pela mediação de um tempo configurado (mimese II). RICŒUR, Paul. Tempo e Narrativa, v. 1. Campinas: Papirus, 1994, pp. 85-87. Consideramos estar em sintonia com Ricœur em sua argumentação quando ele, já no outono de sua vida, afirmou que a operação historiográfica não apenas lida com uma inescapável dimensão narrativa, como a faz em todas as suas etapas Ŕ que ele chamou de documental, explicativa/compreensiva e representativa. RICŒUR, Paul. A Memória, a História, o Esquecimento. Campinas: EdUNICAMP, 2007. 214 Na trilogia Teoria da História, Rüsen defende que o trabalho intelectual da transformação do tempo natural em tempo humano tem como uma de suas manifestações a ciência histórica, diferenciada pelo fato de proceder metodicamente a fim de orientar o agir e o sofrer humano no tempo presente. As histórias são especificamente científicas, em sua visão, quando são narradas de forma continuamente fundamentada. A historiografia tem de apresentar, mediante a pesquisa, o tempo interpretado de maneira que se torne parte da vida. A “matriz disciplinar” da ciência da história, ou seja, “o conjunto sistemático dos fatores ou princípios do pensamento histórico determinantes da ciência da história como disciplina especializada”, é proposta por Rüsen como sendo composta por cinco fatores interdependentes: (1) o interesse cognitivo pelo passado, articulado em função das carências de orientação da vida humana no tempo; estas requerem (2) ideias, ou seja, critérios de sentido constituintes das perspectivas gerais nas quais o passado aparece como história. É pela aplicação dos (3) métodos da pesquisa empírica que os interesses e as ideias são efetivados na experiência concreta do passado, orientando-se para, e exprimindo-se na (4) historiografia, “para a qual as formas de apresentação desempenham um papel tão relevante quanto o dos métodos para a pesquisa”. Com os resultados de seu trabalho cognoscitivo expressos na historiografia, a ciência da história assume (5) funções de orientação existencial, cumprindo as funções de orientação das quais se originou.

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