Sincretismo Jurídico na Pratica Judiciaria

July 31, 2017 | Autor: Joaquim Fumo | Categoria: Legal Pluralism
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Departamento de Estudos e Investigação “Textos para discussão: comunicações”

O SINCRETISMO JURÍDICO NA PRÁTICA JUDICIÁRIA Por: Joaquim Fumo Formador e Investigador do CFJJ

Maputo, Dezembro de 2010

O Sincretismo Jurídico na Prática Judiciária1 Joaquim Fumo2 1. Introdução O presente trabalho é resultado de uma investigação sócio jurídica levada a cabo pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) em parceria com o Centro de Estudos Sociais (CEJ) da Universidade de Coimbra, no âmbito do trabalho preparatório da revisão das leis da Organização Judiciária, do Estatuto Orgânico do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ3), dos tribunais comunitários. Adicionalmente o estudo incluiu a análise de outras instâncias de resolução de conflitos (AMETRAMO4, líderes comunitários e ONGs) avaliando o seu funcionamento e articulação, e a sua potencialidade para o exercício da cidadania O texto é produto da investigação realizada no Tribunal Judicial do Distrito Urbano nº 25 e nos tribunais comunitários situados na mesma área jurisdicional. O objectivo principal é mostrar o sincretismo jurídico na articulação entre a justiça judicial e a comunitária6 na prática judiciária partindo do facto de, historicamente, a evolução da organização judiciária ter tido implicações na articulação entre os dois subsistemas de justiça. Como veremos, a remissão de casos das instâncias comunitárias para os tribunais judiciais nem sempre foi vista juridicamente como recurso ou quando tal avaliação teve lugar, careceu de regulamentação. De acordo com o estudo acima referido, “as autoridades judiciárias a mais alto nível vêm defendendo que é necessário redefinir a organização judiciária, estabelecendo uma Comunicação apresentada durante o seminário internacional que decorreu nos dias 17 e 18 de Novembro de 2010, com o tema "Desenvolvimento e Diversidade Cultural em Moçambique", no Centro de Estudos Africanos da UEM. A comunicação foi apresentada no dia 17 às 14h (Sala CP 1-623). 2 Formador e Investigador do Centro de Formação Jurídica e Judiciária. 1

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Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica, é a “instituição do Estado que visa garantir a concretização do direito de defesa, proporcionando ao cidadão economicamente desfavorecido, o patrocínio judiciário e a assistência jurídica de que carecer”, artigo 1 da lei 6/94. 4 Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique 5 Actualmente o distrito urbano (municipal nº 2 é designado de Nlhamankulu) 6 A justiça comunitária é caracterizada por um direito ‘vivo’ e espontâneo. Ao contrário da justiça judicial, é desprofissionalizada, informal e não sujeita a regras e procedimentos de uniformização pré-definidos, como o são as leis da organização judiciária e os códigos de processo (Santos, Trindade et al, 2003:567)

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articulação estreita entre os tribunais judiciais e as instâncias comunitárias de resolução de conflitos, de modo a que a justiça e o poder judiciário possam estar mais próximos dos cidadãos. No contexto deste objectivo político foi elaborado o Plano Estratégico Integrado do Sector da Justiça para os anos 2002-2006, no qual se estabelecia como prioritária a revisão da organização judiciária, a revisão e regulamentação da lei dos tribunais comunitários e a institucionalização de um novo sistema de acesso à justiça e ao direito.”7 No presente estudo, o método qualitativo foi predominante, com destaque para a entrevista semi-estruturada, análise documental e observação a julgamentos. Os métodos quantitativos foram exclusivamente utilizados para a análise do movimento processual decorrentes da articulação entre as instâncias comunitárias e o tribunal judicial. A amostra da pesquisa foi construída com base nos dados disponíveis. Como veremos, os casos remetidos pelas instâncias comunitárias aos tribunais judiciais, por falta de mecanismo de regulamentação, não são tratados à luz da racionalidade burocrática, dependendo sobretudo das representações subjectivas ou intersubjectivas partilhadas pelos operadores do direito.

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Lei de Bases do Sistema de Administração da Justiça - Exposição de Motivos, Cap. 1 pag. 2

2. Contextualização e problemática da pesquisa 2.1 Multiculturalismo e sincretismo As sociedades contemporâneas apresentam-se-nos empiricamente, do ponto de vista de valores, como multiculturais e sincréticas, em resultado da intensificação dos intercâmbios culturais decorrentes de diferentes movimentos migratórios tais como a globalização, colonização, guerras, comércio, etc., que se foram destacando ao longo da História. A globalização enquanto dinâmica migratória mais recente na história da humanidade, merece particular ênfase nesse processo de intercâmbio cultural por apresentar pelo menos dois vectores fundamentais de mobilidade: a física e a psíquica, esta última responsável pela criação, consolidação e hegemonização da ideologia do sistema dominante. Tanto o multiculturalismo, quanto o sincretismo cultural, que se caracterizam pelo intercâmbio de elementos culturais heterogéneos oriundos de diversos quadrantes sociais e históricos, parecem-nos evidente em Moçambique, tendo em conta o percurso histórico que o país atravessou. Moçambique é um país culturalmente heterogéneo e rico em contactos culturais entre diversos povos ao longo da sua história: no período pré-colonial com os árabes, chineses, indianos; no período colonial com os portugueses e no pós-colonial, com a cultura eurocêntrica socialista, capitalista e da globalização. Segundo Severino Nguenha, “horizontalmente, somos mistura de duas historicidades: uma colonial e outra étnica. Enquanto a historicidade europeia, fonte das nossas instituições estatais, guia a acção da sociedade política institucional, a historicidade étnica ou herança cultural autóctone, atrofiada pelo choque de civilizações do qual foi vítima, encarna a consciência colectiva das populações moçambicanas”8.

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Nguenha, Severino, Por uma Dimensão Moçambicana da Consciência Histórica, Edições Salesianas, Porto, p. 30

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As identidades sociais em Moçambique têm sido construídas teoricamente em torno de dois pólos extremados, a saber: a cultura autóctone de um lado, e a cultura ocidental de outro. Adaptando a análise de Santos, Trindade et al sobre o pluralismo jurídico em Moçambique, a variável oficial/não oficial “decorre da definição político-administrativa do que é e do que não é reconhecido [como cultura oficial do Estado]”. A variável tradicional/moderno diz respeito à origem e à longevidade das culturas. “(...) Diz respeito a representações sociais de tempos e origens difíceis de estabilizar. Diz-se tradicional o que se crê existir desde tempos imemoriais, não sendo possível identificar com precisão nem o momento nem os agentes da sua criação. Diz-se moderno, o que se crê existir há menos tempo do que aquilo que se considera ser tradicional e cuja criação pode ser identificada, quer no tempo, quer na autoria”. A variável formal/informal diz respeito à gestão do acervo cultural num ambiente de conflito de valores. Diz-se cultura formal quando se refere a valores culturais “politicamente correctos” que são assumidos ao nível do espaço público da cidadania. A variável monocultural/multicultural diz respeito ao consenso de valores. É considerada monocultural a sociedade culturalmente homogénea onde se regista por via de regra, o consenso de valores. O seu oposto, corresponde à sociedade multicultural.

Em função dessas variáveis dicotómicas, a cultura autóctone tem sido catalogada, por via de regra, como não-oficial; tradicional; informal e multicultural. O oposto corresponde à cultura Ocidental. Peter Fry aponta como as causas desta herança epistemológica a racionalidade da colonização portuguesa como um vector fundamental de construção das identidades sociais em Moçambique. Como observa o mesmo autor, “ao contrário dos ingleses, os portugueses viram as sociedades africanas com bastante desprezo e nada fizeram para protegê-las da dominação da sociedade e da cultura portuguesas (...) desde o início da colonização era dada ênfase à conversão dos colonizados não apenas para o

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catolicismo, mas também para a cultura portuguesa”9. Os colonizados tinham que optar “entre duas espécies de cidadania”: indígena ou portuguesa, “os primeiros, falando sua língua materna ou, como diziam estranhamente os portugueses, seu «dialecto», continuariam seguindo os preceitos nativos, sob a jurisdição dos chefes ou régulos. Todavia, empiricamente verificam-se complexas combinações dos pólos identitários, que configuram uma situação de hibridismo cultural. Carlos Serra, defensor da epistemologia do complexo, considera que “tradição e modernidade parecem ser dois mundos estanques em conflito (...). Mas a vida mostra-nos, frequentemente, que menos que dois mundos em conflito, há, afinal, um só mundo, contraditório, dinâmico, mestiço”10. A colonização portuguesa engendrou por excelência o hibridismo cultural. Naturalmente que este hibridismo era bastante selectivo, tendo como ponto de referência a cultura portuguesa. Como foi observado, “a política de assimilação (leia-se modernização) criou condições para existência de uma clivagem entre o indígena e o assimilado e estabeleceu bases para o relacionamento vertical entre os estatutos sociais”11. Por essa razão, a lógica da colonização portuguesa criou bases para que o que é chamado de cultura autóctone e as suas práticas subjacentes se confinasse ao espaço da informalidade, inoficialidade e clandestinidade e, em alguns casos, certas práticas culturais tornaram-se motivo de pudor quando fossem declaradas além das fronteiras do domínio privado. Sendo as culturas autóctone e ocidentais fontes de direitos que circulam na sociedade moçambicana e, que engendram culturas jurídicas próprias, são elas próprias criadoras do sincretismo cultural e o correspectivo sincretismo jurídico, amalgamado em complexas redes de intercâmbio jurídico entre o sistema judicial e comunitário, orientados a cada momento histórico, pelos paradigmas dominantes do direito e da justiça.

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Fry, Peter p.171, 1990. Serra, Carlos (org.) - Conflito e Mestiçagem, Livraria Universitária, Maputo, 2000, contracapa. 11 Fumo, Joaquim, Pré-modernidade e modernidade na faculdade de medicina da UEM, Estudos Moçambicanos, número especial CEA/UEM, 1998 p.199 10

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2.2 A Evolução da Organização Judiciária, a mudança de paradigmas nas ciências jurídicas e a actuação dos magistrados

A Lei 12/78 de 2 de Dezembro, foi a primeira lei da Organização judiciária no Moçambique independente. As suas principais características que nos importa realçar para os fins desta análise são as seguintes: - A organização judiciária comportava a seguinte estrutura piramidal da base para o topo: tribunais populares de localidade ou de bairro; tribunais populares distritais, tribunais populares provinciais e o tribunal popular supremo (Cap. II, artigo 10, número 1 e 2) Nesta orgânica, existia a possibilidade e o direito de recurso das instâncias inferiores para as superiores, incluindo dos tribunais populares de localidade e de bairro para os tribunais populares distritais; - A base do sistema era constituída por tribunais compostos em exclusivo por juízes leigos, eleitos pelas assembleias locais, julgando «de acordo com o bom senso e a justiça, tendo em conta os princípios que presidem à construção da sociedade socialista...», desde que não contrária à lei; - Todos os tribunais eram colegiais

Analisando as características supra podemos concluir que ainda que não haja referência formal ao pluralismo jurídico, há evidências que o paradigma jurídico que presidiu a construção deste modelo da organização judiciária era o do pluralismo jurídico com marcante matriz estatocêntrica. O novo quadro político-constitucional que se materializa na Constituição de 1990, que consagra expressamente a independência do Judiciário perante outros poderes de soberania, trouxe implicações profundas na arquitectura da nova organização judiciária. A lei 10/92 de 6 de Maio – lei da organização judiciária, desenha uma estrutura piramidal cuja base passa a ser os tribunais distritais, excluindo os tribunais da localidade e de 6

bairro, passando estes, a actuar fora da organização judiciária e regulados por lei própria (Lei 4/92 de 6 de Maio - lei dos tribunais comunitários). Neste contexto, entre os tribunais comunitários que actuam fora da organização judiciária e os tribunais judiciais não havia recurso no sentido jurídico do termo embora a ruptura da articulação estrutural não tenha implicado o encerramento da relação funcional. Nos termos da lei 4/92, artigo 4 (falta de concordância com as medidas), estipula-se que, nº 1 “ (…) quando houver discordância em relação à medida adoptada pelo tribunal comunitário, qualquer das partes poderá introduzir a questão no tribunal judicial competente” e nº 2 “ (…) sempre que se verificar falta de concordância com a medida adoptada, o tribunal comunitário elaborará auto e remetê-lo-á ao competente tribunal judicial de Distrito”. É sobre esta relação funcional no contexto desta lei da organização judiciária (10/92) que se debruça o presente estudo. De acordo com vários analistas, o quadro jurídicoconstitucional donde emana a supracitada lei, é marcado pela hegemonia da cultura jurídica dogmática assente do paradigma estadual do direito e do monismo jurídico. A partir dos meados da década de 90 do século passado, começa-se a discutir em Moçambique, ainda que de forma bastante titubeante e não hegemónica, a crise do paradigma dominante do direito, e por conseguinte do modelo da formação jurídica e judiciária. Na verdade esta reflexão já vinha ganhando consistência a nível internacional, nas últimas duas ou três décadas, identificada por diversos estudiosos como a crise do Estado e da Legalidade. Este debate (que culminou com a produção de importantes investigações na área da sociologia e antropologia do direito, fornecendo por conseguinte uma inequívoca evidência empírica), influenciou a constitucionalização do pluralismo jurídico através do artigo 4 da CRM que estipula que “ O Estado reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem os valores e os princípios fundamentais da Constituição”.

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É neste contexto que se insere a necessidade de reformas e revisão dos seguintes instrumentos legais designadamente, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 10/92, de 6 de Maio); a Lei dos Tribunais Comunitários (Lei n.º 4/92, de 6 de Maio); a Lei que criou o Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica e o Decreto que aprovou o Estatuto Orgânico desse Instituto (Lei n.º 6/94, de 13 de Janeiro e Decreto n.º 54/95, de 13 de Dezembro). Em consequência desta reforma foi aprovada a actual lei da organização judiciária, a lei 24/2007 de 20 de Agosto. Tal como a predecessora, manteve os tribunais comunitários fora da organização judiciária, articulando-se apenas funcionalmente nos termos da lei. O artigo 6, estipula que “os tribunais judiciais podem articular-se com outras instâncias de resolução de conflitos”. Por seu turno o artigo 86 da mesma lei prevê a articulação entre os tribunais judiciais e os comunitários nos seguintes termos: “ como tribunal de segunda instância, compete aos tribunais judiciais de distrito de 1 e 2 classe, julgar os recursos interpostos das decisões proferidas dos tribunais comunitários” (nº 1 alínea a). Em relação ao nº 2 a regra estima que “na apreciação do recurso, o Juiz-Presidente ou o juiz profissional a quem o processo tiver sido distribuído, observa os critérios e os princípios estabelecidos na Lei dos Tribunais Comunitários” Na vigência da actual lei da organização judiciária a remissão de casos dos tribunais comunitários para o tribunal judicial distrital, ganhou estatuto de recurso juridicamente considerado, ainda que, estruturalmente, as duas instâncias se enquadrem em subsistemas paralelos. A hipótese que avançamos dá-nos conta que a falta de regulamentação da articulação entre os dois subsistemas jurídicos, tem ainda produzido respostas sincréticas e plurais por parte dos operadores do direito, que se compaginam com os paradigmas de direito e de justiça de que são depositários.

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3. Breve contextualização do tribunal Por força do Diploma Ministerial nº 75/81 de 7 de Outubro, que define que «a organização judicial das cidades poderá fazer-se por zonas que englobem várias bairros» e que «a estes tribunais poderão ser atribuídas a competência própria do Tribunal Popular Distrital», foi criado, entre outros tribunais, o Tribunal Popular de Chamanculo, que tinha jurisdição sobre os bairros de Chamanculo, Malanga, Lhanguene e Alto- Maé. À luz da organização administrativa, que dividiu a cidade de Maputo em distritos urbanos, e através do Diploma Ministerial nº 39/85 de 11 de Setembro, o Tribunal Popular de Chamanculo passou a designar-se de Tribunal Popular do Distrito Urbano nº 2 cuja jurisdição coincidiu com a área do distrito urbano. Na sequência da aprovação da lei nº 10/92 (Lei orgânica dos Tribunais Judiciais), o Tribunal popular do Distrito Urbano nº2 passa a designar-se de Tribunal Judicial do distrito Urbano nº 2 (TJDU nº 2). O tribunal é constituído por duas secções comuns. A primeira situa-se no bairro da Munhuana e a segunda no bairro do Aeroporto.

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4. As instâncias comunitárias e o recurso ao Judiciário A Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais em vigor (24/2007) bem como a antecessora (10/92), estabeleceu que a base do sistema judicial são os tribunais distritais. Os tribunais de base reconhecidos oficialmente – os tribunais comunitários – foram criados e regulados por lei própria (4/92)12, configurando uma justiça do tipo comunitário. O artigo 3 (sobre as competências) da mesma lei prevê que “[ nº 1] compete aos tribunais comunitários deliberar sobre pequenos conflitos de natureza civil e sobre questões emergentes de relações familiares que resultem de uniões constituídas segundo os usos e costumes, tentando sempre que possível a reconciliação entre as partes; [nº 2] compete ainda aos tribunais comunitários conhecer de delitos de pequena gravidade, que não sejam passíveis em penas privativas de liberdade e a que se ajustem medidas como a) crítica pública; b) prestação de serviços à comunidade por período não superior a 30 dias; c) multa cujo valor não exceda 10.000, 00 MT; d) privação por período não superior a trinta dias do exercício do direito cujo uso imoderado originou o delito e) indemnização de prejuízos causados pela infracção, podendo esta medida ser aplicada autonomamente ou acompanhada de qualquer das outras ”. Em relação à falta de concordância com as medidas preconizadas o artigo 4 estabelece que “ [número 1] nos casos indicados no número um do antigo anterior [3], quando houver discordância em relação à medida adoptada pelo tribunal comunitário, qualquer das partes poderá introduzir a questão no tribunal judicial competente; [número 2] em relação as questões indicadas no número dois do artigo anterior [3] sempre que houver falta de concordância com a medida adoptada, o tribunal comunitário elaborará auto e remetê-lo-á ao competente tribunal de distrito” O recurso das decisões dos tribunais comunitários para o TJDU nº 2 é feito conforme está previsto na lei 4/92, artigo 4, número 2. Dificilmente as partes lesadas levam o caso em recurso ao tribunal judicial competente, como prevê o número 1 do mesmo artigo. Mesmo

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Existe uma nova proposta de Lei dos Tribunais Comunitários – ainda não aprovada e divulgada - elaborada pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária no âmbito da sua colaboração com a Unidade Técnica da Reforma Legal em 2005.

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em relação aos grupos dinamizadores (GD)13 são os secretários de bairro14 que levam os casos ao tribunal judicial. O recurso ao judiciário por parte dos titulares das instâncias comunitárias, pode decorrer do facto de alguns juízes comunitários terem conhecimento da lei que rege o funcionamento dos tribunais comunitários bem como da existência de um tribunal judicial competente disponível. Acresce também que os juízes eleitos que trabalham no TJDU nº 2 foram seleccionados nos tribunais comunitários dos bairros que enviam os casos em recurso. Uma vez que trabalham em dias alternados nos tribunais judicial e comunitário, podem remeter os casos que não conseguirem resolver no tribunal comunitário para uma nova apreciação no âmbito do tribunal judicial. Neste quadro, entende-se a porosidade no relacionamento entre os tribunais comunitário e judicial. Pode acontecer também que, os juízes remetam os casos por «solidariedade» pela parte que acham ter razão, mas que «vai perder razão» porque a decisão do tribunal comunitário não é vinculativa. A judicialização do conflito passa por uma estratégia de busca de uma decisão vinculativa às partes e possivelmente a «confirmação» da decisão da instância anterior. Figura 1 Transferência de caso TC Mahotas Tribunal comunitário do bairro das Mahotas Distrito Municipal Nº 4 Ao meritíssimo juiz de direito do Tribunal do Distrito Urbano Nº 2 2ª secção Informação Transferência de caso O tribunal acima citado têm a hora de transferir que existe caso que são partes... contra... que o último não traz a sua identificação por essa razão enviamos esse caso a quem de direito N. B. O tribunal comunitário do bairro das Mahotas viu que o terreno pertence a senhora... porque tem os documentos do Conselho Municipal de Maputo Sem mais assunto Alta de consideração Maputo aos 30 de Julho de 2003 (Assinatura do JP e carimbo do tribunal)

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Os grupos dinamizadores são uma entidade político-administrativa e para-judicial bastante complexa cuja postura vem sofrendo transformação, nos últimos 35 anos, acompanhando a dinâmica histórica dos processos sociais e políticos moçambicanos. Sobre a evolução histórica da postura dos grupos dinamizadores, veja-se Chichava, José, “Participação comunitária e desenvolvimento – o caso dos grupos dinamizadores, Maputo – Moçambique, 1999. 14 Os secretários do bairro são a vértice da estrutura piramidal dos grupos dinamizadores.

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Os juízes mandam casos com a decisão já tomada. Querem que o tribunal judicial homologue esta decisão (Entrevista ao escrivão do TJDU nº 2 2ª secção 03.08.04)

Por outro lado, o facto de o recurso não ser realizado na maioria dos casos pelas partes intentando uma acção cível nos casos encaminhados pelas instâncias comunitárias, remetenos para a cultura jurídica dos cidadãos; a distância cultural que têm em relação aos procedimentos rituais dos tribunais judiciais; a relação entre as partes; os custos da justiça oficial e a área social de litigação, que desestimulam a recorrência ao tribunal judicial. Como veremos mais tarde, os conflitos mais frequentes remetidos ao TJDU nº2, relacionam-se com questões conjugais, que ocorrem na esfera de relações multiplexas (Santos: 1998). Naturalmente que por se tratar de uma área de litigação onde estão entrelaçados múltiplos vínculos entre as partes, a escolha da terceira parte com um estilo de decisão de adjudicação deve ser ponderada tendo sempre em conta o «cálculo do custo do não acatamento» (Santos: 2000) de uma decisão proferida por uma terceira parte que utiliza a conciliação.

A procura efectiva15 do TJDU nº 2 pelas partes nos processos cíveis que vem dos tribunais comunitários e de outras instâncias de base parece-nos ser de longe inferior à procura potencial, pelo facto das instâncias comunitárias não terem capacidade de proferirem uma decisão vinculativa, e de se registar por conseguinte, como veremos mais tarde, a «falta de acordo» e «desobediência» como principais razões de falha da conciliação nas instâncias comunitárias. Esta falha sugeriria que grande parte da conflitualidade cível, sobretudo os conflitos conjugais (separação e divisão de bens) e de habitação que são particularmente importantes e que mais encontram «desacordo» entre as partes nas instâncias comunitárias, fossem remetidas pelas partes para o tribunal judicial.

5. Os processos analisados

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A procura efectiva do sistema judicial é determinada pelo montante de processos entrados (Marques et al 2003:351)

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5.1 Registo e conservação dos processos

5.1.1 Na 1ª Secção Não é possível estimar o número de processos remetidos pelas instâncias comunitárias que deram entrada nesta Secção. Segundo o escrivão não existe nenhum livro de registo de casos comunitários, embora reconheça que dão entradas em ‘recurso’ das instâncias comunitárias casos que vem sobretudo dos tribunais comunitários e dos grupos dinamizadores «Joaquim Fumo (JF): não entram casos cíveis [na 1ª Secção]? Escrivão: existe, só que como viu nos processos que fotocopiou, maior parte dos processos passam pelo GD e pelo tribunal comunitário. É verdade que entram casos cíveis mas a maioria são de habitação. JF: como é que entram os casos cíveis? Escrivão: os tribunais comunitários é que mandam com frequência, muitas das vezes com decisões que eles não conseguem executar. Também há certos litígios que chegam a eles e eles resolvem, quando não chegam a um consenso mandam para nós» (entrevista ao escrivão do TJDU nº2 1ª secção 09.02.04)

Com a ausência do livro de registo, não é possível definir o tipo de instâncias comunitárias que se relacionam com o tribunal judicial, volume de casos, ano de registo, etc. Encontramos alguns processos remetidos das instâncias comunitárias. Os processos estavam em mau estado de conservação e foram guardados em local incerto o que certa forma prejudicou a investigação. O escrivão teve que procurá-los, no seu gabinete e não sabia onde estavam. Vasculhou a sala toda, passada quase uma hora encontrou os documentos de ‘recurso’ imiscuídos com vários papéis. Todavia ele não sabia se existiam mais processos na sua secção. Apesar de muita insistência o escrivão não sabia onde estavam os processos porque segundo alegou, acabava de entrar neste tribunal nos finais de Novembro de 2002. Com esta situação, concluímos que para além da não existência do livro de registo, fica evidente que não há uma política de organização documental dos recursos oriundos dos tribunais comunitários e dos grupos dinamizadores.

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Quadro1 Processos colectados na 1ª secção Ano

Número de processos

2000

-

2001

-

2002

4

2003

4

2004

-

Total

8

Fonte: TJDU nº 2

Os processos colectados são recentes, o que nos faz supor que, se tiverem entrado processos nos anos anteriores, podem estar perdidos dentro ou fora do tribunal. Ao longo do trabalho constatámos que os processos comunitários não eram respeitados, porque se entende que o «verdadeiro processo» é aquele que se inicia no tribunal judicial, portanto toda a normatividade extrajudicial é irrelevante. 5.1.2 Na 2ª Secção Os processos remetidos pelas instâncias comunitárias para a 2ª secção são registados num livro chamado «Livro de registos de processos recebidos vindos dos tribunais dos bairros para recurso». Quando chegam à 2ª secção, são registados com o «número de ordem» que é o número em que o processo passa a ser classificado neste tribunal; a «data, mês e ano» de entrada no tribunal judicial; o «número» do processo classificado pela instância de recurso; a «data, mês e ano» da conclusão do processo na instância e recurso e a «proveniência», referindo-se a instância remetente; «assunto» preenche-se o nome das partes do caso em recurso; e «observações» em alguns processos consta o desfecho do processo no tribunal judicial.

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Todavia, este livro de registo não representa a abertura do «processo judicial», mas sim constitui um mecanismo de controlo burocrático dos casos enviados pelas instâncias comunitárias, como explicou-nos uma antiga escriturária do tribunal. 16

Isto significa que, do ponto de vista formal os processos remetidos pelas instâncias comunitárias, ainda não deram entrada no tribunal judicial, que normalmente ocorre nos casos cíveis, mediante a apresentação da «petição inicial». Este livro foi aberto a 3 de Janeiro de 1996, pelo Juiz de direito da 2ª secção deste tribunal, apresenta registo de processos desde 3 de Janeiro de 1996 a 24 de Novembro de 2003. Nele, consta o registo de 147 processos vindos de diversos bairros na jurisdição deste tribunal

Quadro 2 Processos entrados Ano

Processos entrados

1996

15

1997

11

1998

21

1999

16

2000

13

2001

23

2002

27

2003

21

Total

147

Fonte: TJDU nº2

Apesar de serem registados em livro próprio, os processos estão guardados em lugar impróprio (num armário empoeirado, onde guardam objectos obsoletos), alegadamente 16

Entrevista a ex-escriturária da do TJDU nº2 2ª secção, 10.08.04

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porque “não são importantes”, como nos foi dito por um funcionário do tribunal. Ademais, ao serem simplesmente classificados como “papéis” mostra o grau de importância que lhes atribuído. O escrivão disse que não sabia onde estes estavam guardados porque «não eram importantes» comparados aos processos judiciais. Ademais, apresentou uma extrema dificuldade de categorizá-los como “processos” insistindo sempre em chamá-los de “papéis”. O escrivão levou cerca de meia hora para saber onde é que estavam os processos. Procurou em todos canto da sua sala subiu na sua secretária e procurou em armários empoeirados onde ficam objectos obsoletos. Por fim encontrou um envelope de caqui com os processos e desabafou: “estão aqui os papéis não sei onde estão os outros, tenho que procurar com muito tempo, Sr. doutor veio sem avisar”. Uma semana depois, o mesmo escrivão insistia em dizer “não encontro”. A pesar de alguns processos aparecerem nas «observações» do livro de registo dos processos comunitários como devolvidos às instâncias de origem (2/96; 14/96; 2/97; 7/97; 15/98); remetidos à 1ª secção (4/2000) e alterado sumário sob o nº 133/96 (7/96), a verdade é que muitos processos desapareceram fisicamente do controle do tribunal judicial, não se sabendo se permanecem dentro ou fora do tribunal. Os processos encontrados neste tribunal e que serviram de base a construção da amostra, são os mais recentes.

Quadro 3 Processos colectados 2ª secção Ano

Número de processos

2000

1

2001

4

2002

7

2003

21

2004

1

Total

34

Fonte: TJDU nº2

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Debruçando o olhar para o número dos processos colectados nesta secção (34), comparado ao universo dos processos registados no livro (147), podemos concluir que a ausência de uma cultura de organização de registo e de controlo burocrático dos processos oriundos dos tribunais comunitários, revela um preconceito ideológico muito grande da justiça judicial em relação à comunitária. Esta realidade, para além de obviamente ter prejudicado a investigação, aponta para a necessidade de se criar a regulamentação do recurso para os dois subsistemas jurídicos que permitirá maior acesso dos cidadãos à justiça sobretudos os mais carenciados que são tutelados na justiça comunitária. Nos processos registados nesta secção, os tribunais comunitários são de longe a instância que mais processos remetem. Apesar de funcionarem fora da organização judiciária, os tribunais comunitários continuam a estabelecer uma articulação privilegiada com os tribunais judiciais de distrito.

Figura 2 Proveniência do recurso, 2ª secção

T rib u n a is c o m u n it á rio s Ig re ja s OMM PRM N / id e n t ific a d a

Fonte: compilação de dados recolhidos no TJDU nº2 A partir de 24 de Novembro de 2003, os processos comunitários que dão entrada neste tribunal não são registados. Todavia, continuam entrando nesta secção, casos remetidos pelas instâncias comunitárias. Como veremos nos processos colectados, há um processo de 2004 17

que encontramos nesta secção e ademais, vários casos remetidos pelas instâncias comunitárias deram entrada no período que durou o trabalho de campo e houve uma tentativa de conciliação sem, contudo, se verificar nenhum registo no «livro». O actual juiz presidente (JP) confirmou que continua a receber casos vindos das instâncias comunitárias. A nossa hipótese é a de que com a saída do juiz e do escrivão que tinham esta filosofia de trabalho, à luz da rotatividade dos funcionários dos tribunais, os novos funcionários tiveram sensibilidade diferente, em relação ao tratamento dos casos oriundos das instâncias comunitárias. Uma vez que não existe legislação sobre o encaminhamento dos casos remetidos pelas instâncias comunitárias, o tratamento depende muito do perfil do juiz de direito e dos seus funcionários, o seu conhecimento sobre o pluralismo jurídico, a sua formação humana, jurídico- filosófica, etc.17 O escrivão por exemplo tem uma opinião bastante negativa em relação ao recurso das instâncias comunitárias e não vê com bons olhos a «informalização» do tribunal judicial representada, como veremos posteriormente, pelas conferências de conciliação levadas ao cabo pelos juízes eleitos deste tribunal. “JF: o que acha da intervenção dos juízes eleitos [na conciliação das partes] antes da abertura do processo judicial? Escrivão: acho que é perda de tempo. JF: porquê? Escrivão: isto não é tribunal comunitário. Aqui funciona processo e advogado, quando é para fazer conciliação que vão aos bairros.” (entrevista ao escrivão TJDU nº2 2ª secção 9.02.04)

Pode-se depreender que o escrivão está preso ao modelo de funcionamento burocráticojudicial para o qual toda a normatividade jurídica extra-judicial e os seus procedimentos rituais são irrelevantes.

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A actual Lei da Organização Judiciária (24/2007) estipula no artigo 6 que “os tribunais judiciais podem articularse com outras instâncias de resolução de conflitos nos termos da lei”, e o artigo 86 nº1, a) da mesma lei prevê que compete aos tribunais judiciais de 1ª e de 2ª “ julgar os recursos interpostos das decisões proferidas pelos tribunais comunitários” e no nº 2 estipula que “na apreciação do recurso, o Juiz-Presidente ou o juiz profissional a quem o processo tiver sido distribuído, observa os critérios e os princípios estabelecidos na Lei dos Tribunais Comunitários”.

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A rotina de registo dos processos oriundos das instâncias comunitárias perdeu-se na memória institucional desta secção (o JP durante a investigação disse não ter conhecimento da existência do “livro”). Durante algum tempo, a conciliação pré-judicial foi desestimulada por juízes que tinham uma visão dogmática e restritiva do direito. É verdade que os casos remetidos pelas instâncias comunitárias continuavam entrando neste tribunal durante a investigação, e que as conferências de conciliação tinham lugar. Este facto deveu-se muito provavelmente à atitude e a intervenção do então JP desta secção (que estava no tribunal a partir de Fevereiro de 2004) que evidenciou uma visão integrada da justiça e que demonstrou uma sensibilidade favorável ao funcionamento articulado entre os tribunais judiciais e as instâncias comunitárias de resolução de litígios. Trata-se de um juiz que afirmou ter trabalhado com muitos tribunais comunitários quando estava noutro tribunal e inclusivamente, assistiu a vários julgamento nos tribunais comunitários, apesar de não os coordenar em termos dos princípios da organização judiciária.

5.2 A amostra O universo dos processos registados na 2ª secção, no «livro de registos de processos recebidos vindos dos tribunais dos bairros para recurso» é de 147 processos. Todavia encontramos 34 processos correspondentes a 23 % dos processos registados nesta secção. Na 1ª secção não foi possível identificar o universo dos processos entrados, porque segundo o escrivão não existe registo da entrada dos processos oriundos das instâncias comunitárias. Encontramos, 8 processos. A amostra foi construída com base nos «processos disponíveis», 34 da 2ª secção e 8 da 1ª. Como dissemos anteriormente, grande parte dos processos registados no livro de registo encontram-se em destino incerto. Por isso, os procedimentos de construção de uma amostra probabilística não foram tomados em rigor, porque só trabalhamos com os «processos disponíveis». Na 1ª secção nem sequer existe a ideia do número dos processos entrados. Naturalmente que isto constitui uma limitante porque não houve a possibilidade de proceder a uma escolha aleatória de forma técnica. Os resultados encontrados nesta análise estatística, devem ser compreendidos dentro desses constrangimentos. 19

5.3 As instâncias que recorrem ao TJDU nº2 Os tribunais comunitários são a instância que remete mais conflitos ao TJDU nº 2. Esta situação deve-se muito provavelmente ao facto destes tribunais, apesar de funcionarem fora da organização judiciária, terem sido criados oficialmente pela lei 4/92 que fixa, no artigo 4 nº 2 que «sempre que houver falta de concordância com a medida adoptada, o tribunal comunitário elaborará auto e remetê-lo-á ao competente tribunal de distrito». Este artigo preconiza que os tribunais comunitários se articulem com os tribunais judiciais dos distritos, remetendo casos que não tiveram solução dentro das suas competências. A retirada dos tribunais de base na actual Organização Judiciária, nem sempre significou o seu desligamento em termos funcionais dos tribunais judiciais de distrito. Nos tribunais comunitários a grande maioria dos juízes é oriunda do tempo dos tribunais Populares (Lei 12/78) que operavam num modelo organizacional, onde os tribunais de base estavam organicamente subordinados aos tribunais distritais Os tribunais comunitários assumiram o legado humano e institucional dos tribunais populares de base.

Na análise dos processos constatámos que, para além dos tribunais comunitários outras instâncias remetem casos para o TJDU nº 2. A PRM (Polícia da República de Moçambique) e o Grupo dinamizador são as instâncias mais expressivas.

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Figura 3 Recurso ao TJDU nº 2 %

T rib u n a is c o m u n it á rio s G ru p o s d in a m iz a d o re s PRM

Fonte: compilação de dados recolhidos no TJDU nº2 Como vimos, para além dos tribunais comunitários que aplicam um direito do tipo comunitário e que foram criados por lei existem os grupos dinamizadores que aplicam também um direito do tipo comunitário mas que oficialmente não são reconhecidos como instâncias de resolução de conflitos. Os grupos dinamizadores apesar de serem considerados estruturas «administrativo-sociais», afastando-se das tarefas «estritamente partidárias» e da «resolução de conflitos» com o redimensionamento do seu papel a partir do III congresso da Frelimo em 1977 (José; Araújo: 2004; Chichava: 1999), e com a criação dos Tribunais Populares pela lei 12/78 designadamente os tribunais populares de bairro e de Localidade, não deixaram de facto de funcionar como instâncias de resolução de conflitos nas comunidades a par dos tribunais de bairro e outras instâncias comunitárias, em complexas interacções de coordenação ou de rivalidade. Na verdade, como também mostraram noutro trabalho Gomes et al (2003) os tribunais comunitários sofrem a concorrência de outras instâncias de resolução de conflitos. Ainda que em volume muito reduzido comparados aos tribunais comunitários, os grupos dinamizadores sobretudo nos bairros onde estes tribunais não existem ou que funcionam deficientemente, articulam-se com o TJDU nº2 enviando casos que entram sociologicamente em recurso.

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Vimos também, na amostra que a PRM envia casos em recurso ao TJDU nº2. Criada pela lei nº 19/92, a Polícia da República de Moçambique (PRM) tem as seguintes competências específicas, definidas no artigo 2 nº 3: «a) garantir a ordem segurança e tranquilidades públicas; b) prevenir e reprimir a criminalidade; c) promover as medidas de polícia; d) garantir a segurança pessoal dos membros dos órgãos centrais do Estado; e) garantir a segurança pessoal de altas entidades nacionais ou estrangeiras e de outros cidadãos quando sujeitos à ameaça relevante; f) organizar, fiscalizar e controlar o trânsito de veículos e de pessoas nas vias públicas; g) organizar o cadastro e proceder à fiscalização de armas, munições e explosivos, com excepção das que estiverem afectas às forças armadas de Defesa de Moçambique; h) exercer as demais competências fixadas na lei ou regulamentos ou em directivas do Comandante-chefe das Forças de Defesa e Segurança e do Ministério o interior». A PRM do ponto de vista oficial, tal como o grupo dinamizador, não é uma instância de resolução de conflitos, todavia, na realidade esta instância aparece a resolver conflitos cíveis em concorrência com os tribunais comunitários que do ponto de vista legal têm a competência de «deliberar sobre pequenos conflitos de natureza cível e sobre questões emergentes de relações familiares que resultem de uniões constituídas segundo os usos e costumes, tentando sempre que possível a reconciliação das partes» (lei 4/92 artigo 3, nº 1) A nossa hipótese é a de que, na maioria das vezes, os cidadãos recorrem à Polícia nos casos cíveis por se tratar de uma instância que tem uma força de «coacção». A maioria dos casos pode ter passado pelas instâncias comunitárias, todavia não tendo logrado solução em virtude da incapacidade de «execução» das decisões.

Figura 4 PRM, recurso ao TJDU nº2 República de Moçambique Ministério do Interior 14ª Esquadra da PRM- Cidade de Maputo Posto Policial nº 4 Hulene Ao Tribunal do Distrito Urbano nº 2 2ª Secção

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Assunto: Transferência do caso-social Para os devidos efeitos e fins achados convenientes, cumpro-me o dever de transferir este caso social para esta instância os seguintes nacionais:.................. Trata-se da senhora de nome... solteira de 32 anos de idade, doméstica, nascida aos …, filha de...e de. natural de Maputo e residente no bairro de Laulane Q..., casa... célula?, contra o nacional de nome ... solteiro de 37 anos de idade, desempregado, conta própria, nascido aos, filho de... e de..., natural de Chibuto- Gaza e residente no bairro de Laulane Q..., casa... célula?. Pois que este casal a bastante tempo, sempre em conflitos não tendo sossegado e já se mandou para este Tribunal acima já mencionado dois autos de nºs 04/PPH/2003- Normal datada aos 04.01.2003 e 514/PPH/2003- Normal datada aos 26.10.2003. esta, queixa contra o seu marido porque transferiu os bens da casa nomeadamente: 02 embalagens de Amest no valor de 175.000,00 MT; 01 caixa de sumo palmalat no valor de 245.000,00MT; 01 volume de de cigarros de marca Palmar azul no valor de 140.000,00MT; 02 embalagens de Melk Staut, no valor de 140.000,00MT; mais algumas cervejas pretas não sabendo a quantidade; 01 mesa de bilhares no valor de 5.999. Rands com os respectivos instrumentos. Salientou a denunciante que, mesmo o dinheiro para as despesas em casa da casa também arrancou no valor de 1.000.000,00MT. Efectivamente disse que, encontrou de jene com uma outra mulher amiga, a usar, e assim quiz arrancar e o acusado na altura disse a dita amiga para não-lhe entregasse e se ela acha para bater deixa lhe bater. Interrogado o acusado sobre a matéria dos factos, respondeu negativamente, apenas salientou que de tudo que a denunciante disse é pura mentira, pois que a denunciante é que partiu tudo que disse quando estava totalmente grosso. Sendo assim, o acusado disse levou, digo transferiu-se a referida mesa com respectivos instrumentos porque ela ando partir todos os bens. Portanto, a mesa referida é a única que lhe poderá ajudar na sua vida. Nada mais disse para constar o presente transferência o caso para esta instância mais alta à melhor resolverá....................................................... Assinatura do denunciante ........................................ Assinatura do acusado .....................................

Maputo aos 07 de Novembro 2003 O oficial de permanência (assinatura e carimbo)

Figura 5 Casos remetidos à PRM %

C o b ra n ç a d e d ívi d a s c o n fl i t o c o n j u g a l

Fonte: compilação de dados recolhidos no TJDU nº2 Os casos cíveis mais frequentes que foram canalizados à polícia e posteriormente, remetidos para o TJDU nº2, são de cobrança de dívidas e conflitos conjugais que se referem sobretudo a 23

casos de separação/divisão de bens. É verdade que a polícia não tem competência legal de lidar com questões cíveis. Mas também é verdade que em muitos casos a maioria dos cidadãos não faz destrinça entre casos “cíveis” e “crime”, procurando quase sempre resolver o seu «problema» com urgência, que normalmente já atingiu um grau elevado de polarização.

JF: que tipo de casos aparecem na esquadra? Comandante (Cmdt): temos casos de roubo; furto; assalto à mão armada; ofensas corporais simples e qualificadas JF: não aparece outro tipo de conflitos não criminais? Cmdt: há casos que vem para a esquadra que não são da competência, mas que temos que resolver para garantir a tranquilidade pública JF. Que tipo de casos são esses? Cmdt: problemas sociais JF: que tipo de casos sociais recebem? Cmdt: amantismo, não dar pensão; engravidamento; questões das dívidas JF: como são encaminhados esses casos? Cmdt: Esses casos são dirimidos no «Gabinete contra violência doméstica» que está aqui na esquadra. Se forem casos que podem pôr a família em perigo podemos deter a tal pessoa. JF: qual é o papel desse Gabinete? Cmdt: eles procuram entendimento entre o casal, como é problema social é preciso aconselhar as boas maneiras. Muitas pessoas que vem meter problema social aqui, até dizem que querem resolver aqui o problema porque no tribunal [judicial] é preciso advogado e dinheiro. Há casos em que as pessoas pagam pensão aqui na esquadra, a senhora vem receber mensalmente. O problema das dívidas as pessoas pagam aqui na esquadra depois de um entendimento. Não é preciso coagir fisicamente ou psicologicamente as pessoas, combina-se e se paga perante a autoridade. (entrevista Comandante da 18ª esquadra, 15.09.04)

Nos casos de cobrança de dívida, parece-nos que está sempre presente no interesse dos credores o exercício de uma pressão psicológica sobre os devedores representada pela possibilidade do recurso à «violência» que a polícia tem como prerrogativa. Ainda que o Comandante da 18ª esquadra tenha afirmado que nos casos de dívida «não é preciso coagir

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fisicamente ou psicologicamente as pessoas, combina-se e se paga perante a autoridade» o certo, é que a polícia do ponto de vista simbólico representa a «violência». «Há casos de desempregados que engravidaram uma mulher e não assumem a responsabilidade do filho, não mandamos para Tribunal de Menores, porque como ele não tem trabalho o tribunal não tem onde descontar. Aqui fazemos uma declaração e ele passa a pagar a pensão aqui na esquadra. E paga mesmo» (Entrevista a Inspectora responsável do Gabinete Contra a violência/18ª esquadra)

Os casos de separação, conjugados com a divisão de bens, normalmente têm sido difícil solução nas instâncias comunitárias sobretudo pelo facto destas não possuírem meios para executar as decisões. Como veremos mais tarde estes casos são os que mais entram em recurso no TJDU nº 2, enviados pelas instâncias comunitárias, exactamente por falta de acordo entre as partes. A intervenção da polícia neste caso representaria a probabilidade de «cumprimento» da decisão por exercer uma coerção simbólica. É verdades que em certas situações ocorrem detenções ilegais em casos cíveis que funcionam como pressão psicológica, representando uma coerção real. Contudo, apesar de dispor de meios de violência e ser uma instância «oficial», por não ser legalmente uma instância de resolução de litígios, a polícia não profere decisões legalmente vinculativas

O desconhecimento da lei por parte dos cidadãos – aí incluída a lei das polícias e suas competências; dos seus direitos de cidadania; a incapacidade das instâncias comunitárias de executarem as decisões; as razões económicas e a inacessibilidade física e ritual dos tribunais judiciais; e a proximidade da polícia, tem levado os cidadãos a recorrerem à polícia. Esta actua como uma instância de resolução de conflitos híbrida que representa a “violência”, mas também a “retórica”18. Agindo fora das suas competências específicas, a polícia dirime

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A violência é uma forma de comunicação e uma estratégia de decisão assente na ameaça da força física. A retórica é uma forma de comunicação e uma estratégia de decisão, assente na persuasão ou convencimento através da

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conflitos cíveis que de outro modo seriam canalizados para as competentes instâncias jurisdicionais. Embora exista opinião contrária, fruto da interpretação generalista segundo a qual a resolução de conflitos cíveis na PRM enquadrar-se-ia legalmente no âmbito da «manutenção da ordem segurança e tranquilidade públicas», o certo é que do ponto de vista oficial a polícia não tem competência porque não é uma instância de resolução de conflitos. 5.4 Tipos de conflitos Devido à heterogeneidade dos casos que são remetidos ao TJDU nº2 impôs-se-nos a necessidade de agregar os conflitos em famílias mais abrangentes. Da análise dos dados constatamos que entre os casos mais frequentes remetidos ao TJDU nº 2 salientam-se os conflitos conjugais (48%), seguidos dos conflitos de terreno/casa (38%). A categoria «outros» (14%) refere-se a casos de dívidas, e falsificação de documento.

Figura 6 Tipos de casos remetidos ao TJDU nº 2 %

C o n fl i to c o n ju g a l C o n fl i to te r r e n o /c a s a O u tr o s

Fonte: compilação de dados recolhidos no TJDU nº2 Os conflitos conjugais são os casos mais salientes, devendo-se ao facto dos tribunais comunitárias serem a instância que remete mais questões cíveis para o tribunal judicial (74%). Uma vez que os casos mais frequentes nos tribunais comunitários são os conflitos conjugais esta conflitualidade reflecte-se nos casos remetidos ao TJDU nº2. mobilização do potencial argumentativo de sequências e artefactos verbais e não verbais comummente aceites (Santos, Trindade et al, 2003:50)

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Os conflitos conjugais - designadamente os casos de separação e divisão de bens que são os mais frequentes - normalmente não encontram solução nas instâncias comunitárias em geral e nos tribunais comunitários em particular, devido à falta de acordo de uma das partes. Conforme já dito, estas instâncias não possuem capacidade de proferir uma decisão «vinculativa» para as partes, o que em princípio só é possível ao nível dos tribunais judiciais. Na maioria dos casos são os homens que não aceitam a partilha dos bens e mandam embora a mulher de casa, sob pretexto de serem os produtores da riqueza no pressuposto de terem uma actividade remunerada. «A. R. Haviam se juntado desde 1996 e separaram perante este tribunal em 26 de Setembro/2002. Durante o tempo que viveram como marido e mulher, não tiveram nenhum filho. No mês de Junho/2002, cuja data já não precisa, surgiram conflitos entre o casal, tendo resultado em o Réu G..., agredir fisicamente na A. sua esposa, ora queixosa deste processo, mordendo-a no braço esquerdo, que apesar de ter recorrido aos hospitais, o mesmo braço nunca mais ficou curado, tendo desta maneira ficado deficiente permanentemente, cujo processo crime a A. irá recorrer às entidades policiais competentes, pelo facto de o R. não demonstrar qualquer interesse pela reconciliação entre o casal e muito menos dar qualquer tipo de assistência ou ajuda à sua antiga esposa e nem se preocupar pelo pagamento dos tratamentos do braço aleijado. Foi tentada a reconciliação pelos juízes deste tribunal e não foi possível em ambas partes, obter-se um resultado positivo. Por último a queixosa pediu ao seu antigo marido a partilha de bens que constituem o património do casal, obtidos no período marital, o que pelo réu foi recusado. Nestes termos, este tribunal julga-se incompetente para tomar uma decisão por falta do consenso pela recusa do Réu. Passamos desde já a descrever os bens do casal: 1-(uma) casa de bloco coberta de chapas de zinco de tipo 2 quartos e 1 sala comum, com uma varanda; 1-(uma) casa de banho melhorada em bloco com fossas; 24 (vinte e quatro) pratos de vidro; 8 (oito) copos; 10 (dez) chávenas» (Caso TC/TJDU 18)

Mesmo depois de aprovada a nova lei de família naturalmente que esta levará o seu tempo para, enquanto instrumento de transformação social, conformar as práticas e as mentalidades subjacentes às relações de género, sobretudo num contexto social em que o modelo de organização social dominante situa o homem no «espaço público da cidadania» emblematizado pelo «contrato de trabalho» e a mulher no «espaço doméstico». Organizações da sociedade civil, sobretudo as Feministas e aquelas que promovem o acesso à justiça vêm tentando inverter este quadro procurando valorizar o papel da mulher no «espaço doméstico» na criação do património da família e não só.

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Outro tipo de conflitualidade relevante na amostra são os conflitos de terreno/casa. Estes conflitos referem-se ao pagamento de renda; titularidade do imóvel; delimitação dos terrenos, etc. A ausência de um plano urbanístico e a consequente construção de casas sem nenhum ordenamento inclusivamente em terrenos não parcelados; a crise generalizada de habitação em resultado de uma oferta inelástica por parte do Estado conjugada à elitização do parque privado e do acesso ao crédito bancário (José; Santos: 2003); a dinâmica migratória da população moçambicana em virtude do último conflito armado, criando uma pressão muito grande sobre as infra-estruturas habitacionais da cidade de Maputo, (com capacidade para quinhentos mil habitantes a cidade de Maputo comportava segundo o Censo de 1997, 966.837 habitantes); a privatização da propriedade urbana (Marques et al: 2003), os contratos irregulares com o APIE, têm constituído o pano de fundo da conflitualidade em torno da habitação, na cidade de Maputo.

5.5 A razão do recurso

A maioria dos casos é remetida ao TJDU nº 2 pelas instâncias comunitárias, devido à «falta de acordo» entre as partes e «desobediência» (79%). As decisões dos tribunais comunitários não são de cumprimento obrigatório. Como observa Gomes “a jurisdição do tribunal comunitário é sempre voluntária. A execução das suas decisões depende sempre da aceitação as partes em conflito. Qualquer que seja a natureza do caso, a decisão só é exequível se não for contestada por qualquer das partes. No caso de discordância, o assunto pode sempre ser introduzido no tribunal judicial competente” (Santos, Trindade et al: 2003) Figura 7 Razões do recurso

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% F a lt a d e a c o rd o / d e s o b e d iê n c ia N ã o te m c o m p e t ê n c ia N / id e n t ific a d a

Fonte: compilação de dados recolhidos no TJDU nº2 Em algumas ocasiões, as mesmas instâncias remetem casos que entendem que «não tem competência» (19%)

Figura 8 Transferência de caso TC Maxaquene «D» para TJDU n º2 Excelentíssimo Sr. Presidente do tribunal distrital do Aeroporto, 2ª Secção Neste mês de Outubro, dia 30-03-2000, compareceu neste tribunal do Maxaquene «D» a cidadã de nome:..., casada oficial desde o ano de 1976 com o seu marido de nome:... todos natural de e residente nesta cidade de Maputo, no bairro de maxaquene «D», quarteirão nº..., que vem apresentar a sua queixa contra o seu marido de nome acima citado, por motivo de ter expulsado a sua esposa desde dia 28-03-2000, legando a falta de entendimento: não respeita o marido, não limpa o marido depois das relações sexuais e na mesma data ou seja nos seguintes dias o marido casou-se a uma outra mulher de nome: ..., que até este momento está com ele, a queixosa lamenta bastante devido da sua expulsão sem matérias clara, quando a determinação era de morrer em casa do seu marido conforme o juramento da data de casamento. Pelo que o tribunal do bairro da Maxaquene «D» não possuir direito de decidir de um casal oficial, envia a esse tribunal uma instância competente capaz de dar por fim a este caso já que a mulher não tem qualquer apoio para satisfazer a situação das crianças que nem tem condições para estudar. Ela quer saber a sua finalidade já que até este momento se encontra em casa dos pais do marido e não foi para em casa dos pais dela ela depois de expulso em vez de ir em casa dos pais foi directamente em casa dos pais do marido em Calanga onde vive com os filhos na base da machamba que neste momento não dá nada. Sabemos que, durante o tempo vivido com o seu marido produziu um total de 6 filhos: 4 menores e 2 adultos conforme consta no documento anexo neste processo Mui respeitosamente e dentro de harmonia

5.6 As decisões do TJDU n.º 2

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Em regra o TJDU nº 2 decide que as partes interessadas devem constituir advogado ou recorrer a um técnico jurídico intentar uma acção cível (81%) porque «as questões de natureza cível são introduzidas ao tribunal pelas partes litigantes que se acha violado o seu direito e não através das estruturas do bairro». Contudo, ainda que de uma forma marginal, o tribunal tem dado um tratamento não formalizado aos casos remetidos pelas instâncias comunitárias, sugerindo, por vezes, a conciliação (7%).

Figura 9 Decisão sobre o conflito %

C o n ta c t a r a d v o g a d o /t é c n ic o ju r íd ic o C o n c ilia ç ã o / ju íz e s e le it o s S/ despacho

Fonte: compilação de dados recolhidos no TJDU nº2

«Alguns casos vêm do tribunal comunitário porque não foram conseguidos. Neste caso, a juíza dava um despacho para os juízes eleitos conferenciar. Assim nós resolvíamos os problemas e acabava o barulho» (Entrevista aos juízes eleitos do TJDU nº 2 1ª secção, 5.02.04)

A Juíza de direito da 1ª secção confirmou este procedimento afirmando que os casos entrados na sua secção, canalizados pelas instâncias comunitárias entregava-os aos juízes eleitos do tribunal para conciliarem as partes.

«Entregava aos juízes eleitos e eles resolviam à sua maneira de acordo com as suas competências e experiências [porque] são poucas as pessoas que constituem a sua defesa e

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abrem o processo com uma petição inicial [por isso] grande maioria não vem ao tribunal. (Entrevista a juíza do TJDU nº 2 1ª secção, 5.02.04)

Figura 10: Conciliação juízes eleitos

Figura 11: contactar advogado/técnico jurídico

6. O percurso dos processos O processo comunitário inicia sempre com uma tentativa de conciliação levada a cabo por uma instância comunitária onde as partes vão apresentar queixa

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Figura 12 Resolução do caso no tribunal comunitário República Popular de Moçambique Ministério da justiça Tribunal Popular do bairro comunal da Polana caniço B Auto de denúncia nº 62/2001 Aos dezanove dias do mês de Setembro dois mil e um, compareceu o... de 50 anos de idade, nascido a..., estado solteiro profissão guarda-Delta segurança, filho de... e de... portador do BI... emitido em... pelo Arquivo de Identificação de... natural de Chókwé e residente em Maputo, bairro Polana Caniço... e disse: vinha apresentar a queixa contra (1º réu)... de 44 anos de idade, nascido a..., estado solteiro, profissão alfaiate conta própria filho de... e de... portador do BI... emitido em... pelo Arquivo de identificação de... natural de Marracuene residente em Maputo bairro Polana Caniço... (2ª ré)... de 40 anos de idade, nascida... solteira, doméstica, filha de... e de... natural de... residente no bairro Polana Çaniço... Declarações de... Com a sua esposa ... 2ª ré juntaram-se em 1990, existindo 1 filha de 10 anos nascida a... que vem se queixar contra o Sr. ... e a sua esposa... porque desde o princípio do ano em curso ele vinha suspeitando e ainda era lhe informado por pessoas de que os dois réus, praticavam o amantismo e quando perguntava a sua esposa sempre se recusava dizer a verdade. Ele A. pude confirmar esta prática de amantismo entre sua esposa e o Sr. Honwana, quando numa noite dum certo Domingo, o R. Honwana apareceu em casa do casal um pouco antes das 23 horas que depois de lhe ser cumprimentado, este invocou histórias sem fundamentos tais que não foram convincentes, porque não foram do conhecimento do A. Perante aquela visita estranha do R. o A. manifestou-se revoltado, tendo a R. tentado puxar o sexo do seu marido ora A. dos presentes autos. Sobre a ida do R. naquela noite à casa do A. é porque ele A. por trabalhar em turnos de noite, daí que o R. descuidou-se da escala de A. e foi aparecer naquela noite, sem contar com a presença de A. na sua casa. Sr. Honwana não faz da sua família, mas sim conhece-o na igreja, porque professam a mesma religião e porque ele A. serviu de padrinho do filho do R. e que durante algum tempo chegou a viver com este menor, mas que todas as suspeitas se deram depois da saída do filho de R. d casa de A. Disse quase a finalizar com as suas declarações que já não quer mais da sua esposa, porque as tentativas de querer lhe puxar o sexo, já se repete pela 3º vez e porque mesmo no dia dos últimos acontecimentos, não mandou embora a sua esposa, mas sim ela voluntariamente é quem tirou o que quis e se foi embora para a casa dos familiares. Sua esposa não lava a sua roupa e ainda esta dá conselhos aos seus filhos que trouxe de outro homem, para não aceitarem ser mandados por ele A. por fim declarou que mesmo nestes dias que a sua esposa se encontra em casa de seus familiares, o Sr. Honwana e a R. tem se encontrado regularmente em visitas que este efectua a aquela casa. Mais não disse Declarações do R. ... Recusa a prática de amantismo com a Sr.ª Albertina esposa do A. Que saiba é que eles o casal são os seus irmãos da igreja. Ele R. e o casal dentro da igreja são responsáveis daí que há toda razão de se visitarem mutuamente nas suas casas. Repara que o A. é padrinho de um dos seus filhos que chegou a ficar um cero tempo em casa deste e ele R: comprava pães e ia oferecê-los sobre as visitas que efectuava a casa de A. eram sempre antes das 20 horas. No domingo em que se deu a confusão, foi à casa do casal por volta das 19 horas e muito bem sabia que o A. estava na sua casa, porque um pouco antes de chegar, teve informações através de uma das sobrinhas deste, que com ela vivem juntos. O que tem a dizer é que tudo aconteceu quando o A. estava em avançado estado de embriagues e que o motivo principal que lhe levou a ir naquela casa a aquela hora é porque ia coordenar com a esposa de A. sobre uma viagem para Gaza em casa do namorado de uma das sobrinhas do casal Mais não disse Declarações da Ré...

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Ela encontra-se na casa de seus familiares acerca de três meses, na sequência de ter havido conflitos com o seu marido que a acusa falsamente de amantizar com o Sr. Honwana. Ela conheceu o Sr. Honwana na igreja, tendo mais tarde se tornado compadre do casal, por um dos filhos deste ser afilhado de baptismo criança que chegou a ficar um tempo em casa do casal e o pai de vez em quando trazia qualquer coisa para comer. No Domingo do último conflito era volta das 19 horas que o Sr. Honwana apareceu em casa e vinha confirmar uma viagem que estava prevista para Gaza, sobre os preparativos do lobolo de uma das sobrinhas da casa. Foi depois do seu marido ter servido café, começou a acusá-lo dizendo que o Sr. Honwana ia naquela a aquela da noite, porque não contava com a sua estadia digo estadia do A. pensando que estava de serviço e porque ele já sabia que entre eles há relações de amantismo. Foi nessa altura que seu marido tentou começar agredi-la, tendo em seguida arrumado a sua bagagem e fugiu para a casa de seus familiares. Por último disse que ainda quer continuar a viver com o seu marido e quando este já não lhe precisa, deve lhe dispensar todos os seus haveres que trouxe da casa dos seus pais e aqueles bens juntos compraram, devem ser divididos a partir da própria casa, porque seu marido não a encontrou em flagrante a dormir com o Sr. Honwana Mais não disse (...) Despacho 1. Tentada a reconciliação e não foi aceite por parte do A. alegando os motivos consignados nas suas últimas declarações 2. Tribunal decidiu que A. deve proceder a entrega à R. …, bens pessoais que esta trouxe da casa de seus familiares ou seja aqueles bens que já os tinha antes de se juntar com A. 3. Recomendou-se e se passou uma guia com a qual a R. … de se apresentar ao Tribunal judicial do distrito Municipal nº 2 através da 2ª secção, onde irá ser ajudado ou indicado mecanismo próprio para intentar um processo próprio para a divisão dos bens que constituem o património do casal, uma vez que seu marido A. se manifestou contra 4. Submete-se o processo a aquele tribunal para eventuais consultas Notitifique Maputo, 8 de Outubro/2001 O Juiz Presidente (carimbo e assinatura)

Falhada a conciliação na instância comunitária, esta elabora um auto de remessa do caso para o tribunal judicial competente. Este auto pode ser levado ao tribunal judicial pela parte lesada, mas normalmente é levado pelos titulares das instâncias comunitárias. Junto ao auto remetem sempre o processo comunitário que consta o historial do caso.

Figura 13 Recurso ao TJDU n º 2 República Popular de Moçambique Ministério da justiça Tribunal Popular do bairro comunal da Polana caniço B Ao tribunal judicial do D. M:-2 Assunto: Guia de Remessa nº 16/01 33

Junto se remete a esse tribunal o processo nº 62/2001 em que são partes: 1- António... 2- Constantino... 3- Albertina... Esta medida surge pelo facto de não ter sido possível a reconciliação entre os cônjuges e o A. não ter aceite a divisão dos bens e a casa Maputo, 8 de Outubro/2001 O juiz presidente (assinatura e carimbo) Chegado ao TJDU nº 2, o processo comunitário entra através da secretaria do tribunal. O processo é entregue a um funcionário da Secretaria. Na altura em que existia um «livro de registo dos processos vindos dos tribunais comunitários para recurso» na 2ª secção, o processo era registado. De seguida o processo era encaminhado para o escrivão, e este remetia-o para o juiz de direito para despacho.

Figura 14 Despacho do juiz de direito República de Moçambique Tribunal Judicial do Distrito Urbano nº 2 Oriente-se o autor ou a ré a intentar uma acção cível com vista a divisão de bens comuns, caso não consigam a divisão extra-judicial. Para tal deverão, ou deverá, o autor fazer-se auxiliar de assistente jurídico Maputo, 16.10.01 (assinatura do juiz de direito)

Os juízes eleitos consideram, entretanto, que antes da abertura do processo judicial, é sempre obrigatória a tentativa de conciliação dos casos oriundos das instâncias comunitárias e que esta prática é comum no tribunal judicial. Durante o trabalho de campo tivemos a oportunidade de ver “in locco” os juízes eleitos da 2ª secção a fazerem conciliação de vários casos.

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O JP da 2ª secção, confirmou o procedimento descrito pelos juízes eleitos. Embora não considere a conciliação antes da abertura do processo judicial como “obrigatória” mas sim como “costume”. A conciliação “obrigatória” é no âmbito da audiência preparatória, cujos procedimentos estão previstos na lei. “JF: qual é a decisão do tribunal judicial perante os casos remetidos pelos tribunais comunitários? JP: nas questões cíveis para além dos processos que os juízes do tribunal comunitário trazem, nós notificamos as partes através dos juízes dos tribunais comunitários para virem ao tribunal. Aqui, convidamos a eles contactar advogado ou técnico jurídico para a elaboração da petição inicial. JF: esses casos não têm tratamento extra-judicial? JP: essas pessoas quando vêm para aqui em princípio chamo os juízes eleitos deste tribunal para conferenciarem, antes de contactar o técnico jurídico para abertura de processo judicial. Só depois, quando não houver conciliação é que se pode abrir processo. JF: Sr. Juiz é frequente decidir a favor da conciliação antes da abertura do processo judicial? JP: Sim eu sempre procuro que antes da abertura do processo judicial os juízes eleitos deste tribunal façam a conciliação JF: a conciliação é obrigatória nos casos que vem dos tribunais comunitários? JP: não é obrigatória porque não tem nada escrito na lei sobre a tentativa de conciliação antes da abertura judicial. Mas é costume apelar os juízes eleitos para fazer sempre JF: e nos casos cíveis que vem através das partes, fazem conciliação? JP: geralmente não há conciliação antes da abertura do processo judicial. Quando as partes metem o caso normalmente já constituiu advogado e já tem a petição inicial. Neste caso a conciliação só na audiência preparatória, a lei prevê este procedimento” (Entrevista ao JP do TJDU nº 2 2ª secção 11.10.04)

Falhada a conciliação antes da abertura do processo judicial, o processo comunitário é remetido para o advogado ou técnico jurídico. A abertura do processo judicial não é automática.

“É preciso saber que mesmo os técnicos jurídicos tentam a conciliação nos casos que recebem antes da abertura do processo judicial. Eles falam por exemplo das custas judiciais que as partes podem ter que pagar com a abertura do processo.” (Entrevista ao JP do TJDU nº 2 2ª secção 11.10.04)

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Os técnicos jurídicos e os assistentes jurídicos do IPAJ que teoricamente garantem o patrocínio judiciário e a assistência jurídica gratuita aos cidadãos, na prática cobram os serviços que prestam (Marques; Pedroso: 2003). As pessoas economicamente desfavorecidas que pretendem abrir um processo judicial, encontram à partida uma barreira muito grande de acesso à justiça. Nesses casos o tribunal judicial encaminha essas pessoas para as instâncias da sociedade civil de defesa dos direitos

“As pessoas que querem fazer abertura de processo judicial mas que não tem dinheiro para pagar os advogados ou técnicos jurídicos mandamos para LDH, Muleide. AMMCJ. A maior dos processos civis é feita através dos advogados destas associações. Nos indicamos as partes interessadas a contactá-las. Mais tarde vão aos bairros pedir o atestado de pobreza para isenção de custas judiciais, assim metem o caso no tribunal como deve ser.” (Entrevista ao JP do TJDU nº 2 2ª secção 11.10.04)

As associações de defesa dos direitos como a Liga dos Direitos Humanos, tentam em regra a conciliação. Só depois de falhada a conciliação, é que podem optar pela via judicial, encaminhando o processo para o tribunal judicial competente.

7. As conferências de conciliação 7.1 Contextualização O Código do Processo Civil (CPC) prevê no artigo 509, nº 1 que «aberta a audiência, o juiz procurará conciliar as partes, tendo em vista uma solução de equidade». Naturalmente que CPC prevê a intervenção do Juiz de direito na tentativa de conciliação das partes antes de iniciar com o julgamento judicial. “No tribunal judicial, em alguns casos, os processos implicam passar por uma fase de audiência preparatória em que se tenta reconciliar as partes, só se prosseguindo com as

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seguintes que culminam com o julgamento, caso aquela primeira falhe” (José; Araújo: 2004)

Contudo, as conferências de conciliação de que nos referimos, não são as mesmas previstas neste Código. Primeiro, cronologicamente elas são anteriores à intervenção do juiz de direito na «audiência preparatória»; segundo, são levados a cabo pelos juízes eleitos do tribunal judicial

As conferências de conciliação constituem uma etapa de resolução de conflitos que antecede à fase de abertura de processo judicial. «O caso pode ser conferenciado antes de entrar em processo. É preciso juntar as famílias, as pessoas vem aqui no tribunal e eu e o meu colega dirigimos a conferência de conciliação para evitar o problema entrar oficialmente no tribunal.» (Entrevista aos juízes eleitos TJDU nº 2 2ª secção, 06.02.04)

Uma vez que não existe legislação que regule o funcionamento das conferências de conciliação, a sua maior ou menor utilização depende, em última análise, da atitude/perfil do juiz de direito, da sua sensibilidade em relação à resolução extra-judicial dos conflitos19.

A abertura do processo judicial tem lugar quando falham as conferências de conciliação das partes levadas a cabo pelos juízes eleitos. Nesta fase já pode intervir o juiz de direito na fase da conciliação prevista na audiência preparatória, que só chega a julgamento quando aquela, por sua vez, falha.

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A actual Lei da Organização Judiciária, 24/2007, prevê no nº2 do artigo 86 a utilização de procedimentos rituais próprios dos tribunais comunitários na apreciação do recurso.

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7.2 As conferências de conciliação na 1ª secção do bairro da Munhuana Na primeira secção os juízes eleitos não realizam as conferências de conciliação. Todavia houve uma altura que tais conferências eram realizadas «Houve uma altura que nós fazíamos conferências. A juíza presidente não tinha conhecimento porque não era preciso a sua presença. Nós resolvíamos o problema sem ser necessário abrir o processo. Depois de haver consenso nós fazíamos uma declaração para as pessoas assinar os compromissos. Tudo corria tão bem as pessoas cumpriam com as decisões por nós tomadas. Sr. doutor a nossa sala ficava cheia de gente nós a resolvermos problemas sociais. A sala da Dra. ficava vazia. A nossa sala enchia porque nós resolvíamos bem (…) desde há muito tempo que fazemos conferência, desde o tempo do juiz …. No tempo deste juiz ele vinha dar sua opinião sem usar as suas batas pretas. Outras vezes dava-nos opinião para a gente ajudar na conferência.” (Entrevista aos juízes eleitos do TJDU nº 2 1ª secção, 5.02.04)

A respeito da intervenção dos juízes eleitos nas conferências de conciliação, a então juíza presidente confirmou que ela própria veio encontrar no tribunal, rotinas de conciliação extrajudicial, levadas a cabo pelos juízes eleitos. «Os juízes eleitos deste tribunal quando viessem problemas dos tribunais comunitários eles sentavam-se na sala ao lado e faziam conciliação. Eu em princípio perguntava o que é isso quando via a enchente da sala, eles diziam que estão a conciliar as pessoas que tem problema. Eu perguntava se o caso tinha processo eles diziam que não que o caso “ não entrou oficialmente no tribunal”. Parecia haver dois tribunais no seio do mesmo tribunal: um comunitário que resolvia as questões sociais, sem registo oficial e outro judicial que precisa de registo oficial. Eu até que simpatizava com a forma de trabalhar dos juízes eleitos até porque resolviam muitos conflitos que pela via judicial seriam mais difíceis» (Entrevista a juíza TJDU nº 2 1ª secção Munhuana, 5.02.04)

Todavia a juíza presidente teve que mandar parar com as conferências de conciliação levadas a cabo pelos juízes eleitos, alegadamente, porque estes utilizavam «notificações oficiais» em uso no tribunal para solicitar a presença das partes no tribunal. Segundo a juíza, tratando-se de casos não oficiais (porque não registados como tais) na notificação das partes deveria ser outra regra. (mete uma nota de rodapé a dizer o dia da entrevista)

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Os juízes eleitos, nostálgicos em relação ao tempo em que podiam realizar livremente as conferências de reconciliação, apresentam outro tipo de explicação sobre o problema:

JF: quem vos mandou parar [com as conferências] e porquê? J1: não houve falha só disseram para não duplicar o trabalho de fazer conferência e depois de audiência. Agora nós estamos nas audiências. J2: disseram que as conferências que fazemos é próprio do tribunal comunitário, então estava haver dois tribunais no mesmo tribunal. JF: a juíza falou do problema das notificações… J1: nós utilizamos as notificações do tribunal porque nós somos juízes deste tribunal e como tal não podemos utilizar outras notificações a não ser desta casa. Só que nós utilizávamos uma particularidade. No lugar destinado ao «número do processo», nós escrevíamos «sem processo» e no lugar escrito julgamento, escrevíamos «conferência». Mesmo assim a juíza mandou parar com o nosso trabalho.» (Entrevista aos juízes eleitos do TJDU nº 2 1ª secção, 5.02.04)

A juíza presidente também se ressentiu bastante da sua própria decisão, alegando pressões de juízes «mais velhos».

Esta «pressão», segundo a juíza, decorreu do facto de num dos tribunais judicias em Maputo, os juízes eleitos «puxaram para si» um caso que já estava na responsabilidade do juiz de direito, isto é, já havia sido aberto o processo judicial. A partir deste episódio desenvolveu-se uma suspeição em torno da intervenção dos juízes eleitos nas conferências de conciliação. A gota de água foi quando os juízes eleitos desta secção utilizaram as notificações do tribunal sem o conhecimento da juíza. Os juízes eleitos não coordenavam com outros sectores do tribunal, como por exemplo a Secretaria, recebendo directamente os casos que eram remetidos das instâncias comunitárias, e notificando eles próprios as partes envolvidas. A falta de articulação entre os juízes eleitos e o resto do tribunal, precipitou proibição das conferências de conciliação nesta secção. Esta falta de coordenação, parecenos, antes, produto da cultura e do formalismo judicial, que entende ser incompatível a existência de procedimentos rituais extrajudiciais do tipo comunitário, dentro de um tribunal judicial.

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7.3 As conferências na 2ª secção do bairro do Aeroporto Ao contrário da 1ª secção em que as conferências de conciliação foram proibidas, nesta secção elas funcionam em pleno. Durante o trabalho de campo podemos testemunhar alguns casos de conciliação levados a cabo pelos juízes eleitos.

Igualmente, ao contrário do que aconteceu na 1ª secção e que alegadamente ditou a proibição das conferências de conciliação, na 2ª secção quem notifica as partes è a Secretaria do tribunal Os juízes eleitos trabalham aparentemente em coordenação com a Secretaria do tribunal. Aliás nesta secção era prática corrente o registo dos processos oriundos das instâncias comunitárias no «Livro de registos de processos vindos dos tribunais comunitários para recursos». Esta tarefa era realizada pelos funcionários da Secretaria.

7.4 A ritualização da conciliação As conferências de conciliação são realizadas na «sala de audiências» do tribunal, e são dirigidas por dois juízes eleitos. Têm lugar nos dias em que os juízes eleitos não tenham audiência de julgamento. As partes e seus acompanhantes entram na sala depois dos juízes eleitos estarem sentados na sala. Os juízes eleitos sentam-se nas cadeiras que no dia da audiência formal, se senta o advogado. Não ocupam os seus lugares «tradicionais» na mesa de júri. As partes sentam-se no primeiro banco corrido, e os acompanhantes nos restantes bancos corridos. No corredor do tribunal, de frente da sala de audiência, senta-se um polícia fardado. A sala de audiências representa um espaço bastante hierarquizado e rígido, todavia, a disposição espacial nas conferências de conciliação, parece-nos importante na diminuição da distância entre os juízes e as partes. A linguagem utilizada, as normas evocadas e os procedimentos rituais, inserem-se no quadro de valores de todos intervenientes 40

Figura 15 Conferência de conciliação - sala de audiências TJDU nº 2

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1- Cadeira de um juiz eleito [vazia] 2- Cadeira do juiz de direito [vazia] 3- Cadeira de um juiz eleito [vazia] 4- Mesa de júri [desocupada] 5 Lugar do escriturário [sentaram os juízes eleitos]

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6- Lugar do advogado [vazio] 7- Lugar do procurador 8 Banco corrido [sentaram-se as partes] 9,10- Banco corrido [sentaram-se os acompanhantes] 11- Uma cadeira fora da sala de audiência, no corredor, sentou-se um polícia

As partes comparecem ao tribunal mediante notificação feita através dos tribunais comunitários. A conferência de conciliação decorre no mínimo em duas sessões. Na primeira, os juízes eleitos apelam a partes para se entender em casa e marcam uma data para as partes trazerem a resposta ao tribunal. Na segunda sessão os juízes eleitos procuram saber da decisão das partes antes de começar oficialmente a segunda conferência. A conferência é aberta normalmente por um dos juízes eleitos. Numa conciliação observada um dos juízes dirigiu-se às partes nos seguintes termos: J1: hoje não é julgamento, estamos aqui para vos conciliar, para vocês terem a paz. Estamos aqui nós juízes a fazermos conferência para sensibilizarmos a vocês para que se conciliem. Se não conseguirmos vamos mandar para o julgamento com o doutor juiz (observação da conferência de julgamento TJDU nº2 2ª secção 30.08.04)

A seguir, os juízes eleitos dão em primeiro lugar a palavra, ao ofendido que consta nos autos do processo comunitário. Ele dá a sua versão do problema. De seguida é convidado o acusado a responder sobre as questões que foram levantadas na exposição do ofendido, explorando a contradição dos argumentos. As intervenções quer dos juízes eleitos, quer das partes e acompanhantes são feitas nas línguas nacionais de todos intervenientes, normalmente em xironga e xichangana.

Nos casos que os acompanhantes intervêm de forma espontânea os juízes eleitos chamavam atenção para não falarem «sem autorização».

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Nos casos mais graves e que os juízes interpretam como falta de respeito, ameaçam com a interrupção da fase conciliatória e abertura do processo judicial «Filho do Chaúque [fala sem autorização]: a casa está trancada, mas as chaves estão no tribunal, mas entraram e roubaram cinco cadeiras, sem arrombarem J1 [irritado]: se alguém de vós não roubou somos nós que temos problemas. Escutem o que estamos a dizer, já temos experiência a resolver problemas. Se não se entendem é melhor que abram o processo» (observação da conferência de julgamento TJDU nº2 2ª secção 30.08.04)

Esta ameaça é recorrente sempre que a conciliação encalha por desentendimento das partes ou por qualquer outra razão. J1: eu disse que isto é conferência não é julgamento é para sensibilização. Quando vos chamamos [na 1ª conciliação] dissemos para vocês conversarem primeiro. Se não concordarem um com o outro vamos mandar para o doutor juiz. Vamos vos dar um advogado vão ser julgados pelo juiz [de direito] (observação da conferência de julgamento TJDU nº2 2ª secção 30.08.04)

No final os juízes eleitos tomam uma decisão sobre o conflito que passa por uma conciliação das partes. Outras questões são remetidas para as partes resolver «em casa», e posteriormente trazer a decisão ao tribunal J1 [dirigindo-se as partes]: vão vender a casa e dividir o dinheiro entre vocês, mas quem deve ter a maior parte é aquele que tem razão, ouviram? As partes [em uníssono]: sim J1: vão conversar a venda da casa em casa, entenderam? As partes [em uníssono]: sim J2: pronto Sr. Massingue pode levar o dinheiro que paga aquele que usou nas cerimónias fúnebres da sua filha... sobre a venda da casa vocês decidem, nós só queremos a decisão (observação da conferência de julgamento TJDU nº2 2ª secção 30.08.04)

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A decisão tomada pelos juízes eleitos não é escrita em acta formal, fica em registo verbal entre os juízes e as partes20. As conferências de conciliação, apesar de fazerem parte de um universo da retórica, estão impregnadas de uma lógica de «violência», que é representada pela ameaça recorrente de abertura do processo judicial. O que podemos concluir do funcionamento das «conferências de reconciliação» realizadas pelos juízes eleitos do TJDU nº 2 é que sob o manto simbólico da justiça oficial, estes juízes resolvem conflitos cuja solução adiou-se nas instâncias comunitárias devido à falta de obediência e ao desacordo das partes que consequentemente geram impasse na execução das sentenças naquelas instâncias. Usando os procedimentos rituais próprios da justiça comunitária, combinando-os com recurso à «violência» emblematizadas pela ameaça à abertura do processo judicial, os juízes eleitos do TJDU nº 2 resolvem muitos problemas e ao que tudo indica, de forma eficaz, não só porque utilizavam uma justiça de proximidade mas também porque são vistos como juízes do tribunal judicial onde se concentram os mecanismos susceptíveis de exercer coerção. Esta ambiguidade, como vimos, alimentada pelo facto das “conferências de conciliação” lidarem com conflitos que deram entrada no TJDU nº 2 mas que “não entraram oficialmente no tribunal”, cria condições para que a eficácia destas conferências esteja reforçada pelo recurso à violência que o Tribunal Judicial representa. A violência tanto pode ser a ameaça de abertura de processo judicial, quando o conflito está na fase da conciliação dos juízes eleitos, quanto a capacidade do TJDU nº 2 de impor sua a decisão quando o caso transita para julgamento judicial. A eficácia das decisões dos juízes eleitos nas conferências é reforçada pelo «cálculo do custo do não acatamento» da decisão (Santos: 2000) na fase conciliatória.

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Os juízes eleitos da 1ª secção disseram que na altura que realizavam as conferências de conciliação, no final, elaboravam declarações de compromisso assinadas pelas partes

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8.TJDU nº2: “Cemitério” dos processos comunitários? A grande maioria dos processos analisados oriundos das instâncias comunitárias, que deu entrada no TJDU nº 2 teve a decisão de «contactar técnico jurídico ou advogado» (81%) para intentar a competente acção cível. Todavia, é difícil precisar o desfecho desses processos por falta de registos dos diversos encadeamentos burocráticos. De referir que muitos procedimentos são caracterizados pela oralidade. Porque não há registos, não é possível saber ao certo se as partes interessadas contactaram de facto um técnico jurídico/advogado ou uma ONG; ou ainda se houve desistência. Muitos dos processos arquivados na secretaria do tribunal, presumem-se “pendentes” ou mesmo abandonados. «JF: qual é o encaminhamento dos processos que são trazidos pelas instâncias comunitárias? Escrivão: não tem nenhum encaminhamento acabam sendo arquivados aqui mesmo. Muitos casos que os processos estão aqui, morrem aqui mesmo.» (entrevista ao escrivão do TJDU nº 2 2ª secção 3.09.04) «JF: os casos que vêm dos tribunais dos bairros, a pessoas abrem processos judiciais? Escriturária: muitos não continuam porque sabem que o advogado vai precisar de dinheiro para abrir o processo. Tem os técnicos jurídicos no tribunal, também cobram. Só algumas pessoas é que tinham condições de continuar» (Entrevista escriturária do TJDU nº2 2ª secção 10.08.04)

O volume de processos que se encontram no TJDU nº 2 aponta para a hipótese deste tribunal ter funcionado durante certo tempo como um “cemitério” dos processos oriundos dos tribunais comunitários. O “livro de registo de processos vindos dos tribunais comunitários para recurso”, com registo de 147 processos, só se refere ao desfecho de 6 processos: devolvidos às instâncias de origem (2/96; 14/96; 2/97; 7/97; 15/98); remetidos à 1ª secção (4/2000) e alterado sumário sob o nº 133/96 (7/96). A cultura jurídica dos cidadãos; a distância cultural em relação aos procedimentos rituais dos tribunais judiciais, a relação entre as partes; a área social de litigação; as custas judiciais, etc., têm contribuído para que os cidadãos cujos processos são remetidos pelas instâncias comunitárias para o TJDU nº2 não optem pela via da «petição inicial».

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A intervenção do tribunal é sem dúvida um momento crucial na história de vida de um litígio (...). O processo de transformação de um litígio no seio dos mecanismos de resolução informais que eventualmente intervieram e falharam em momentos anteriores prossegue agora com muito mais intensidade dada o carácter especializado e profissionalizado da intervenção judicial. Trata-se nas sociedades contemporâneas de raiz liberal, de um mecanismo maximalista que tem oficialmente monopólio da resolução de litígios e que dispõe de poderes totais para impor a sua decisão. Daí que privilegio um estilo de decisões de soma-zero, sem que ponha em risco a sua solidez institucional pelo facto de levar ao extremo a polarização entre perdedores e ganhadores. Pelo contrário, é de extremismos que se alimenta a sua solidez. O mesmo maximalismo é responsável por um recurso exclusivo a critérios jurídicos o mais estritamente e sempre com referência exclusiva ao direito oficial, deixando de fora, por irrelevante, toda a normatividade jurídica não oficial (Santos: 2000)

O facto de poucas pessoas não terem apresentado pessoalmente o recurso no TJDU nº 2, nos casos remetidos pelos tribunais comunitários parece-nos ser um dado sociológico importante. Como vimos, foram sobretudo os juízes dos tribunais comunitários, que o fizeram, cumprindo assim com o preceituado no artigo 4 nº 2 da lei 4/92, que estabelece que “ sempre que houver falta de concordância com a medida adoptada, o tribunal comunitário elaborará auto e remetê-lo-á ao competente tribunal de distrito”. O tribunal judicial notifica as partes através dos juízes do tribunal comunitário para aconselhá-las a procurar um advogado/técnico jurídico. «JF: qual é a decisão o tribunal quando entra um processo do tribunal comunitário? Escrivão: Nós avisamos ao juiz [do tribunal comunitário] logo que ele vem meter um processo em recurso para chamar as partes. As partes podem vir com ele e podiam ficar do lado de fora do tribunal. Aconselhamos a constituir advogado.» (entrevista ao escrivão do TJDU nº 2 2ª secção 3.09.04)

A decisão de se “contactar um advogado ou técnico jurídico”, tendo em conta a caracterização sociológica das pessoas que demandam as instâncias comunitárias, pode retrair a procura potencial ao TJDU nº 2. É verdade que o conflito que opõe as partes geralmente ainda continua. A nossa hipótese é a de que quando não se regista a desistência, esta conflitualidade é desviada para outras instâncias economicamente mais comportáveis ou cujos procedimentos rituais, não põem globalmente em risco as relações sociais multiplexas (Santos, Trindade: 2003), que se tecem entre as partes na maioria dos casos que foram remetidos ao TJDU nº2 – os conflitos conjugais. A decisão do TJDU nº 2 2ª secção em relação aos recursos dos tribunais comunitários tem vindo a registar, ultimamente, uma evolução bastante significativa. Como é sabido, o 47

encaminhamento dos casos que vêm das instâncias comunitárias depende, como vimos anteriormente, da atitude do JP a sua sensibilidade perante o fenómeno do pluralismo jurídico, a sua formação humana, jurídico-filosófica, etc. Não existe nada regulamentado. O actual JP deste tribunal, em resultado da sua experiência nos tribunais judiciais por onde passou, decidiu instituir a conciliação como uma etapa prévia à abertura do processo judicial. Antes da sua chegada ao TJDU nº 2ª secção, o despacho do seu antecessor era no sentido das partes “contactar o técnico jurídico/advogado” para abertura do processo judicial “Quando cheguei [ao TJDU nº2 2ª secção] apanhei muitos processos acumulados que vinham dos tribunais comunitários. Eu perguntei afinal porque está tudo assim? Os juízes eleitos disseram que o anterior juiz de direito não tinha relação com os tribunais comunitários. O que eu fiz foi reunir com os juízes eleitos e disse-lhes que os processos que vêm dos tribunais comunitários não estão concluídos. Então marquei um dia em que eles deveriam trabalhar na conciliação desses casos. A princípio reuniam-se à sexta-feira, notificavam as partes dos processos para conciliação (...) Posso dizer que dos processos entrados desde que comecei a trabalhar cerca de 75% termina por conciliação 25% abre processo judicial através dos técnicos jurídicos, mas sobretudo por via de associações jurídicas como LDH, AMCJ e Muleide.” (Entrevista ao JP do TJDU nº2 2ª secção 11.10.04)

O desfecho dos processos oriundos das instâncias comunitárias através das conferências de conciliação mostram-nos que têm sido importantes na resolução dos conflitos, sobretudo por tentar buscar uma solução satisfatória para ambas partes e evitar, o máximo possível, a abertura do processo judicial. “Considero a conciliação uma medida muito importante na vida das pessoas que tem problema porque não há registo, não há uma sentença que pode prejudicar um e favorecer a outro. As pessoas têm filhos não fica bem esse registo, são familiares. As pessoas também não têm dinheiro e não teriam condições de pagar custas de 2, 3 milhões” (Entrevista ao JP do TJDU nº2 2ª secção 11.10.04)

O que podemos concluir sobre o desfecho do encaminhamento dos casos oriundos dos tribunais comunitários depende do JP do tribunal judicial que dá o despacho. Quanto mais se orientar cegamente segundo o formalismo jurídico maior será a probabilidade de decidir à favor da abertura do processo judicial, através da “petição inicial”, e ao contrário, se tiver uma formação jurídico-filosófica e humana que é sensível ao pluralismo jurídico maior será a 48

tendência de decidir favor da “conferência de conciliação” antes da abertura do processo judicial O tribunal judicial, nem sempre é cemitério dos processos oriundos dos tribunais comunitários (e de outras instâncias comunitárias). Tudo depende da intervenção do JP. Dado que a intervenção do juiz depende do paradigma do direito que o orienta bem como de representações subjectivas que faz da realidade jurídica, torna-se premente que no futuro haja uma revisão na lei que apontasse as vantagens da conciliação que tem sido feita por alguns JP tornando-a uma prática e não uma escolha subjectiva.

9. Conclusões 49



O tribunal judicial do distrito urbano nº 2 recebe os conflitos pelas instâncias comunitárias (GD e TC) de natureza cível. Este tribunal na maioria dos casos sugeriu em despacho do juiz, que as estruturas comunitárias que remetiam os casos não eram competentes cabendo à parte lesada arranjar um advogado/técnico jurídico para intentar a acção cível competente.



O TJDU nº 2 ao contrário do que está previsto na lei da organização judiciária (10/92) articula-se com as instâncias comunitárias em complexas redes de resolução de conflitos. Todavia o facto de não existir regulamentação do procedimento do recurso tem levado que a articulação dependa da sensibilidade dos magistrados e dos funcionários judiciais. Os magistrados presos ao modelo legalista tendem a achar irrelevante a conflitualidade extra-judicial apegando-se aos procedimentos judiciais, e ao contrário, os magistrados que tem alguma sensibilidade sociológica, estimulam soluções consensuais.



A dinâmica de relacionamento entre a justiça judicial e os tribunais comunitários é diferente na 1ª e 2ª sessões deste tribunal. Na primeira normalmente os processos oriundos das instâncias comunitárias tendiam a ser ignorados, porquanto consideravam o “verdadeiro processo” aquele que começa no tribunal judicial. Na segunda, verificou-se o oposto pelo menos durante um período de tempo não especificado;



Para além dos tribunais comunitários outras instâncias tais como a PRM e os Grupos dinamizadores dos bairros, recorrem ao TJDU nº2 enviando casos cíveis. No entanto, tanto a PRM e os grupos dinamizadores não têm competência legal para dirimir conflitos;



Os casos mais frequentes remetidos para o TJDU nº2 são os conflitos conjugais (separação e divisão de bens) seguidos de casos de disputa de terrenos ou casas;



As instâncias comunitárias recorrem ao TJDU nº2 por falta de acordo ou por desobediência às suas decisões;



Na apreciação do recurso das instâncias comunitárias, o TJDU nº2 em 81% dos casos analisados decidiu que as partes deviam contactar advogado u técnico jurídico. Apenas em 7% sugeriu a conciliação;



Nos casos de conciliação são realizadas conferências de conciliação que são uma etapa de resolução de conflitos que antecede a fase de abertura do processo judicial. Estas conferências, são realizadas nas salas de audiência do tribunal judicial pelos juízes eleitos e normalmente não apresentam nenhum registo formal.

Bibliografia

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