Sintese cronológica das principais intervenções da Oficina de Restauro de Mosaicos de Conimbriga

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Sintese cronológica das principais intervenções da Oficina de Restauro de Mosaicos de Conimbriga Antes das intervenções de conservação e restauro, os mosaicos de Conimbriga encontravam-se sob uma camada de areia que os protegia dos principais agentes de deterioração. A primeira intervenção significativa nos mosaicos recaiu sobre mosaico de A24 da Casa dos Repuxos. Sobre este trabalho escreveu o doutor Manuel Heleno: “A experiência, feita com a ajuda material da DGMEN, incidiu sobre um curioso mosaico em cujo emblema se vê um Sileno montado e cuja estrutura se encontra irregularmente conservada: numas partes já apodrecida, noutras bastante consistentes. Tinha-se em vista arrancá-lo e colocá-lo, devidamente restaurado, no mesmo lugar. Por isso se dividiu o mosaico em 18 secções, que forma sucessivamente arrancadas, tratadas, restauradas e assentes no primitivo lugar.Certamente algumas deficiências se notarão neste trabalho. Mas ele ficará como a primeira tentativa em Portugal para consolidar e restaurar in situ os mosaicos lusitano-romanos do nosso território e libertá-los da máscara de areia com que se oculta e danifica a sua beleza”. Assim, a intervenção conjunta realizada pela DGEMN e o Museu Etnológico no mosaico do Sileno, permitiu o avanço do plano de consolidação dos mosaicos para os outros espaços da casa a um ritmo verdadeiramente impressionante. Em cerca de 4 anos foram levantados, consolidados e restaurados cerca de 190m 2 de pavimento musivo1, correspondendo à área daquele compartimento, das três alas do peristilo do ninfeu, da sala da caçada, do pavimento de corredor a sudeste de acesso a esta área mais privada da casa, ainda de outros dois compartimentos, e praticamente todos os pavimentos da ala sul do peristilo central. Do historial de que temos informação onde surgem registos concretos das intervenções levadas a cabo, a primeira referência data de 1951 e, expressa “…no sentido de que, dados os bons resultados obtidos, se continue a experiência de consolidação dos mosaicos…”2 Desenhando-se, por conseguinte, um programa de trabalhos de carácter experimental, mas obtendo-se bons resultados práticos. Seguiram-se as intervenções nos pavimentos da zona sudeste do edifício, entre esse ano e 1955 e, até 1962, com a excepção do mosaico levantado em 1984, todos os outros mosaicos foram levantados e consolidados por uma equipa às despensas da DGMEN, já com a colaboração directa do doutor Bairrão Oleiro, que virá a contribuir decisivamente para o propósito de valorização da domus, como atrás fiz referência. “Difícil se torna descrever, minuciosamente, a técnica usual nestes trabalhos especialmente no que se refere ao Levantamento e restauro de mosaicos, descrevia o 1 2

Relatório de actividades, (1956), DGEMN, p.4. OLEIRO, J., Notas em arquivo, MMC.

Arquitecto Amoroso Lopes, técnico da DGMEN, que acompanhou grande parte dos trabalhos. Dizia: “Apenas se poderão referir as bases em que, forçosamente, se fundamenta …: 1º Secagem absoluta de toda a superfície do mosaico a levantar e limpeza cuidadosa da terra, poeiras, raízes, etc. 2º Marcação dos cortes a efectuar, já que o trabalho se deverá executar em secções facilmente manobráveis. 3º Levantamento das secções mosaicadas, usando para o efeito lonas solidamente coladas na face exposta do mosaico. 4º Limpeza do reverso dos mosaicos (fragmento por fragmento), tirando todas as aderências do opus signinum, etc., usando para o efeito ponteiros de aço, escovas, etc., trabalho moroso que requer cuidado especial, nem sempre se apresentando com a mesma facilidade de execução. 5º Assentamento desta secção mosaicada sobre placa de cimento armado com 0,07m de espessura moldada nas dimensões da própria secção mosaicada. 6º Escavação estratigráfica da zona abrangida pelo mosaico para o estudo das diferentes camadas de terras e do seu peneiramento para eventual recolha de material arqueológico. A execução destas sondagens pode levar-nos a múltiplas soluções para reassentamento dos mosaicos a qual, normalmente, se faz sobre camada de brita respaldada, efectuados os aterros e consolidações necessárias”. Nesta altura parecia adivinhar-se que, sob os mosaicos, iria surgir o criptopórtico da casa, o que iria obrigar à construção de lages de betão apoidas por vigas de préesforçado com tijoleira, como solução de suporte dos pavimentos. Adiantava ainda aquele técnico da DGMEN: “por último deve-se referir um trabalho de certo modo melindroso e que, pelo facto de constituir o remate final é o que atrai as atenções gerais e o qual, mercê desta circunstância é ponto de partida para uma apreciação de ordem geral. …Este trabalho compreende a reposição de pedras nas arestas, o qual é feito, normalmente, após o assentamento de todas as placas, a que se segue, não raramente, o esboço das linhas gerais de composição geométrica dos próprios mosaicos, enchimento com cimento liso dos espaços vazios do mosaico, etc…” As condições de exposição dos pavimentos em conjugação com o comportamento intrínseco dos materiais3, especialmente a deformabilidade volumétrica própria de cada uma das placas, resultaram em movimentos indiferenciados nos mosaicos e, por consequência, no desenvolvimento de um quadro geral de fissuração circunscrito exactamente nas juntas de ligação que as várias secções do conjunto formam entre si. Cerca de 50 anos desde as acções mais importantes de reabilitação da domus, surgem fenómenos que, embora conhecidos, obrigam a uma nova atitude perante a necessidade da conservação de alguns dos seus principais componentes, nomeadamente os pavimentos de mosaico. Na verdade, in situ, os mosaicos romanos obedecem a uma construção segundo uma determinada disposição estratigráfica. 3

Coeficientes de dilatação térmica (m/mºC): calcário, 7x10-6; cimento, 9 a 12x10-6 e ferro, 11,5x10-6; segundo o ICCROM. In FEILDEN, B. (1982) p.94.

A metodologia preconizado actualmente para o tratamento de mosaicos que sofreram levantamento, é um processo designado por “ transposição do mosaico para estrutura rigída leve”. A Oficina de Restauro de Mosaicos de Conimbriga tem sido a única entidade oficial no país que desde os anos 60 presta regularmente serviços de conservação e restauro nos mosaicos arqueológicos pertencentes ao imenso espólio existente em Portugal. Em 1986, agora sob a égide da doutora Adília Alarção e como directora do museu, foi construída a actual Oficina de Restauro de Mosaicos que, por força do intenso trabalho produzido e pela consequente longevidade e desgaste das instalações (reduzido prazo de vida útil), espera-se ver renovada e modernizada, de acordo com um anteprojecto apresentado ao Instituto dos Museus e da Conservação, no sentido de ser criado um novo espaço físico, numa ala a acrescentar ao actual edifício do museu, onde esta virá a ser implantada. A operacionalidade da actividade regular na oficina de restauro de mosaicos é conduzida por uma equipa de profissionais constituída por um técnico superior de conservação e restauro e dois assistentes operacionais de conservação e restauro. Para exemplificar o trabalho desenvolvido na oficina de restauro mosaicos, a diversidade geográfica da sua área de actuação e distintas metodologias de intervenção, apresenta-se o trabalho realizado por este serviço num mosaico resgatado na Quinta da Marina, em Lagos, surgido na sequência de uma escavação de emergência solicitada pela Câmara daquele município, devido á pressão urbanística prevista para aquele espaço, em cujos solos sabia-se haver vestígios de ocupação romana. Imediatamente a seguir ao processo de escavação arqueológica o mosaico é limpo e realiza-se o registo detalhado e rigoroso de toda a sua superfície e estruturas envolventes. Utiliza-se o desenho, a fotografia e, muito especialmente o decalque – técnica muito detalhada e morosa que requerer grande acuidade de traço e também elevado esforço físico. Esta técnica é aquela que, com maior fiabilidade, reproduz todas as evidências que o mosaico contempla. Após realizado todo o processo detalhado de registo e decidido levar-se a cabo o levantamento do mosaico, passa-se à colagem das telas de fixação e transporte nas áreas com mosaico. Esta primeira fase do processo de levantamento de mosaicos, cinge-se na fixação de telas de algodão ao tesselato, colando-as com uma emulsão acrílica e deixando umas bandas ao redor dos sectores a levantar, que servem de apoio para a operação de levantamento. O mosaico destacado do seu suporte natural através da camada do nucleus, por corte e levantamento com recurso a ferramentas de punção e alavancagem, sendo que, pelas bordas dos tecidos aplicados, o mosaico é retirado e colocado, pelo inverso, num plano seguro e resistente, de forma a efectuar com segurança, depois de bem

acondicionado, o seu transporte para Conimbriga, a fim de ser sujeito às sequentes fases de intervenção, de modo a se obter as condições apropriadas de limpeza do tesselato, o seu restauro e a sua consolidação estrutural. Já na oficina, o mosaico foi sujeito ao processo de limpeza pelo tardoz, removeram-se as argamassas descoesas ou soltas prosseguiu-se com a fase de consolidação do mosaico e, nesta fase melindrosa da operação de restauro, foram coladas algumas tesselas que, invariavelmente como noutros casos, sempre se desprendem do conjunto de tesselato. Limpo o tardoz do mosaico é lhe aplicado uma argamassa que se assemelha à original e que permite a consolidação do tesselato pela sua parte anterior e, ainda, obter uma camada separadora reversível, obedecendo-se assim, a um dos princípios fundamentais a ter em conta nas intervenções de Conservação e Restauro. Cria-se, desta forma, uma superfície plana e contínua, que promove o reforço estrutural do mosaico e que, simultaneamente, serve de camada separadora aos restantes elementos de suporte. Respeitado o tempo cura da argamassa de cal, por norma 28 dias após a sua aplicação, o seguinte passo é a execução da primeira camada de suporte rígido leve. A placa fina e rígida a produzir, é preparada com uma resina que se verte numa cofragem previamente montada, que delimita as arestas das secções de mosaico, formando poliedros regulares. Endurecida a resina, o sistema de cofragem é desmontado, coloca-se o mosaico na sua posição natural e remove-se o tecido que até aqui se manteve colado, fixando o conjunto de tesselas. O processo de transposição do mosaico para um suporte de estrutura rígida leve fica concluído com um reforço constituído por uma placa de ninho de abelha, resultando uma camada de suporte do mosaico suficientemente estável e resistente, que permite realizar a ligação com as restantes secções de mosaico Finalizado o processo de consolidação do mosaico pelo tardoz, este foi novamente invertido, limpo e consolidado pontualmente. Realizaram-se os restauros necessários a uma melhor leitura e interpretação da peça intervencionada que, no caso, passou pela integração de faixas e linhas e, pontualmente, o preenchimento parcial de algumas lacunas do tesselato. Lacunas mais extensas foram preenchidas com gravilha calcária miúda que simula o fundo branco sujo dominante. O mosaico regressou a Lagos para integrar uma exposição que de correu no centro cultural daquela cidade.

Outras intervenções recentes levadas a cabo pela Oficina de Mosaicos de Conimbriga, ocorrem em Santiago da Guarda, numa villa romana que integra o eixo de romanização das terras do Sicó. No decurso do projecto de reabilitação de um grande edifício medieval conhecido pelo Paço de Santiago da Guarda, que teve participação do museu de Conimbriga como colaborador privilegiado, em 2002, durante os trabalhos iniciais de arqueologia, foram encontradas, subjacente às fundações daquele edificado, ruínas de uma villa romana com grande extensão de pavimentos com mosaicos que, à excepção de um com composição de quadrículas formadas por tesselas pretas e brancas, são policromos e geométricos. Desde logo foram levadas a cabo pela equipa de restauro de Conimbriga as medidas necessárias à consolidação e conservação dos mosaicos e, no âmbito da programação para a utilização daquele edifício que enfoca essencialmente a valorização e musealização dos mosaicos, e da necessidade de assegurar a preservação de um dos mosaicos postos a descoberto na área sudoeste do edifício, foi decidido proceder ao seu levantamento com vista a que, numa fase posterior, este grande mosaico (5,92m x 3,12m) seja colocado na vertical, aplicado numa parede adjacente ao seu local de origem. O mosaico policromo com painel absidado justaposto num grande rectângulo de composição geométrica e vegetalista com motivos inscritos num padrão de meandros de suásticas, muito lacunar na sua parte central, foi seccionado em 8 painéis. Neste momento este pavimento musivo já recebeu o suporte produzido por placas de resina reforçada, encontrando-se em processo de colocação de painéis de ninho de abelha, concluindo-se a intervenção de transposição do mosaico para o novo sistema estratigráfico Este sistema de suporte, ou seja, a transposição do opus tesselatum para placas rígidas leves, permite a montagem e a ligação das placas entre si, através de fixadores metálicos que, por sua vez, sustentarão o conjunto de oito painéis, a colocar em plano vertical. Os restauros e o tratamento de lacunas a realizar seguem os princípios apontados, designadamente, o preenchimento de lacunas com material pétreo idêntico ou original mas distinguível deste, e a reposição de faixas e linhas de tesselas, de forma a melhorar observação e a leitura integral do mosaico. Pontualmente, serão reconstituídos elementos geométricos. Outro exemplo da capacidade técnico-científica da Oficina de Mosaicos é o caso do tratamento no mosaico de Santa Vitória do Ameixial. É uma peça emblemática do património musivo nacional que tem já longa história no que diz respeito a intervenções de restauro, desde o seu aparecimento em 1915. Nos anos 50 e 60, este pavimento de grandes dimensões (9,10m x 6,75m), sofreu o processo de consolidação à semelhança dos executados nos mosaicos da Casa dos Repuxos, mas, ao que parece pelos resultados alcançados, o trabalho foi realizado por

uma equipa sem os conhecimentos técnicos necessários a um boa execução daquela técnica. Dificuldades inerentes ao levantamento do mosaico, causas relacionadas com o seu transporte, má aplicação do suporte, natureza da matéria aplicada e, execução por pessoal não treinado, entre outras -, vieram contribuir para a deterioração acelerada daquele rico pavimento. Assim, por solicitação do Museu Nacional de Arqueologia, nos anos 80 foi entregue à Oficina de Restauro de Mosaicos de Conimbriga a responsabilidade de proceder a novo levantamento do mosaico e ao seu tratamento em moldes de qualidade e durabilidade, segundo técnicas modernas e mais fiáveis. Esta obra, que remonta há mais de 20 anos devido à sua complexidade e à sobreposição de outros trabalhos diversos no âmbito da actividade da oficina, encontra-se neste momento numa fase de intervenção que, no geral, consiste na regularização das várias secções de mosaico entre si (34 secções), rectificações de espessuras, alinhamentos, reposição de fragmentos de tesselato), a que se seguirá a fase de restauro de faixas e linhas e, pontualmente, motivos geométricos. Trata-se de um longo trabalho de restauro e de restabelecimento da integridade física e formal daquele importante mosaico, o que se espera vir a ficar concluído em 2011. Intervenções nos mosaicos da Quinta das Longas, do concelho de Portalegre, nos mosaicos de villa Cardilium, em Torres Novas, nos mosaicos da Coriscada, concelho de Mêda, nos mosaicos de Prado Galego, em Pinhel, nos mosaicos da villa de Milreu, concelho de Faro, da villa da Abicada, concelho de Portimão, ou do mosaico do paço das Escolas em Coimbra, são só alguns dos exemplos recentes, em que a Oficina de Mosaicos de Conimbriga se encontra profunda e empenhadamente envolvida. Os objectivos pelos quais se rege a Oficina de Restauro de Conimbriga são, no essencial, dar resposta com aptidão humana, técnica e instrumental, às acções de protecção e conservação do património musivo de Conimbriga, assim como às entidades institucionais, empresariais ou particulares, de norte a sul do país, que necessitem avaliar, tratar e proteger os seus mosaicos. Como vimos, as primeiras intervenções executadas nos mosaicos de Conimbriga remontam à década de 50 e, desde aí, foram introduzidos os procedimentos e estabelecidos os princípios de conservação e restauro de mosaicos segundo as normas internacionais então definidos pelos especialistas que se dedicam a esta área de estudo histórico-cultural e técnico-científica. Os profissionais da Oficina de Conservação e Restauro de Mosaicos, têm como função levar a cabo as acções de salvaguarda do património de Conimbriga, mas a sua área de actuação alarga-se a todo o território, de forma a prestar apoio e desenvolver as metodologias adequadas à reabilitação do património musivo nacional.

De modo a salvaguardar o reconhecimento alcançado, pretende este serviço, assegurar a proficiência técnica e o knowhow adquirido em cinco décadas de intervenções, mantendo um estatuto de referência como centro internacional na conservação e restauro de mosaico. Simultaneamente, prosseguir e desenvolver as novas metodologias aplicadas na conservação e restauro de mosaico e, através da aquisição de novos quadros e lançamento de actividades formativas, garantir a transmissão do conhecimento e das práticas correctas de diagnóstico e intervenção em mosaicos arqueológicos. Desta forma pretende-se que em futuro próximo, em novas instalações e com disponibilização de novos recursos técnicos e instrumentais, a Oficina de Restauro de Mosaicos de Conimbriga possa prosseguir os seus objectivos com a qualidade, a eficiência e a dignidade que a nossa herança cultural exige.

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