“Sistema conventual e desenvolvimento urbano de Évora na Baixa Idade Média\"

July 23, 2017 | Autor: Filomena Monteiro | Categoria: Urban Planning
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“SISTEMA CONVENTUAL E DESENVOLVIMENTO URBANO DE ÉVORA NA BAIXA IDADE MÉDIA” Atas do III CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE EL FRANCISCANISMO EN LA PENÍNSULA IBÉRICA: “ EL VIAJE DE SAN FRANCISCO POR LA PENÍNSULA IBÉRICA Y SU LEGADO (1214-2014)”- 15/17 OUTUBRO, CIDADE RODRIGO, ESPANHA (ISBN: 978-84-8005-150-7; depósito legal: SE-1147-2010)

INTRODUÇÃO O final do século XII e séculos seguintes são, em Évora, para a Igreja Católica o seu período de instalação plena e enriquecimento, através de avultadas e numerosas doações régias. Na restante Europa medieval, católica, é uma época de contestação contra um poder já fortemente instalado, e uma riqueza ostensiva dos membros eclesiásticos, também intimamente ligados ao poder político1. As seitas e movimentos reformistas, preconizando o retorno à pobreza e ao isolamento primitivo, punham em causa a credibilidade da Igreja romana. O papa São Leão IX, numa tentativa de institucionalizar esse tipo de vivências religiosas, perigosas para Roma mas comuns em muitos locais, tinha feito emanar do Concilio de Coianza, ainda no ano de 1050, a orientação de que essas comunidades se deveriam estabelecer em cenóbios, com regra beneditina, a qual privilegiando a vida contemplativa, e silenciosa, salvaguardava contudo o trabalho manual, para a manutenção económica da comunidade religiosa. Mais tarde com a reforma cisterciense de S. Bernardo, foi esta a ordem religiosa que passou a aglutinar maior número de comunidades religiosas, obrigadas igualmente pela Igreja de Roma a institucionalizar a sua maneira de viver. Em Évora foi o caso, tardio, do mosteiro de S. Bento de Cástris, situado a Norte da cidade e dela distando “hum quarto de légua”. Já durante os finais dos séculos XI e XII passaram a ser as ordens mendicantes a integrar essas comunidades eremitas, ou de pobres cenobitas, até então desvinculadas de qualquer obrigação a Roma. A preocupação de enquadramento institucional por parte da igreja, embora fazendo-se notar desde o século XI, não se encontrava totalmente resolvida na cidade de Évora, passados quatro séculos. No núcleo urbano de Évora, no século XV, existiam os conventos de génese independentista de Santa Mónica e Paraíso, fundados de raiz por iniciativa das respectivas ordens, os de S. Francisco e de S. Domingos, por iniciativa da Igreja eborense Santa Clara e por iniciativa de casa nobre S. João Evangelista.

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Em 1298, o papa Bonifácio VIII determinou que as professas de todas as ordens observassem a clausura perpétua, proibindo que saíssem das suas casas religiosas, excepto “em caso de doença manifesta, e que recebessem pessoas e falassem, caso em causa razoável e com autorização superior”.

Fig. 1 - Planta da cidade de Évora com zonas dos conventos medievais em estudo e 2 marcação dos eixos citadinos eborenses neles inseridos .

Uma das características essenciais da cidade medieva é que, apesar da diversidade de tipologias urbanas, ela cresce invariavelmente do centro 2

As casas conventuais de fundação medieva foram assinaladas com numeração sequencial de acordo com as suas respectivas datas de fundação.

amuralhado para um ou mais espaços abertos, junto às respectivas portas da fortificação e que serão inevitavelmente futuras praças. Os primitivos rocios, situados junto às portas da cidade, e geralmente na posse das Câmaras, seriam assim espaços por excelência que, devido à sua amplitude e propriedade, permitiam terrenos disponíveis para a construção por mais singela que inicialmente ela pudesse ser. No caso de Évora o vasto Rocio da cidade deu origem imediatamente anexa à principal Porta medieva da cidade (a primeira Porta de Alconchel3), a um vasto espaço gradualmente nivelado para uma mais eficaz utilização do espaço em toda a sua amplitude. Com a progressiva definição ao longo dos séculos da Praça Grande (actual Praça de Giraldo) na sua forma, posicionamento na cidade e função que desempenhava é facilmente possível de caracterizar os principais vectores de crescimento da urbe eborense. As formas das sucessivas Praças que progressivamente se foram construindo ao longo dos séculos, com a constituição de novos tecidos urbanos e respectivos eixos urbanos nelas inseridos dão-nos uma imagem clara de como e porquê Évora cresceu. A cidade podia contudo na sua malha medieva recuperar memórias de uma ou mais das suas antigas implantações ou eixos dominantes, da “Évora” romana, goda e árabe, ou simplesmente ignorá-los. Seriam dados subjacentes que persistindo em épocas sequentes provavam não só o desempenho de um papel importante no passado mas também no presente. Dos conventos estudados podemos inegavelmente associar a cada um deles importantes largos e eixos de circulação. Assim no complexo conventual de S. Francisco e Paço Real encontrava-se formado o Largo de S. Francisco e a Rua do Paço (actual Rua da República) que ligava directamente a Praça Grande (actual Praça de Giraldo) ao exterior da urbe através da antiga Porta do Rocio. Ao complexo de S. Domingos encontramos o Largo de S. Domingos e a Rua da Lagoa (actual Rua Cândido dos Reis) que igualmente ligava o importante Largo da Porta Nova ao exterior amuralhado através da Porta da Lagoa. Ao complexo de Santa Mónica encontramos o Largo de S. Mamede e a Rua do Menino Jesus que ligava à Porta do Moinho de Vento4. Ao de Santa Clara, a Rua de Alconchel (actual Rua Serpa Pinto), ligando directamente a importante Praça Grande (actual Praça do Geraldo) à segunda Porta de Alconchel, saída mais utilizada da cidade no século XV como prova a iluminura do foral manuelino de Évora. Ao Convento do Paraíso, o Largo das Portas de Moura e as Ruas de Machede e Mendo Estevens, eixos directos de ligação com o exterior amuralhado.

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Situada possivelmente mais para o lado Noroeste da actual Praça de Giraldo. Segundo o Dr. Afonso de Carvalho existiu até ao século XV uma porta com esta designação junto à ermida de S. Miguel, contudo a partir desta data o topónimo passou a designar a porta existente junto à Torre das Cinco Quinas fronteira à igreja do Convento de Santa Mónica. 4

Ao Convento de S. João Evangelista, mais conhecido por Lóios, o Terreiro do Marquez (actual Largo do Conde de Vila Flor) como amplo largo ligando directamente com o largo medievo da Sé eborense. É inegável que os eixos radiais da Rua da República (antiga Rua do Paço), relativamente a S. Francisco, Rua Cândido dos Reis (antiga Rua da Lagoa), relativamente a S. Domingos e Rua Serpa Pinto (antiga Rua de Alconchel), relativamente a Santa Clara e Ruas Mendo Estevens e Machede relativamente a Nossas Senhora do Paraíso mantém a importância antiga hoje reforçada pelos sentidos obrigatórios do trânsito motorizado. É contudo de realçar que os antiquíssimos eixos radiais, estruturantes da cidade, frequentemente se mantiveram, apenas realinhados e redimensionados5. Quanto aos eixos secundários que interligavam entre si tais vias, foram sendo paulatinamente relocalizados de acordo com a ocupação sucessiva dos espaços e a localização dos mais importantes focos de afluência popular. Nas ligações transversais, de realçar a importância incontornável da Rua de S. Domingos que ligava os eixos Serpa Pinto (antiga 2ª Rua de Alconchel), a Cândidos dos Reis (antiga Rua da Lagoa) e Rua do Menino Jesus, tangente a Santa Mónica e ligando a Porta Nova ao exterior do núcleo urbano amuralhado. Os dois eixos radiais constituídos pelas Ruas de Machede e Mendo Estevens, confluentes no espaço do demolido Convento do Paraíso, pela inexistência física da construção redefiniu o antigo ponto de afluência passando de espaço religioso (igreja claustral) a espaço público lúdico, assumido pelo actual jardim e equipamentos anexos. Do exposto fica claro que todos os citados eixos mantiveram a sua importância readaptados contudo à actual ocupação dos espaços e consequentes utilizadores. Alturas houve em que devido a circunstancias várias, nomeadamente a construção, reconstrução ou remodelação das diversas igrejas conventuais neles situados que a sua fluidez de circulação foi temporária e pontualmente reduzida. Considerando que muitas dessas igrejas se localizavam directamente para esses eixos, por vezes sem o característico largo 6, que facultasse espaço para depósito de materiais e movimentação da maquinaria de elevação dos mesmos, muito deveria ser o transtorno produzido nesses eixos principais de acesso à antiga Praça Grande, actual Praça do Geraldo 7. 5

Por exemplo a Rua do Paço e respectiva Porta do Rocio, a S. Brás, sofreu a última drástica reformulação com a demolição da respectiva porta e parte substancial da muralha de modo a viabilizar uma franca circulação de veículos. 6 Caso por exemplo da igreja do antigo Convento de Santa Clara, reconstruída várias vezes. 7 Na iluminura do foral manuelino a Porta de Alconchel aparece representada inequivocamente como sendo à data a principal entrada na cidade. A antiga Rua de Alconchel (hoje Rua Serpa Pinto) ligando directamente esta importante porta com a Praça Grande (hoje Praça de Giraldo), passa tangencialmente à igreja de Santa Clara sem que aí existisse espaço livre adicional significativo que pudesse assumir as funções de largo.

Se do lado interior o espaço do claustro sempre tangente ao corpo da igreja conventual podia servir de apoio, embora pouco apropriado e originando inúmeros transtornos de funcionamento quando em convento feminino de clausura, do lado exterior esse estaleiro que por vezes durava décadas teria necessariamente de ocupar espaço público, dificultando a circulação de pessoas e animais. Possivelmente, e pontualmente, em alturas de maior intensidade construtiva algum outro eixo paralelo, até então menos importante passaria a ser mais utilizado retomando o seu papel secundarizante em época seguinte. O posicionamento das respectivas igrejas conventuais, e largos ou adros a elas inerentes, relativamente aos eixos urbanos que as servem igualmente contribuiu para a progressiva formação de um espaço construído influenciado pela sua forma e características8. A localização de muitas das habitações dos protectores das respectivas casas conventuais, desde comerciantes, famílias brasonadas, clero, ou realeza eram não raras vezes situadas nas proximidades desses complexos religiosos9. Criavam-se assim eixos de influência, invisíveis, mas não menos importantes para a cidade do que os outros, os urbanos. São estes alguns dos factores imponderáveis ou previsíveis, situações por vezes temporárias ou que se vão eternizando ao longo dos séculos que marcam o tecido urbano, e respectivos eixos de uma cidade, tornando-a única. Da “cidade” radial, à “cidade” fortaleza, à “cidade” em grelha e às soluções naturais dependentes das diversas culturas e vivências inerentes a cada época, resultou em Évora um sedimento urbanístico e humano indissociável à actual cidade.

FILOMENA MONTEIRO (arquitecta - Câmara Municipal Évora)

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Caso do espaço composto pelo Largo de S. Francisco situado lateralmente à igreja e onde o eixo principal passava por detrás da cabeceira da igreja. As construções acompanhariam o caminho que ladeava a cerca conventual prolongando-se de um dos lados do Largo. Em determinada época nesse mesmo largo erguer-se-ia casa nobre alterando a anterior tipologia construtiva no local onde depois foi construído o antigo Celeiro Comum. 9 De referir o poder que tais famílias possuíam no espaço restrito do convento onde algumas das suas filhas, tias, e até mães professavam em lugares de destaque da hierarquia interna.

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