“Sistema monástico-conventual e desenvolvimento urbano de Évora na Baixa Idade Média” I “The monastic-conventual system and urban development of Évora in the early middle ages”

July 23, 2017 | Autor: Filomena Monteiro | Categoria: Arquitectura y urbanismo
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Maria Filomena Mourato Monteiro

SISTEMA MONÁSTICO- CONVENTUAL E DESENVOLVIMENTO URBANO DE ÉVORA NA BAIXA IDADE MÉDIA

Orientador: Professor Doutor Virgolino Ferreira Jorge Tese de doutoramento em Arquitectura apresentada à Universidade de Évora (esta tese não inclui as críticas e sugestões feitas pelo júri)

Évora, Dezembro de 2010

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Maria Filomena Mourato Monteiro

SISTEMA MONÁSTICO-CONVENTUAL E DESENVOLVIMENTO URBANO DE ÉVORA NA BAIXA IDADE MÉDIA

Orientador: Professor Doutor Virgolino Ferreira Jorge Tese de doutoramento em Arquitectura apresentada à Universidade de Évora (esta tese não inclui as críticas e sugestões feitas pelo júri)

Évora, Dezembro de 2010

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ÍNDICE

RESUMO/SUMMARY ..................................................................................... 12 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14 ESTADO ACTUAL DA INVESTIGAÇÃO......................................................... 18 1 – MUTAÇÃO MONÁSTICO-CONVENTUAL DURANTE A BAIXA IDADE MÉDIA PORTUGUESA 1.1 – O UNIVERSO MASCULINO NA RELIGIOSIDADE MONÁSTICOCONVENTUAL ......................................................................................... 21 1.2 – A SITUAÇÃO DA MULHER NO CONTEXTO RELIGIOSO ............. 25 1.3 – REACTIVAÇÃO ECONÓMICO-URBANA E DINÂMICA SOCIAL .... 28 1.4 – AS CASAS RELIGIOSAS E A SUA ACÇÃO NA SOCIEDADE CIVIL 32 2 – GÉNESE E DESENVOLVIMENTO DAS ORDENS RELIGIOSAS EM ÉVORA 2.1 – ANTECEDENTES HISTÓRICO-ECLESIÁSTICOS ............................. 39 2.2 – PRIMEIRA FASE DE EXPANSÃO MONÁSTICO-CONVENTUAL (SÉCULOS XIII E XIV) 2.2.1 – CONVENTO DE S. FRANCISCO ............................................. 54 2.2.2 – CONVENTO DE S. DOMINGOS .............................................. 61 2.2.3 – MOSTEIRO DE SANTA MÓNICA ............................................ 67 2.3 – SEGUNDA FASE DE EXPANSÃO MONÁSTICO-CONVENTUAL (SÉCULO XV) 2.3.1 – MOSTEIRO DE SANTA CLARA............................................... 69 2.3.2 – MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DO PARAÍSO ................. 73 2.3.3 – CONVENTO DE SÃO JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS) ............ 76 3 – IMPLANTAÇÃO MONÁSTICO-CONVENTUAL E MORFOLOGIA URBANA DE ÉVORA NA BAIXA IDADE MÉDIA 3.1 – ANTECEDENTES HISTÓRICO-URBANOS ........................................ 80 3.2 – TOPONÍMIA EBORENSE NOS SÉCULOS XIII E XIV 3.2.1 – CONVENTO DE S. FRANCISCO 3.2.1.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS .......................................................................................... 88 3.2.1.2 – CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO .................. 89 3.2.1.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO ............................. 93 3.2.2 – CONVENTO DE S. DOMINGOS 3.2.2.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS .......................................................................................... 97 3.2.2.2 – CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO .................. 99 3.2.2.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO ........................... 102 4

3.2.3 – MOSTEIRO DE SANTA MÓNICA 3.2.3.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS ..........................................................................................105 3.2.3.2 – CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO .................106 3.2.3.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO ............................109 3.3 – TOPONÍMIA EBORENSE NO SÉCULO XV 3.3.1 – MOSTEIRO DE SANTA CLARA 3.3.1.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS ..........................................................................................114 3.3.1.2 – CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO .................116 3.3.1.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO ............................117 3.3.2 – MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DO PARAÍSO 3.3.2.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS ..........................................................................................121 3.3.2.2 – CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO .................122 3.3.2.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO ............................123 3.3.3 –. CONVENTO SÃO JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS) 3.3.3.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS ..........................................................................................126 3.3.3.2 – CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO .................127 3.3.3.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO ............................128 4 – A SILHUETA MEDIEVAL DE ÉVORA ......................................................132 5 – PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO DAS ORDENS RELIGIOSAS E REUTILIZAÇÃO DOS SEUS BENS IMOBILIÁRIOS......................................137 5.1 – CONVENTO DE S. FRANCISCO 5.1.1 – PRÉ-EXISTÊNCIAS ...................................................................141 5.1.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS ...........................................................................145 5.2 – CONVENTO DE S. DOMINGOS 5.2.1 – PRÉ-EXISTÊNCIAS ...................................................................155 5.2.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS.........................................................................157 5.3 – MOSTEIRO DE SANTA MÓNICA 5 3 1 – PRÉ-EXISTÊNCAS ....................................................................161 5.3.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS ...........................................................................162 5.4 – MOSTEIRO DE SANTA CLARA 5.4.1 – PRÉ-EXISTÊNCIAS ...................................................................165 5.4.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS.........................................................................166 5.5 – MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DO PARAÍSO 5.5.1 – PRÉ-EXISTÊNCIAS ...................................................................171 5.5.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS.........................................................................172 5.6 – CONVENTO DE SÃO JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS) 5.6.1 – PRÉ-EXISTÊNCIAS ...................................................................176

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5.6.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS ...........................................................................177 6 – BASES PARA UMA PROPOSTA DE SALVAGUARDA URBANÍSTICA DECORRENTE DO SISTEMA MONÁSTICO-CONVENTUAL EBORENSE 6.1 – ENQUADRAMENTO LEGAL ..............................................................182 6.2 – MEDIDAS DE INTERVENÇÃO 6.2.1 – TOPONÍMIA ...............................................................................184 6.2.2 – EIXOS CITADINOS ....................................................................195 6.2.3 – VALORIZAÇÃO PATRIMONIAL DOS CONJUNTOS 6.2.3.1 – CONVENTO DE S. FRANCISCO....................................201 6.2.3.2 – CONVENTO DE S. DOMINGOS.....................................205 6.2.3.3 – MOSTEIRO DE SANTA MÓNICA ...................................207 6.2.3.4 – MOSTEIRO DE SANTA CLARA .....................................210 6.2.3.5 – MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DO PARAÍSO........212 6.2.3.6 – CONVENTO DE SÃO JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS)...214 6.2.4 – CRIAÇÃO DE CENTRO DE INVESTIGAÇÃO E DIVULGAÇÃO DE ARQUITECTURA E URBANISMO RELIGIOSOS .................................216 7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………………...220 – FONTES DOCUMENTAIS E BIBLIOGRÁFICAS ........................................229 – ANEXOS ANEXO DOCUMENTAL.........................................................................237 ANEXOS DIVERSOS........................................................................... ..258

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QUADRO DAS PRINCIPAIS SIGLAS USADAS

A.C.M.F. – Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças e da Administração Pública. A.M.M.D. – Arquivo Histórico Militar do Ministério da Defesa Nacional. A.N.B.A. – Academia Nacional de Belas Artes. A.D.E. – Arquivo Distrital de Évora. A.M. – Arquivo Histórico Militar. A.N.T.T. – Arquivo Nacional da Torre do Tombo (hoje, DGA/TT). B.C. – Biblioteca da Academia de Ciências de Lisboa. B.H. – Biblioteca da Academia Portuguesa de História. B.G. – Biblioteca da Sociedade de Geografia. B.E. – Biblioteca Municipal de Estremoz. B.A. – Biblioteca do Palácio Nacional da Ajuda. B.L.F. – Bilioteca Laurenciana de Florença, Itália. B.M.AUN. – Biblioteca Municipal de Autun, França. B.M.AS. – Biblioteca Municipal de Avranches, França. B.M.AN. – Biblioteca Municipal de Avignon, França. B.M.BE. – Biblioteca Municipal de Beaune, França B.M.BN. – Biblioteca Municipal de Besaçon, França. B.M.CS. – Biblioteca Municipal de Carpentras, França. B.M.CY. – Biblioteca Municipal de Chambéry, França. B.M.CX. – Biblioteca Municipal de Châteauroux, França. B.M.CT. – Biblioteca Municipal de Chaumont, França. B.M.CD. – Biblioteca Municipal de Clermont-Ferrand, França. B.M.MN. – Biblioteca Municipal de Mâcon, França. B.M.ME. – Biblioteca Municipal de Marseille, França. B.N.P. – Biblioteca Nacional. B.N.F. – Biblioteca Nacional de França. B.P.E. – Biblioteca Pública de Évora. C.M.E. – Câmara Municipal de Évora. C.M.E. / D.O.P. – Câmara Municipal de Évora / Divisão de Obras Particulares. C.M.E. / N.D. – Câmara Municipal de Évora / Núcleo de Documentação. C.M.E. / A.F.E. – Câmara Municipal de Évora / Arquivo Fotográfico de Évora. C.N.C. – Colecção ”Nabais Conde”. D.G. – Diário do Governo. Ex- D.G.E.M.N.S. – Ex.- Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais da Região Sul. D.R. – Diário da República. F.S. – Forte de Sacavém. I.I.P. – Classificação correspondente a Imóvel de Interesse Público. I.G.C. – Instituto Geográfico /Cadastral (hoje IGP). I.P.P.A. – Instituto Português do Património Arquitectónico (hoje, IGESPAR). G.E.A.E.M. – Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, Ministério da Defesa Nacional. M.C.C. – Museu da Casa Cadaval, Évora. M.E. – Misericórdia de Évora. M.N. – Classificação correspondente a Monumento Nacional. Z.E.P. – Zona Especial de Protecção. 7

ÍNDICE DE FIGURAS DO TEXTO

Fig. capa – Évora. Extracto do foral manuelino........................................... capa. Fig. 1 – Évora. Vista Sudoeste da cidade. Desenho aguarelado [autor: Van der A.; publ. 1755; nº 966, C.N.C.] ........................................................................ 14 Fig. 2 – Évora. Vista Sul da cidade. Gravura [in O Panorama, 28 Dezembro 1844, 2ª série, vol. III, p. 407 (p. 157)] …………………………………………… 18 Fig. 3 – A urbe e o ermo no imaginário religioso medieval [B.M.CS.] Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html ....................................... 21 Fig. 4 – A mulher medieva, e os seus limites físicos, face à violência da época [B.M.CX., B.M.CX]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html ....................................... 25 Fig. 5 – O homem medieval e o incremento agrícola no início da Baixa Idade Média [B.M.CS.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html ....................................... 28 Fig. 6 – A acção humanitária dos religiosos na sociedade civil medieval [B.M.BN.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html ....................................... 32 Fig. 7 – Évora. Extracto da iluminura do Foral Manuelino (1501). Pormenor do Templo Romano e Sé [A.D.E.]. ....................................................................... 39 Fig. 8 – Évora. Divisão das freguesias [cf. BEIRANTE, Ângela, Évora na Idade Média…, ob. cit., p. 57], localização das igrejas, conventos e mosteiros, na Baixa Idade Média e lista de rendas eclesiásticas para subsidiar a guerra contra os mouros, em 1321 [cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, pp. 133-134] ......................................................................................................... 51 Fig. 9 – Évora. Fases de implantação monástico-conventual em planta com marcação das curvas de nível – sécs. XIII/XV ............................................... 52 Fig. 10 – Évora. Fases de implantação monástico-conventual em planta com marcação dos declives – sécs. XIII-XV .......................................................... 53 Fig. 11 – S. Francisco e o amor incondicional aos “seus irmãos” da natureza [B.M.BE.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html ....................................... 54 Fig. 12 – S. Domingos e o gosto pelo saber [B.M.CD.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html ....................................... 61 Fig. 13 – Santo Agostinho, e a sua acção no mundo romano [B.M.AS.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html ....................................... 67 Fig. 14 – Santa Clara e o espírito franciscano na sua essência [B.M.AN.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html ....................................... 69 Fig. 15 – Religiosas medievais [B.M.AUN.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html ....................................... 73 Fig. 16 – Cónego e laico [B.M.AUN.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html ....................................... 76 Fig. 17 – Évora. Vestígios godos recolhidos no antigo castelo dos Freires de Évora .............................................................................................................. 80 Fig. 18 – Évora. Ocupação do espaço urbano em finais do séc. XII (reconstituição) ............................................................................................... 87 Fig. 19 – Évora. Extracto de planta datada de Fevereiro de 1884 e representando a área conventual de S. Francisco e respectiva zona envolvente. 8

Limites aproximados da área conventual quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.] ......................................................................................... 88 Fig. 20 – Évora. Extracto de planta datada de Fevereiro de 1884 e representando a área conventual de S. Domingos e respectiva zona envolvente. Limites aproximados da área conventual quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.] ......................................................................................... 97 Fig. 21 – Évora. Extracto de planta datada de Fevereiro de 1884, representando a área monástica de Santa Mónica e respectiva zona envolvente. Limites aproximados propostos para a área monástica quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.] ........................................................................... 105 Fig. 22 – Évora. Criação de espaço urbano nos sécs. XIII/XIV (reconstituição) .. Fig. 23 – Évora. Extracto de planta datada de Fevereiro de 1884 e representando a área monástica de Santa Clara e respectiva zona envolvente. Limites aproximados propostos para a área monástica quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.] ..................................................... 114 Fig. 24 – Évora. Extracto de planta, datada de Fevereiro de 1884, representando a área monástica de Nossa Senhora do Paraíso e respectiva zona envolvente. Limites aproximados propostos para a área monástica quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.] ......................................... 121 Fig. 25 – Évora. Extracto de planta, datada de Fevereiro de 1884, representando a área conventual de S. João Evangelista (Lóios) e respectiva zona envolvente. Limites aproximados propostos para a área conventual quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.] ........................... . 126 Fig. 26 – Évora. Criação de espaço urbano no séc. XV (reconstituição) .... . 131 Fig. 27 – Évora. Vista da área Oeste da cidade, representada em iluminura no foral manuelino [A.D.E.] ............................................................................... 132 Fig. 28 – Évora. Ocupação do espaço urbano em finais do séc. XV (reconstituição) ……………………………………………………………………… Fig. 29 – Documento datado de 1836 solicitando disponibilidade de espaço na antiga Universidade de Évora, de modo a aí vir a ser instalado o Depósito Geral das Livrarias e Pinturas dos extintos Conventos da Província do Alentejo [A.C.M.F., PT, QHM/DIV/3/20/20/24] ........................................................... 137 Fig. 30 – Évora. Convento de S. Francisco e Paço Real, ruínas quinhentistas vistas de Poente [data aproximada 1860, autor desconhecido, doc. gentilmente cedido por Dr. Jorge Custódio.] .................................................................... 141 Fig.31 – Évora. Convento de S. Francisco, fotografia aérea e planta com limites e área envolvente ao antigo Convento de S. Francisco [bases: foto aérea e cartografia, C.M.E.]. .................................................................................... . 153 Fig. 32 – Évora. Convento de S. Francisco, planta com limites propostos do antigo espaço conventual e actual reutilização urbanística [base: cartografia, C.M.E.] ......................................................................................................... 154 Fig. 33 – Évora. Convento de S. Domingos, troço da ala Nascente do primitivo claustro medieval [segunda metade do séc. XIX, autor desconhecido, C.M.E./A.F.E.] .............................................................................................. 155 Fig. 34 – Évora. Convento de S. Domingos, fotografia aérea e planta com limites e área envolvente ao antigo Convento de S. Francisco [bases: foto aérea e cartografia, C.M.E.] .................................................................................. . 159 Fig. 35 – Évora. Convento de S. Domingos, planta com limites propostos do antigo espaço conventual e actual reutilização urbanística [bases: cartografia, C.M.E.] ......................................................................................................... 160 9

Fig. 36 – Évora. Mosteiro de Santa Mónica, vista Poente do antigo mosteiro [anterior a 1899, autor desconhecido, C.M.E./A.F.E.] .................................. 161 Fig. 37 – Évora. Mosteiro de Santa Mónica, fotografia aérea e planta com limites e área envolvente ao antigo espaço monástico [bases: foto aérea e cartografia, séc. XXI, C.M.E.] .......................................................................................... 163 Fig. 38 – Évora. Mosteiro de Santa Mónica, planta com limites propostos do antigo espaço monástico e actual reutilização urbanística [base: cartografia, séc. XXI, C.M.E.] .......................................................................................... 164 Fig. 39 – Évora. Mosteiro de Santa Clara, alçado Sul do complexo monástico dando directamente para a Rua Serpa Pinto, antiga Rua de Alconchel [primeira década do séc. XX, autor desconhecido, séc. XXI, C.M.E./ A.F.E.] ............. 165 Fig. 40 – Évora. Mosteiro de Santa Clara, fotografia aérea e planta com limites e área envolvente ao antigo monástico [bases: foto aérea e cartografia, séc. XXI, C.M.E.] ......................................................................................................... 169 Fig. 41 – Évora. Mosteiro de Santa Clara, planta com limites propostos do antigo espaço monástico e actual reutilização urbanística [base: cartografia, séc. XXI, C.M.E.] .......................................................................................... 170 Fig. 42 – Évora. Mosteiro do Paraíso, alçado Nascente do complexo monástico ladeado pelas Ruas de Machede e Mendo Estevens [anterior a 1900, autor desconhecido, C.M.E./A.F.E.] ...................................................................... 171 Fig. 43 – Évora. Mosteiro do Paraíso, fotografia aérea e planta com limites propostos e área envolvente ao antigo mosteiro [bases: foto aérea e cartografia, séc. XXI, C.M.E.] .......................................................................................... 174 Fig. 44 – Évora. Mosteiro do Paraíso, planta com limite proposto do antigo espaço monástico e actual reutilização urbanística [base: cartografia, séc. XXI, C.M.E.] ......................................................................................................... 175 Fig. 45 – Évora. Convento de S. João Evangelista (Lóios), alçado Norte da casa nobre e complexo conventual dando para o Largo do Conde de Vila Flor [avulso, séc. XVII, M.C.C.] ............................................................................ 176 Fig. 46 – Évora. Convento de S. João Evangelista (Lóios), fotografia aérea e planta com limite proposto e área envolvente ao antigo convento [bases: foto aérea e cartografia, séc. XXI, C.M.E.] .......................................................... 180 Fig. 47 – Évora. Convento de São João Evangelista (Lóios), planta com limite proposto do antigo espaço conventual e actual reutilização urbanística [bases: cartografia, sé. XXI, C.M.E.] ......................................................................... 181 Fig. 48 – Évora. Exemplo de placa toponímica referente a antigo arruamento de influência monástica ..................................................................................... 184 Fig. 49 – Évora. Zonas dos mosteiros e conventos em estudo e marcação dos arruamentos com eles relacionados (reconstituição) .................................... 194 Fig. 50 – Évora. Zonas dos mosteiros e conventos em estudo e marcação dos eixos citadinos com eles relacionados (reconstituição) ................................ 195 Fig. 51 – Évora. “Planta da igreja de S. Francisco, sala capitular, capela dos ossos, Irmandade da Ordem Terceira e ermida de S. Joãozinho, anexas” [fonte: Túlio Espanca, Inventário…, ob. cit., vol. I, p. 147] ...................................... 201 Fig. 52 – Évora. Vista de construções com restos da antiga casa conventual de S. Domingos.................................................................................................. 205 Fig. 53 – Évora. Vista geral do espaço anteriormente ocupado pela antiga casa monástica de Santa Mónica .......................................................................... 207 Fig. 54 – Évora. Planta do piso térreo do antigo Mosteiro de Santa Clara [planta elaborada a partir de dois desenhos avulsos, C.M.E.] ................................. 210

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Fig. 64 – Évora. Ocupação do espaço urbano – finais séc. XIV. Síntese evolutiva (reconstituição).

Fig. 55 – Évora. Levantamento do antigo espaço monástico de Nossa Senhora do Paraíso [planta avulsa, C.M.E.] ............................................................... 212 Fig. 56 – Évora. Planta do antigo Convento de S. João Evangelista (Lóios) [base: ESPANCA, Túlio, Inventário…, ob. cit., p. 54] ................................... 214 Fig. 57 – Évora. Convento de Nossa Senhora dos Remédios, potencial foco de investigação, tratamento e divulgação do riquíssimo património decorrente do sistema monástico-conventual eborense ..................................................... 216 Fig. 58 – Évora, um conjunto a preservar [foto: C.M.E.] ............................... 220 Fig. 59 – Évora, sobre planta datada do século XIX foram assinaladas as sucessivas fundações ocorridas nos séculos XIII e XIV ............................... 227 Fig. 60 – Évora, sobre planta datada do século XIX foram assinaladas as sucessivas fundações ocorridas no século XV ............................................. 228 Fig. 61 – Évora. Ocupação do espaço urbano – finais séc. XII. Síntese evolutiva (reconstituição) Fig. 62 – Évora. Criação de espaço urbano – sécs. XIII/XIV. Síntese evolutiva (reconstituição) .................................................................................................... Fig. 63 – Évora. Criação de espaço urbano – séc. XV. Síntese evolutiva (reconstituição) ................................................................................................... . Fig. 64 – Évora. Ocupação do espaço urbano – finais séc. XV. Síntese evolutiva (reconstituição) ................................................................................................... . Fig. 65 – Évora. Convento de S. Francisco. Evolução urbana da envolvente (reconstituição) ................................................................................................... . Fig. 66 – Évora. Convento de S. Domingos. Evolução urbana da envolvente (reconstituição)..................................................................................................... Fig. 67 – Évora. Mosteiro de Santa Mónica. Evolução urbana da envolvente (reconstituição)..................................................................................................... Fig. 68 – Évora. Mosteiro de Santa Clara. Evolução urbana da envolvente (reconstituição)..................................................................................................... Fig. 69 – Évora. Mosteiro do Paraíso. Evolução urbana da envolvente (reconstituição)..................................................................................................... Fig. 70 – Évora. Convento de São João Evangelista (Lóios). Evolução urbana da envolvente (reconstituição)..............................................................................

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RESUMO

SISTEMA MONÁSTICO-CONVENTUAL E DESENVOLVIMENTO URBANO DE ÉVORA NA BAIXA IDADE MÉDIA A cidade de Évora deve parte da sua forma urbana à localização dos inúmeros mosteiros e conventos, construídos ao longo dos séculos, e à influência evidenciada pela população religiosa neles residente. O facto de Évora se situar num importante cruzamento de vias e ser uma região de comércio próspero e rodeada por campos de singular fertilidade justificou, em parte, a importância e o número de casas religiosas, que aqui foram fundadas. O papa Clemente IV, no século XIII, com a regulamentação que impôs de distâncias mínimas entre novas fundações conventuais, “obrigou” que tais conjuntos religiosos se dispersassem pelas cidades. Planeou, assim, involuntariamente, pontos de interesse notáveis que no século XXI cobrem na íntegra todo o tecido urbano amuralhado de Évora. O riquíssimo e diversificado património imóvel daí resultante confere hoje à cidade eborense um carisma único, sedimentado ao longo dos séculos.

SUMMARY

THE MONASTIC-CONVENTUAL SYSTEM AND URBAN DEVELOPMENT OF ÉVORA IN THE EARLY MIDDLE AGES The city of Évora owes its urban disposition to the location of the innumerable monasteries and convents built throughout the centuries and the influence of the clerical occupants of those dwellings. Due to the fact that Évora was situated in an important crossroads, a region of prosperous commerce and surrounded by extremely fertile areas, the number and importance of religious houses which were funded here over the time were partly justified. The Pope Clement IV, in the 13th century, created rules which imposed a minimum distance between new conventual foundations installations making the dispersion of those buildings mandatory throughout the cities. Thus, involuntarily, planning important sites of interest, which cover entirely the fortified urban area of 21st century Évora. The extremely rich and diverse resultant patrimony provides the city with unique and bewitching traits, originated by centuries of religious power.

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INTRODUÇÃO

Fig. 1 – Évora. Vista Sudoeste da cidade. Desenho aguarelado [autor: Van der A.; publ. 1755; nº 966, C.N.C.].

A cidade de Évora deve parte da sua forma urbana à localização dos inúmeros mosteiros e conventos, construídos ao longo dos séculos, e à influência evidenciada pela população religiosa neles residente. Na origem das primeiras fundações religiosas medievais está o facto de ser uma cidade relativamente importante, recentemente conquistada aos infiéis, e situada em território limite da Cristandade, o que aliciou particularmente alguns irmãos mendicantes que, seguindo o espírito apostólico e expansionista de Francisco de Assis, terão chegado a esta cidade1. O facto de se situar num importante cruzamento de vias, numa região de comércio próspero e rodeada por campos de singular fertilidade justificou, em parte, a importância e o número de casas conventuais que aqui foram progressivamente sendo fundadas. O clima apetecível e a proximidade relativa a outros centros urbanos importantes tornaram-na simultaneamente em local de visita assídua da corte

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Logo durante o Capítulo de Pentecostes, realizado pelos Frades Menores, no ano de 1217,

estes organizaram as missões franciscanas, passando a estar a Itália e mais países divididos em províncias dirigidas por “ministros provinciais”. Tratou-se da evolução natural da Ordem depois de em 1209 o papa Inocêncio III ter concedido a Francisco de Assis e aos seus companheiros somente o direito à pregação moral. Cf. SANTOS, Júlio Eduardo dos, S. Francisco de Assis, Versão dos seus Poemas e Opúsculos,

acompanhada de notas e de um Bosquejo da Vida, Obra e Ideal do POVERELLO, OTTOSGRAFICA, Lisboa, 1925, pp. 47 e 74.

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portuguesa, que ao longo dos séculos aqui permaneceu, por períodos mais ou menos longos. A ligação directa entre o mundo conventual eborense e a monarquia é bem patente quando, em 1423, o Rei D. João I, fazendo obras em S. Francisco, ordena aí a construção de duas câmaras com “trescâmara e privada”, cercar um ferragial e horta, plantar muitas laranjeiras e fazer um poço e lavatório, para seu solar e espaço”2. Estas obras foram executadas, a par de outras, e utilizando áreas anexas a este complexo conventual3. Era assim constituído o núcleo dos futuros, e amplos, Paços Reais de Évora, situados a S. Francisco, cuja construção se prolongou ao longo dos reinados seguintes4. Com uma protecção real efectiva, e presente, o número de religiosos dos diversos conventos atingiu uma dimensão tal que necessariamente influenciou também, e marcadamente, a vivência nesta urbe. É esta marca, que os edifícios conventuais e seus residentes deixaram na imagem da cidade, que me proponho estudar no presente trabalho. Se com a presente tese contribuir, sob qualquer forma, para uma melhor compreensão e preservação desta antiquíssima cidade considerar-me-ei plenamente recompensada por toda a investigação desenvolvida durante estes últimos anos. O facto de durante cerca de vinte e cinco anos ter chefiado o Gabinete de Projectos da Câmara Municipal de Évora permitiu-me, participando directamente, ter uma visão nítida da área urbana desta cidade, assim como das principais causas que determinaram o seu desenvolvimento nas últimas duas décadas do século XX. Tal acumular de conhecimentos permitiu-me ver esta urbe de uma forma abrangente, englobando vastos períodos de tempo e interpretando melhor as

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A abertura de poço e lavatório seria a garantia de que em épocas de maior estio, haveria a

água necessária para os novos usos domésticos resultantes da presença do rei nos aposentos aí mandados erigir. Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos Históricos da Cidade de Évora, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1998 [1ª edição: part. I, 1885; part. II, 1887; part. III, 1891], p. 259. 3

Nesta descrição fica patente que a área anexa a S. Francisco, possivelmente a Sul entre a

muralha e S. Francisco, era à data utilizada para a pequena agricultura. Tal facto igualmente induz à existência, no local, de água para as indispensáveis regas diárias. A plantação de um laranjal, pelo rei, reforça a ideia dessa abundância aquífera. 4

O Paço Real, após a conquista da cidade de Évora aos Sarracenos teve várias localizações:

no Castelo Velho, na Praça Grande, em edifício específico mandado erigir para o efeito, e, por fim, no convento franciscano. A sua mudança de local representa também para a cidade uma mudança efectiva do poder, progressivamente situado cada vez mais para a periferia. Numa urbe em que gradualmente muitos dos cidadãos passaram a possuir título nobilitário, e onde as aparências e influências foram progressivamente sendo cada vez mais importantes, essas sucessivas localizações pesaram indubitavelmente muito na organização urbana. Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., pp. 258-259.

15

causas que moldaram, em determinada época, a sua imagem e condicionaram o seu desenvolvimento. No decorrer do presente trabalho, contei com o apoio constante e incansável do Professor Doutor Virgolino Ferreira Jorge, o qual, para além de ter aceite a responsabilidade académica desta tese, me incentivou constantemente ao melhoramento e aprofundamento do trabalho, acompanhando todo o seu desenvolvimento e facultando-me o acesso a locais e documentação, valiosos e indispensáveis para a globalidade do estudo. Este trabalho reflecte, igualmente, o apoio e o estímulo de outras pessoas e instituições, a quem manifesto o meu público e sincero reconhecimento: – À Ana Luísa Silva, um agradecimento pela ajuda na tradução para inglês; – À Dr.ª Carmen Almeida, responsável pelo Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Évora, e respectiva equipa de trabalho, pela gentil cedência de documentos fotográficos antigos; – À Vereadora Dr.ª Cláudia Pereira, pela permissão para utilizar a actual cartografia da C.M.E.; – À Fundação Eugénio de Almeida, pelo apoio monetário, sem o qual dificilmente seria possível concretizar toda a longa investigação efectuada; – Ao Professor Doutor José Nabais Conde, que me facultou o acesso à sua extensa e magnífica colecção de cartografia antiga, autorizando a utilização de peças raras; – Ao Sr. Josué, pelos diversos dados fornecidos a nível de construções antigas nesta cidade; – À Arq.ª Isabel Coelho, ao senhor José Coelho e ao meu sobrinho Tomás Monteiro, pelo indispensável apoio prestado a nível informático; – À Dr.ª Ludovina Mata, responsável pelo Núcleo de Documentação da Câmara Municipal de Évora, e ao Senhor Joaquim Duarte, pela disponibilidade de tempo e sugestões gentilmente dadas; – À Misericórdia de Évora e Museu da Casa Cadaval, pelas gentis autorizações em fotografar duas das peças gráficas apresentadas no presente trabalho; – Ao Arq. Henrique Mira Godinho, pela cedência de bases actuais de trabalho, relativamente ao Convento de S. Domingos; – Ao Professor Doutor Paul Benoit, do Centro de Estudos de História daTécnica da Universidade de Paris, e respectiva equipa de trabalho, pela visão abrangente que me proporcionou, relativamente à França medieval. – À Teresa Molar, pelo indispensável apoio a uma cuidada revisão dos textos, essencial num trabalho como o presente. – À Professora Doutora Solange Araújo, directora da Faculdade de Arquitectura na Universidade Federal da Bahia, pela disponibilidade em me ter dado a conhecer em Salvador, no Brasil, os locais dos primitivos complexos mendicantes e o papel por estes desempenhado no desenvolvimento urbano.

Um agradecimento reconhecido a todos aqueles que, gentilmente, e nos mais diversos locais e situações, me facultaram o acesso aos mais 16

diversificados elementos de estudo. Incluo aqui os proprietários, assim como os operários de inúmeras obras que me permitiram, em momentos únicos, vislumbrar épocas remotas da construção desta cidade, ainda pontualmente reconhecíveis. E, por último, uma palavra de enorme apreço à minha família, que durante estes vários anos demonstrou constante interesse pelo trabalho desenvolvido, assim como compreensão e benevolência ilimitadas. Da congregação de todas estas vontades e esforços resulta a presente tese que, assumidamente, seria impossível de concretizar sem tal conjugação de condições.

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ESTADO ACTUAL DA INVESTIGAÇÃO

Fig. 2 – Évora. Vista Sul da cidade. Gravura [in O Panorama, 28 Dezembro 1844, 2ª série, vol. III, p. 407 (p. 157)].

Muitos foram os estudos efectuados e inclusive publicados sobre a cidade de Évora, incidindo em especial sobre a Idade Média. Torna-se impossível omitir a preciosa investigação efectuada por Ângela Beirante, que se concretizou na publicação do livro “Évora na Idade Média”5, assim como outros trabalhos de igual relevo que foram enriquecendo, e diversificando, os conhecimentos que actualmente possuímos, a nível de documentação histórica, sobre esta cidade6. Num passado recente deve-se a Túlio Espanca uma inventariação sistemática, e especialmente cuidadosa, de tudo o que pudesse constituir um

5

BEIRANTE, Ângela, Évora na Idade Média, «Textos Universitários de Ciências Sociais e

Humanas», Fundação Calouste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação e Tecnológica, Lisboa, 1995. 6

BEIRANTE, Ângela, O ar da cidade. Ensaios de História Medieval e Moderna, Edições Colibri,

Lisboa, 2008.

18

dado histórico sobre a cidade de Évora, sobretudo no que se refere aos seus bens patrimoniais7. Jorge Gaspar8, no âmbito da centralidade dos núcleos urbanos estudou Évora e a respectiva área de influência permitindo um mais amplo entendimento de todo o conjunto. Orlando Ribeiro9 na área da geografia urbana de Évora deu-nos uma melhor compreensão da cidade pondo em relevo a carga genética das civilizações que nela habitaram. Maria Simplício10 no campo do desenvolvimento urbano, fez um amplo e fundamentado estudo relativamente à evolução dos espaços urbanos de Évora. Afonso de Carvalho11, no âmbito da toponímia apresentou recentemente parte do trabalho de investigação que tem vindo a desenvolver sobre a cidade de Évora. A imensa quantidade de documentação histórica que tem sistematicamente estudado permitiu-lhe uma visão abrangente do tema. A revista Monumentos dedicou recentemente um número à cidade de Évora facultando a publicação de alguns artigos de interesse relevante, devido à especificidade dos temas abordados12. De igual modo é de realçar o curso de mestrado em “Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico”, durante mais de 15 anos leccionado na Universidade de Évora e que constituiu o embrião para a realização de diversas e muito interessantes dissertações e teses sobre a cidade de Évora, nomeadamente incidindo no período medieval.

7

ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal, Concelho de Évora, vols. I-II, Academia

Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1966. 8

GASPAR, Jorge, A área de influência de Évora- Sistemas de Funções e Lugares Centrais,

Centro de Estudos Geográficos, Lisboa, 1972. 9 RIBEIRO, Orlando, «Évora. Sítio, Origem, Evolução e Funções de uma Cidade», Estudos em

Homenagem a Mariano Feio, Raquel Soeiro de Brito (ed.), Lisboa, 1986, pp. 371-390. SIMPLÍCIO, Maria Domingas V. M., Evolução e Morfologia do Espaço Urbano de Évora,

10

dissertação de Doutoramento em Geografia apresentada à Universidade de Évora em 1997 [texto policopiado]. 11

CARVALHO, Afonso de, Da Toponímia de Évora, dos meados do século XII a finais do século

XIV, vol. I, Edições Colibri, Lisboa, 2004. CARVALHO, Afonso de, Da Toponímia de Évora, século XV,, vol. II, Edições Colibri, Lisboa, 2007. 12 FERNANDES, Maria, «Os “restauros” do século XX: de 1900 à classificação mundial», revista Monumentos, nº 26, Ex D.G.D.M.N., Lisboa, 2007, pp. 144-156. JORGE, Virgolino Ferreira; MONTEIRO, M. Filomena M., «O sistema hidráulico quinhentista da cidade de Évora», revista Monumentos, nº 26, Ex D.G.D.M.N., Lisboa, 2007, pp. 92-100. URBANO, Luís, «A propósito de Évora. Ideologia religiosa e arquitectura nos conventos femininos», revista Monumentos, nº 26, D.G.D.M.N., Lisboa, 2007, pp. 38-45. VILAR, Hermínia; FERNANDES, Hermenegildo, «O urbanismo de Évora no período medieval», revista Monumentos, nº 26, D.G.D.M.N., Lisboa, 2007, pp. 6-15.

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É com base no acumular e diversidade de tantos e tão valiosos contributos que tentarei fazer beneficiar o presente trabalho, aprofundando o papel desempenhado por mosteiros e conventos urbanos medievais no desenvolvimento urbano desta milenar cidade de Évora. Tal influência iniciou-se logo à época das primeiras fundações e passados mais de 800 anos, embora já sem funções religiosas significativas, ainda é inegável o papel activo desempenhado por tais locais.

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1 – A MUTAÇÃO MONÁSTICO-CONVENTUAL DURANTE A BAIXA IDADE MÉDIA PORTUGUESA 1.1 – O UNIVERSO MASCULINO NA RELIGIOSIDADE MONÁSTICOCONVENTUAL

Fig. 3 – A urbe e o ermo no imaginário religioso medieval [B.M.CS.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html

O ocidente medieval cristão foi inspirado durante séculos por uma disparidade enorme de experiências monásticas e conventuais, caracterizadas todas elas por uma grande riqueza espiritual, embora contraditórias a nível de procedimento. Na época mais primitiva do Cristianismo os ascetas terão representado o alvor do movimento monástico. Estes cristãos, mantendo-se integrados na sociedade, inclusive no seu meio familiar, escolhiam uma vida de renúncia e celibato procurando, através desta prática, a perfeição idealizada pelo cristianismo. Logo se seguiram procedimentos mais radicais, adoptados por aqueles que, fugindo dos meios mais urbanos, corruptos e violentos, se refugiavam em locais despovoados e de difícil acesso, ou mesmo desérticos, passando aí a viver na maior penúria material. A aspiração à perfeição, no seu limite extremo, o desejo de remir grandes pecados, alheios ou próprios, a observância dos preceitos evangélicos e a fuga às perseguições religiosas em tempos de doutrinas pagãs ditava tal modo de vida, que tinha inúmeros seguidores.

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Anacoretas e eremitas tornaram-se lendários entre os primeiros cristãos, devido aos longos percursos de vida, exemplares em desprendimento e devoção13. Penitências e jejuns extremos, executados no mais completo isolamento humano, granjearam-lhes grande respeito, originando 14 simultaneamente novas conversões ao Cristianismo . Esta forma inicial, assumidamente eremítica, caracterizou-se pelo isolamento individual dos seus seguidores, quer nos primórdios do movimento, em locais ermos, quer em fase posterior, já em meio mais urbano15. Homens e mulheres retirados do mundo, enclausurados ou mesmo, em extremo, emparedados, davam na sociedade medieval exemplo significativo de um desapego inusitado aos assuntos e bens terrenos. Contrariando a Igreja institucionalizada, e por vezes fortemente contestada, conseguiram esquivar-se a regras condicionadoras durante períodos mais ou menos longos, de acordo com a especificidade dos locais de fixação e a tolerância dos governantes. O seu despojamento extremo intrigou, convenceu e arrastou multidões, que reconheciam neles uma ligação ao Divino. A partir da condição de eremitas tornaram-se involuntariamente em guias espirituais de numerosos discípulos, que os seguiam obstinadamente. Tais figuras de referência, que aspiravam somente a uma vida de total renúncia e isolamento, viram-se sujeitas a pressões extremas, difíceis de ultrapassar, e para as quais poucos estavam preparados, ou mesmo predispostos. Progressivamente, e possivelmente até de modo inconsciente, terão sido instituídas algumas regras elementares de vivência, que ajudavam os seus solitários seguidores a estabelecer uma base comum de procedimento. É a partir desta necessidade básica de organização, sentida devido à existência dessas inúmeras hostes de diversificados discípulos, que o movimento monástico se organizou, e se foi transformando progressivamente. O território europeu cristão confrontou-se, a partir do século IV, com as mais diversas regras, muitas delas constituídas por simples orientações verbais que, contudo, serviam de linha aglutinadora a comunidades cenobitas16. O movimento monástico, após um período eremítico inicial, evoluiu naturalmente

13 14

Anacoretas, ou homens que viviam retirados, e eremitas, os que viviam em lugares ermos. Santo Antão foi, entre muitos outros, um dos exemplos mais marcantes no século IV.

Posteriormente à sua morte, em 17 de Janeiro de 356, passou a ser evocado como santo protector contra as vagas de peste, e outras doenças contagiosas que ciclicamente assolaram a Europa medieval. Do mesmo modo a sua acção protectora exercia-se com a benção de searas e gado, no dia comemorativo da sua morte. 15

O espírito de comunhão cristão, contudo, levou a que estes homens, embora amantes da

solidão, aproximassem entre si os seus rudimentares abrigos. A vivencia solitária e individual mantinha-se, passando contudo a ser pontuada por uma nova vertente em comunidade. 16

No actual território português era seguida a regra dos antigos monges Agostinhos. Só a partir

de meados do século XI a Regra de S. Bento foi aqui introduzida pela Santa Sé, e plenamente adoptada, em especial pelas diversas comunidades até aí sem regra instituída.

22

para uma forma cenobita que, pautando-se pela solidão, adoptava contudo já a vida em comum17. É desta fase a fundação, por todo o mundo cristão, de numerosos mosteiros regulamentados, tendo como base de procedimento a obediência ao responsável pela comunidade cenobita e uma regra de vida fundamentada na oração e no trabalho18. A regra idealizada, e sucintamente implementada por Bento de Núrsia no mosteiro de Monte Cassino, em Itália, redigida a partir de 534, devido à sensatez e ao equilíbrio entre oração e trabalho, granjeou grande difusão em todo o mundo cristão. Nunca tendo sido assumida como uma ordem unificadora, permitiu simultaneamente aos inúmeros mosteiros beneditinos adaptarem-se facilmente às especificidades regionais e temporais. O reagrupamento dos mosteiros em congregações19, cada uma com as suas orientações e finalidades específicas, garantiu uma diversificação e uma renovação benéfica em períodos de maior crise. Os mosteiros, na sua génese de solidão, tornaram-se progressivamente em instituições cada vez mais abertas ao exterior. A sua influência cultural e económica transformou-os em aliados poderosos e apetecíveis, passando a servir de apoio aos nobres para um mais fácil e eficaz domínio territorial20. As regras monásticas, que vedavam a posse individual de bens, facultavam, enquanto comunidade, a sua detenção, permitindo assim que estas se transformassem em enormes latifundiários e detentoras de um poder alguns séculos atrás inimaginável. Os grandes movimentos de contestação, verificados essencialmente a partir do século XII, permitiram uma ruptura total com o antigo sistema monástico, excessivamente fixado na perfeição, mas à época com práticas pouco concordantes21.

Etimologicamente o termo “monge” deriva do grego monachós, significando “solitário”̓,

17

enquanto que “cenobita”, derivado de koinobion, significa “vida em comum”. Nos primórdios, muitas destas casas religiosas abrigavam indistintamente homens e

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mulheres sob o mesmo tecto. Interessante é verificar que, à presente data, um convento franciscano italiano abriu as suas portas a membros dos dois sexos, que passaram a coabitar no mesmo edifício, embora mantendo o voto de celibato. Igualmente são aí incentivados temas pouco comuns, como política, ciências, novas tecnologias, etc... Com este convento misto franciscano, situado no bairro de Giustiniana em Roma, a Ordem tenta captar novas vocações religiosas em pessoas que, tendo tido vidas activas e participativas, não necessitam de prescindir de tais hábitos para ingressarem numa casa religiosa. 19

A congregação de Cluny foi uma das várias, criadas à época pelos então conhecidos monges

negros. 20

As congregações religiosas militares desempenharam igualmente papel importante em tal

área. O facto de poderem comportar membros de ambos os sexos, substituindo assim o voto de celibato pelo de castidade conjugal, deu grande abertura para o ingresso nas suas hostes. 21

Quanto às ordens religiosas militares o seu objectivo centrava-se, para além do domínio de

Jerusalém, na liquidação de todos os infiéis, facto que lhes permitiu a prática de um sem

23

Com o começo do século XIII o conceito monástico, fundamentado na fuga ao mundo real e na protecção acolhedora dada pelo interior do complexo monástico, começa a desenvolver-se lentamente. O desenvolvimento das cidades e a dimensão atingida pelos movimentos contestatários que, pregando a prática da pobreza evangélica, alertavam simultaneamente para os exageros, facilmente constatados pela população urbana nos membros eclesiásticos e monásticos, tornavam a situação de difícil controle, relativamente às instituições visadas. É este conjunto de especiais condições que permite, e até incentiva, o aparecimento de novas ordens religiosas, efectuando um percurso idêntico de isolamento inicial, vão sendo progressivamente atraídas pelos núcleos urbanos em franca expansão. A pregação do Evangelho através do exemplo, da prática constante da extrema pobreza e do amor ao próximo caracterizou estas ordens, então fundadas pelos bem diferentes Francisco de Assis (italiano) e Domingos de Calaruega (espanhol). Contudo, na essência, são religiosos que dão exemplo de humildade, amor ao próximo e desprezo pelas riquezas terrenas. Essencial para a protecção que receberão por parte da cúpula eclesiástica, aceita o controle exercido pelos bispados e imposto pela Cúria Romana. Domingos adopta a antiga regra de Santo Agostinho, dando origem, futuramente, a religiosos com sólida formação teológica e que desempenharão papel de relevo nos grandes centros universitários europeus. Estes assumirão uma acção preponderante na pregação, combatendo, através dos consistentes conhecimentos teológicos, os diversos grupos heréticos que à data proliferavam. Francisco, conseguindo criar uma ordem de raiz, aglutina uma imensidão de irmãos que assumirão papel decisivo na evangelização das comunidades urbanas, através da pregação da moral mas, essencialmente, da prática do bem e da pobreza evangélica. A população, habituada à violência e fausto ostensivo da época, comovia-se com a renúncia e ingenuidade que caracterizavam estes membros das primitivas fraternidades franciscanas. As novas ordens mendicantes22, conjuntamente com as antigas comunidades monásticas, modelaram globalmente, de forma salutar, o Ocidente medieval cristão. As estreitas relações que vão estabelecer e manter com os diversos estratos da sociedade, de quem dependiam a nível de subsistência económica, obrigou-as a adaptarem-se a diferentes situações. Influenciarão, contudo, essa mesma sociedade de maneira significativa e, no conjunto, de modo indubitavelmente benéfico. número de barbaridades, autorizadas e perdoadas como actos de dedicação à Igreja e ao então sucessor de S. Pedro na cadeira pontifical. 22

Outras ordens adoptaram, no decorrer do século XIII, o modo de vida mendicante. Contudo,

após o II Concílio de Lião, realizado em 1274, apenas permaneceram os Pregadores, os Menores, os Carmelitas e os Agostinhos, estes últimos englobando genericamente os inúmeros grupos eremíticos obrigados por Roma a integrar regra aprovada. Sobre o assunto: ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, nova edição preparada e dirigida por Damião Peres, vols. I-IV, Portucalense Editora, Porto, 1967, vol. I, pp. 128-144.

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1.2 – A SITUAÇÃO DA MULHER NO CONTEXTO RELIGIOSO

Fig. 4 – A mulher medieva, e os seus limites físicos, face à violência da época [B.M.CX., B.M.CX]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html

Para o homem do século XII tornava-se fácil aderir à vaga de religiosidade que alastrava por todo o território, bastando-lhe para tal partir em peregrinação23, para as cruzadas ou, em extremo, entrar num dos inúmeros mosteiros que iam sendo progressivamente fundados nos mais diversos locais.

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“O lugar de Santiago” situava-se suficientemente perto para que um sem número de pessoas

percorresse o caminho que o ligava a Évora passando por Santarém, Tomar, Coimbra, Porto, Barcelos e Tuy. Geralmente, tais viagens iniciavam-se na Primavera, após as sementeiras, e tinham o seu terminus antes das colheitas e vindimas outonais. Na demanda de uma maior segurança as jornadas eram realizadas em grupo, contando este com a ajuda de alguém que conhecesse o caminho, ou integrando a comitiva de poderosos. Segundo José Mattoso …a

peregrinação marcou fortemente a vida religiosa na Idade Média existindo numerosas referencias a peregrinos em toda a espécie de documentos da época… Cf. MATTOSO, José; SOUSA, Armindo de, História de Portugal, direcção de José Mattoso, vols. I-VIII, Editorial Estampa, Lisboa, 1993, vol. II, p. 201.

25

Quanto à mulher, na impossibilidade de poder efectuar longas jornadas devido à perigosidade dos caminhos, e na falta de conventos femininos nas proximidades do local de residência que lhes permitissem uma entrega total à nova religião, optava pelo isolamento total ou mesmo, drasticamente, pelo enclausuramento24. A religiosidade feminina, desde finais do século XII, caracterizou-se basicamente pelo aparecimento de grande número de beatas e emparedadas25. Tais exemplos, geralmente assumindo extremo isolamento do mundo envolvente e, naturalmente, das condições sociais da época, deram origem a que numerosas mulheres se alheassem da vida secular, vivendo e penitenciando-se, em isolamento total, embora integradas proteccionalmente no meio urbano ou em local de grande devoção popular. Esta reclusão piedosa era adoptada, essencialmente, por jovens viúvas, ou mesmo por mulheres casadas cujos maridos, partindo para a guerra, as deixavam um pouco à mercê dos acontecimentos da época. Sem uma organização específica, e instaladas em casas de habitação, ou construções pré-existentes, estas pequenas comunidades eram geralmente dirigidas espiritualmente por um clérigo, naturalmente exterior ao grupo, o qual garantia o conveniente e convencional enquadramento religioso. Esta forma de religiosidade relativamente livre foi, contudo sendo remetida progressivamente pelas entidades eclesiásticas à obrigatoriedade de adopção de uma Ordem religiosa instituída. É durante esta fase de transição que algumas das comunidades religiosas femininas mudam de lugar: umas vezes por razões de espaço, outras por razões de posicionamento no terreno da Ordem e mesmo outras por especificidades próprias da Ordem na escolha dos sítios. No caso de inseridas em Ordens urbanas assiste-se à adaptação de casas nobres ou mesmo, quando da existência de espaços urbanos livres, à fundação de edifícios monásticos de raiz, sendo assumidos a inserção urbana e o isolamento contemplativo. Tais características, constantes nas novas instituições, naturalmente explicam-se pela protecção que tal maneira de estar garantia às mulheres que, por vezes e no essencial apenas procuravam protecção em fases determinantes das suas vidas. Outras vezes, contudo eram os próprios interesses familiares que, por razões económicas, ou mesmo de poderio, remetia para esses espaços, então de forçada clausura, jovens que de algum modo poderiam disputar tais interesses. 24

Será contudo de não esquecer a abertura das congregações religiosas militares que

comportavam a inclusão de homens e mulheres vivendo em comunidade, mas sempre castamente. Em igualdade, embora raramente, teriam o desempenho da faceta bélica a elas inerente. 25

No caso de emparedadas estas ingressavam em estreitas celas individuais cujo vão de

acesso era vedado, em alvenaria de pedra e cal, até à sua morte. Aí ficava apenas estreita fresta por onde lhe era entregue algum alimento e a sagrada comunhão, pelo seu confessor. As pequenas celas chegavam a constituir arruamentos, como exemplos de Santarém e Évora. A Igreja pressionada pelas ordens religiosas tentava reduzir esta prática não permitindo que as celas fossem reocupadas e incentivando simultaneamente a criação de novas comunidades integradas em Ordem aprovada. Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História da ….., vol. I, p. 143.

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Este enquadramento feminino era defendido e largamente divulgado pela própria Igreja, que orientava a mulher exclusivamente para o casamento ou para a clausura monástica26. A existência desta última opção, contudo, permitia às mulheres, especialmente às de condição mais elevada, assumir uma vontade própria que até então lhes estava completamente vedada. Indirectamente, adoptando uma postura diferente da que até à data lhes tinha sido reservada, puderam ensaiar uma emancipação, abrindo até espaço para uma intervenção mais efectiva na sociedade dessa época. Os limites do espaço fechado da família medieval reservado à mulher, e estritamente controlado pelo poder masculino, foram assim ultrapassados e substituídos por um espaço, embora igualmente fechado, mas desta vez com a autonomia suficiente para lhes permitir sair de um directo domínio masculino27. Igualmente o facto de, no início, e pela primeira vez na estratificada sociedade medieval, habitarem em igualdade de condições mulheres de origens socioculturais completamente diferenciadas, livres de outros jugos que não os espirituais, permitiu o aparecimento de uma atitude de maior abertura e compreensão relativamente à cultura vigente. Tal mudança, gradual, naturalmente que se repercutiu na sociedade medieval, tendo em conta o grande número de comunidades femininas então constituídas. Com o passar dos anos, tais mosteiros foram-se afastando progressivamente do rigor inicial, transformando-se em comunidades ricas onde os bens materiais tinham um lugar assumido28. Poder-se-à dizer que a mulher medieval, iniciando a sua emancipação através da religião, passou a desempenhar progressivamente na sociedade de então um papel de maior intervenção e relevo29. 26

As mulheres do povo tinham uma maior liberdade de acção, por necessidade, ou por

ausência de interesses económicos que pudessem pôr em causa. Nesse nível social era comum à mulher cristã, após o falecimento do cônjuge, assumir a sua profissão ou actividade, passando a ser o seu nome associado ao ganha-pão herdado. Obviamente que tais profissões já por elas eram anteriormente desempenhadas, mas sob o jugo do cônjuge. A liberdade económica relativa de que passavam a usufruir, aliada à independência familiar, permitir-lhes-ía um posicionamento diferente perante a vida religiosa, que só seguiriam por vocação, mas nunca como refúgio ou imposição. A cerca pequena existente nos mosteiros femininos permitia às monjas uma relativa

27

movimentação ao ar livre. Quanto à cerca grande, cujo acesso lhes estava vedado, situando-se imediatamente anexa, podia atingir maiores proporções, de acordo com as especificidades da Ordem, disponibilidade monetária do mosteiro e existência de espaço envolvente livre. 28

Muitos dos mosteiros femininos foram fundados para protecção de membros de famílias

nobres que assumiam internamente a sua direcção através do cargo de abadessa. A ida para a instituição religiosa de sobrinhas e afilhadas de tal nobre era sequencial, reconstituindo-se internamente um micro mundo bem hierarquizado, onde os bens terrenos não escasseavam. 29

Sobre o assunto consultar: DUBY, Gerges, Dames du XII siécle, Éditions Gallimard, Paris,

1995.

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1.3 – REACTIVAÇÃO ECONÓMICO-URBANA E DINÂMICA SOCIAL

Fig. 5 – O homem medieval e o incremento agrícola no início da Baixa Idade Média [B.M.CS.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html

Guerras e pilhagens impiedosas, pestes violentíssimas que, propagandose através dos principais eixos de circulação, rios e caminhos, dizimaram preponderantemente as populações urbanas, caracterizaram genericamente o período mais recôndito e sombrio da Europa medieval, cuja população instintivamente se refugiou nos campos incultos, e de mais difícil acesso, ou em urbes senhoriais fortemente amuralhadas. As invasões de povos vindos do Norte da Europa e de África e a sua permanência no Ocidente peninsular marcaram, embora muito diferenciadamente, tal época. Após um longo e sombrio domínio, um novo mapa político despontou, reconfigurado com a concretização progressiva do afastamento de povos hereges, oriundos de diferentes continentes, e com uma definição de limites político-geográficos mais estáveis30. Entre finais do século XII e inícios do seguinte constatou-se genericamente por todo o Ocidente cristão um avassalador movimento de repovoamento das cidades então conquistadas, e de progressiva ocupação rural31. 30

As fronteiras físicas do território português ficaram sensivelmente delimitadas no ano de

1249, quando da reconquista definitiva do Algarve aos Mouros, e após um período violentíssimo de investidas do emir de Marrocos. 31

A vinda de população do Norte do país foi essencial para este progressivo desbravamento de

terrenos, durante anos incultos devido às guerras, e para um repovoamento das urbes, muitas

28

Os limites do mundo, até então conhecido pelos cristãos dilataram-se, transmitindo um sentimento de segurança há muito esquecido. Os primitivos e incultos baldios tornaram-se campos de cultivo, afastando terrores imaginários das portas das limitadas urbes fortificadas. Em alguns locais do território português cristão, o que os monges beneditinos concretizavam no interior dos seus imensos e amplos mosteiros, através da planificação agrícola, serviu de escola à população rural que progressivamente foi transformando vastas áreas de mato em terrenos produtivos. De igual modo, em outros locais o saber muçulmano da prática agrícola perdurou no período pós-reconquista, permitindo o desbravamento de mato, a larga ampliação das áreas cultivadas e a obtenção e distribuição racional dos indispensáveis recursos aquíferos dos subsolos. As abundantes colheitas agrícolas resultantes da situação de pousio forçado dos terrenos facultaram abundância de colheitas e, aos novos agricultores, o armazenamento da quantidade de alimentos necessária à sua subsistência. Mais ainda, permitiu a venda dos produtos excedentários nos núcleos urbanos então mais acessíveis. Simultaneamente ao povoamento e cultivo dos campos, as urbes desenvolvem-se de maneira acentuada, não só repovoando-se mas também produzindo uma quantidade e variedade de bens relevantes para todo o processo de desenvolvimento medieval32. As condições de vida da população melhoraram substancialmente, garantindo simultaneamente a circulação monetária, cuja mais valia retornava, agora já pacificamente, às urbes, através da aquisição de outros bens, uns essenciais, outros tornados necessários à época. As trocas comerciais entre o meio rural e a cidade, e entre esta e as urbes circundantes intensificaram-se33. Novas necessidades são criadas e mantidas, permitindo sustentar toda esta complexa estrutura emergente de produção, que, não sendo ainda excedentária, garantia a subida generalizada do nível de vida. A grande força humana indispensável a esta expansão nos antigos núcleos, embora ainda muito despovoados, ou até semidestruídos com as investidas bélicas da reconquista cristã, provém dessa população rural, urbanizada por interesses preponderantemente económico-sociais.

delas semi-destruídas e abandonadas pelos seus anteriores senhores. Sobre o assunto: MATTOSO, José; SOUSA, Armindo de, História de Portugal…, ob. cit., vol. II, Lisboa, 1993, pp.243-248. 32

Muitos dos muçulmanos e judeus que aqui permaneceram contribuíram para a produção de

tais artefactos, nomeadamente de artigos em pele, de ourivesaria, etc… O seu apurado sentido comercial, assim como capacidade financeira, foram igualmente determinantes para o desenvolvimento de muitas cidades já em período pós-reconquista. 33

A necessidade de utensílios agrícolas em quantidade, de teares e de ferramentas resistentes

para a construção dos enormes complexos religiosos que se iniciaram então foram determinantes. As obras de ampliação dos antigos mosteiros e a construção de Sés, progressivamente tornadas grandiosas através de consecutivas campanhas de obras, foram locais de trabalho de gerações de operários.

29

A população campesina que então se fixa nas cidades transmite-lhes o seu cunho de rusticidade através dos seus hábitos, mas, simultaneamente estas impõem-lhes todo um outro novo modo de vida que os deslumbra34. A moeda, que anteriormente era utilizada essencialmente por mercadores, passou a ser de uso comum, substituindo a troca directa nos mercados dos diversos produtos, mas também facilitando as cobranças, e transporte, dos mais diversos impostos devidos ao Rei, e essenciais para custear a acção militar da reconquista e sequentes acções de consolidação de fronteiras. A dificuldade na adaptação ao novo valor económico, em desuso por parte da população comum, a existência de inúmeros estropiados das guerras da reconquista cristã, pessoas sem família nem ofício, veio aumentar significativamente o número de pobres35. As deslocações populacionais que se concretizavam, ou a nível militar ou posteriormente a nível de ocupação efectiva das terras e edificações, eram uma das razões da existência de uma população deslocada das suas raízes familiares e espaciais. A necessidade da ocupação de pontos-chave relativamente ao poder das cidades tomadas proporcionou a permanência de pessoas vindas para locais recém conquistados36. É contudo inegável que as novas populações que passam a constituir a classe dominante englobam pessoas de origem distante ou de cariz bélico, que dificilmente conseguiriam reorganizar toda uma sociedade, muito fragilizada com as sucessivas acções de guerra37. As ordens mendicantes surgem progressivamente no território português num período de consolidação e após sucessivas acções bélicas de definição territorial. Contudo o século XIII, com o repovoamento, vê igualmente aparecer os marginalizados, aqueles que, não possuindo nada, nem mesmo com a força braçal poderiam contar para efectuarem qualquer tipo de trabalho por conta de outrem.

34

Nas cidades, embora semidestruídas e com a população muçulmana cativa, os restos da

cultura muçulmana que perduravam eram muito diferentes, deslumbrando os povoadores oriundos dos locais mais inóspitos. 35

Não possuindo ofício, ficava-lhes vedada a participação nas inúmeras confrarias medievais,

as quais zelavam pelos interesses dos profissionais do mesmo ramo, garantindo-lhes meios de subsistência, assim como uma protecção eficaz. As vagas de peste que assolaram periodicamente as urbes igualmente potenciaram um enfraquecimento do tecido social. 36

É exemplo, os freires militares que após a reconquista da cidade de Évora aqui

permaneceram, a pedido do rei, para uma melhor consolidação da posição conquistada. 37

Em Évora, o primeiro foral da cidade data de Abril de 1166 no próprio ano em que a cidade foi

tomada aos Mouros. Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., pp. 17-19.

30

São estes o alvo preferencial das novas ordens, para através deles praticarem o amor ao próximo na sua forma mais simples, renovando assim os mais antigos e puros preceitos evangélicos, à data muito esquecidos38.

38

De lembrar que na comunidade muçulmana existiam basicamente três níveis económicos:

alto, médio e baixo. Os indivíduos pertencentes ao nível com menos recursos eram inteiramente sustentados pela restante comunidade, devido às normas religiosas do Islamismo. Na população cristã, tal obrigação, não se verificando, punha à deriva grande quantidade de indivíduos sem meios de subsistência.

31

1. 4 – AS CASAS RELIGIOSAS E A SUA ACÇÃO NA SOCIEDADE CIVIL

Fig. 6 – A acção humanitária dos religiosos na sociedade civil medieval [B.M.BN.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html

O território português, na sua globalidade, foi desde tempos remotos local de encruzilhadas de civilizações e culturas muito diferenciadas. Se, nos campos, as populações dispersas, isoladas e menos numerosas se mantiveram fiéis às mais antigas tradições, transmitidas de geração em geração, nas principais urbes foram distintas as maneiras de estar, pensar e sentir, provenientes de sucessivos povos invasores, o que dinamizou sucessivas transformações. O Sul do país, desde sempre com um povoamento mais concentrado e um reduzido número de núcleos urbanos, assumiu uma maior permeabilidade às sucessivas ocupações de que o território foi alvo, tendo sido a zona do país que durante mais tempo sofreu influências culturais externas. Uma costa marítima extensa, uma ampla planície, rica para a produção agrícola e um subsolo com grandes potencialidades para a extracção de minérios potenciaram desde épocas remotas o intercâmbio entre civilizações continentais e colónias marítimas de povos muito diversos que, pontualmente, aí se instalaram. A partir do século XII, com avanço da Reconquista, concretizada por parte dos cristãos de Norte para Sul, passou a existir uma grande instabilidade nos limites territoriais portugueses. Sucessivas escaramuças entre cristãos e muçulmanos faziam variar constantemente a posse dos núcleos urbanos. O enorme esforço humano e económico necessário para concretizar e manter tal 32

posse condicionou significativamente os parâmetros económicos e culturais de grande parte do território, os quais foram durante os séculos XI e XII extremamente precários39. Os membros da alta nobreza da época, direccionados essencialmente, desde a mais tenra infância, para darem resposta a situações bélicas, em pouco contribuíram para a melhoria das condições socioculturais das populações. O território conquistado, sujeito a constantes guerras durante décadas sucessivas, encontrava-se despovoado e com mato em largas extensões. A população, escassa, concentrava-se em pequenos aglomerados dispersos e situados estrategicamente em locais isolados e pouco acessíveis. A caça e a agricultura, principais recursos para a subsistência de tais populações, eram limitadas, considerando as áreas reduzidas em que se poderiam aventurar devido à situação bélica e aos saques frequentes de que eram alvo fácil. Durante estes dois séculos de reconquista, inúmeros foram os mosteiros fundados de raiz nas novas zonas fronteiriças ou reactivados em regiões sucessivamente ocupadas pelos cristãos40. Por escassez de recursos, as novas fundações concretizavam-se apenas com o essencial, tanto a nível de meios materiais como humanos. Para subsistirem, e considerando a localização das comunidades religiosas em sítios geralmente desprotegidos e isolados, era-lhes indispensável a protecção de famílias nobres que lhes garantissem condições mínimas de segurança, quer física, quer económica 41 . O isolamento que caracterizou em Portugal este período de instalação monástico medievo permitiu contudo grande liberdade às comunidades, que individualmente seguiram, em parte, o ideal monástico dos antigos monges, fundamentando a sua vivência em comum no abandono do mundo e dos seus poderes para se dedicarem, em absoluto, à observância regular e ao culto divino42. A nível individual, os monges abdicavam essencialmente da vontade 39

Os limites da região entre Douro-e-Minho normalizaram-se a partir de 1064; da Estremadura,

em 1147, ou seja, após oitenta e três anos; e o Algarve foi definitivamente tomado em 1249. 40

Logo após a fundação da monarquia, grande número de antigos mosteiros deixaram as

antigas regras para adoptarem a de S. Bento, como o de Lorvão. Cf. MATTOSO, José; SOUSA, Armindo de, História de Portugal…, ob.cit., vol. II, p. 185. 41

Os mosteiros de Guimarães, Lorvão, Lavra, Santo Tirso, Paço de Sousa, Cete, Moreira, Grijó,

Tibães, Vacariças e Leça são algumas das comunidades subordinadas a famílias nobres. A oferta de crianças, filhas de famílias nobres, a mosteiros, para aí serem educadas e virem futuramente a integrar a comunidade, era um processo de dependência, a longo prazo, muito comum à época. Não era invulgar os mosteiros mais pobres, e sem qualquer protecção de nobres, serem totalmente vandalizados, não obstante os parcos haveres de que dispunham. 42

A abstenção de riquezas não era contudo considerada essencial para a maioria das

comunidades religiosas, podendo estas receber dos seus protectores as mais variadas doações. Algumas dessas oferendas eram canalizadas para a ajuda aos pobres, concretizada através da esmola, assumindo-se esta como gesto, sagrado e solene, integrado no culto divino.

33

própria, dedicando-se em absoluto à prática disciplinada, solene e perpétua do culto sagrado. Para este poder ser dignamente realizado, o conhecimento do latim e da música era-lhes necessário e a sua aprendizagem pela comunidade monástica incentivada. Se nos primeiros mosteiros, mais pobres, esses conhecimentos se limitavam a um número muito restrito de membros, que celebravam os ofícios religiosos, nos mais ricos essa aprendizagem era abrangente, incrementando, sempre que possível, o enriquecimento cultural através de bibliotecas e escolas públicas. Nos principais mosteiros, como por exemplo no de Alcobaça, o alargamento progressivo das áreas com terrenos agrícolas terá permitido a integração nos seus domínios das populações mais carenciadas, às quais assegurariam a subsistência através de trabalho diversificado, ou da esmola ritual, em casos de indigência. Igualmente os peregrinos eram acolhidos e protegidos, temporariamente, nos mosteiros que se iam aos poucos enriquecendo com sucessivas doações de benfeitores nobres. Com a prolongada guerra da Reconquista e o consequente e necessário povoamento das recém ocupadas terras, as mais antigas famílias nobres sofreram uma quebra significativa no seu nível económico, passando progressivamente a limitar o apoio dado às casas religiosas e contribuindo indirectamente para o seu declínio económico e cultural43. A partir do século XII, com a progressiva conquista do Sul do território, um número considerável de população terá debandado, rumo aos novos locais recentemente ocupados, procurando melhores condições de vida. O espírito de aventura, aliado à carência de meios económicos ou ao idealismo cristão extremo, foi uma das causas essenciais de tais migrações. Esses deslocados ter-se-ão tornado numerosos durante o século XII. Também os pobres, sem recursos de subsistência e desintegrados de qualquer grupo social, deverão ter aumentado consideravelmente. Inúmeras foram as albergarias e hospitais fundados, quer por iniciativa de dioceses, mosteiros ou até particulares piedosos44. Numa época de difíceis e 43

As despesas inerentes à guerra, a morte de muitos nobres e a carência de mão-de-obra para

o cultivo dos domínios senhoriais foram factos determinantes para esse empobrecimento. 44

Em finais do século XV, existiam na cidade de Évora diversos pequenas albergarias ou

hospitais que tinham como missão acolher romeiros, pobres e peregrinos, assim como tratar enfermos. De entre outros, são de referir: as de S. João de Jerusalém, um dos mais antigos hospitais do país; Corpo de Deus da Sé; Santo Antoninho; S. Bartolomeu, situado fora da Porta de Avis; S. Gião; S. João, perto da Porta de Moura; S. Salvador, situado na Rua das Fontes e anexado ao de Jerusalém no ano de 1391; Espírito Santo; S. Bento, situado junto ao mosteiro de S. Bento de Castris e destinado a leprosos; S. Francisco, situado junto ao convento franciscano; Santíssima Trindade, anexado no século XIII ao do Corpo de Deus; e o de S. Brás, destinado aos doentes da peste de 1479. A partir de 1495, a maioria destes hospitais, assim como as respectivas rendas, foram centralizados no do Espírito Santo, situando-se este, então, em amplo espaço potencialmente destinado a futuras ampliações. É hoje ainda este o espaço onde se situa o actual hospital distrital.

34

conturbados contornos sociais, a existência de um espírito de ajuda aos mais necessitados ficou patente em acções piedosas dispersas, essenciais contudo à sobrevivência das populações mais carenciadas. Simultaneamente, e de modo progressivo, os novos movimentos monásticos reformistas vindos do exterior chegaram ao território, revitalizando a vivência monástica então vigente. Comunidades eremitas dispersas integraram as novas Ordens e inúmeros mosteiros foram criados, ou adaptados às condicionantes de uma vida activa, mais interveniente na comunidade. De entre as novas Ordens, a de Cister, reformulação da antiga Regra de S. Bento, foi fulcral, tendo tido em território português os Mosteiros de S. João de Tarouca e de Alcobaça como núcleos importantíssimos de dinamização económica e cultural, durante sucessivos séculos. O facto de vários dos mosteiros cistercienses terem anteriormente sido eremitérios identificava-os com ideais de entreajuda e pobreza. A austeridade no vestir e comer, acrescida do trabalho manual, facultou a disponibilidade de meios materiais às comunidades, permitindo-lhes a concretização do seu ideal. Pobres, leprosos, cativos e peregrinos sem quaisquer meios de subsistência foram alvo de ajuda por parte de muitas dessas casas religiosas. Relativamente aos mosteiros femininos, sobretudo os de Cister, não terão conseguido concretizar, genericamente, tão elevados ideais de renúncia e solidariedade para com os pobres. As origens essencialmente aristocráticas dos seus membros e as diversificadas causas para o ingresso nas casas religiosas terão contribuído para tal divergência de condutas45. Com o desenrolar dos anos, alastrou por todas as casas religiosas um progressivo abandono do ideal de pobreza e um alheamento crescente dos monges e dos extractos mais elevados da sociedade relativamente às classes mais desprotegidas Foi igualmente no século XIII que se verificou, na sociedade civil uma viragem para outros interesses sociais, de cariz mais público, não obstante as instituições religiosas se terem mantido como principais receptoras de doações. A grande afluência às cidades por parte das classes mais desfavorecidas e o alheamento dos antigos mosteiros acerca dos problemas da sociedade civil fomentaram uma diminuição do apreço relativamente a estas casas religiosas, e permitiu o aparecimento de numerosos movimentos de contestação46. As antigas ordens monásticas, postas em causa e até directamente questionadas acerca das riquezas acumuladas e do modo de vida faustoso, Cf. LEAL, Agostinho Crespo Leal, «Da Fundação do Hospital Real do Espírito Santo de Évora ao Hospital Distrital de Évora (1495-1995)», Actas do Congresso Comemorativo do V

Centenário da Fundação do Hospital Real do Espírito Santo de Évora, Hospital do Espírito Santo, Évora, 1996, pp. 19-20. 45

Em Évora, no Mosteiro de S. Bento de Cástris predominou contudo certa humildade social,

sendo maioritariamente os seus membros oriundos de meios urbanos, de famílias com profissões liberais e da administração pública local. As grandes famílias de Portugal não tinham aí peso preponderante. 46

Cátaros e Valdenses foram correntes religiosas que igualmente questionaram esta situação,

pondo em causa as práticas pouco dignas da Igreja da época.

35

foram ultrapassadas pelas novas ordens conventuais, de cariz urbano e valores ético-religiosos renovados. De entre todas, sobressai, de modo significativo, a dos Mendicantes, cuja acção marcante se fez notar pelos séculos seguintes, essencialmente nas principais urbes do país. Efectivamente, com o século XIII o ideal de pobreza na Europa cristã é totalmente reforçado por S. Francisco de Assis. Os novos religiosos – irmãos menores – adoptaram uma vida de ausente de bens materiais, despojada e errante, espalhando-se rapidamente por vastos territórios. Para isso contribuiu o espírito missionário acentuado que, pouco depois do início do movimento, galvanizou os seus inúmeros seguidores. A divulgação deste ideal, através das acções e dos preceitos evangélicos, nas mais distantes cidades, foi o sonho de milhares de seguidores. Os pobres, numerosos principalmente nos meios urbanos, passaram a encontrar um maior apoio entre tais Ordens. Indubitavelmente que as ordens mendicantes responderam eficazmente às aspirações religiosas da Europa do século XIII. Prova disso é o facto de, no início do século XIV, existirem já cerca de 1400 conventos franciscanos e de 500 conventos dominicanos espalhados pela Europa. Segundo a tradição, no território de Portugal os primeiros conventos franciscanos foram fundados sucessivamente em Bragança, no ano de 1214, seguindo-se os de Coimbra, Lisboa e Guimarães, fundados sob a protecção de D. Urraca, esposa de D. Afonso II. O de Alenquer deve-se a D. Sancha, irmã de D. Afonso II, e o de Évora, em 1224, a D. Sancho II47. Os Dominicanos instalaram-se por sua vez em Montejunto, perto de Alenquer, por interferência de D. Sancha, filha de D. Sancho I. Seguiu-se Coimbra, em ano anterior a 1227, igualmente por interferência de outras duas filhas do mesmo rei. O Convento do Porto deve-se à iniciativa do bispo desta cidade, durante o reinado de D. Sancho II. O Convento de Lisboa teve o apoio do mesmo rei. O Convento de Chelas, junto a Lisboa teve também o apoio desse monarca. Os Conventos de Elvas, Guimarães e Évora, foram fundados, possivelmente, no ano de 1286, durante o reinado de D. Dinis48.

47

Só em cerca de dez anos foram fundados seis conventos franciscanos em Portugal, o que

demonstra uma sequência fortíssima nas fundações desta Ordem. Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 136. 48

Em cerca de sessenta anos foram fundados oito conventos dominicanos em Portugal,

verificando-se já um maior espaçamento temporal na difusão da Ordem, relativamente aos Franciscanos. Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, pp. 136-140.

36

2 – GÉNESE E DESENVOLVIMENTO DAS ORDENS RELIGIOSAS EM ÉVORA 2.1 – ANTECEDENTES HISTÓRICO-ECLESIÁSTICOS

Fig. 7 – Évora. Extracto da iluminura do Foral Manuelino (1501). Pormenor do Templo Romano e Sé.

A cidade de Évora viu-se, durante períodos bem definidos, ocupada por diferenciados povos, com origens geográficas distantes, logo costumes, religiões e características bastante diferentes. Com a chegada dos romanos, a população local vê-se confrontada com uma cultura e economia bastante distintas das até então vigentes no território. Em algumas das cidades, com melhores condições, como era o caso de Évora, estabeleceram-se povoadores da região de Roma, famílias com hábitos culturais requintados, que introduziram níveis de vida muito superiores aos até então conhecidos. Vastas villas rústicas erigiram-se em redor de alguns núcleos urbanos, revelando o bom gosto das famílias proprietárias, que desenvolveram os terrenos mais propícios para a produção cerealífera. A utilização de trabalhos em mármore finamente esculpido, de mosaicos multicolores, jogos de água, estuques pintados, assim como outros requintes construtivos, patentes ainda hoje em diversas ruínas romanas, permitem-nos avaliar os níveis estéticos que os novos habitantes introduziram no território49. A 49

A poucos quilómetros de Évora, na aldeia de S. Manços, foi recentemente descoberta uma

área de ocupação romana situada na zona de expansão habitacional, anexa à antiga estrada nacional. Há alguns anos tinha sido encontrada, descontextualizada, uma delicada peça em bronze que terá pertencido aos proprietários dessa villa romana. A riqueza de tal obra de arte permite-nos avaliar o nível cultural, económico e social dos proprietários da exploração agrícola.

37

produção agrícola planeada, e com um objectivo expresso de quantidade e qualidade50, foi outra vertente inovadora e que necessariamente terá induzido na população local uma visão diferenciada do que poderia ser a actividade agrícola no território. A salga de peixe e a extracção de sal em povoações marítimas, não raras vezes fundadas de raiz, foi outra acção que inevitavelmente desenvolveu novas áreas51. A intemporal e estreita rede de comunicações romana, então construída através de todo o vasto império romano, foi o elo que permitiu um desenvolvimento económico abrangente. Os equipamentos públicos que igualmente erigiram, quer em especificidade quer em grandiosidade, terão dado uma amplitude diferente à maneira de encarar a vida urbana. As cidades, planeadas e construídas de raiz, ou remodeladas segundo a maneira de viver romana, introduziram regras de higienização pública desconhecidas dos habitantes autóctones. Não obstante tratar-se de povos de outras terras, o período de tempo que activamente estiveram no nosso território contribuíram, no mínimo, para uma maior abertura ao exterior e uma dinamização da economia. A religião politeísta romana, trazida pela nova população, foi-se naturalmente fundindo com outras crenças pagãs, dos autóctones, e até possivelmente com o cristianismo que hipoteticamente terá chegado à Península logo no século I. No território português, desde os tempos mais remotos terão possivelmente existido vivências, variadas e específicas, da religiosidade cristã. Ascetas, anacoretas, eremitas e monges seriam imagens não pouco invulgares no território peninsular, logo também no Ocidente ibérico. Segundo a tradição, a referência mais longínqua que nos chega relativamente à religião católica na cidade de Évora, então ocupada por Roma, aponta para o ano de 38, durante o qual S. Manços terá por aqui passado, criando a primeira cadeira pontifical da Península Ibérica. Refere igualmente que a população que foi convertida à nova fé “foi por ele orientada a fazer uma vida eremítica na Serra de Ossa, que fica à vista de Évora; ali a começaram no ano do Senhor de 45”52. Daquela época remota de contacto entre a cidade de Évora e a nova doutrina são escassos os documentos esclarecedores. Contudo, são inúmeras as provas desta religião monoteísta, logo a partir do terceiro século. Também em Évora, mas mais afastada, a villa da Tourega mostra-nos, entre outras coisas, mosaicos decorativos e banhos particulares. 50

Destinada não só ao consumo próprio, mas também expressamente orientada para a

exportação de cereais para Roma, e daí para as numerosas colónias. A fertilidade dos solos, aliada a um clima excelente, garantia abundantes colheitas cerealíferas, fáceis de conservar e transportar através de longos percursos. 51

Exemplo foi Alcalá, actual Tróia, importante pólo de salga de peixe para todo o império

romano. 52

Cf. FIALHO, Pe. Manuel, Évora Ilustrada, Edição Nazareth & Filho, Évora, 1945, p. 34

[manuscrito, datado 1707-1711, de FIALHO, Pe. Manuel, Évora Cidade de Portugal Illustrada, B.P.E.: vol I, cód. CXXX / 1-8; vol. II, CXXX / 1-9; vol. III, CXXX / 1-10;vol. IV, CXXX / 1-V].

38

Assim, quando do Concílio referente à Península Ibérica realizado em Elvira, é inequívoca a existência de monacato na Península 53. A um período de franca liberdade religiosa seguiram-se tempos sangrentas perseguições, por parte da administração romana. É Nero que decreta o extermínio, em todas as províncias do Império, dos praticantes e crentes cristãos. Contudo é com o imperador Diocleciano que é imposta uma ainda mais radical acção repressiva, em especial na Península Ibérica, e particularmente em Évora54. Na verdade, durante os vários séculos que durou tal influência e considerando a prática de religiosidade cristã que se ia verificando pelo restante mundo romano, seria verosímil a existência de numerosos núcleos de cristãos. Em épocas de perseguições, os novos preceitos religiosos continuavam a ser praticados, embora na penumbra. Até a nova religião chegar às mais elevadas camadas da sociedade romana, teria sido seguida sigilosamente também pela população sem recursos, que via nesta nova crença uma esperança de liberdade, que a levava a melhor ultrapassar as difíceis condições de vida. Data de então a lenda de S. Vicente, que segundo a tradição terá vivido na cidade de Évora em casas onde mais tarde se edificou a ermida com o seu nome55.

53

Possivelmente entre 300 e 304, logo pouco antes das perseguições romanas na Península,

realizou-se um Concílio da Igreja da Península Ibérica, em Elvira, local próximo de Granada, no qual participaram dezanove bispos, entre os quais Quinciano, bispo de Évora. O grande número de participantes e a submissão à Santa Sé, aí explícita, permite antever uma população cristã numerosa e bem organizada. Das oitenta e uma resoluções tomadas realçam-se catorze sobre práticas relacionadas com outros ídolos, doze sobre o adultério ao homem, seis sobre o adultério a Deus ou espiritual, três sobre os clérigos, comércio e ofertas, quatro sobre os judeus, duas sobre os cemitérios e uma sobre a não admissão de imagens pintadas nas igrejas. Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 65; ob. cit., vol. IV, apêndice I, pp. 9-21. 54

Daciano, sendo o governador da Península nomeado por Roma, desencadeou acções

eficazes de extermínio, que se iniciaram no ano de 303. De entre as terras da Lusitânia, escolheu as cidades de Braga, Lisboa e Évora como locais de execução indiscriminada de crentes. Estando em Évora no ano de 305, ordenaria a execução de numeroso grupo de cristãos, o qual terá sido levado para Ourega, e aí sepultado. Perduraria tal facto na toponímia local com a nomenclatura de Cova dos Mártires. Segundo a tradição Félix, Lucíolo, Fortunato, Eusébio e Martinho são alguns dos mártires da cidade de Évora. Cf. FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., pp. 38-40. Cf. PEREIRA, Gabriel, História…, ob. cit., pp. 553-554. 55

De S. Vicente existe exposta na actual igreja, posicionada a uma cota altimétrica mais baixa,

a pedra que, segundo a lenda, foi moldada por uma pegada do santo quando este subia os degraus que rodeavam a coluna onde seria martirizado. Da primitiva construção devota, situada sobranceira à muralha primitiva, existem dois vãos em granito que permitem constatar o seu anterior posicionamento com acesso pelo interior do núcleo amuralhado. Curiosamente a única

39

A paz religiosa, no que se refere aos cristãos, voltou novamente a dominar o mundo peninsular a partir de 313, altura em que Constantino permitiu livre culto aos cristãos, garantindo-lhes de novo a posse dos bens anteriormente confiscados56. O facto de a religião cristã ter atingindo grande divulgação entre os romanos e, essencialmente, nas urbes e nas camadas altas da sociedade57 veio contribuir grandemente para a sua expansão nas regiões peninsulares ocupadas. Os pequenos meios rurais isolados, renitentes a novas práticas e resistentes, muitas vezes, ao ocupante exterior, mantiveram-se instintivamente apegados aos primitivos cultos pagãos. Passados quase oitenta anos após a Paz de Constantino, no I Concílio da cidade de Saragoça já constam nas respectivas actas os termos “regra monástica”,” clérigos” e “religiosas”58. A diversificação dos vocábulos, assim como o seu contexto, permite-nos antever uma vulgarização das vivências religiosas cristãs no território peninsular a partir do domínio romano, e em especial após o édito de Milão59. O facto de estas vivências serem mencionadas, acauteladas e discutidas em concílio regional da península transmite-nos a ideia do relevo assumido por tais práticas na globalidade dos assuntos. São do século IV as divergências na prática e interpretação da fé cristã que constituíram as primeiras manifestações de heresia no seio cristão. Os primeiros Concílios de Saragoça e de Toledo, respectivamente realizados em 380 e 400, avaliaram como perigosas tais divergências em relação ao estabelecido, tendo condenado à morte, pelo crime da prática de magia, os seus mais tenazes seguidores60.

imagem que perdurou e foi poupada é a da pintura representando possivelmente S. Sebastião, o qual pereceu em Roma, no ano de 288, vítima do Imperador Diocleciano, quando das suas sangrentas perseguições aos cristãos. Na imagem são nítidas as marcas efectuadas para a aplicação sobre a pintura de camada de reboco. Cf. FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 38. 56

Edifícios de igrejas e cemitérios voltaram à hierarquia eclesiástica. Contudo, a isenção futura

de impostos, e a possibilidade de a Igreja poder receber doações e heranças foram essenciais para o enriquecimento da instituição pois, embora interrompidas por períodos mais ou menos longos, foi sempre retomado este procedimento base. 57

Seguindo estas o exemplo do próprio imperador Constantino.

58

Cf. ALMEIDA, Fortunato, História…, ob. cit., vol. I, pp. 26, 51-52.

59

Na verdade, a actuação do imperador Constantino, dando em 313 liberdade de culto aos

cristãos, isentando-os de diversos impostos e, especialmente, restituindo-lhes todos os bens próprios anteriormente confiscados, foi essencial para a afirmação social das suas comunidades religiosas. Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 17. 60

De tal situação resultou a definição mais apertada de procedimentos e interpretações

religiosas, de modo a dificultar o aparecimento de outras correntes idênticas. Não obstante, só em 561 é que a situação estaria controlada relativamente a esta corrente, que foi à data

40

Em finais do século IV, e na mesma linha de acção, alguns templos e até edifícios públicos romanos foram demolidos na ânsia de eliminar as lembranças dos deuses pagãos neles representados61. É muito possível que tal prática tivesse sido extremada na cidade de Évora, considerando as sangrentas perseguições de que esta cidade anteriormente foi alvo, antes da liberdade religiosa resultante do édito de Milão, em 313. A Igreja aproveitou, contudo, toda a anterior organização administrativa do Império Romano fazendo coincidir cada uma das províncias com o respectivo território episcopal. As diversas dioceses constituíram-se assim, natural e pacificamente. A sua subdivisão em paróquias fez-se sentir, permitindo uma delegação de poderes do bispo diocesano, solução valiosa quando se tratava de pequenos conjuntos dispersos, de difícil e perigoso acesso62. Todos estes elementos do clero deveriam viver das ofertas que a respectiva igreja recebesse. Contudo, como tal não se mostrasse suficiente para a sua subsistência, assim como a dos familiares a seu cargo, possuíam habitualmente um ofício que desempenhavam simultaneamente Os bens pessoais que podiam deter ampliavam-se grandemente após os privilégios na isenção de grande número de contribuições para si e seus familiares, regra que persistiu longamente63. Após esta fase inicial de cristianismo o território é novamente invadido, desta vez por povos vindos do norte da Europa, com religião monoteísta de cariz diferente da cristã.

condenada, de crimes como o de prática da astrologia, a atribuição à alma de essência divina, a negação da criação do mundo por Deus, a condenação do casamento e o uso de carne na alimentação. Cf. ALMEIDA, Fortunato, História…, ob. cit., vol. I, p. 18-19. 61

Em 391, é proibida por Roma a imolação aos deuses, assim como a sua adoração ou

frequência de templos pagãos. Esta febre religiosa terá levado à destruição, ou mutilação, inevitável de muitas obras de arte. É contudo na população citadina, e nos níveis superiores da sociedade, que o Cristianismo se difunde mais eficazmente. Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 18. 62

As paróquias poderiam contudo possuir várias igrejas, cada uma delas gerida por um

elemento do clero que respondia perante o responsável da paróquia, e este perante o bispo da diocese. 63

Aos clérigos era permitido casarem-se, abstendo-se dessa união quando fossem ordenados,

situação que equivalia a possuírem um agregado familiar por cujo sustento eram responsáveis, mas igualmente isentos do conjunto de diversas contribuições: ou desistirem do matrimónio, o que equivalia a uma ordenação imediata. Contudo, em ambos os casos desempenhariam de imediato tarefas da Igreja. O prestígio e nível económico eram elevados, sendo os candidatos numerosos, contudo algumas vezes pouco escrupulosos no cumprimento dos seus deveres. Cf. ALMEIDA, Fortunato, História…, ob. cit., vol. I, p. 23.

41

Durante os séculos VI a VIII64, com a ocupação do território por parte de povos nórdicos, toda a vida urbana e económica sofreu um declínio acentuado. A destruição e morte que tais invasores provocaram numa primeira fase, foram sendo atenuados com a progressiva assimilação da cultura dos povos autóctones e com o apaziguamento das relações entre as diferentes facções exteriores, rivais. A crueldade inicial foi também sendo ultrapassada, em parte, pela nova crença religiosa, quando, em finais do século VI, se verificou a conversão ao cristianismo do Rei Recaredo65. Devido à diminuição substancial da população, muitos dos anteriores núcleos urbanos semidestruídos pelas guerras foram totalmente arrasados e despovoados, no intuito de se impedir a instalação de focos de população revoltosa. Com o passar do tempo tais aglomerados foram esquecidos ou, quando situados em pontos fulcrais de cruzamento de vias, reconstruídos e repovoados, como no caso de Évora. Os silhares de muitos dos antigos e imponentes edifícios públicos do tempo do domínio romano terão sido reaproveitados nessas reconstruções. Em épocas mais conturbadas de escaramuças entre rivais, igualmente eram erigidas, com pedra reaproveitada, ou existindo matéria-prima nas proximidades toscamente talhada, muralhas defensivas que fortificavam as urbes mais expostas66. Os pequenos aglomerados, mais isolados, subsistiam recorrendo aos meios naturais de que dispunham. Com esta invasão de povos do Norte da Europa, obviamente que a tendência ao isolamento dos seguidores do cristianismo se terá novamente acentuado. Por necessidade, voltaram a procurar refugio em locais ermos, onde pudessem, sem grandes perigos para a sua integridade física, seguir em paz os mandamentos da sua fé.

64

Em 586, Évora já se encontra sob jugo Godo, permanecendo assim até 715, data em que foi

tomada por povos muçulmanos, oriundos do Norte de África. Cf. CARVALHO, Afonso de, Da toponímia de Évora, dos meados do século XII…, ob. cit., vol. I, pp. 33 e 36. 65

As inúmeras lápides funerárias provenientes da basílica paleocristã de Mértola são prova

dessa abertura religiosa: as múltiplas datações nelas inscritas abrangem o século VI e apresentam belíssimos símbolos cristãos da época. Cf. ALMEIDA, Fortunato, História…, ob. cit., vol. I, pp. 56-57. 66

Foi o caso da cidade de Évora onde é nítida a diferenciação construtiva em vários panos da

primitiva cintura de muralhas. À muralha, apressadamente construída por romanos em tempo de invasões bárbaras, foram sucedendo outros troços reerguidos, completados ou reformulados, em séculos seguintes. Sobre o assunto: LIMA, Miguel Pedroso de, O Recinto

Amuralhado de Évora: Subsídios para o Estudo do seu Traçado, dissertação de Mestrado em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico apresentada à Universidade de Évora, 1995 [texto poli copiado].

42

Contudo, quando da invasão da cidade de Évora pelos Godos, existiria “a Igreja Episcopal de São Tiago, onde hoje mesmo hé, outra igreja dedicada a Nossa Senhora junto a São Domingos defronte da porta pequena, outra havia de São Manços onde hoje está a columna e outra he uma Ermida de São Vicente”67. Segundo as mesmas fontes “não faltavam pela cidade, e fóra della outras ermidas de muita devoção.” 68. Durante os quase 300 anos que estiveram no poder, a uma fase inicial de perseguições religiosas segue-se outra, onde a nova religião era permitida, e a sua prática até protegida69. Alguns dos chefes nórdicos terão adoptado a religião cristã, convertendose e incentivando a sua prática70. Seguramente serão deste período os primeiros bispos eborenses, cuja existência é possível de provar pelas actas dos concílios regionais realizados na península71. É igualmente desta época a divisão do território em paróquias, com fundamento na anterior jurisdição territorial romana72 e que terá perdurado no território. O rei visigótico Alarico, quando no século V elabora o seu código de leis, reconhecendo direitos a “igrejas e mosteiros”, prova a sua existência e a tolerância de tratamento relativamente a outras expressões religiosas73. A partir de tal reconhecimento formal, constata-se um grande ressurgimento a nível monástico, havendo ainda hoje diversas fundações, que indubitavelmente remontam a tal época74. 67

Restos da primitiva ermida dedicada a S. Vicente ainda hoje persistem, sendo de, realçar a

expressiva imagem, possivelmente de S. Sebastião, assim como um troço da cobertura em abobada nervurada. A peça de remate em granito e os capitéis são elementos com significativo interesse formal que mereceriam estudo aprofundado. Afonso de Carvalho sugere que terá sido este o local de acolhimento dos primeiros frades dominicanos ao chegarem a Évora. Cf. PATRICIO, Amador, Historia das Antiguidades de Evora, primeira parte repartida em dez

livros, Évora, Officina da Universidade, 1739, p. 234. Cf. CARVALHO, Afonso de, Da toponímia de Évora dos meados do século XII a finais do século

XIV…, ob. cit., p. 89. 68 69

PATRICIO, Amador, História…, ob. cit., p. 234. No Código do rei visigótico Alarico reconhece-se a existência de igrejas e mosteiros no

território peninsular, ainda em data anterior da conversão régia à religião católica, permitindo assim constatar que esta seita religiosa, como à data era considerada, foi tolerada e aceite, tal como, por exemplo, a dos judeus. Cf. ALMEIDA, Fortunato – História…, ob. cit., vol. I, p. 56. 70

A conversão, em finais do século VI, do Rei Recaredo terá dado uma maior divulgação ao

cristianismo. 71 72

Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 65. É seguida na generalidade a legislação romana, anteriormente em vigor, parecendo que

judeus e cristãos se integram na população sem violência expressa de procedimentos. 73

Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 51.

43

Durante os séculos V e VI existiu prática monacal na Península Ibérica, considerando as referências a ela efectuadas nos diversos Concílios aí realizados. No de Toledo, realizado nos anos de 597 e 633, sabe-se que o bispo eborense esteve presente, em conjunto com o rei e nobres75. No século VII, era usual a constituição de mosteiros nas próprias residências, congregando familiares, servos e vizinhos nas suas próprias terras, sob a invocação de um mártir. Os mosteiros eram assim constituídos por homens e mulheres vivendo sob o mesmo tecto76. O bispo tinha poder real sobre estas comunidades, sendo a este que cabia designar o abade responsável por ela, ficando assim garantida a ligação hierárquica à Santa Sé. As regras monásticas desta longínqua época Goda impunham a obediência, a pobreza e a castidade, sendo a sua prática variável de acordo com as regras de S. Bento, Santo Isidoro ou S. Frutuoso. Durante os séculos VIII a XII77, com a invasão por povos muçulmanos provenientes do Norte de África, os núcleos urbanos, em especial as antigas cidades de ocupação romana, sofreram uma época de novo incremento económico. Évora foi exemplo disso, logo após a sua posse, visto situar-se em local privilegiado, a meio caminho entre Badajoz e um porto marítimo78. A descrição efectuada, pelo geógrafo muçulmano Edrici permite-nos entender hoje os atractivos, e mesmo fascínio, de um povo oriundo do deserto por um local como esta cidade: “O território que a rodeia é de uma fertilidade singular; produz trigo, gado e toda a espécie de frutas e hortaliças. É um lugar excelente, donde o comércio é vantajoso, quer de exportação, quer de importação…”79. A nível eclesiástico, embora as antigas dioceses se mantivessem, na prática pouco significavam. A de Évora, durante todo o período muçulmano não teve qualquer prelado80. Os cristãos existiam mas, sem a sua diocese em funcionamento, perdiam a ligação com Roma, desvanecendo-se a sua importância estratégica. Os povos oriundos do Norte de África permaneceram em Évora por 451 anos, sendo só em 1166 que a cidade é tomada por Geraldo. 74

Os mosteiros de Lorvão, Vacariça, Dume e S. Martinho de Tibães são destes primórdios do

monaquismo lusitano. Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 52. 75

Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 65.

76

Ob. cit, p. 52.

77

Évora esteve sob poder muçulmano entre 715 e 1166.

78

A importância que a proximidade do mar assume é grande, pois era através dele que a

produção autóctone se escoava, principalmente para África. Efectuava-se, por sua vez, a importação de produtos mais raros, de proveniência longínqua, como tecidos finos e ricos, importantes para a cultura muçulmana. 79

Cf. MERCADAL, J. Garcia, Viajes de Estranjeros por España y Portugal, p. 188; MACHADO,

José Pedro, «Évora Muçulmana», A Cidade de Évora, nºs 17-18, Évora, 1949, pp. 331-332. 80

Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 79.

44

Assim que Évora entra na posse dos cristãos, imediatamente D. Soeiro passa a assumir o lugar de bispo da cidade, assinando como tal logo no ano de 1166 81. A sua diocese seria contudo uma das mais pobres do reino, devido às constantes guerras que antecederam a tomada da cidade82. Na vasta diocese de Évora, constatou-se uma nítida intenção de continuidade relativamente à utilização de locais religiosos primitivamente erigidos pela antiga Igreja cristã Visigótica. As velhas igrejas paroquiais, em ruínas devido à não utilização causada pela longa ocupação muçulmana, eram restauradas servindo de núcleo aglutinador para a fixação da população, até então dispersa83. É por esta data que o Rei D. Afonso Henriques envia para Évora soldados cavaleiros com a missão expressa de defenderem a cidade de novas investidas muçulmanas84. Escolheram para viver, em comunidade e regular observância, “no pôsto que dêles ainda hoje se nomeia de Freiria e tendo igreja consagrada a S. Miguel”85. D. Afonso Henriques, antes de falecer, em 1185, fez doação ao Bispo de Évora, Cónegos e Sé, de todas as quintas e fazendas que para si reservara no

81

À data, o território português encontrava-se dividido em sete dioceses, cujas sedes se

localizavam respectivamente em Braga, Lisboa, Porto, Coimbra, Viseu, Lamego e Évora. Só mais tarde se restauraram outras duas, das antigas dioceses, transferindo os seus centros para a Guarda e para Silves. 82

A partir de 1143, quando morre em Marrocos o emir do reino, e até 1151, quando finalmente

são eliminadas todas as rebeliões separatistas na Península Ibérica, nomeadamente em Évora, verificaram-se incursões violentíssimas a partir do Norte de África para aniquilar os chefes muçulmanos revoltosos. 83

A área da diocese abrangia todo o Alentejo, à excepção do Crato, Setúbal e Portalegre,

pertença respectivamente dos Templários, da diocese de Lisboa e da de Idanha, que foi posteriormente mudada para a Guarda. 84

Para além destes freires, a ordem militar do Templo esteve igualmente em Évora, já se

encontrando no Ocidente peninsular pelo menos desde 1126, data em que receberam doações de D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques. O seu objectivo era libertar a Península de muçulmanos, tornando seguras as rotas, terrestres e marítimas das peregrinações com destino ao Oriente cristão. A Ermida de S. Pedro, em Évora, era comenda desta Ordem, evidenciando a importância destes monges na cidade. 85

É já durante o reinado de D. Sancho I que os mouros investem novamente contra a cidade

destruindo-lhe os campos de cultivo mas não conseguindo tomá-la. O privilegiado local dos freires de Évora dominava toda a vasta área em redor, sendo um dos poucos sítios da cidade onde é ainda visível o maciço rochoso sobre o qual foi construído o castelo defensivo. Cf. FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 47.

45

termo da cidade, enquanto a estes freires deu “a vila de Coruche” e os “castelos e palácios que tinha próprios na cidade e em que pousava”86. Em 1186, ou seja 20 anos após a reconquista da cidade de Évora, no sexto ano do bispado de D. Paio, e imediatamente após esta importante doação do rei, é lançada a primeira pedra para a construção do edifício da Sé, consagrado a Nossa Senhora, e sagrado após 18 anos (1204)87. É já durante o reinado de D. Sancho I que os mouros investem novamente contra a cidade, destruindo-lhe os campos de cultivo mas “por ser tão fortificada e bem defendida não se encostaram a ela”88. Novamente o rei, como recompensa, faz legados importantes aos cavaleiros militares da cidade, que aqui se fixam. Sabe-se que o 2º grão-mestre da Ordem dos Freires de Évora foi D. Fernando Anes, anteriormente ermitão por largos anos na serra de Ossa. Foi ele que em 1202 conseguiu autorização do rei para a comunidade de freires militares ser incorporada na Ordem de Calatrava, em Castela89. Igualmente inicia no local de Avis, entretanto doado em 1211 pelo rei D. Afonso II, a construção da fortaleza e mosteiro, efectuando-se a mudança dos Cavaleiros Militares de Évora, onde se tinham fixado para esse local, na mesma Diocese90.

86

A partir desta data fica assim o poder religioso com vastas áreas no termo da cidade,

existindo terrenos livres para as recentes ordens religiosas. Na cidade, os freires cavaleiros ficaram com os “castelos” e “palácios”. É de realçar a utilização, no texto primitivo, do plural em ambas as palavras, pressupondo assim a existência, nesta cidade de Évora e à data, de mais de um castelo e palácio. Cf. FRANCO, Pe. António, Évora…, ob. cit., p. 49. Teriam passado dezanove anos após a conquista da cidade aos mouros pelo que seriam obviamente construções já existentes, de relevo, que passaram para a posse do rei mantendo a sua dignidade anterior. 87

Ibid.

88

Pelo numerário de 1527, Évora era a primeira cidade do Alentejo com 3600 vizinhos. Nas

“Memórias Paroquiais”, datadas de 1758, à questão específica do número de vizinhos e de pessoas da cidade de Évora é respondido que “no auge da sua grandeza contou com catorze mil vizinhos, contudo com a ausencia da corte passou a pouco mais de quatro mil com onze até treze mil pessoas”. No ano de 1911 já eram 17907 habitantes. Cf. GRILO, Mª. Ludovina, «O Concelho de Évora nas Memórias Paroquiais de 1758 (conclusão)», A Cidade de Évora, II série, nº 1, Évora, 1994-1995, p. 120. Cf. FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 50. 89

Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 330-331;

FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 51. 90

A partir dali os freires continuarão a guerra contra os mouros, associados, por vezes, à

Ordem Militar de Santiago. É só no século XV que os freires de Avis se desligam formalmente da Ordem de Calatrava, através de bula papal. Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, p. 350.

46

D. Afonso III, quando morre em 1279, deixa grandes donativos a todas as Sés, Mosteiros e Conventos do reino, cabendo à Sé de Évora mil libras, com as quais foram levantados os “fundamentos da nova Capela-mor […], por ser muito pequena”91, embora posteriormente tal se tivesse novamente repetido, para sua ampliação. O final do século XIII e seguintes são, em Évora, para a Igreja cristã, o seu período de instalação plena e de enriquecimento, através de avultadas e numerosas doações régias. Na restante Europa medieval cristã, é uma época de contestação contra um poder já fortemente instalado e a riqueza ostensiva dos membros eclesiásticos, também intimamente ligados ao poder político. As seitas e movimentos reformistas, preconizando o retorno à pobreza e ao isolamento primitivo, punham em causa a credibilidade da Igreja romana. O papa Leão IX, numa tentativa de institucionalizar esse tipo de vivências religiosas, perigosas para Roma mas comuns em muitos locais, tinha feito emanar do Concílio de Coianza, ainda no ano de 1050, a orientação de que essas comunidades se deveriam estabelecer em cenóbios, com regra beneditina, a qual, privilegiando a vida contemplativa e silenciosa, salvaguardava contudo o trabalho manual, para a manutenção económica da comunidade religiosa. Mais tarde, com a reforma cisterciense, foi esta a ordem religiosa que passou a aglutinar maior número de comunidades religiosas femininas, condicionadas igualmente pela Igreja de Roma a institucionalizar a sua maneira de viver. Em Évora foi o caso, tardio, do Mosteiro de S. Bento de Cástris, situado a Norte da cidade e dela distando “hum quarto de légua”. Esta preocupação de enquadramento institucional por parte da Igreja, embora fazendo-se notar desde o século XI, não se encontrava totalmente resolvida na cidade de Évora, passados quatro séculos. Assim, no ano de 1481 isso torna-se bem notório quando, nas cortes realizadas em Évora, os procuradores desta cidade pedem ao rei “que tomasse medidas para acabar com as religiões beguinas que faziam conventículos de fora e não queriam ordem aprovada”. Certo é que, para além dos cavaleiros da cidade que haviam sido institucionalizados, também tardiamente, através da Ordem de Avis, existiram nesta cidade diversas comunidades fora de qualquer regra. De entre elas refiram-se apenas três comunidades, de dimensões consideráveis e localizadas sequencialmente no termo da cidade, em área adjacente à urbe, e no interior do recinto amuralhado medieval92. Assim: – Na direcção Nordeste e situada a “cinco legoas da cidade”, a Serra de Ossa albergou comunidades eremíticas cuja existência remontaria ao século I.

91 92

Cf. FIALHO, Pe. Manuel, Évora… ,ob. cit,. p. 56. De notar que, embora no conjunto todas tivessem uma raiz comum de despojamento,

isolamento e meditação, cada uma destas três comunidades acabou por integrar ordens diferentes.

47

Tais vivências terão resistido à pressão eclesiástica durante séculos, considerando que é apenas por volta do ano de 1437 que integram a Ordem de São Paulo, fundando o respectivo mosteiro e aglutinando, por ordem expressa, todos os núcleos religiosos dispersos até então existentes no local. – Na direcção Noroeste, e situado a “hum quarto de legoa da cidade”, o Monte de S. Bento albergou uma comunidade feminina eremítica, que por volta do ano de 1169 se terá fixado em casas anexas à ermida de S. Bento93. Por sugestão do abade do mosteiro cisterciense de Alcobaça, impôs o então Rei D. Sancho I que esta comunidade de mulheres “tomasse a regra de alguma religião, caso contrário seriam mandadas para suas casas”. A Ordem de Cister foi a escolhida, tendo-a integrado em 1274. À ermida inicial sucedeu-se, no ano de 1328, a adaptação da actual igreja, passando com o decorrer do tempo a ser um mosteiro de grandes rendas, totalmente integrado no espírito cisterciense feminino vigente na época94. – No núcleo urbano de Évora, situava-se a comunidade feminina designada pelas “beatas pobres” que habitava, desde 1380, em casa anexa a uma capela, perto da igreja paroquial de S. Mamede95. Esta comunidade autónoma do poder religioso da cidade tinha tido origem mais remota. O culto que a população em redor prestava tinha como centro a pequena ermida onde estavam sepultadas das duas mulheres que desencadeiam este foco de religiosidade situado bem próximo da Mouraria da cidade. Em 1421, por imposição96, integraram-se na Ordem de Santo Agostinho, sob a protecção de Santa Mónica, tendo sido o primeiro mosteiro desta Ordem situado em território português e a também a primeira fundação feminina situada na zona urbana de Évora. No ano de 1564 passaram à clausura, tendo-se contudo tornado num mosteiro grande e com numerosa comunidade. Paralelamente a todas estas vivências religiosas, no início nunca institucionalizadas, e que perduraram durante mais ou menos tempo livres de jugos eclesiásticos exteriores, o século XIII assiste em Évora ao despontar de outras ordens religiosas de génese europeia: os Franciscanos e os Dominicanos.

93

Logo três anos após a tomada da cidade aos muçulmanos, e num local onde teria existido

uma antiga atalaia de vigia. 94

Os rendimentos do mosteiro permitiram sustentar mais de 140 monjas, o que, conjuntamente

com o afastamento da urbe, lhes permitiu uma liberdade de acção inusitada. Cf. FRANCO, Pe. António, Évora…, ob. cit., p. 312. 95

Cf. FIALHO, Pe. Manuel, Évora…., ob. cit., p. 314.

96

Não só a Igreja via com dificuldade este tipo de religiosidade mas também a Cidade que por

diversas vezes solicitava a sua integração em instituição legalmente instituída pela Igreja Católica.

48

As ordens mendicantes, que com a pobreza, humildade e até argúcia dos irmãos franciscanos e dominicanos terão, de maneira significativa, e de modo marcante, influenciado a cidade de Évora, como de seguida se foi provar. A nível urbanístico eles contribuíram também para o desenvolvimento de aglomerados iniciais, que nalguns casos específicos tiveram como referência os respectivos conventos mendicantes, caso dos Arrabaldes de S. Francisco e S. Domingos.

49

LEGENDA Limite aproximado das freguesias durante os séculos XIV e XV. Arruamentos no século XIX .

Conventos masculinos ( Mosteiros femininos (

1.º fase, séculos XIII e XIV; 1.º fase, séculos XIII e XIV;

2.ª fase, século XV) 2.ª fase, século XV)

Listagem efectuada na cidade de Évora, a vinte e dois de Abril da era de mil trezentos e cinquenta e nove, (1321 da era de Cristo) e referente à “concessão do papa João XXII ao rei D. Dinis, por tempo de três anos, para subsídios da guerra contra os mouros da décima de todas as rendas eclesiásticas de seus reinos, excepto as Igrejas, Comendas e Benefícios pertencentes à Ordem de S. João do Hospital de Jerusalém, por os Professos dela se empregarem continuamente em militares exercícios contra os mesmos infiéis: 1- Bispado de Évora- mesa episcopal taxada em 17000, mesa capitular em 7500 e o comum dos bacharéis, fora do comum do cabido em 20 libras 2- Igreja de São Mamede taxada em 475 libras 3- Igreja de S. Tiago taxada em 225 e o comum dos raçoeiros dela em 225 libras 4- Igreja de S. Pedro taxada em 200 e o comum dos roçoeiros em 150 libras 5- Igreja de Santo António é do bispo e do cabido, sendo a vigararia da mesma igreja taxada em 160 libras - O mosteiro novo das donas de Castres, que é da ordem de S. Bernardo em 15 libras“ (localizado fora de muralhas).

Fig. 8 – Évora. Divisão das freguesias [cf. BEIRANTE, Ângela, Évora na Idade Média…, ob. cit., p. 57], localização das igrejas, conventos e mosteiros, na Baixa Idade Média e lista de rendas eclesiásticas para subsidiar a guerra contra os mouros, em 1321 [cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol IV, pp. 133-134].

50

LEGENDA Primeira vaga de implantações monástico-conventuais: (séculos XIII e IV)

– Conventos masculinos. – Mosteiros femininos.

Segunda vaga de implantações monástico-conventuais: (século XV)

– Mosteiros femininos. – Conventos masculinos.

Fig. 9 – Évora. Fases de implantação monástico-conventual em planta com marcação das curvas de nível (séculos XIII-XV).

51

LEGENDA Primeira vaga de implantações monástico-conventuais: (séculos XIII e IV)

– Conventos masculinos. – Mosteiros femininos.

Segunda vaga de implantações monástico-conventuais (século XV)

– Mosteiros femininos. – Conventos masculinos.

Fig. 10 – Évora. Fases de implantação monástico-conventual em planta com marcação dos declives (séculos XIII-XV).

52

2.2 – PRIMEIRA FASE (SÉCULOS XIII-XIV)

DE

EXPANSÃO

MONÁSTICO-CONVENTUAL

2.2.1 – CONVENTO DE S. FRANCISCO

Fig. 11 – S. Francisco e o amor incondicional aos “seus irmãos” da natureza… [B.M.BE.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html

A fundação do antigo cenóbio franciscano em Évora remonta a data longínqua, existindo na Crónica desta Ordem duas versões tradicionais discrepantes. A mais distante atribui a sua fundação ao ano de 1216, apenas dois anos após a entrada dos primeiros religiosos desta ordem no reino de Portugal, que terá sido em 121497. A notícia mais plausível relata que, ainda em vida de Francisco, terão vindo três discípulos para neste reino “dilatar o instituto seráfico havendo à data já estabelecido na província de Trás-os-Montes, em Bragança, na de entre Douro e Minho na vila de Guimarães, na da Beira em Coimbra e na Estremadura em Alenquer e Lisboa. Ter-se-ão assim dirigido ao Alentejo e

97

Refere-se nos livros da Ordem que terá sido encontrado, no adro da igreja deste convento

eborense, a pedra tumular de Giraldo, a qual dataria de 1216. Cf. PEREIRA, Gabriel,

Documentos Históricos…, ob. cit, pp. 225-227.

53

chegado a Évora no ano de 1224, possivelmente já no início do reinado de D. Sancho II”98. Segundo esta última versão, o sexto convento franciscano fundado no reino terá sido o de Évora, dez anos após a entrada dos primeiros frades franciscanos no país, e cinquenta e oito anos após a tomada desta cidade aos Mouros, por Geraldo99. Poder-se-á antever a importância e influência que este convento desempenhou acompanhando as diferentes acções régias, ou particulares, que directa ou indirectamente o beneficiaram. A antiguidade dos franciscanos em Évora é inegável, remontando a sua fundação à primeira metade do século XIII. A primeira prova documental conhecida que atesta a sua existência é de Julho de 1245, durante o reinado de D. Sancho II, em que é doada através de escritura, por João Esteves e sua mulher Maria Martins, uma terra a estes religiosos para se alargarem mais, com a obrigação de os encomendarem a Deus100. Em Setembro de 1250, já durante o reinado de D. Afonso III, João Pelagio Cordura e sua mulher Mayor de Guimarães doaram aos frades um lagar e outra terra, junto à Porta de Alconchel, para estenderem mais o seu convento101. D. Afonso III deixou em testamento ao convento cinquentas libras; D. Fernando e D. Duarte deixaram-lhe terras e casas para se alargarem. Seria D. Diniz, o primeiro a pensar fundar o seu palácio junto do convento franciscano, seguindo-se-lhe D. João I e finalmente o local viria a ser habitado por D. Afonso IV. Foi nesses paços, a S. Francisco, que se celebraram em 5 de Janeiro de 1336 os esponsais do seu filho D. Pedro e de D. Constança Manuel

98

Referem igualmente os livros da Ordem que na pedra tumular de um dos fundadores deste

antiquíssimo cenóbio constava a inscrição – et venere 1224 – Cf. PEREIRA, Gabriel,

Documentos…, ob. cit., p. 226. O primeiro convento franciscano em Portugal teria sido fundado em Bragança, no ano de 1214, seguindo-se o de Lisboa e o de Évora, em 1224, o de Coimbra em 1225, o de Leiria em 1231, do Porto em 1233 e o de Guimarães em 1256, de acordo com MORENO, Humberto Baqueiro, «O Poder Real e o Franciscanismo no Portugal Medievo», Actas de O Franciscanismo em

Portugal, I-II Seminários, Fundação Oriente, Lisboa, 1996, pp. 87-96. 99

O Capítulo provincial de Santiago, realizado no ano de 1330 em Coimbra, criou a Terceira

Custódia portuguesa com sede em Évora. As outras duas formadas anteriormente, em 1272, sediavam-se respectivamente em Lisboa e Coimbra. Tal custódia, centrada em Évora, durou até ao ano de 1513, data em que o convento franciscano passou de claustral a observante. 100

Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob cit., p. 226 v.

101

Quando da aquisição de terreno na Praça de Giraldo, em inícios do século XVI, para ser

edificado o novo edifício da Câmara, ainda os franciscanos recebiam renda de casas aqui erigidas perto da primitiva Porta de Alconchel.

54

e, em 1345, de sua filha a infanta D. Maria com D. Fernando de Aragão, marquês de Tulosa102. Noutra escritura, datada de Julho de 1280, ainda no reinado de D. Diniz, Pedro Affonso, mercador, e sua mulher Maria Soares deram um campo contíguo ao convento “para o mesmo fim”103. Em 1280, é ainda doado pelo mercador Pedro Afonso e sua mulher um campo no Arrabalde de S. Francisco104. Em 14 de Janeiro de 1412, D. João I, por carta feita em Lisboa, “tomou debaixo do seu amparo, e protecção real o guardião e frades do convento, o mesmo convento, seus servos, e todas as suas cousas, mandando que ninguém tivesse a ousadia de fazer dano a algum religioso, ou cousa pertencente ao convento, sob pena de seis mil soldos, pagos para a fazenda real, e de pagarem em dobro a perda que derem aos religiosos”105. No reinado de D. Afonso V, a igreja encontrava-se em ruína. Este rei abandonou os Estáus da Praça Grande e instalou-se, com o consentimento dos frades, em S. Francisco106. Fugia do centro buliçoso do burgo, encontrando aí espaço livre suficiente para a sua instalação. Prometeu o restauro da antiga igreja e a concessão de outros privilégios em troca da utilização livre da cerca conventual, ocupação da sala de estudos e outras dependências107. A aula, ou geral dos estudos do convento108, no século XVIII estava igualmente em ruína. Era confinante com o noviciado para a parte poente, tendo sido uma grande sala que teria servido de recreio aos soberanos, a partir do rei D. Afonso V109. Foi aquele rei que, por alvará passado em Lisboa, a 22 de Junho de 1451, fez esmola a este convento franciscano de “400 réis brancos, pagos ao

Os monarcas portugueses terão tido o seu espaço no antigo edifício acastelado dos Freires

102

de Évora, doado aos “capitães-mores de ginetes” depois da construção dos Estáus da Praça Grande. 103

Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., p. 226.

104

É a primeira referência conhecida a um arrabalde formado a partir do convento franciscano.

Cf. CARVALHO, Afonso de, Da Toponímia de Évora, dos meados do século XII…, ob. cit., p. 92. 105

Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., pp. 258-259.

106

Em 1439, ou seja logo no ano seguinte ao da morte do Rei D. Duarte, o muito jovem D.

Afonso obtém licença formal do papa e da respectiva Ordem para aqui instalar o seu paço real. A causa de tal pedido foi do “grave incêndio” que teria destruído os anteriores paços situados na “Praça Grande” de Évora. De referir contudo que no ano de 1464 este é ainda citado como ponto de referência na Praça. 107

No livro dos originais da Câmara faz-se referência à “porta do Paço antigo que fica abaixo de

S. Francisco”. 108

Era o local onde seriam dadas as aulas públicas, para religiosos e seculares.

109

Foi este rei que fez no seu palácio de Évora a primeira “Livraria”, comprando para isso a

peso de ouro os livros que havia impressos e “quantos podia achar manuscriptos”. Contudo, é somente quarenta anos após a sua morte que, em 1521, “sae à luz” a primeira obra impressa em Évora.

55

almoxarifado de Évora. Por diferente alvará concedeu ao guardião e frades do convento que pudessem mandar cortar a lenha, que lhes fosse necessária para o serviço delle e ministério, das hortas no termo de Évora e sua comarca”110. Em 12 de Abril de 1457, em carta feita em Santarém, por ordem igualmente de D. Afonso V, acrescenta-se às benesses dadas por D. João I em 1412, que os religiosos fossem “isentos de pagarem qualquer tributo das cousas, que comprassem para seu sustento, edifícios, cavalgaduras, e tudo o mais necessário para a sua comunidade”. D. João II, em 1486, por carta feita em Santarém a 16 de Fevereiro, confirma os privilégios concedidos ao convento franciscano pelos dois anteriores monarcas111. Nesse tempo, estavam palácio e convento tão intimamente interligados que o rei D. João II, quando de visita ao local mandou abrir sete portas, constatando que em todas elas os espaços conventual e real se encontravam ligados directamente. Seria assim notório a ausência de paz e sossego espiritual, tão caros aos religiosos franciscanos, tanto mais que monarcas e franciscanos utilizavam simultaneamente a igreja conventual. Quanto à cozinha do convento, esteve até 1516 ocupada pelo palácio, e só nessa data foi libertada por vontade expressa de D. Manuel. Em descrição da época relata-se já que “o complexo tornou-se magnifico na sumptuosidade dos edifícios, no número dos claustros e oficinas, na extensão da horta e no dilatado do território”. D. João II, para fazer visitas mais assíduas e extensas ao palácio, retirou ao convento umas casas, cortando-o tão largamente que “além de o privar da vista do Rocio o deixou sem oficinas”. Contudo, este rei obrigou-se a efectuar outras obras que fossem mais úteis e necessárias ao convento, como é referido em alvará desse rei, dirigido ao guardião do convento em 1493, e no texto da bula do papa Alexandre VI, datada de 1495. Contudo, nesse mesmo ano o rei morre, frustrando-se as intenções de obras no convento. O seu sucessor D. Manuel realiza as obras anteriormente prometidas aos frades franciscanos, “fabricando” a igreja com outros edifícios dignos “da sua real grandeza”112. É igualmente deste rei o dormitório grande, assim como a casa do Capítulo, sacristia e refeitório. A 22 de Fevereiro de 1516, em Almeirim, D. Manuel concede um alvará ao convento franciscano mandando que “os almotaceis da cidade de Évora dessem carne e peixe ao procurador e comprador do convento, e negando-lhes 110 111

Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., p. 48. O casamento sumptuoso do malogrado herdeiro do trono português, D. Afonso, com D.

Isabel de Castela foi realizado igualmente em S. Francisco, no ano de 1490. É sua irmã D. Maria de Castela que mais tarde, ao casar com o rei D. Manuel, vai influenciar grandemente a cidade de Évora, impondo a expulsão de todos os não cristãos do país. No ano de 1496, data da expulsão, existiriam em Évora cerca de 1600 judeus, número muito semelhante ao da cidade de Santarém. Em 1495, André de Resende estima em 4500 o número total de moradores de Évora, incluindo naturalmente judeus e mouros. 112

Em 1500, constituem pontos de referência utilizados para a celebração de contratos urbanos

na área a Rua das Estalagens, que vai para S. Francisco, prova indubitável da importância, assim como do cariz citadino, da área em questão.

56

eles o que lhes fosse pedido para seu sustento, pagariam 10 espadins de ouro, moeda daquelles tempos, para a Camara Real” e ordenou ao Juiz da cidade que assim o fizesse cumprir. Igualmente através de novo alvará “concedeo a total izenção de sujeições publicas a um carreteiro, um almocreve, um sapateiro e um barbeiro, que se obrigassem a servir o convento, mandando que não pagassem tributo algum para pontes, fontes ou calçadas, nem fossem tutores nem besteiros, e que lhes não fossem tomadas roupas, ou outra qualquer cousa sua”113. Para se perceber a especial importância que os reis atribuíram a este complexo religioso diga-se que o guardião do real convento franciscano de Évora assistia com voto nas câmaras ou senados, que se não faziam sem a sua presença, “modo de também nos ministérios seculares serem atendidos e respeitados”114. Os reis D. Pedro I, D. Fernando, D. João I, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II, D. Manuel e D. João III contribuíram para a fábrica deste convento e protegeram-no com diversos diplomas régios115. É o Rei D. Filipe II que, no ano de 1616, liberta para os religiosos o quarto da rainha e outras câmaras contíguas com o laranjal e horta. No quarto da rainha construíram-se dois dormitórios, um sobre o outro, devolvendo assim aos frades a vista para o Rocio de S. Brás, que aquela parte do palácio lhes impedia116. Nos restantes compartimentos não se terão efectuado obras, mas sim aproveitados os seus “portais e boas pedras”, as quais foram reutilizadas noutras partes do convento. No exterior a vasta horta e o frondoso laranjal, mandados plantar por D. João I, conservaram-se nessa data. Com a ausência da corte de Évora, o palácio foi sendo progressivamente integrado no antigo convento, retornando à sua primitiva utilização117. A amplitude do conjunto edificado escapa-nos globalmente, pois foi durante séculos, variando consoante o investimento régio e a permanência da corte nesta cidade118. 113

PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., p. 47.

114

Ibid.

115

Ob. cit., p. 48.

116

A referida ala ainda existe, embora truncada em parte do seu andar superior. Sob a

cobertura actual poder-se-ão apreciar ainda restos de pinturas murais. A vista sobre o Rocio, entendendo-se que à data este era localizado mais para Nascente, ainda se mantém, embora hoje a um nível altimétrico menos elevado, e em parte encoberto pelo moderno palácio Barahona. 117

Em 1909, António Barata descreve estas casas cedidas como sendo à data o “Asylo da

Infância Desvalida”, o jardim e laranjal, vastos armazéns da casa Fernandes Ramalho Barahona, e dos paços reais só existiria a chamada “Gallerias das Damas”, no Jardim Público. 118

As cortes, que habitualmente duravam um mês, foram numerosas em Évora, e realizadas, à

excepção da primeira, todas nos Paços a S. Francisco. D. Dinis convocou as de 1280, relativas a questões com o clero, seguindo-se D. João I em 1390-1391 e 1408, D. Duarte em 1436, D. Afonso V em 1442, 1444, 1447, 1460, 1472-1473 e 1475 e D. João II em 1481-1482 e 1490. Doze cortes desenrolaram-se no palácio situado no convento franciscano. Cf. MATTOSO, José; SOUSA, Armindo de, História de Portugal…, ob. cit., vol. II, pp. 510-511.

57

Em 1859, no decurso das demolições efectuadas no antiquíssimo conjunto edificado, apareceu uma sala desconhecida, soterrada, possivelmente anteriormente utilizada pela corte para a realização de bailes. Situava-se precisamente para o lado este, no local onde se veio a abrir a Rua 24 de Julho. Parte da galeria (actual “Palácio D. Manuel”) assentava, segundo Túlio Espanca, sobre a muralha, ocupando o corpo das janelas geminadas o chão do fosso interior da barbacã, com a protecção de mais duas torres militares para Leste, ao nível das janelas e de uma porta que se descobriu e pela qual se fazia a ligação com o resto do palácio119. Nas recentes obras de infraestruturas efectuadas na área envolvente aos mercados municipais, durante o ano de 2004, igualmente muitas foram as estruturas arqueadas, pertencentes a construções de grande envergadura, então descobertas120. O conjunto de todos estes dados, temporalmente dispersos, faz-nos antever que o complexo sucessivamente construído era substancialmente superior ao até agora suposto121. O conceito de ausência total da posse de bens materiais, quer da comunidade, quer dos seus irmãos individualmente foi sendo paulatinamente adulterado, especialmente a partir do período em que o domínio real, sobrepondo-se ao conventual, impôs no dia-a-dia valores muito diferentes dos difundidos, e ansiados, por estes religiosos. O convento serviu duplamente como génese de fixação à população indiscriminada, mas também a casas nobres, que naturalmente, por facilidade e ambição, aspiravam a uma localização o mais próxima possível do sítio de estadia do rei na cidade122. Foi esta dupla situação que influenciou toda a área

119

De referir a cartografia antiga conhecida da cidade que representa comummente a zona

envolvida por um tramo de muralha, integrando torres circulares hoje em parte ainda existentes, e que avança assumidamente para Sul, no lado Poente do complexo. Em 2008, foi escavada parte do Jardim Público, constatando-se a veracidade dos traçados das muralhas existente nas plantas conhecidas. A diversificada cartografia que consta em colectânea no presente trabalho constitui documentação de interesse relevante para o esclarecimento de traçados pontuais nas estruturas defensivas da cidade. 120

Das várias estruturas em arco identificadas ficaram contudo apenas visitáveis, no interior da

actual cave do mercado municipal, troços do arranque de arcos com uma profundidade de suporte de 0,85 m. Construídos rudimentarmente, embora patenteando indubitavelmente uma grande

resistência,

foram



utilizados

aproveitamentos

de

diversificados

materiais,

nomeadamente pedras irregulares dos mais variados tamanhos e proveniências, assim como tijolos maciços. 121

A ausência de datações precisas relativamente aos inúmeros materiais encontrados, assim

como às diversas construções soterradas, mantém a lacuna relativamente ao leque temporal da ocupação humana. 122

Entre muitas outras, refira-se na Rua do Raimundo o solar dos Freires de Andrade, ocupado

no ano de 1670 pelos frades Agostinhos Descalços, do Convento das Mercês. O núcleo

58

urbana envolvente: a atracção pela espiritualidade e pobreza, em um dos extremos, e pelo fausto e poder, no outro. São estas contradições que aqui se invocaram servindo de pólo aglutinador a residentes bem diferenciados, uns aspirando à protecção divina e outros à real. As casas nobres, obrigadas por lei a dar guarida à inúmera corte que acompanhava o rei, situando-se muito perto do paço real constituíam uma verdadeira área de influência, de dimensão considerável, em redor de S. Francisco e, inerentemente do respectivo Paço Real aí situado.

primitivo do Convento dos Remédios igualmente se fixou na Rua do Raimundo em humilde construção ainda hoje existente e de onde saíram para o novo edifício fora de muralhas.

59

2.2.2 – CONVENTO DE S. DOMINGOS

Fig. 12 – S. Domingos e o gosto pelo saber [B.M.CD.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html

Os dominicanos, ou genericamente mais conhecidos por “irmãos pregadores”, surgiram a partir de várias outras experiências religiosas fundamentadas na meditação. O objectivo, contudo, era preparar religiosos para uma vida simultaneamente de acção e contemplativa, ou, mais especificamente, uma existência canónica e uma existência monástica. Nesta maneira de estar encontrava-se bem patente o espírito do seu fundador, proveniente do clero, notável orador, grande teólogo e firme organizador. S. Domingos pede aos seus seguidores fé, mas também que possuam o conhecimento necessário para poderem argumentar e desmontar com segurança o erro em que se encontrava a população cristã aderente às novas seitas, ou a seguidora de outras religiões123. A nível material era vedada aos novos irmãos a posse de bens, sendo estes doados aos pobres antes do seu ingresso no convento, e até interdito aí qualquer trabalho manual, com vista à produção. Quanto à subsistência, esta era assegurada exclusivamente por donativos, que lhes garantiam o estritamente necessário para a alimentação e vestuário.

123

Sendo a população medieval europeia intensamente religiosa, embora com credos

diferenciados, como era o caso de mouros e judeus existentes em grande número na Península Ibérica, não se punha aqui a questão de populações pagãs a converter.

60

O espírito dominicano, embora mendicante, poder-se-á definir como assente nas seguintes premissas: – Penitência, considerando-se esta como um processo de aperfeiçoamento pessoal, uma maneira de dar exemplo aos outros, ajudando-os no seu melhoramento. O despojamento dos bens materiais, e a consequente mendicidade, constituem também parte dessa penitência. – O regime cenobita, não permitindo bens individuais, levaria necessariamente ao apoio no grupo, deixando para segundo plano quaisquer motivações pessoais e individualistas. – A acção e o serviço que estabelece com a comunidade urbana na qual está inserido, e que vai desde o ensino à pregação. Aqui, os conhecimentos desempenhavam um papel relevante, tendo em conta que era função do pregador desmontar, através do conhecimento, qualquer tipo de teorias anticatólicas. Esta preocupação com a instrução é bem patente quando Domingos, fixando-se em Roma, em finais de 1217, organiza os seus seguidores em dois grupos, enviando um para Paris e o outro para Bolonha, recomendando-lhes para aí se instruírem e recrutarem pessoas124. Depois de, em Novembro de 1216, a Ordem ser formalmente instituída, através de bula papal de Honório III, Domingos dirige-se em 1218 para Espanha, onde funda conventos em Segóvia e Madrid, igualmente instalandose nesse mesmo ano em Paris, Leão e Roma. Por volta de 1221 seguem-se a Alemanha e Inglaterra. Após os dois primeiros capítulos gerais da ordem, realizados respectivamente em 1220 e 1221, na cidade de Bolonha, encontravam-se já delineadas maneiras diferenciadas na regra de vida de Santo Agostinho125. Quando morre Domingos, a 6 de Agosto de 1221 em Bolonha, a Ordem tinha já cerca de 500 irmãos e uma centena de religiosas, distribuídos geograficamente numa área que ia da Escandinávia à Terra Santa, passando pela Polónia, Grécia, Hungria, Espanha, Inglaterra, Alemanha, França e Itália. A diversidade geográfica, num tão pequeno período temporal, permite-nos indubitavelmente comprovar a sua grande vocação expansionista e pregadora126. Na “História de S. Domingos” é descrito o encontro hipotético entre Francisco e Domingos, numa praça de Roma, quando ambos participaram no IV Concílio de Latrão, do seguinte modo: “Abraçaram-se, trataram-se como amigos, e prometeram-se fiel companhia para toda a vida, e que, ainda que 124

De salientar que, à época, estes eram os principais centros universitários do mundo cristão.

O objectivo que Domingos designara para os irmãos era “Falar com Deus e de Deus”. Cf. VAUCHEZ, André, «S. Domingos, “o mal-amado”», Monges e Religiosos na Idade Média, apresentação de Jaques Berlionz, Terramar, Lisboa, p. 267. 125

Foi a regra escolhida por S. Domingos quando este se viu intimado pela Igreja a escolher

para a sua Ordem, regra de vida já aprovada. 126

Entre 1217, data em que orienta os seus seguidores para Paris e Bolonha de modo a

recrutarem membros cultos nestes dois meios universitários, e 1221, quando morre, vão somente quatro anos.

61

fundando Ordens diferentes em leis, cerimonias, e trajos, fossem ambas uma só, nos ânimos dos sucessores que n´ ellas professassem”127. Enquanto Domingos era um nobre, um padre com espírito organizativo, Francisco era um filho de burgueses, rico, utópico e pouco vocacionado para questões práticas. Foi destes dois homens com personalidades tão contraditórias que nasceu o que viria a ser o motor dinamizador de toda a Idade Média no mundo cristão de então. Enquanto o primeiro incentivava a aprendizagem, e muitos dos seus co-irmãos eram cultos, o outro dava primazia ao despojamento total, tanto material como intelectual, cativando principalmente sonhadores. Contudo, o objectivo comum era o de, vivendo de esmolas, converter pacificamente à fé católica os descrentes e infiéis128. Em Évora, depois de 1166 e até ao reinado de D. Manuel viveram numerosos judeus e mouros, em áreas específicas da cidade, praticando as suas religiões de origem e culturas ancestrais129. Era pois uma cidade apetecível para qualquer frade mendicante aqui exercer a sua vocação apostólica130. 127

Esta comunhão inicial, contudo olvidada em períodos críticos, foi retomada plenamente

quando da acção missionária no séc. XVI, em especial na longínqua Índia. Sobre o assunto: ARAÚJO, Julieta, «A relação entre Dominicanos e Franciscanos na Índia do século XVI – subsídios para um estudo», Actas do III-IV Seminários O Franciscanismo em Portugal, Fundação Oriente, Lisboa, 2000, pp. 150-169. 128

Na Península Ibérica existiu uma realidade diferente da restante Europa. Cristãos,

muçulmanos e judeus encontravam-se equiparados. Tal facto é constatado no livro dos jogos de Afonso X de Castela, o Sábio, pai de D. Urraca de Castela esposa do Rei de Portugal D. Afonso II e avô de D. Dinis que representa homens e mulheres dos diferentes credos religiosos com tamanhos iguais, nos seus trajes tradicionais. Existiria até então uma coexistência naturalmente pacífica entre as três culturas. 129

Em 1361, quando das Cortes de Elvas, o povo pediu ao Rei D. Pedro que as minorias

(mouros e judeus) passassem a residir em bairros próprios, que seriam locais com mais de dez famílias. Ficava patente, por um lado, a crise do século XIV, pretendendo-se eliminar, controlando-a, a concorrência económica que estes dois povos faziam; ou por outro lado, a dimensão que as duas comunidades assumiam nas cidades. Tal situação manteve-se até 1496, quando da sua expulsão do país, ou conversão compulsiva ao cristianismo. Nos meses seguintes à expulsão de Espanha, em 1492, terão, segundo as crónicas dos respectivos países, atravessado a fronteira mais de 100.000 judeus. Destes, apenas “600 famílias” terão tido autorização de D. João II para aqui permanecerem, tendo aos restantes sido dado um prazo de oito meses para saírem, sob pena de passarem à condição de escravatura. O sentimento de instabilidade gerado pelo caos socio-económico, sanitário e religioso resultante desta avalanche humana foi enorme. Passados quatro anos foi o êxodo em massa forçado. Tal expulsão, contudo, não beneficiou em nada a situação económica e cultural do país, e a de Évora em particular. 130

“Os Pactos de Concórdia”, que evitavam rivalidades, assegurando simultaneamente o

sustento diário dos irmãos por mendicância urbana, sugeriam distâncias entre conventos de

62

O Convento de São Domingos de Évora foi fundado, segundo a crónica da respectiva Ordem, na sequência de outros cenóbios, nomeadamente em Alenquer, por volta de 1225131, Coimbra e Porto no ano de 1237, Lisboa em 1241, Elvas, Guimarães, onde, embora já pregassem há 40 anos, só aceitassem sítio em 1270, Tuy, em 1282, e finalmente o de Évora em 1286132. Foi nas imediações de uma antiga ermida evocativa de “Santa Victória, martyr” que os pregadores, de início, se acolheram, vivendo das esmolas e pregando à população. O seu primeiro prior foi Frei Domingos de Amarez, de origem espanhola133. O local para a sua fixação foi facultado pela Câmara, que disponibilizou uma área fora da primitiva muralha defensiva. A respectiva autorização para a sua instalação foi concedida, através de alvará, pelo Rei D. Dinis. Passados doze anos, e notando-se já escassez de instalações face ao numero de frades acolhidos nas rudimentares instalações, é novamente ampliada a área, através de mais terrenos municipais, procedendo-se simultaneamente a acertos de estremas. No caso dos dominicanos, em Évora deveram-se à nobreza local os mais vastos donativos que permitiram o desenvolvimento das áreas de construção conventuais. Na verdade foram os eborenses, e não os monarcas portugueses, que deram o maior impulso a esta casa conventual134. No início do século XIV, Martim Anes e sua esposa D. Catarina Anes, tocados pela vida de extrema pobreza que à data levavam estes frades, decidiram custear a edificação de uma nova igreja, mais condigna. É a doação, por vida de todos os seus bens, que dá incremento à comunidade135, fazendose primeiro a igreja e o claustro136. Igualmente tão abnegado gesto, destes abastados eborenses, terá servido de exemplo para a população, e chamado a atenção para os humildes frades pregadores. Deve-se novamente a outros eborenses, os condes D. Pedro de Sousa e D. Joana de Melo, a ampliação da capela-mor e do coro “para desafogo do 350 a 700 metros. Em Évora é nítida tal preocupação, assim como a de proximidade de vias e zonas com potenciais cristãos. 131

Embora mudado, após dois anos, deste local para Santarém.

132

Existiriam, no mínimo, há sessenta e dois anos franciscanos na urbe eborense.

133

Cf. FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 339.

134

Aliás a própria Igreja, logo no início das ordens mendicantes solicitou um apoio especial por

parte dos monarcas relativamente aos franciscanos, mais vulneráveis pelo seu modo de estar, prevendo que os dominicanos, através da sua pregação douta, facilmente iriam angariar fortes apoios nas camadas mais abastadas da sociedade. 135

D. Catarina, que sobreviveu ao marido, ficou inteiramente dependente monetariamente da

generosidade destes frades. Estes passaram a dizer uma missa diária por ambos os benfeitores, que após as suas respectivas mortes foram sepultados na capela-mor da igreja que tinham tão generosamente ajudado a erigir. 136

Este convento será o primeiro a ter autorização régia, logo no ano de 1546, para ser

abastecido por água do aqueduto da Água da Prata. Tal concessão foi resultante do pedido de um ilustre dominicano, Frei André de Resende.

63

templo”. Foi já durante o século XVI que D. Manuel e D. João III protegeram grandemente a Ordem. Este convento, contudo, conheceu um substancial desenvolvimento quando o papa Leão X, no ano de 1513, altera a Regra, dando início à observância não claustral. A partir daí, o desenvolvimento dos estudos tornou-se ainda mais notório, tendo passado por este convento importantes letrados da época, que obviamente introduziram uma mais-valia de relevo no meio cultural citadino137. A nível humanitário, igualmente desenvolveram acção importante, não só com alguns frades tidos pela população como “homens santos”138, como no apoio abnegado que muitos dominicanos prestaram às populações, em épocas de peste139. O desenvolvimento que imprimiu ao local foi grande passando a ser um topónimo de referência para os mais diversos actos oficiais.

137

Disciplinas de ciências e de teologia eram leccionadas no convento, sendo Frei André de

Resende um de entre muitos outros insignes professores que permaneceram na cidade por períodos mais ou menos longos. Cf. FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 340. 138

Em 1570, a Ermida da Santa Cruz, situada à Porta da Lagoa, ainda se mantinha de pé,

estando ao cuidado de um “bom frade” dominicano que nas casas contíguas agasalhava e recolhia pobres. Anteriormente, em 1499, foi esta ermida que acolheu o cortejo real que instituiu formalmente a Irmandade da Misericórdia de Évora. Estes terrenos foram posteriormente doados, pelo Arcebispo de Évora, D. João de Melo, a D. Maria, filha de D. Manuel I e de D. Leonor da Áustria, sendo neles fundado o actual Convento de Santa Helena do Monte do Calvário, depois entregue à observância da Ordem de S. Francisco. A sua construção, decorrendo entre 1569 e 1574, coexistiu ainda temporalmente com a existência da ermida, pressupondo-se assim que esta se situaria na futura cerca. Neste local ainda perdurava uma das duas ermidas aí existentes, no início do século XX. 139

Nos anos de 1579 e 1580, notabilizou-se pelo exemplo dado pelos frades, quando da peste

que lavrava na cidade de Évora. A assistência então prestada a enfermos foi meritória, tendo falecido somente nesse ano nove frades através do contágio. Em 1598, novamente o apoio a doentes infectados por novo surto de peste foi igualmente de enaltecer. Sobre a acção prestada, a nível da cultura e da assistência, pelos frades do Convento de S. Domingos de Évora, FIALHO, Manuel, Évora…, ob. cit., pp. 340-341.

64

2.2.3 – MOSTEIRO DE SANTA MÓNICA

Fig. 13 – Santo Agostinho, e a sua acção no mundo romano [B.M.AS.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html

Agostinho nasceu onde actualmente se situa a Argélia, e era de origem romana. Depois de uma vida activa e culta, converte-se ao cristianismo na cidade de Milão, no ano de 387. Constituiu, então, uma comunidade direccionada para o trabalho e a oração, desempenhando um papel muito activo, quer na pregação, quer no ensino, em diversas cidades. Até à sua morte, em 430, o combate a outras religiões, que à época proliferavam, foi para ele uma constante. As primitivas comunidades até então constituídas orientavam-se por um texto que, numa primeira parte, regulamentava de maneira sumária a vida numa comunidade masculina e que, numa segunda, dava orientações gerais para uma comunidade feminina. Durante mais de 800 anos, foi este o documento que, informalmente, continuou a guiar as diversas comunidades entretanto constituídas. Em 1256, contudo, através de bula papal emanada de Alexandre IV, a Ordem é formalmente fundada, sendo então os diversos religiosos reunidos numa única congregação, designada por eremitas de Santo Agostinho. O fundamento da Ordem então constituída resumia-se em “uma só alma e um só coração voltados para Deus”. Deste princípio emanava o espírito de interioridade,

65

unidade e igualdade, seguido pelos seus membros e plenamente assumido nas diversas comunidades desta Ordem140. Poder-se-á dizer que foi na cidade de Évora, e no ano de 1380, que foi fundada a primeira comunidade feminina da Ordem de Santo Agostinho, em Portugal. Assim, no referido ano foi constituída informalmente por senhoras e jovens eborenses uma pequena comunidade cujos membros, devido à vida austera que seguiam, passaram a ser conhecidas na cidade por “beatas pobres”141. Um pequeno templo dedicado a Santa Mónica passou, em determinada altura, a fazer parte do conjunto habitado pela comunidade, naturalmente fazendo aumentar o interesse e devoção pelo local, por parte da população da cidade. Essa comunidade feminina, dedicada à prática da pobreza, foi idêntica a muitas outras que terão seguido o exemplo do núcleo pioneiro formado em Liège, entre 1170 e 1177. A Igreja, contudo, sempre contrária a quaisquer vivências religiosas não institucionalizadas, pugnou desde o início pelo seu enquadramento em ordem já aprovada. É em 1421, ou seja, pouco mais de 40 anos após a constituição do primitivo núcleo de devotas em Évora, que a comunidade adere à Segunda Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho142. Daqui saíram, embora já no século XVI, as religiosas que deram origem a mosteiros, primeiro no ano de 1527 em Vila Viçosa e passados 14 anos em Lisboa, provando assim, não só a dimensão considerável em meios humanos, mas também o espírito de iniciativa marcante em algumas das suas religiosas. Foi indubitavelmente significativa a importância que este mosteiro eborense teve a nível de expansão estratégica143. 140

Os mosteiros da Segunda Ordem, para além de adoptarem a regra de vida agostiniana,

tinham entre outras coisas de “usar hábito próprio, especialmente o cinto preto, entregar a cura pastoral da comunidade aos frades da Ordem, aceitando também a sua jurisdição, governo ou protecção e terem consciência de pertencerem à Ordem”. Cf. ALMEIDA, Fortunato, História da

Igreja…, ob. cit., vol. I, pp. 329-330. 141

Segundo alguns textos, as casas de Constança Xira e Maria Fernandes situavam-se junto a

um pequeno templo, local onde, por volta de 1567, foi erigida a actual igreja paroquial de S. Mamede. É certa a existência de uma igreja de S. Mamede já no ano de 1271, tendo sido, de acordo com “O Catálogo de todas as igrejas”, organizado entre 1320 e 1321, sobre os rendimentos eclesiásticos do reino, a 2ª com maior rendimento da cidade, só ultrapassada pela Sé. Cf. ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., pp. 133-134. São atribuídos a partir do século XVI, a uma pequena imagem votiva do menino Jesus existente neste mosteiro, milagres, passando a ser referenciado como “Convento do Menino Jesus” e o seu caminho de acesso por “Carreira do Menino Jesus”, em substituição do secular termo de “Alcaçova dos Mouros”. Sobre o assunto: FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 314-315. 142

Ordem que acolheu um número considerável de comunidades que se viram obrigadas à

submissão à Cúria Romana. Contudo, este conjunto de “beatas pobres” seguia já informalmente, desde o seu início, a regra de vida de Santo Agostinho.

66

2.3 – SEGUNDA (SÉCULO XV)

FASE

DE

EXPANSÃO

MONÁSTICO-CONVENTUAL

2.3.1 – MOSTEIRO DE SANTA CLARA

Fig. 14 – Santa Clara e o espírito franciscano na sua essência [B.M.AN.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html

Em Évora, foi fundado o Mosteiro de Santa Clara, no ano de 1452144, programado logo no início para oitenta monjas, seis anos após a coroação do muito jovem Rei D. Afonso V, e por iniciativa do então bispo de Évora D. Vasco

143

De referir que, catorze anos após a fundação da Casa de Vila Viçosa, a comunidade

eborense se desliga da Ordem de Santo Agostinho devido a divergências, passando à administração directa da Mitra. Cf. ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal…, ob. cit., vol. l, p. 270. 144

A primeira comunidade eborense da Segunda Ordem Franciscana foi fundado, no mínimo,

duzentos e vinte e oito anos após a fundação aqui do primeiro convento masculino franciscano. Igualmente trinta e um anos após a integração forçada, da comunidade de “beatas”, que viviam perto de S. Mamede, na Ordem de Santo Agostinho, sob a protecção de Santa Mónica. Vigorava na cidade de Évora uma população religiosa feminina preponderantemente organizada em pequenas comunidades, sem subjugação a regras religiosas aprovadas e que contavam com a devoção popular, dominantemente feminina.

67

Perdigão, que para isso facultou na antiga Rua de Alconchel algumas construções arruinadas, pertencentes anteriormente aos paços dos Falcões. Numa década em que o país, através do seu rei, se empolgava com o derradeiro espírito cruzado, voltado desta vez para o bem próximo Norte de África, os dinheiros, quer públicos quer da nobreza, canalizavam-se, voluntária ou forçadamente, sobretudo para tal empreendimento. As construções doadas, e à data sem condições de habitabilidade, mesmo para as monjas, só passados sete anos foram entregues à Segunda Ordem de S. Francisco, que, devido às diminutas verbas de que dispunha, só passados mais cinco anos é que concretizou a construção e consagração do primitivo templo145. Tendo sido o primeiro mosteiro feminino institucionalmente fundado no núcleo urbano de Évora foi, logo desde o início, refúgio espiritual de diversas aristocratas que encontravam neste espaço condições de protecção e de recolhimento espiritual anteriormente inexistentes na urbe. Figuras como D. Joana, filha de D. Henrique IV de Castela, sobrinha e jovem noiva do Rei português D. Afonso V, aqui encontraram acolhimento temporário condigno146. Este mosteiro, pertencendo à Ordem e regra de Santa Clara, possuiu inicialmente um património muito parco, quando foi habitado pelas primeiras monjas, no ano de 1459. Contudo, este avolumou-se com muitos dos bens para aqui transferidos quando o Convento de S. Francisco de Évora, em 1513, se reformou na “regular observância”. Por sua vez, quando o Mosteiro de Santa Clara passou da claustra à observância, em 1535147, veio a tomar posse dos restantes bens, que tinham revertido do Convento de S. Francisco, aumentando assim novamente, e consideravelmente, o seu património148.

145

Doações avultadas foram efectuadas pelo bispo sucessor, D. Jorge da Costa, assim como

pela realeza. Contudo, algumas das rendas atribuídas a esta fundação foram posteriormente desviadas para o mosteiro de Santa Maria do Espinheiro, situado fora da urbe eborense, dificultando e mesmo atrasando aquelas obras. Só com o bispo D. Afonso, filho de D. Manuel, é que no ano de 1533 se põe fim ao assunto das anteriores doações, feitas ao mosteiro das clarissas. Sobre o assunto: FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 317. 146 Cf.

ESPANCA, Túlio, Inventário …, ob. sit., vol. I, p. 218.

147 Cf.

FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 317.

148

De tal riqueza é testemunho o facto de, em 1536, já existirem pagamentos efectuados pelas

religiosas para obterem o abastecimento de água a partir do aqueduto, assim como de, em 1538, ter sido lavrada escritura para se processar o entubamento da água através da Rua de Alconchel até ao mosteiro, obra que não foi concretizada. A primeira porção de água, das duas que lhe foram atribuídas, teve alvará régio datado de 1554, simultaneamente com outro autorizando o abastecimento ao importante Convento de S. Domingos. Em 1647 é-lhes autorizada a referida segunda porção de água, demonstrando a importância e dimensão do mosteiro durante o século XVII. Tornava-se notório que os poços, existentes ainda hoje, um situado na ala sudoeste do antigo claustro pequeno, outro na entrada

68

A sumptuosidade que atingiu, indirectamente resultante deste novo clausulado, deveu-se contudo maioritariamente à acção benemérita da nobreza, que nos meados do século XVI aumentou grandemente o património desta casa religiosa. A escolha que recaiu sobre este local, por parte de D. João de Castro, para aí constituir jazigo de família, é um exemplo desses benefícios. Em 1598 este fidalgo decidiu, e concretizou através de escritura pública de doação e obrigação, escolher o chão da capela-mor da igreja clarissa como local de descanso eterno149. A trasladação, para o local, dos restos mortais de seus pais, D. Garcia de Castro150 e D. Isabel de Menezes, de seu irmão D. Fernão de Castro e esposa D. Isabel da Silveira foram subsequentes. Posteriormente, aí foi sepultado também o próprio D. João de Castro e sua esposa D. Maria da Silveira. As importantes famílias Castro, Menezes e Silveiras encontravam-se, assim, directa ou indirectamente relacionadas com esta igreja conventual eborense, não só em vida mas também após o falecimento, através das suas sepulturas. Em quatrocentos e cinquenta e um anos, tempo que decorreu entre a data de fundação e a morte da última religiosa aí residente, muita foi a influência que esta casa religiosa exerceu na população, em especial na feminina, que aqui permaneceu em clausura durante muitos anos das suas vidas. Os votos de pobreza, obediência e castidade professados pelas monjas clarissas, a par da clausura, foram valores fundamentais para genericamente se estruturar, e desenvolver, a vida nesta comunidade religiosa em meio urbano. O espaço reduzido que esta casa monástica inicialmente ocupou influenciou contudo de sobremaneira todo o espaço envolvente pois foi justificativo para desestruturar todo um antigo e importante eixo radial de circulação interior truncado para viabilizar um diminuto aumento na área da cerca monástica. lateral da igreja, entre as paredes da fachada lateral dupla, eram insuficientes para abastecer de água a numerosa população deste cenóbio. Sobre o assunto: MONTEIRO, Maria Filomena Mourato, O Aqueduto da Água da Prata em

Évora. Bases para uma Proposta de Recuperação e Valorização, dissertação de tese de mestrado em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico apresentada à Universidade de Évora, 1995, pp. 82-83. 149

A referida escritura foi celebrada em Évora, a 18 de Junho de 1598, e lavrada entre D. João

de Castro e Frei Francisco de Valla, à data comissário franciscano e procurador do Mosteiro de Santa Clara. 150

D. Garcia de Castro foi conselheiro dos reis D. João II e D. Sebastião, batalhador, navegante

e governador da praça de Mazagão, e seu filho D. João de Castro foi governador e capitãogeral do Algarve. A fundação da primeira comunidade de clarissas no Brasil, concretizada através de monjas desta casa eborense, não terá possivelmente sido alheia às funções desempenhadas pelos protectores deste mosteiro no Brasil.

69

Obviamente que tal marca no tecido urbano de então só foi possível devido à influência directa ou indirecta dos benfeitores. As famílias nobres que queriam aí colocar as suas damas igualmente teriam todo o interesse na ampliação das diminutas instalações que condicionavam de maneira incontornável o número de religiosas. As monjas pertencentes a famílias nobres igualmente partilhariam de tal interesse considerando que teriam maior facilidade em introduzir na vida religiosa familiares mais ou menos próximas que lhe proporcionariam um apoio no interior da clausura, mas também em determinadas épocas menos rigorosas uma pequena corte de serviçais151. Obviamente que com o espaço ampliado as condições de clausura foram melhoradas permitindo um espaço livre complementar do claustro. Foi contudo esta a única casa religiosa eborense que se permitiu concretizar uma intervenção tão marcante no espaço público, condicionando-o até hoje.

151

Sobre o assunto: CARVALHO, Afonso de, Da Toponímia de Évora século XV…, ob. cit, pp.

74-75.

70

2.3.2 – MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DO PARAÍSO

Fig. 15 – Religiosas medievais [B.M.AUN.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html

O Mosteiro de Nossa Senhora do Paraíso constituiu-se a partir de um pequeno número de nobres da cidade de Évora, que, no início do século XV, decidiram viver isoladas do mundo, constituindo em sua própria casa um recolhimento sem qualquer comunicação com o exterior152. O núcleo religioso então constituído tinha como responsável no exterior o padre Baptista, da congregação de S. João Evangelista, e internamente Brites Galvoa. Por morte desta, no ano de 1474, Joana Correia, igualmente residente

152

Das três fundadoras, de acordo com Afonso de Carvalho, conhecem-se os nomes das irmãs

Beatriz e Inês Galvoa e de sua amiga Beatriz de Elvas. Pertencentes à antiga família dos Galvões, possuíam residência em arruamento situado a Poente da ermida de Santo António, o ermita. Na verdade a actual Rua das Galvoas, ainda anterior a 1606, deve o seu nome a nela se situar “ao principio della o predio que pertenceo às descendentes da nobre família dos Galvões”. Tal família assumiu no século XV um maior relevo, a partir da época em que se consorciou com a influente linhagem dos Costas. Sabe-se que possuíam escravos, aliás como muitas outras casas em Évora, devido a nota de óbito da Misericórdia que relata em 1 de Abril de 1602 “enterrou a tumba da miz.ª a Anº escravo de M.ª galvoa”. Cf. MONTE, Gil do, Dicionário

da Toponímia Eborense, Gráfica Eborense, Évora, 1981, vol. I, p. 149.

71

neste recolhimento e cunhada do chanceler-mor de D. João II, de nome Rui de Grã153, solicitou a Roma, através de familiares influentes, autorização para o ingresso deste recolhimento na Ordem Terceira de S. Domingos154. Tal petição mereceu a anuência do papa Alexandre VI, no ano de 1499. Novamente a mesma religiosa solicitou, desta vez a Leão X, autorização para a casa religiosa passar à Segunda Ordem Dominicana, que guardava clausura. Em 1516, esta segunda petição teve igualmente parecer favorável. Quando em 1508 Joana se torna abadessa deste mosteiro, por vontade expressa de D. Manuel, à data com a corte em Évora, dinamiza a obtenção de fundos155. O camareiro-mor de D. Manuel, D. Álvaro da Costa, tornou-se patrono da comunidade, influenciando simultaneamente D. Manuel e sua corte no apoio a este mosteiro dominicano. A aquisição de casas a André da França Moniz garantiu o espaço suficiente à ampliação do então acanhado cenóbio. Foi também D. Álvaro quem custeou obras na igreja e a reedificarão da capela-mor, ampliando-a substancialmente. Tiveram aqui sepultura D. Álvaro e os seus filhos D. Manuel, D. Álvaro e D. Rodrigo156. Apesar do regime de clausura, ou talvez por isso mesmo, desta casa religiosa saíram as três primeiras monjas que estabelecerem o Mosteiro de Santa Catarina de Sena, em Évora, no ano de 1528, duas outras fundaram um mosteiro em Elvas e, em 1566, outras três formaram uma casa em Moura157. 153

Este fidalgo foi chamado a Évora para julgar e condenar à morte o duque de Bragança. Sua

esposa Inez Correia legou ao mosteiro vasto património, considerando que as suas duas filhas aí professavam. Margarida da Grau, uma delas, foi prioresa deste mosteiro, tendo mandado fazer um dos livros do coro, o qual foi terminado no ano de 1536. Sua tia Joana Correia, que a antecedeu como prioresa, igualmente ordenou a feitura de outro dos livros, terminado em 1527, ou seja logo doze anos após a fundação da casa. São magníficas as iluminuras, conhecidas apenas através de fotos da Biblioteca Nacional e onde aparecem representados, segundo Gabriel Pereira, que as inventariou à data, o rei D. João II e sua esposa D. Leonor. Sobre o assunto: PEREIRA, Gabriel, Colecção dos Livros de Coro dos Conventos extintos na Biblioteca

Nacional de Lisboa, Lisboa, 1904. Em contacto que efectuei com a Biblioteca Nacional verifiquei a não existência de tal espólio na instituição. 154

Embora a fundação desta Ordem Terceira em Portugal date somente de 1720, o papado

aprovou a inclusão, logo desde o século XV, de grupos de mulheres que, vivendo em recolhimentos, levavam vida de pobreza extrema e dedicação absoluta à religião católica. 155

A família Grã foi assim, quando da fundação, grande impulsionadora, tendo sido aí

sepultados Rui Gran, sua esposa Inez Correia, sua cunhada Joana Correia e suas duas filhas, uma delas de nome Margarida da Gran. 156

Todos eles figuras de relevo, tendo sido D. Manuel camareiro-mor do Infante D. Afonso; D.

Duarte foi governador do Brasil e, D. Rodrigo, foi embaixador de D. Filipe II. 157

A importância do Mosteiro do Paraíso ficou demonstrada quando, através de alvará régio, é

concedida uma porção de água do aqueduto, no ano de 1555, não obstante o nível freático elevado existente na zona em questão. Sobre o assunto: MONTEIRO, M. Filomena M., O

Aqueduto…, ob. cit., p. 180.

72

O nome pelo qual este mosteiro ficou conhecido a partir do século XVI derivou de uma belíssima imagem da Virgem, esculpida em marfim, a qual foi doada através de testamento a esta comunidade, já no ano de 1574, por uma vizinha do mosteiro, de nome Isabel Afonso. Do historial deste mosteiro constata-se que a nobreza teve, desde o início, um papel preponderante, associando a casa religiosa às famílias Galvão e Costa158. A sua localização em prédios livres, que as fundadoras possuíam, anexos à Porta de Moura, sítio de importantes casas nobres durante o século XV, igualmente prova tal facto. O seu principal benfeitor, D. Álvaro da Costa, para além de diversos e importantes cargos de relevo a nível nacional foi peça fundamental, na negociação do tão desejado matrimónio entre o rei D. Manuel e a jovem D. Leonor, neta dos reis católicos159. O reconhecimento pessoal do rei a este nobre, pela concretização deste seu terceiro matrimónio terá sido possivelmente grande160. Igualmente seu irmão, D. Braz da Costa, deixou o seu nome ligado a um terreiro localizado na confluência da Rua do Cicioso com a Rua de Eborim161. O local, situado muito próximo do paço real, seria um terreiro fronteiro à sua casa. Foram estas duas famílias, Galvão e Costa, que, quer a nível de devoção quer monetário, viabilizaram a construção e desenvolvimento futuro desta casa religiosa. A prova de tal facto foi que Álvaro da Costa, assim como todos os seus três filhos, foram sepultados em lugar de honra na igreja do referido mosteiro. Internamente, Joana Galvoa desempenhou igualmente papel decisivo na consolidação, credibilidade e desenvolvimento da casa que fundou.

158

Sobre o assunto: FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 323.

159

Esta rainha terá permanecido durante algum tempo em Évora com D. Manuel, pouco depois

do matrimónio, devido à peste que grassava em Lisboa, sendo aqui que a 15 de Fevereiro de 1520 deu à luz o infante D. Carlos, falecido ainda criança. 160

Camareiro-mor do Rei e armeiro do reino eram os cargos que anteriormente já

desempenhava. 161

73

Local hoje ocupado pelo quarteirão limitado a tardoz pela Rua de D. Bráz da Costa.

2.3.3 – CONVENTO DE SÃO JOÃO EVANGELISTA

Fig. 16 – Cónego e laico [B.M.AUN.]. Fonte: http://biblio.medieval.free.fr/manuscrits.html

O Convento de São João Evangelista localizado em Évora, sendo o 5º na ordem cronológica de fundação em Portugal, teve a sua origem no ano de 1481162, ou seja, passados 50 anos após a primeira fundação desta Ordem em Portugal. A iniciativa desta casa religiosa deve-se ao fidalgo eborense D. Rodrigo de Melo que decidiu fundar nos terrenos anexos ao seu Paço da Torre das Cinco Quinas uma casa religiosa destinada a panteão da família163. Para tal escolhe a congregação de S. Jorge de Alga, de Veneza, em Portugal designada por Ordem de Santo Elói164. O então bispo de Évora, D. Garcia de Menezes, seu antigo companheiro de armas, apoiou a iniciativa165.

162 163

Ano da coroação de D. João II. Espanca, Túlio, «Cadernos de História e arte eborense – Duques de Cadaval, XXI»,

Separata do Boletim A Cidade de Évora, nºs 43-44, Évora, 1961, pp. 65-118. Esta foi a única casa religiosa fundada no primitivo núcleo amuralhado tendo ficado inserida na antiga área acastelada. 164

No 3º Capítulo Geral da Ordem, celebrado em Lisboa, em 1482, é dito: “visto o bom desejo,

e grande devoção, que nos tem o conde de Olivença, e o senhor D. Álvaro de Portugal, irmão

74

Desentendimentos graves entre a nobre família dos Melos e a casa real, assim como a tardia autorização do papa Inocêncio VIII, concretizada só no ano de 1484, atrasam significativamente as obras de instalação. É somente em Maio de 1485, já passados quatro anos após a subida ao trono de D. João II, que é lançada a primeira pedra da igreja conventual, efectuada pelo próprio D. Rodrigo de Melo166. Depois de igualmente ter negociado os limites do novo convento, morre em 1487, deixando a construção inacabada. Só em 1491 é simbolicamente entregue o conjunto ao seu primeiro reitor, o padre João de S. Vicente, estando à data já regularizadas todas as questões referentes às rendas perpétuas e mais bens deixados em testamento por D. Rodrigo, e indispensáveis à manutenção da nova casa conventual167. Em Novembro de 1491, foi dado o consentimento episcopal para o convento poder ter sino, dar sepultura aos fiéis no adro e claustro, assim como oficiar aos defuntos. Foi, nos séculos seguintes, lugar de tumulação de diversos membros da família dos Melos. O peso desta Ordem na sociedade portuguesa, ficou patente quando em 1535 é confiada por D. João III aos cónegos da ordem de S. João Evangelista a

do duque, em quererem fazer hum convento na cidade de Évora, o aceitamos na forma q. tem tratado com o Padre Geral e Reytor de Santo Eloy”. Sobre o assunto: FIALHO, Pe. Manuel,

Évora…, ob. cit. pp. 345-347. 165

D. Rodrigo de Melo, primeiro governador de Tânger, guarda-mor de D. Afonso V e primeiro

conde de Olivença, contou igualmente com o apoio familiar de seu genro D. Álvaro de Portugal, filho do segundo duque de Bragança. 166

Epitome da fundação da casa de S. João Evangelista da cidade de Évora – Treslado do

Epitomo ou Compêndio da Origem da Congregação de S. João Evangelista, que no anno de 1658 compoz o M.R.P.M. Jorge de S. Paulo [B.P.E., Casa Forte]. 167

Livro 5º dos originais do Convento de S. João [B.P.E., Casa Forte].

Faziam parte dos bens deixados as herdades do Pombal, do Freixo, da Azueira, das Pecenas, para além de outras de menor significado. Recebeu igualmente deste nobre um foro na Horta do Caramugeiro, um foro na Horta dos Álamos, foro de uma casa, depois adega na Rua da Fogaça, um foro de 200 rs. na Quinta do Curral da Obra, primitivamente chamada de Mestre Guilherme e depois das Lucenas, um foro de 1000 rs. de uma morada de casa na Rua da Judaria e outro de 108 rs. de uma vinha no caminho do zagalo. A este legado inicial foram-se acrescentando sucessivamente, e a partir de 1493, a herdade do Divor e a da Pouca Lã por D. Manuel de Melo, a herdade da Castelhana e de João Grande por D. Álvaro de Portugal, a herdade do Aragões por D. Rui de Sousa e a herdade de Val de Pimenta por D. Constantino de Bragança. Contudo, todos estes bens foram cedidos a título reversível, no caso de extinção da ordem religiosa, tendo assim passado, depois de 1834, novamente para a posse dos descendentes.

75

administração dos recém reorganizados hospitais de Lisboa, Évora, Coimbra, Santarém e Caldas168. Em Évora, a dimensão e importância da instituição hospitalar reformulada era enorme, considerando o tipo de serviços prestados à população e o facto de este conjunto englobar todos os anteriores hospitais até então espalhados pela cidade, assim como a totalidade das rendas a eles anteriormente distribuídas169. Os cónegos dos Lóios permaneceram como administradores até ao ano de 1567, quando ao prior da igreja de S. Tiago sucedeu a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, que através da sua Mesa administrou o Real Hospital do Espírito Santo de Évora, por 409 anos170. O espaço físico destinado à casa religiosa eborense foi logo de início manifestamente insuficiente. Tal facto encontra-se bem patente no pedido à cidade, formalizado anteriormente a 1483, para que esta lhes cedesse “alguus chaaos e pardieiros vossos, os quaaes pouco proveito vos faziam, e pera esta

168

O lugar de provedor de cada um dos referidos hospitais era exercido por mandatos de três

anos, sendo a sua escolha responsabilidade da Congregação, mas sujeita a posterior confirmação régia. 169

De referir que este hospital foi complementado posteriormente pelo Hospital da

Universidade, situado na Porta de Machede e destinado a estudantes, pelo Hospital do Conde, pertença do conde de Basto, situado perto do Mosteiro de Nossa Senhora do Paraíso e destinado a mulheres e homens sem meios de subsistência, pelo Hospital de Santo André, situado fora da Porta do Raimundo e destinado a doentes com lepra e, por último, pelo Hospital de S. João de Deus, localizado na Porta de Avis e destinado a convalescentes do Hospital Real de Évora. Sobre o assunto em questão, consultar MENDEIROS, José Filip, «A Valência Crisã dos Primeiros Hospitais Eborenses até à Unificação no Hospital do Espírito Santo», Actas do

Congresso comemorativo do V Centenário da Fundação do Hospital Real do Espírito Santo de Évora, ob. cit., pp.123-124. 170

Em 1544, nas cortes de Almeirim com D. João III, a Câmara de Évora queixa-se da

administração dos padres de Santo Elói, que “deitam tudo a perder e nada se faz como se deve”. Contudo, só passados trinta e cinco anos desta denúncia, com o cardeal D. Henrique, é que se concretiza a sua entrega à Misericórdia de Évora. MENDEIROS, José Filipe, «A Valência Cristã…», ob. cit., p. 124. Criada a 7 de Dezembro de 1499, por D. Manuel, e logo de início com plena aceitação e aderência por parte da nobreza e restante população, a sua sede foi instituída na capela de S. Joãozinho e anexos, já existente em S. Francisco, logo paredes-meias com os paços reais. Contudo, o cortejo simbólico da sua constituição, e onde participaram o rei D. Manuel, sua esposa D. Maria, e D. Leonor, saiu da ermida de Vera Cruz, na Porta da Lagoa, confirmando assim a grande importância deste templo, embora à data já não possuindo à sua guarda a relíquia do Sagrado Lenho, e seguindo para o Convento de S. Francisco.

76

obra muyto”171. Em 1497, sabe-se com mais pormenor que ”as casas velhas q a dita cidade teem […] são […] junto com a porta da servemtia do dito mosteiro”, logo, confinantes com o convento e situando-se entre este e o edifício da câmara municipal medieval172. Relativamente ao espaço livre referido ele é situado, através de documento de 1499, situando-se “amtre ho dito moesteiro e os açougues desa cidade” e seria naturalmente bastante interessante para a cidade manter-se na sua posse. Só em 1499, e através da decisiva intervenção régia de D. Manuel ordenando a entrega “dos chãos e casas aos padres”, é que tal conjunto foi finalmente cedido, mas mesmo assim por meio de avaliação de perito e sequente aquisição pelo convento. A edilidade resistiu corajosamente por mais de dezasseis anos à ambicionada aspiração dos padres, demonstrando inequivocamente a importância estratégica desta área central, assim como o inestimável valor dos terrenos e construções em causa para a ampliação dos dois edifícios municipais então aí situados173.

171

Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., pp. 381-382.

172

Deste edifício resta o magnifico portal da entrada, ainda “milagrosamente” situado no local

primitivo, hoje no interior da Biblioteca Pública de Évora. 173

De referir que a Câmara foi transferida, em inícios do século XVI, para a Praça de Giraldo,

não só devido à nova centralidade económica e urbana mas também por falta de espaço físico no primitivo local, junto à Sé, do lado situado a Norte. O largo que necessariamente aí existia foi sendo ocupado progressivamente pelo poder religioso, nomeadamente tribunal do Santo Ofício e residências dos diversos dignitários eclesiásticos. Ficaria apenas como património municipal o edifício dos açougues, que, devido à sua especificidade, conseguiu subsistir no local durante séculos.

77

3 – IMPLANTAÇÃO MONÁSTICO-CONVENTUAL E MORFOLOGIA URBANA DE ÉVORA NA BAIXA IDADE MÉDIA 3.1 – ANTECEDENTES HISTÓRICO-URBANOS

Fig. 17 – Vestígios godos recolhidos no antigo castelo dos freires de Évora, hoje propriedade particular na posse da Fundação Eugénio de Almeida.

A cidade de Évora situa-se numa região com nítidas e frequentes marcas de populações que em épocas mais longínquas a povoaram. Estruturas megalíticas de maior ou menor porte, paralelamente aos restos de artefactos, são as mais frequentes provas de tais culturas174. Na cidade, a época distante a que remontam tais influências e o facto da urbe ter sido, ao longo de sucessivos séculos, alvo de povoamentos diversos que se sobrepuseram no mesmo espaço físico, torna de difícil determinação qualquer legado urbano. É a partir da ocupação romana que esses sinais são nítidos, sendo inequívoco que o núcleo populacional terá sido significativamente reconfigurado, influenciado pela cultura preponderantemente urbana dos invasores. A cidade assumiria então, embora condicionada pela topografia, as orientações de Vitruvio para qualquer urbe do Império.

174

O Monte de S. Bento de Cástris é um dos locais onde ocasionalmente pontas em sílex são

encontradas com alguma facilidade.

78

Os equipamentos públicos magníficos175, a regularidade no traçado urbano176 e a magnitude das ruas177 foram essenciais, à época, para definir a nova imagem urbana. As vias militares178 daqui irradiadas, assegurando ligações rápidas e seguras às mais distantes regiões então fazendo parte do império romano permitiram desenvolvimento económico e dinamismo cultural. É desta época a génese reticulada inerente à malha urbana da cidade, o arco da porta de D. Isabel, algumas colunas, respectiva base e tanques envolventes do templo, balneários e pontualmente torres e troços de muralha. Pelas escavações que se vão realizando e através dos sucessivos e dispersos achados arqueológicos entende-se que existe muito que se desconhece. As escavações na Casa da Rua de Burgos, dividida pela muralha, e as mais recentes, na Rua Vasco da Gama, provam-nos que muito pouco continuamos a saber sobre a globalidade da urbe que durante tanto tempo foi construída e vivida com romanos179.

175

O antigo caldarium do balneário romano perdurou construtivamente até ao século XXI

através de uma sala erigida posteriormente sobre as antiquíssimas fundações romanas. 176

O cardo e o decumano romanos persistem igualmente até hoje, embora com as desfocagens

resultantes de vinte séculos e três culturas bem diferenciadas que se lhes sucederam. 177

“…e observamos o pavimento em pedra das ruas, pelos pés da multidão já gasto…”.

Lucrécio faz-nos antever nesta curta frase as lajes quadrangulares com que as ruas eram cobertas em profusão para “lustre da cidade”. RESENDE, André de, As Antiguidades da

Lusitânia , introdução, tradução e comentário de R. M. Rosado Fernandes sobre a edição de 1593, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1996, p. 173. 178

“…e não desgastes a antiga calçada ao longo da qual, pelas colunas bem velhas, se enche

de musgo o nome de César”. Erguiam-se colunas, com as respectivas inscrições dos construtores, benfeitores e distâncias, dividindo o percurso de mil em mil passos. As vias cruzavam até os locais mais pantanosos e fundos, deitando-se sobre a terra o agger, ou entulho, para por cima estenderem a camada de pedra irregular e grosseira que formava a plataforma transitável. André de Resende descreve-nos a estrada entre Castro Marim e Beja, com um total de 257 mil paços, a qual cruzava Évora seguindo em direcção a Serpa. À época eram nítidas as calçadas e pilares, com respectivas bases, que compunham a via, assim como duas pontes em ruínas, uma delas sobre o rio Xarrama. Sobre o assunto: RESENDE, André de,

As Antiguidades…, ob. cit., pp. 174, 176-178. 179

Inúmeras são as lendas atribuídas, algumas possivelmente com fundamento. De entre

muitas refira-se Amador Patrício, que afirmou a existência de um edifício fortificado defronte da torre do antigo mosteiro do Salvador. A partir dessa fortaleza terão sido construídos “dois passadiços, ou minas por baixo do chão por onde podia ir hum homem muito a seu gôsto. Huma hia sahir ao campo, onde agora está Nossa Senhora do Espinheiro […] a outra hia para huma torre, que hoje está em pé no outeiro de São Bento”. Cf. PATRÍCIO, Amador, Historia das

Antiguidades de Evoa, Primeira parte repartida em dez livros…, ob. cit.,, p. 159.

79

Da influência Goda na urbe eborense ainda menos de concreto se conhece. Com técnicas construtivas e modo de vivência muito distintas das dos romanos, terão necessariamente adaptado a cidade à sua mentalidade. O sistema defensivo amuralhado herdado terá sido completado, reforçado e pontualmente remodelado, garantindo uma eficaz protecção à população em tempos de guerrilhas constantes entre povos invasores. Muitas destas obras defensivas, essenciais para a época, foram executadas com o material pétreo retirado dos imponentes equipamentos públicos romanos, despropositados para a cultura nórdica dos novos senhores da cidade. Nos quase cinco séculos que dominaram a urbe terão, numa fase final, já de pacificação do território, ocupado grande parte da área envolvente ao que se pressupõe ter sido o primitivo núcleo amuralhado180. Urbanisticamente, muito pouco se conhece do que perdurou de tal cultura nórdica, pensando-se contudo que estes terão utilizado todos os edifícios romanos adaptando-os, sem modificações de vulto, a uma vivência específica, mais elementar e rude. Nas áreas novas de expansão urbana as suas construções seriam, organizativamente, de forma simples, e erigidas com material pétreo irregular sobreposto181. A estrutura urbana romana ter-se-á mantido, com a ocupação progressiva de todos os edifícios, devido ao crescente aumento populacional182. Com o passar dos séculos, muitos deles ter-se-ão sucessivamente degradado por falta de interesse na sua conservação. Contudo, pensa-se que terão sido mais os povos invasores a adaptarem-se ao existente, modificando-o pontualmente por necessidades prementes de defesa. A fusão, incentivada pelos chefes, entre as populações autóctone e as invasoras, permite-nos antever um espírito de

Alguns dos rapazes da Casa Pia, à data instalada no Mosteiro de S. Bento de Cástris, descreveram-me, no ano de 1995, pormenorizadamente, um túnel posteriormente selado pela instituição com receio de derrocadas. 180

Amador Patrício descreve esta época como de denso povoamento, em extensas áreas da

actual cidade. A mistura e assimilação entre as duas culturas terão sido grandes, chamando este autor aos residentes da cidade de “Portugueses-Godos”. PATRICIO, Amador, História…,

ob. cit., p. 240. 181

Tal solução foi a adoptada em outros locais do país, por exemplo na necrópole visigótica de

Alter do Chão. Em Évora, muito perto de S. Francisco, quando da construção recente de contentor enterrado para recolha de resíduos sólidos, foi posto a descoberto um canal de material construtivo muito similar e coberto por lajes irregulares em material pétreo. A característica construtiva de tal estrutura, diferenciada de tudo o até agora encontrado na cidade, pode indicar uma época remota de ocupação goda ou a persistência do tipo de alvenaria. 182

Sobre o assunto consultar José Mattoso que propõe uma interessante reconstituição em

planta do primitivo núcleo amuralhado de Évora. Cf. MATTOSO, José; Sousa, Armindo de,

História de Portugal…, ob. cit., vol II, p. 245.

80

abertura relativamente a novos usos e costumes183. Tal fusão, de início pouco aceite pelos autóctones, devido à religião ariana dos invasores, foi mais conseguida a partir de finais do século VI, depois da conversão ao cristianismo do rei godo Ricaredo184. As antigas vias militares romanas terão subsistido devido à especificidade do método construtivo utilizado. A cidade ficava assim ligada a outras urbes igualmente de domínio visigótico, nomeadamente a Toledo, cidade peninsular principal. Do período muçulmano185, e logo após a conquista da cidade, Amador Patricio escreve que “El Rey logo começou a fortalecer a cidade de Évora com algumas torres de novo, acrescentando muitas casas, e não se contentando de morar nos Paços […] quis fazer outros de novo junto às casas de Sertório, que era hmas dos Mascaranhas, familia antiga [...] e sendo agora desbaratados pelos Mouros, vivião pobremente como os mais Christãos [...]. A Mesquita era onde ao presente está o açougue de carne, junto à Inquisição como está dito. Também tinhão outra mesquita, onde agora he a Câmara da cidade, e aqui era a propria livraria dos Mouros, onde se punha tudo, o que acontecia nos livros e papéis”186. Igualmente nos relata que em determinada época “aconteceo [...] tão grande sêcca, que muita gente, e muitos animais perecião à sede, por falta de agoa, que foi tambem causa de faltarem mantimentos, e haver muita fome, porque quatro annos continuos não choveo, e assim padecião muito trabalho. Cavárão-se muitos poços, e daqui ficou haverem tantos em Évora abertos:

183

O Código de Alarico permite-nos supor uma sociedade bem organizada e com preocupações

éticas e morais bem definidas, assim como grande tolerância relativamente a diferentes culturas, nomeadamente judaica e cristã. Sobre o assunto: ALMEIDA, Fortunato de, História da

Igreja…, ob. cit., vol. I, pp. 51, 55-56. 184

Marmelar é exemplo dessa época remota, existindo ainda restos preciosos de um antigo

mosteiro, local de contínua crença cristã que permaneceu viva até à actualidade, com a devoção à relíquia do Sagrado Lenho aí existente. Sobre o assunto: FIALHO, Pe. Manuel,

Évora…, ob. cit., pp. 64-67. 185

Sobre o assunto: MACHADO, José Pedro, «Évora Muçulmana», A Cidade de Évora, nºs 17-

18, Évora, 1949, pp. 329-334; SIDARUS, Adel em colaboração com BORGES, Artur Goulart de Melo, «A Nova Fundação de Évora no Princípio do Século X», Actas do Congresso sobre o

Alentejo – Semeando Novos Rumos, Évora, 1985, vol. I, pp.191-197; BARROS, Maria Filomena Lopes de, «Mouros», Dicionário de História Religiosa de Portugal, direcção de AZEVEDO, Carlos Moreira, Circulo dos Leitores, Lisboa, vol. J-P, pp. 279-284. 186

Cf. PATRICIO, Amador, História…, ob. cit., p. 272-273.

Segundo este autor uma das mesquitas, a maior, seria no antigo templo romano, e a outra no topo da Praça do Giraldo, local onde hoje está o Banco de Portugal. Aí seria também a livraria, logo exterior à primitiva muralha defensiva hoje conhecida.

81

entre os quaes foi hum entrando na Freiria, de tanta agoa, que se tem por certo passar por baixo hum grande rio”187. Lendas com algum fundamento, fazem-nos despertar para o gosto muçulmano do palácio, da cultura poética, da frescura proporcionada pela água... Indubitavelmente, nos quase cinco séculos que durou a ocupação muçulmana na cidade eborense verificou-se um adoçamento da urbe à maneira de viver muçulmana. Os arruamentos sinuosos contidos por paredes contínuas e com escassas aberturas, os interiores com cheirosos ajardinamentos e árvores de frutos introduzidos pelos novos habitantes, o murmurar da água e o chilrear dos pássaros nesses recatados pequenos Edens ainda persistiu até hoje em alguns dos locais mais esquecidos e bem preservados da cidade. O adobe e a taipa, igualmente de raiz muçulmana, foram aqui introduzidos e utilizados em diversas construções, não só por muçulmanos mas igualmente, em épocas seguintes, por cristãos, dificultando a sua datação188. Das construções tipicamente muçulmanas, a alcáçova, ou castelo fortificado, segundo Ângela Beirante ocuparia uma área correspondente à da Casa Cadaval189 e Fundação Eugénio de Almeida, englobando também o antigo templo romano. Tal tese viabiliza o que Amador Patricio escreveu sobre a Mesquita Principal, localizando-a na área do antigo templo, e a segunda mesquita, que refere situar-se onde hoje é o Banco de Portugal, no topo Sudeste da Praça de Giraldo. Relativamente aos cristãos diz que ”se espalharão por herdades, e quintas suas, reconhecendo senhorio aos Mouros, e os que ficarão na cidade, se sustentavão conforme sua pobreza os ajudava, ajuntando-se em alguns dias solenes na Igreja de São-Tiago190 a celebrar os Officios Divinos com seu Bispo Justino, o qual viveo quase tres annos depois que se [...] tomou Évora, deixando aos christãos aquela Igreja Episcopal livre; mas nunca mais se elegeo Bispo”191. Em inícios do século X a cidade teria à volta de cinco mil habitantes e era fracamente defendida por muralhas. Na sequência de guerras internas entre facções muçulmanas rivais a cidade foi totalmente despovoada e possivelmente sofreu danos significativos. No século XII, contudo, já Edrici nos descreve a 187

Cf. PATRICIO, Amador, História..., ob. cit., p. 286. É referido o antigo poço que existiu no

interior da muralha, junto à Porta de Moura. Tal poço foi tapado no século XX, tendo ficado assinalado, e é ainda hoje perceptível, no pavimento do espaço público, com uma discreta diferenciação de materiais. Muito próximo, no interior da Casa Cordovil, situada no exterior da Porta de Moura, a água nasce a escassos 20 cm de profundidade, confirmando tal hipótese. 188

A muralha possui troços com zonas preenchidas por adobes, nomeadamente no logradouro

do edifício actualmente ocupado pelo Grupo Pro-Évora, situado na Rua do Salvador. 189

De referir os belíssimos emolduramentos e capitéis em pedra, magnifico trabalho

muçulmano, existente na Casa Cadaval. A disposição organizacional dos espaços e construções, em ambos os conjuntos, igualmente comprova a influência desta cultura no local. Sobre o assunto: BEIRANTE, Ângela, Évora na Idade Média…, ob. cit., p. 43. 190

De assinalar que a primeira feira anual da cidade, em época pós reconquista, teve como

padroeiro São Tiago e remete para o ano de 1275. Sobre o assunto: PEREIRA, Gabriel,

Documentos…, ob. cit., p 35. 191

Cf. PATRÍCIO, Amador, História…, ob. cit.., p. 265.

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urbe como “grande e bem povoada. Está cercada de muralhas, possui um castelo forte e uma mesquita catedral. O território que a envolve é de fertilidade singular. Produz trigo, gado e todas as espécies de frutas e legumes. É região excelente onde o comércio é próspero, quer na exportação, como na importação.”192. A cultura judaica terá influenciado igualmente a urbe eborense, considerando que aqui existiu desde tempo indeterminado, coabitando com diferenciadas populações. Durante o período romano, e após o ano de 335, as leis vigentes referem limitações impostas ao culto e aos direitos desta comunidade, punindo todo o tipo de violência que estes desencadeassem contra cristãos. Igualmente tal legislação remetia para os cristãos, punindo-os por actos violentos contra judeus193. Com as invasões bárbaras tais leis foram omitidas, nomeadamente quando da elaboração do código alaricano. Este facto poderá significar que cristãos e judeus, constituindo grupos minoritários na globalidade da população, coabitariam em áreas próximas, cimentando alguma tolerância, antes inexistente. Com a invasão muçulmana tal situação igualmente se terá mantido, embora então ambas as comunidades tivessem sido cautelosamente reposicionadas na periferia do centro urbano. Sempre como comunidade minoritária, os judeus terão permanecido na cidade durante as diferentes ocupações, aumentando ou diminuindo de número consoante as condições políticas, tolerância religiosa e interesses económicos do poder à época instaurado194. É contudo certo que os edifícios públicos indispensáveis à sua cultura terão existido nos locais de fixação, reimplantados e redimensionados de 192

Cf. CARVALHO, Afonso, Da toponímia de Évora, dos meados do século XII a finais do

século XIV…, ob. cit., vol. I, pp. 39-40. 193

É assim de prever actos violentos de ambas as partes. Cf. ALMEIDA, Fortunato de,

História…, ob. cit., vol. I, p. 56. 194

No IV Concílio Tridentino, realizado no ano de 1214, foi estipulada a separação física entre

cristãos, judeus e mouros, passando todos a viver em áreas separadas. Em Évora, contudo, mesmo após tal determinação mantiveram-se algumas famílias judaicas na zona envolvente à antiga igreja de S. Pedro. A individualidade de cada cultura foi aqui parcialmente respeitada, pois no ano de 1309 verificava-se que os judeus respondiam perante o seu rabino, e os mouros o seu alcaide, quando ocorriam crimes no interior da comunidade; caso contrário responderiam perante os juízes da Almotaçaria. Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., pp. 60-61. Em finais do século XIV a judiaria de Évora, localizada em terreno municipal, é ampliada por escassez de casas. Um século após, no ano de 1492, novamente se torna insuficiente devido ao grande número de pessoas dessa fé provenientes de Castela, quando D. Fernando e D. Isabel ordenam a sua expulsão do reino. Tal tendência inverte-se quando em 1496 os judeus são expulsos por sua vez de Portugal. À data residiram em Santarém cerca de 1600, número possivelmente muito próximo do dos residentes em Évora.

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acordo com os novos locais e número variável da comunidade judaica. Sinagogas com respectivo claustro, hospital, carniçarias195 e escolas terão marcado áreas da urbe. Igualmente os cemitérios e banhos terão sido referências na malha urbana. Os lugares de residência, como igualmente os locais de transacções comerciais, terão influenciado urbanisticamente, economicamente e culturalmente toda uma significativa área circundante196. É esta cidade, conquistada por Giraldo, que de seguida é entregue por este ao Rei D. Afonso Henriques. As fortes investidas muçulmanas que se seguiram procurando reconquistá-la justificaram passar a ser defendida, primeiro por ordens militares exteriores e de seguida por ordem militar própria, que asseguraria eficazmente a posse da cidade aos cristãos. Na verdade é doado pelo rei, aos freires de Évora, o castelo velho, vinha e horta confirmandose assim a sua fixação na cidade. Deve-se igualmente ao mesmo rei, em data anterior a 1185, a fundação de uma ermida no sítio em que hoje está o Colégio da Madre de Deus e ”junto a ella hum hospital dando a esse e à hermida o nome de S. Jeam de Jerusalém, ou, ao menos se lhe deu depois este nome”197. É do ano de 1185 alusão a Santa Maria como catedral, referindo-se o adro e a freguesia, assim como uma Albergaria a S. Miguel. À data existiriam igualmente a Igreja de S. Tiago, uma ermida evocativa de S. Pedro, futura comenda da importante Ordem do Templo, assim como uma ermida da Senhora da Graça e outra de Santa Victoria, mártir198. Por estas referências, embora escassas, percebe-se que quatro destes locais de culto cristão se situavam no interior do primitivo recinto amuralhado e outros três no exterior das muralhas, sendo destes últimos dois situados no sector Sudeste, área onde se localizou a primeira Mouraria de Évora logo após a reconquista da cidade. 195

Importantes religiosamente, pois eram locais de imolação dos animais utilizados

posteriormente na alimentação da comunidade. 196

Por exemplo ainda actualmente, em Paris, no Bairro do Marais, ao Domingo a comunidade

judaica conflui em massa para a sinagoga, mostrando orgulhosamente aos outros a especificidade da sua cultura e os fortes laços da comunidade a que pertencem. 197

Cf. PATRÍCIO, Amador, História…, ob. cit., p. 95.

198

Conhece-se Santa Victória, que nasceu em Tivoli, cidade antiga de Itália, tendo sido morta a

23 de Dezembro do ano de 233 por não ter querido abdicar da sua castidade. Igualmente são venerados na cidade espanhola de Córdoba como santos mártires os irmãos Acisclo e Victória, que terão sido sacrificados em 17 de Novembro de 204, quando das perseguições romanas peninsulares. Os seus corpos foram alvo de grande devoção nessa cidade. No século VII retiraram-se deles inúmeras relíquias para ermidas e mosteiros diversos. No ano de 810, possivelmente devido a ameaças sarracenas, grande parte dos seus corpos foi trasladada para Tolosa, em França, e por último, no ano de 1575, para a Igreja de S. Pedro em Roma. Seria possível uma delas ser a venerada na capela eborense, podendo aí ter existido alguma relíquia a ela associada. Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., pp. 554.

84

Fig. 18 – Évora. Ocupação do espaço urbano em finais do séc. XII (reconstituição).

85

3.2 – TOPONÍMIA EBORENSE NOS SÉCULOS XIII E XIV 3.2.1 – CONVENTO DE S. FRANCISCO

Fig. 19 – Évora. Extracto de planta datada de Fevereiro de 1884 e representando a área conventual de S. Francisco e respectiva zona envolvente. Limites aproximados da área conventual quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.].

3.2.1.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS Quando da vinda do primeiro grupo de franciscanos para a urbe existiam como poderes religiosos aí instituídos a Sé diocesana e as igrejas paroquiais de S. Tiago e S. Pedro. Pertenceria, à época, à jurisdição da Sé, para além de parte da área fortificada, todo o espaço exterior ao antigo núcleo amuralhado, tendo sido exactamente sob tal domínio eclesiástico que os irmãos recém chegados se acolheram. Considerando a influência diminuta de que no início dispunham, a sua presença não pôs em causa o papel do clero nas igrejas da urbe199. Foram certamente aceites de forma pacífica, possivelmente até amigável, pelo respectivo clero.

199

Pela Ordem era-lhes limitada a acção à pregação moral. É de lembrar que, dependendo

hierarquicamente dos sucessivos poderes dentro da Ordem, respondiam por último perante Roma, escapando assim ao poder eclesiástico local.

86

Só posteriormente tal situação se veio a alterar em consequência da confrontação de poderes e interesses, essencialmente devido à crescente e marcante influência dos franciscanos sobre a população200. No clero regular, entre a pobreza evangélica e a riqueza institucional o património ia-se acumulando através de ofertas e dádivas espontâneas, mas essencialmente através dos direitos de estola201, do dízimo e dos direitos provenientes do culto funerário202. Foi este clero sediado na urbe que viu diminuídas muitas das verbas provenientes de testamentos que passaram a ir maioritariamente para o convento da recém chegada ordem religiosa. Não raras vezes os membros mais endinheirados e crentes da comunidade eborense lhe efectuam igualmente avultadas doações, assim como concretizam a instituição de capelas. Também muitos dos seus devotos, querendo expressamente serem sepultados sob a sombra acolhedora da igreja franciscana, abalavam significativamente a superioridade hierárquica das igrejas paroquiais, locais ao que esses paroquianos por direito pertenciam, de acordo com a respectiva área de residência203. Sob o tecto acolhedor da igreja dos frades menores, ou à sombra protectora da igreja, do seu lado Norte, inúmeros foram os devotos que escolheram tais locais para sepulcro204, não obstante residentes nas mais diversas paróquias.

3.2.1.2 – CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO Sabe-se que um grupo de três irmãos franciscanos terá chegado a Évora, anteriormente ao ano de 1250205.

200

Conflitos relativamente a Capelas instituídas e ao seu cumprimento foram igualmente

sucedendo. Como exemplo consultar: PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., p. 93. 201

Regulado pelos usos e costumes medievais e onde se integravam as ofertas efectuadas

durante a celebração da eucaristia nomeadamente de pão, vinho e cera. 202

Sendo ambos taxas obrigatórias incidindo sobre os crentes, o dízimo destinando-se ao

sustento do clero da diocese e conservação dos edifícios eclesiásticos era essencial. Constando na décima parte dos “frutos recolhidos”, sendo a sua colecta organizada por ruas, largos, etc..., era obviamente irregular variando com a produção do ano e a disponibilidade da mão-de-obra. Sobre o assunto: ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. I, pp. 113-116. 203

No ano de 1363, em testamento Rodrigues Alves, diz “querer ser sobeterrado em Sam

Francisco de Évora dentro na dita igreja”. Sobre o assunto: PEREIRA, Gabriel, Documentos…,

ob. cit., pp. 69-72. 204

Nas recentes obras de esgotos realizadas na zona exterior em questão encontrou-se um

sem número de despojos provenientes de tais inumações. 205

Na Crónica da Ordem faz-se remontar a fundação em Évora ao ano de 1224. Outra data

pouco plausível, nela referida, aponta o ano de 1216. Data, contudo, de 1250 a primeira doação

87

A escolha usual da Ordem para a localização de um novo núcleo religioso recaía genericamente num local fora das muralhas defensivas, perto de uma porta importante da cidade e do respectivo caminho de acesso206. A existência de uma ermida onde pudessem livremente exercer o seu culto religioso, dando continuidade simultaneamente a uma prática instituída, facilitava a sua aceitação entre a população circunvizinha, evitando-lhes simultaneamente custos iniciais mais avultados. Tal ermida, importante para a sua fixação, existia no local desde tempos remotos. Efectivamente, onde hoje se localiza o Convento de Nossa Senhora da Graça erigiu-se uma construção antiquíssima de evocação a Nossa Senhora da Graça207. Relativamente às condições da instalação, estas pouca importância assumiriam para esse grupo pioneiro. A sua missão era converter os infiéis através da prática e do contacto directo com as populações, não era encerrarem-se em construções, tão pouco fazerem vida claustral. O facto de, caso não fossem bem aceites pelos habitantes e poderes instituídos da cidade, demandarem outra urbe, não insistindo assim numa permanência pouco desejada, induzia a soluções construtivas inicialmente muito rudimentares e pouco onerosas208. Tais critérios foram certamente seguidos em Évora. Importante, mas não determinante, e que neste caso integrou as condições físicas do local, foi a existência de água na zona. Na verdade é referido, em diversos documentos da época, o termo “fonte santa” como referência toponímica, a qual, posteriormente à fixação dos irmãos, passou a ser designada por “fonte santa a S. Francisco”209. A sua localização é até hoje desconhecida, contudo na única planta a que tive acesso210, e que nos permite conjecturar como terá sido a antiga cerca conventual, é simbolicamente representada com uma cruz, possivelmente pequeno oratório no local onde se conhecida aos frades, para estenderem mais o seu convento, prova de que este já existia, carecendo à data de mais espaço. Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. sit., p. 226. 206

É de relembrar que, a partir de 1214, com o III Consílio Tridentino, as comunidades

religiosas minoritárias passaram a ocupar espaços limitados e separados. Grosso modo, em Évora os Mouros terão sido remetidos primeiramente para o exterior da Porta de Moura, na área da Rua da Mesquita e os Judeus, por sua vez, localizados na Porta de Alconchel, na área da Rua da Moeda. O Convento de S. Francisco situou-se entre estas duas portas da muralha antiga, logo ladeado pelas duas referidas comunidades. 207

Cf. CARVALHO, Afonso de, Da Toponímia de Évora dos meados…, ob. cit., vol. I, p. 92.

208

Mesmo em época posterior os conventos franciscanos, assim como a respectiva igreja, eram

rudimentares, significando soluções de cobertura em madeira e telha. Só muito posteriormente, e na maior parte das vezes devido à acção da realeza, é que tais templos foram engrandecidos, tanto a nível de amplitude como de materiais mais resistentes, estes últimos para dar resposta aos maiores vãos de naves. É exemplo a Igreja de S. Francisco, em Évora. 209

Sobre o assunto: CARVALHO, Afonso de, Da toponímia de Évora dos meados do século XII

a finais do século XIV…, ob. cit., vol I, pp. 91-92. 210

Gentilmente facultada pela Biblioteca Municipal de Estremoz. Consultar a colectânea de

cartografia existente no presente trabalho.

88

localizaria a mata do convento franciscano de Évora. Analisando paralelamente soluções similares de conventos da mesma ordem, e ainda em plena actividade, poder-se-à pressupor que aí coincidisse o local do oratório com o da fonte em causa211. As sucessivas doações efectuadas ao convento, referentes a construções e terrenos destinados à sua ampliação permitem-nos constatar que rapidamente granjearam na população citadina devotos seguidores, dispostos a concretizarem avultadas doações de bens próprios em proveito dos irmãos franciscanos. Na fase inicial foi essencialmente através da acção de particulares que se efectivou a sua instalação e a ampliação da área inicialmente ocupada212. Mais tarde a acção da casa real, através da localização do Paço Real nesta área conventual restrita, granjeou-lhes uma notoriedade que, por vezes, não estavam predispostos a assumir. Para se entender melhor o posicionamento estratégico deste convento relativamente ao que se conhece como tendo sido indubitavelmente a urbe, e seu sistema defensivo medievo, subiu-se às duas torres que ladeiam a Porta de Moura213. Vê-se, para o interior do núcleo amuralhado, o edifício maciço da Sé. Localizada imediatamente a seguir, embora surgindo num plano bastante mais elevado, a sua volumetria é hoje imponente, vista do terraço das torres defensivas. A nossa visão abarca igualmente, desta vez para o exterior da muralha, o Convento de S. Francisco. Toda a área envolvente, estando livre de construções numa fase remota, seria campo aberto no qual qualquer incursão à cidade, ou mesmo ao convento, se tornava facilmente detectada. Igualmente a uma proximidade razoável, a nossa vista alcança sem esforço, o espaço dos Mosteiro do Paraíso214 e Santa Mónica, Conventos de S. João Evangelista e S. Domingos215. Santa Clara encontra-se hoje obstruída pelo volume da Igreja de 211

No Convento do Varatojo existe uma solução em que a cerca conventual foi subdividida

respectivamente em horta, laranjal e mata, estando esta última rodeando um oratório isolado e fonte com nascente própria. Tal solução não é de estranhar, considerando a prática italiana dos primitivos grupos de irmãos franciscanos. 212

O local foi referenciado toponimicamente, no ano de 1250, por Porta de Alconchel, via

pública da Corredora e Fonte Santa. De notar que em 1513, quando se adquiria um prédio para a construção do novo edifício da Câmara que se situaria na Praça de Geraldo, muito próximo da primeira Porta de Alconchel, foi necessário pagar o foro anual que os seus habitantes deviam ao Convento de S. Francisco e que era de “7170 rs.”. 213

A Torre de S. Manços, situada à direita de quem sai do núcleo amuralhado primitivo, é mais

baixa e possui cobertura em terraço ainda com bancos rústicos e escada exterior estreita. A torre contrária, com maior altura, possui uma escada interior de caracol em pedra. Na referida torre existe um compartimento abobadado, com oratório fronteiro à janela que dá directamente para o Largo da Porta de Moura. 214 215

Hoje ocupado pelo Jardim do Bacalhau e por equipamento de serviço público de saúde. Todo o conjunto foi também quase integralmente demolido, existindo como referência

volumétrica o actual Teatro Garcia de Resende.

89

Santo Antão, posteriormente construída, em substituição da medieva ermida de Santo António, o ermita. Tal situação de grande proximidade visual mantém-se quando acedemos ao terraço da ainda existente torre defensiva, que ladeava a primeira porta de Alconchel situada na antiga Rua da Selaria216. Outro dos locais também pontualmente defensivo, que domina plenamente o conjunto de S. Francisco, é o do terraço da torre, ao qual se acede por escada interior, situada na “Casa da torre” na Rua Vasco da Gama217. Dados dispersos, mas que poderão pontualmente dar-nos pistas da utilização do espaço, ou até um conhecimento físico mais preciso sobre a área ocupada pelo complexo conventual franciscano e Paço Real, foram registados durante as obras realizadas em toda a área nestes últimos anos e que tentei acompanhar. Assim, em recentes aberturas de valas efectuadas a Norte da actual igreja conventual constatou-se a existência de várias camadas de ossos, alguns a escassos 20 cm abaixo do nível da actual calçada. Apareceu igualmente uma parede com espessura de 2,66 m, também imediatamente abaixo da cota da calçada e com uma orientação sensivelmente paralela às paredes dos topos da igreja actual. A zona de enterramentos posta a descoberto veio confirmar a sua habitual localização a Norte da igreja, local sombreado utilizado por norma somente como cemitério. A “Porta dos Mortos” situava-se sempre do lado Norte das igrejas, garantindo um espaço de enterramento em terras pouco propícias a uma utilização mais rentável. Torna-se contudo óbvio que tais espaços eram igualmente subordinados à ocupação urbanística existente no local e progressivamente condicionados pela concentração urbana localizada em redor da igreja. Os claustros, situando-se sucessivamente a Sul da Igreja, aproveitavam habilmente uma melhor exposição solar nos Invernos rigorosos. Somente em casos muito limitativos, devido à topografia acentuada do terreno, pouca disponibilidade de área situada a Sul ou em locais com climas muito quentes durante todo o ano, é que tal regra de procedimento prático era subvertida. Em Évora cumpriu-se a norma de implementação evolutiva dos diferentes espaços, de acordo com a prática corrente medieval, nas construções com este tipo de utilização. Pela profundidade a que se situavam os achados arqueológicos que se encontraram em diferentes intervenções na área de S.

216

Designada por Torre do Anjo. Cf. ESPANCA, Túlio, Inventário…, ob. cit., vol. I, p. 10.

217

A referida construção, à presente data, encontra-se integrada em edifício de habitação de

padres jesuítas, a quem aliás pertencia toda uma vasta área envolvente. Nas recentes obras realizadas foi posto a descoberto um arco ogival, no qual foi invertida a colocação das pedras (interior/exterior) para melhor se enquadrar em novo nicho oratório dos actuais residentes. A nível do piso térreo existem visíveis diversos elementos pátreos em cunhais e remates. Contudo, nas recentes obras no piso superior, consta que o tijolo maciço era o material predominante (informação gentilmente cedida por um dos trabalhadores). Dimensões obtidas através da medição exterior do terraço, deram valores de 7,34 m x 6,95 m.

90

Francisco, poder-se-à supor que o terreno terá sido sucessivamente nivelado, através de aterros, de modo a ser desenvolvida a construção. Posteriormente às demolições, terão sido os próprios materiais excedentários que terão reperfilado o terreno a uma cota altimétrica superior à medieval. Já no século XIX, com a demolição quase total do maciço construtivo situado a Sul da igreja, os escombros permaneceram no local, ficando estes contidos por parede de suporte que ladeia a actual Rua da República. Outro dado actual confirma a riqueza aquífera do local. Recentemente em obra realizada em edifício situado na Praça 1º de Maio (antigo largo de S. Francisco) detectou-se a existência de poço, com paredes simplesmente abertas no saibro e um nível aquífero surpreendentemente alto, tendo em atenção ter sido identificado em finais do mês de Agosto, e em 2004, ano de extrema seca. Constata-se assim que o espaço em causa, desde tempos remotos rico em água, mantém ainda hoje tal riqueza aquífera, provando a existência de um veio de água bastante abundante que passará ao longo da Rua das Fontes, Porta de Moura e área de S. Francisco218. Intencional ou não, quando da cedência do espaço, o facto é que o terreno, para além de possuir água em abundância era igualmente propício à agricultura. A área exterior à primitiva cidade amuralhada, possivelmente terá sido local de vazadouro orgânico durante séculos. Situando-se anexo à antiga corredora e perto da primitiva Porta de Alconchel, igualmente em época determinada terá sido local de inúmeros currais, tornando o terreno da futura cerca conventual rico e produtivo219.

3.2.1.3 – DE NÚCLEO RELIGIOSO A NÓ URBANO O conjunto formado pelos irmãos franciscanos, que inicialmente seriam dois ou três, segundo as crónicas da ordem de origem galega ou italiana, rapidamente aumentou. As várias doações iniciais de particulares, que até agora se conhecem, concretizadas durante o ano de 1250, provam a sua aceitação plena pela população leiga e não aristocrática220. A localização e o tipo de doações efectuadas igualmente comprovam o seu posicionamento em zona exterior à cidade, bem como que a área à data ocupada já não lhes bastava.

218

São inúmeros os poços muito abundantes em água existentes ao longo da referida rua;

igualmente o antigo poço situado na Porta de Moura é lendário, assim como, muito perto, na Casa Cordovil, a escassos 20 cm de profundidade, se situa nível de água de nascente puríssima, situada em concavidade com pouco mais de 50 cm de fundura. 219

Na planta a que tivemos acesso e que consta em anexo, ainda se vê a subdivisão da cerca

conventual, em áreas diferenciadas, de acordo com a utilização específica. 220

Uma das doações foi concretizada por um mercador e respectiva esposa, enquanto que as

restantes são omissas quanto a qualquer título nobre ou profissão dos seus benfeitores. Sobre o assunto: PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., pp. 225-226.

91

Na realidade, em 1250 são doados por particulares aos franciscanos, respectivamente, um arrabalde que era limitado pela vias públicas da corredora e pela que servia a fonte santa221, um curral, um lagar e outra terra, situada também na via pública que vinha da primitiva Porta de Alconchel222 e muros da cidade. Este último terreno destinava-se expressamente a estenderem mais o seu convento, provando-se a existência, à data, de construção já suficientemente importante para ser designada por “convento” em documento oficial de registo. No final do século XIII, a área envolvente ao local de fixação dos franciscanos assumiria já uma relativa importância. O seu posicionamento estratégico no terreno, anexo a um caminho principal que ligava o Norte ao Sul do território, tocando tangencialmente na porta que durante os séculos XIII e XIV viria a desempenhar um papel económico fulcral, foi decisivo. Na realidade o centro da vida urbana, com o desenvolvimento pós reconquista, extravasou novamente do núcleo amuralhado primitivo, passando para o exterior. A primeira Porta de Alconchel, central a todo este amplo espaço exterior, tornou o local privilegiado223. O peso assumido pelo convento, para a zona envolvente, constata-se com o aparecimento de núcleos de futuras áreas urbanas. O Arrabalde de S. Francisco, sendo conhecido desde 1280, prova-nos que a área era descontínua a nível de povoamento, tendo tal núcleo sido gerado essencialmente pela instituição religiosa aí implantada. Posteriormente, as várias “vilas novas” que se constituíram nas áreas envolventes permitem-nos provar o interesse dos proprietários dos terrenos,

221

De realçar o acesso privilegiado de tal terreno, que se situaria perto da primitiva Porta de

Alconchel, em direcção a Sul. 222

Tal porta foi concretamente confirmada, situando-se no edifício da filial do Montepio Geral,

localizado no gaveto entre a Rua 5 de Outubro e a Praça de Geraldo. Aí foi escavada abertura “em arco de volta inteira com 25 silhares aparelhados de granito, muito perfeito no acabamento com um vão de 2,65 m”. Sobre o assunto: «Achados arqueológicos na Praça de Geraldo», A

cidade de Évora, nºs 33 e 34, Évora, 1953, pp. 457-458. 223

O adro da Igreja de S. Pedro, em redor do qual terão existido tendas, propriedade judaica, e

os primitivos açougues municipais, secundarizou-se quando estes últimos foram transferidos para a zona anexa ao adro da Sé, local onde já existia aliás o edifício da Câmara. Passou o espaço a ser o coração económico, religioso e decisivo da urbe. Tal núcleo prolongou-se pela Rua da Selaria, a qual assumiu ao longo dos séculos diversa toponímia, passando depois para o exterior da Porta de Alconchel, formando mais tarde a Praça do Pão e prolongando-se este comércio pela Rua do Paço, antigo eixo que assim foi reestruturado, de acordo com a localização de novos agentes dinamizadores, nomeadamente o novo complexo municipal composto pelo paço do Município e cadeia, o convento franciscano e paços reais (sucessivamente instalados no antigo castelo, na Praça do Pão e por último em S. Francisco).

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maioritariamente Clero e Sé, mas também que a zona era apetecível a futuros arrendatários224. A zona foi igualmente local de implantação, já em fase posterior, da nova nobreza, que fixam as suas casas em redor do Paço Real e, indirectamente, deste convento. A interligação que se formou entre poder religioso e monarquia tornava-se difícil de destrinçar e a influência mútua passou a ser marcante225. A presença dos franciscanos, ao longo dos séculos, na sociedade civil, era simbólica mas constante e patente na descrição seguinte: “…em 1679 o percurso de uma execução por enforcamento na praça é-nos descrito partindo o cortejo de S. Francisco, depois de ouvida missa na capela real, seguindo depois pela Rua do Raimundo, Travessa Ana da Silva, Terreiro dos Mercadores direito à Rua de Alconchel e seguindo-se por fim a Praça onde se efectuaria o enforcamento”226. Nesta descrição, embora já tardia, antevê-se um percurso preestabelecido, o qual, circundando a antiga judiaria, lembrava aos seus habitantes, à data já constituídos formalmente cristãos-novos, o jugo às leis municipais. Antes da expulsão, ou reconversão forçada, decretadas pelo Rei D. Manuel, seria igualmente um marcar de posição, considerando que em crimes efectuados exteriormente à comunidade judaica estes seriam julgados e punidos pelo direito municipalista, à data em vigor na urbe eborense. A nível de referências toponímicas na área envolvente à ocupada pelo complexo conventual, igualmente a marca dos franciscanos foi significativa. Assim, a Rua do Raimundo teve um arco que “hia para o convento de S. Francisco” o qual foi mandado demolir por alvará de 25 de Janeiro de 1533. Nessa altura, ao lado, a Sul, ficava a muralha e a Porta do Rocio, defendida por torre de configuração quadrangular, e mais longe, a poente, no fim da cerca conventual, a porta gótica, mais estreita, chamada do Raimundo: “…para dentro da cidade, o muro alto dos franciscanos, subia daqui limitando a actual Rua Romão Ramalho que nesse tempo compreendia também Bernardo de Matos percurso largo e irregular por onde subia o gado bravo para as corridas na Praça Grande”. Este enfiamento era rematado junto ao pórtico da igreja, conforme ainda se vê na única planta conhecida a que tive acesso e que retrata um pouco do que seriam a ocupação dos espaços nesta zona da cidade, embora já em época próxima.

224

São exemplos as Vilas Novas a S. Francisco e junto aos Castelos, esta última localizada no

outeiro aí existente. 225

O guardião do Real Convento de Évora assistia, com voto, às Câmaras ou Senado, que se

não realizavam sem a sua presença. 226

Na descrição constata-se que nessa data a área do convento chegava até à Rua de

Raimundo por onde teria percurso condigno. A própria cerca conventual teria um acesso de serviço perto do referido arruamento, como aliás seria a solução mais prática.

93

Pode-se concluir que o convento situado inicialmente em área desabitada serviu de pólo aglutinador a novas populações que se foram aí fixando227. No século XIV já existia consolidado o Arrabalde de S. Francisco e logo de seguida a construção da Vila Nova a S. Francisco demonstra esta ser uma área em expansão. No século XV com a construção da muralha defensiva nesta área verificou-se a progressiva densificação do tecido urbano. A mudança definitiva do Paço Real de Évora, anteriormente situado na Praça (actual Praça do Giraldo), para este espaço religioso contribuiu igualmente para um afluxo diversificado de pessoas que necessariamente careciam de instalações na proximidade.

227

No início em redor do templo e portaria da casa conventual e posteriormente ao longo do

muro da respectiva cerca, prioritariamente perto das suas sucessivas entradas.

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3.2.2 – CONVENTO DE S. DOMINGOS

Fig. 20 – Évora. Extracto de planta datada de Fevereiro de 1884, representando a área conventual de S. Domingos e respectiva zona envolvente. Limites aproximados propostos para a área conventual quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.].

3.2.2.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS Segundo as crónicas da respectiva ordem, os irmãos dominicanos terão chegado a Évora “correndo o ano de 1286, quando os frades começarão uma umilde fábrica nesta cidade, junto da Ermida de Santa Victoria mártir”.228. Tal ermida229 situar-se-ia talvez onde actualmente é o Mosteiro do Calvário,

228

Cf. História de S. Domingos, B.P.E., p. 253.

229

O próprio termo “ermida” corresponde a “capela fora do povoado”, “em lugar ermo” ou “sem

habitantes”. Existe contudo a tese de que os primeiros frades dominicanos terão ficado junto da capela de S. Vicente, situada à data no interior do primitivo recinto amuralhado. Tal conjectura poderá ser suportada pelo facto de os dominicanos aspirarem a fixar-se, por princípio, em locais populosos, de preferência junto a casas onde se ministrasse o ensino superior. Poderiam assim, inseridos nesse meio culto, mais facilmente despertar novas vocações com um bom nível intelectual e gosto pelo estudo. À data, o ensino em Évora era ministrado em escola a funcionar no edifício da Sé.

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possivelmente no espaço anexo à cabeceira da actual igreja monástica. Na verdade, é tradição na comunidade religiosa que o sítio teria sido antigamente local de culto cristão. O acolhimento inicialmente dispensado a esta ordem mendicante por parte do poder civil, nomeadamente dos tabeliães desta cidade, não foi favorável. A situação mereceu referência em carta do Rei D. Dinis, na qual este monarca ordenou uma atitude mais propícia à fixação da nova ordem conventual recém chegada. Tal mudança de atitude concretizou-se, tendo-se fixado os frades no exterior do núcleo amuralhado, em terrenos municipais, embora inicialmente muito limitados em espaço. A sua localização em área de domínio da Sé fica patente, pois a pequena Ermida de Santa Vitória, a mártir, acolheria posteriormente uma fracção do Sagrado Lenho que, embora destinada pelo Rei a ir para a Sé eborense, permaneceu no referido local cento e vinte e oito anos, mais precisamente entre 1340 e 1468230. É de realçar que o culto na Sé se iniciou no ano de 1308, logo já se celebrando aí os ofícios há trinta e dois anos quando a relíquia foi depositada na ermida, que pertenceria à Sé. Tal facto pode provar de que existiu anteriormente no local forte devoção, que justificaria a presença de tão precioso e desejado objecto de devoção. Este terá sido aí colocado possivelmente junto a outro, já aí existente, de Santa Vitória, a mártir, morta em Córdoba quando das sangrentas perseguições romanas na península231. A devoção ao local, de início ermo, terá sido assim reforçada, facultando que a relíquia do Sagrado Lenho, durante mais de século e meio, tenha permanecido num arrabalde da urbe232. Igualmente nesta ermida foi fundada a

No ano de 1279 é mencionado, no Catálogo das Igrejas do País mandado elaborar pelo Rei D. Dinis, o mestre-escola da Sé de Évora, provando a existência nesse local de ensino público. Sobre o assunto: ALMEIDA, Fortunato de, História…, ob. cit., vol. II, apêndice XVII, p. 133. 230

Foi o próprio Rei de Castela que solicitou auxílio ao sogro, o monarca português D. Afonso

IV, na altura em que este se encontrava em Évora quando das cortes de 1340. Este rei facultou então, para ser levado para a batalha contra os sarracenos, o Sagrado Lenho então existente no antiquíssimo Mosteiro de Marmelar. Quando devolvido, foi dividido em dois fragmentos, tendo ficado um deles em Évora. 231

A hipótese de se tratar da outra santa já referida remetia a antiguidade do local de culto para

data ainda mais longínqua. 232

Foi somente quando da oferta de um valioso relicário e com o fundamento, perante a

população, da deficiente protecção da ermida, que a relíquia em questão foi transferida para a Sé de Évora. O local, na Porta da Alagoa, permaneceu contudo por largos anos de grande devoção e, em 1570, ou seja mais de cem anos após a saída das relíquias do Sagrado Lenho, ainda se mantinha de pé à guarda de um frade dominicano, o qual “em casas contíguas agasalhava e recolhia pobres”.

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Misericórdia de Évora que ficaria com sede na capela de S. Joãozinho, situada na Igreja de S. Francisco233. A referida ermida seria, também, suficientemente antiga para justificar a existência, muito próxima, de um conjunto de antigas casas das monjas de S. Bento234. Foi este também o núcleo religioso em que os frades dominicanos se apoiaram para uma melhor aceitação pela população. Em época mais tardia, no ano de 1570, parte de tal espaço foi doado pelo arcebispo de Évora à filha do Rei D. Manuel I, para aí fundar o Mosteiro de Santa Helena235. Muito perto da primitiva igreja do Convento de S. Domingos, a Sudeste, localizava-se o beatério de Santa Marta, situado desde o século XV anexo à ermida com o mesmo nome236. Este núcleo deu origem, devido ao espaço diminuto e limitado de que dispunha já em 1547 ao mosteiro dominicano feminino de Santa Catarina, localizado à data na cidade em espaço próprio.

233

Em procissão solene saída de S. Francisco a 7 Dezembro 1499, o Rei D. Manuel, sua

esposa D. Maria, a Rainha D. Leonor e altos dignitários da cidade dirigiram-se ao local para aí formalizarem a fundação da segunda Misericórdia do país. Sobre o assunto: MOENDEIROS, Mons. Doutor José Filipe, «Assistência religiosa no Hospital do Espírito Santo de Évora até 1974», Actas do Congresso Comemorativo do V Centenário da Fundação do Hospital Real do

Espírito Santo de Évora…, ob. cit., pp.119-135. 234

Esse núcleo foi o primitivo local das mulheres que, vivendo em comunidade, se fixaram

posteriormente no Monte de S. Bento. O conjunto de casas terá permanecido na sua posse, dando origem a um antigo topónimo relacionado com tais religiosas. Segundo Antónia Conde, estas religiosas possuíram na zona Norte da cidade bastantes bens, assim como uma outra construção situada no interior do primitivo recinto amuralhado, mais precisamente na Rua do Muro Quebrado, que mantiveram sempre como refúgio, em tempos mais bélicos. 235

Segundo a tradição, a relíquia terá sido descoberta por Santa Helena no ano 326, a partir de

quando partículas da relíquia terão sido levadas de Roma para diversos locais de culto cristão. Para Portugal terá vindo e ficado em Marmelar, o fragmento que, mais tarde subdividido, deu origem ao que veio para a “capella de S. João Baptista que por este motivo se começou a chamar de Santa Cruz”. Foi deste modo recompensada pelo monarca a participação da população eborense na Batalha do Salado, que atingiu os “cem cavaleiros e mil piões”. Sobre o assunto: MENDEIROS, Cónego José Mendeiros, «O Santo Lenho da Sé de Évora – A vera Cruz de Marmelar», A Cidade de Évora, nºs 33-34, Évora, Julho-Dezembro 1951, pp. 259280. 236 A sua fundação remontaria, segundo o Padre Manuel Fialho, ao ano 1490, passando a integrar a Ordem Terceira de S. Domingos, sob a protecção de Santa Catarina de Sena. Em 1500 passam à Ordem Segunda, tendo tido apoio de dominicanas do Mosteiro do Paraíso, que lhes transmitiram os conhecimentos normativos inerentes à Ordem. Supõe-se o apoio prestado pelos Padres de S. Domingos devido à existência de um brasão, com o nome de André de Rezende, situado no remate da abóbada nervurada da Capela de Santa Marta.

97

3.2.2.2 – CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO O local físico escolhido para a fixação dos frades foi do lado ocidental da urbe, em sítio anexo à circulação exterior que ligaria as zonas Norte e Sul do território, e tendo na altura como pontos de ligação com o interior amuralhado as portas de D. Isabel e primitiva de Alconchel. O seu afastamento rectilíneo relativamente ao outro convento já existente na cidade, S. Francisco, foi de aproximadamente 550 metros237. O seu posicionamento inicial foi inequivocamente descentrado relativamente à intensa vida económica da cidade, que se prolongaria posteriormente, e progressivamente, ao longo da área adjacente à muralha, em direcção a Sul e Poente238. A existência de água na zona não se pode hoje confirmar devido à escassez de provas. Sabe-se contudo que existiria uma lagoa, possivelmente mantida com água das chuvas e que se localizava na zona anexa à actual Rua do Muro. Outro facto que pode igualmente caracterizar, em parte, a zona em questão refere-se a que, quando se realizaram acertos nos limites da cerca do convento dominicano, em data inicial da fixação, esta possuía um ferragial, logo terreno não cultivado e destinado a pastagem. Existe igualmente referência a um caminho público que ia para hortas. Seriam possivelmente áreas não agrícolas aquelas que de início compunham o espaço da cerca, situando-se os terrenos com água e cultivados para além desta zona. Em 1345 é referido em documento o termo “curral de S. Domingos”, demonstrando a importância e dimensão assumidas por tal espaço para toda uma área envolvente, mas induzindo-se também uma actividade de criação de animais, talvez aproveitando os terrenos de ferragial, pouco propícios à agricultura por escassez de água239. A ausência deste precioso líquido subentende-se quando, agora já em fase tardia, posteriormente à construção do aqueduto quinhentista da Água da Prata, foi notória a pressão constante exercida pelos dominicanos sobre o poder real de modo a ser-lhes concedido cada vez maiores quantidades de 237

Em 1265 o Papa Clemente IV regulou a distância a respeitar entre conventos e mosteiros, da

mesma Ordem ou de diferentes Ordens, sendo esta de aproximadamente 500 metros. Com a densificação das cidades, esta distância contudo rapidamente passou para metade. 238

Foram aí sucessivamente localizadas ao longo dos séculos as olarias e respectivos locais de

venda, tendas com arcarias, local dos mercados especificamente destinados a produtos diversos. Em 1547 o sitio era fortemente urbano, pelo que as mulheres do Recolhimento de Santa Marta, a escassos metros de S. Domingos, se viram forçados a mudar de local, criando o novo Mosteiro de Santa Catarina, na impossibilidade física de ampliação da sua área de implantação. Sobre o Recolhimento de Santa Marta: FRANCO, Pe. Manuel, Évora…, ob. sit., p. 364. 239

Conhecendo-se hoje a localização da igreja, do claustro primitivo e de um segundo claustro,

facilmente se deduz que o curral se situaria a Norte. Cf. CARVALHO, Afonso de, Da Toponímia

de Évora dos meados…, ob. cit., p.183.

98

água do “cano”240. Tal facto demonstra que os recursos naturais aquíferos no local não seriam quantitativamente suficientes para a comunidade então aí residente. Tal conjectura foi reforçada quando da realização das obras recentes de infraestruturas efectuadas no decurso do loteamento “Cerca de S. Domingos (1º e 2ª fases)”. Foi-nos então dado constatar, pela observação directa ao longo da obra, que não se verificava a existência de níveis freáticos elevados no que terá sido o que restou da antiga cerca conventual. De concreto, existe no que terá sido a horta pertencente ao antigo Palácio Mesquita, hoje ocupada pelo Quartel-General da Região Militar, um poço de dimensões consideráveis, antigo e com grande quantidade de água. Tal elemento situa-se a Sul e a escassos doze metros do actual Teatro Garcia de Resende. Também existe ainda hoje, a Norte, no antigo Mosteiro do Calvário junto à antiga portaria, um poço antiquíssimo, provando a disponibilidade de águas subterrâneas em abundância, considerando a sua indeterminada e obviamente, longínqua construção. Igualmente a Este, à Porta Nova, situou-se poço medieval que serviria toda uma área envolvente em franco desenvolvimento241. A existência de olarias em área muito próxima pressupõe igualmente que a água seria suficiente para o trabalho do barro. Os locais referidos situavam-se, contudo, em redor do complexo construtivo do convento dominicano242. Do ponto de vista estratégico, constata-se que o espaço se encontra relativamente afastado das torres defensivas da primitiva muralha, nomeadamente da Torre do Salvador, ainda hoje com acesso ao seu topo, ou das outras, hoje já quase inexistentes e que obviamente pautavam o primitivo círculo amuralhado243. O facto de se posicionar este complexo conventual no 240

Sobre o assunto: MONTEIRO, Maria Filomena Mourato, O Aqueduto…, ob. sit., p. 77-79. A

primeira provisão de água concedida por D. João III a particular é a este convento e o alvará respectivo encontra-se datado de 17 Fevereiro de 1546 e refere-se à atribuição de uma “pena de água”. Em 1678 é concedido pelo príncipe regente D. Pedro nova porção idêntica de água. 241

Tal poço, de porte imponente, foi totalmente entulhado quando da reformulações

urbanísticas na referida área. Foi-nos contudo possível ter o privilégio de ainda ver o que restou da referida construção, nas obras de remodelação e substituição de infra-estruturas enterradas realizadas recentemente. Causa tristeza que, novamente desta vez, se não tenha sabido salvaguardar tais memórias, que foram de vez destruídas. 242

Existirá um veio de água antiquíssimo que, vindo da área da Igreja dos Lóios, passa pela

Porta Nova e segue tangencialmente ao Teatro Garcia de Resende para o exterior da cintura de muralhas mais recentes, local onde em 2007 se construiu um complexo habitacional com estacionamento em cave e onde na altura da construção era óbvio o alto nível freático do terreno. 243

De referir a existência do antigo palácio acastelado dos Silveiras, antepassados dos

Pestanas e que ocuparia o actual espaço dos CTT e do edifício dos Paços Municipais. A ele pertenceria a Torre do Salvador, assim como outra, fortificada, já demolida, situada no espaço

99

quadrante Noroeste da cidade, logo mais protegido das investidas mouriscas que teoricamente partiriam de Sul e Este, o facto de a construção do segundo círculo de muralhas se ter iniciado pela zona Norte, área mais desprotegida por parte do castelo defensivo, garantia maior abrigo ao convento dominicano.

3.2.2.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO O convento, passada uma década após a sua fundação, possuía um ferragial fazendo parte da sua cerca, a qual era limitada por carreira pública que ia em direcção a hortas244. Nessa época o local de culto mantinha-se numa ermida de grande estreiteza245. Este núcleo religioso inicial, descentrado relativamente ao percurso principal natural, ter-se-á rapidamente transformado em arrabalde. O Arrabalde de Cogulos, muito próximo de S. Domingos, é já citado em 1288 como “o outeiro que chamam de Cugullos”246. De seguida a área sofreu uma densificação construtiva notória, passado a ser designada por “bairro dos Cogulos”, denotando deste modo o cariz urbano, inequívoco, da zona. Em 1402 já existiria a Rua das Freiras247, ligando esta área, então já conhecida por Terreiro, à Rua da Lagoa. A fixação urbana foi acontecendo progressivamente, assim como a constituição de eixos comerciais paralelos onde actividades específicas se foram centralizando. O gosto pelo saber inerente a esta ordem desde a sua formação permitiu, e principalmente incentivou, que os frades com mais aptidões e gosto pelos estudos frequentassem meios universitários estrangeiros, para assim ampliarem os conhecimentos, melhor desempenhando o seu papel de evangelização através da pregação dogmática.

do edifício municipal. Existe memória escrita da demolição de tal torre, que foi extremamente difícil, podendo pressupor-se que a sua origem poderia ser romana, considerando a existência no mesmo espaço do hoje conhecido balneário romano. A área conventual estaria bem visível e acessível a nível defensivo, pelo menos do alto dessas duas torres. 244

Enquanto em S. Francisco a referência exterior ao convento é uma fonte, em S. Domingos

são hortas. A água está assim presente em ambos os casos, explícita ou implicitamente. 245

Tal era a opinião dos benfeitores que posteriormente facultaram aos frades meios

económicos que lhes permitissem tornar mais amplo e digno o local de oração da comunidade religiosa. 246

Dois anos após a licença régia de instalação concedida aos Dominicanos pelo monarca D.

Dinis. Cf. CARVALHO, Afonso de, Da toponímia de Évora dos…, ob. sit., vol. I, p. 85. 247

Teria sido, de acordo com Afonso de Carvalho, o local onde se instalou, ainda como

beatário, a primeira comunidade beneditina em Évora, a qual depois se terá fixado em S. Bento de Cástris. Cf. CARVALHO, Afonso de, Da Toponímia…, ob. sit., vol. I, p. 87.

100

Tais irmãos, de regresso ao convento eborense, naturalmente que iriam introduzir nos restantes membros da comunidade e no meio urbano onde realizavam sermões um nível cultural e interesses muito diferenciados dos existentes na população local. O facto de alguns deles ministrarem aulas particulares nas suas residências, situadas nas imediações do convento, igualmente terá feito confluir estudantes que durante o período dos estudos permaneciam alojados nas imediações. Outras vezes seriam os próprios frades a dar aulas em algumas residências nobres248. Foi este núcleo religioso inicial que, através do saber e da pregação de alguns desses frades, mas também da bondade de outros, terá cativado a população. As numerosas doações ao convento são prova de tal facto249. O volume de bens recebidos por esta instituição, e que tinham de ser geridos, igualmente desencadeou uma economia que permitiu a alguma população da zona obter aí o seu sustento diário.

248

Sobre o assunto: MATTOSO, José; SOUSA, Armindo de, História de Portugal…, ob. cit. vol.

II, pp. 538-540. 249

Logo no ano de 1294, Joana Fernandes doa, para encargos pios após a sua morte, casas

situadas no Arrabalde de S. Mamede, mais especificamente na Rua do Poço do Bispo, logo numa área consideravelmente afastada do convento. A dispersão do património desta casa religiosa no meio urbano é assim patente poucos anos após a fixação dos frades. Tal facto irá certamente exercer influência marcante nos moradores que, directa ou indirectamente, passam a depender da instituição religiosa. Cf. CARVALHO, Afonso de, Da Toponímia…, ob. sit., vol. I, p. 80.

101

3.2.3 – MOSTEIRO DE SANTA MÓNICA

Fig. 21 – Évora. Extracto de planta datada de Fevereiro de 1884, representando a área monástica de Santa Mónica e respectiva zona envolvente. Limites aproximados propostos para a área monástica quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.].

3.2.3.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS Sabe-se que terão residido perto da igreja de S. Mamede, durante o ano de 1380, duas mulheres muito religiosas. Este espaço situava-se então em área de domínio da Sé, na zona de influência da Igreja de São Mamede250. Tendo optado por viver isoladas em casa própria, apenas daí saíam para participar nas homílias celebradas no referido templo. Tidas como virtuosas, terão sido sepultadas em igrejinha própria, construída no local após o falecimento da primeira251. Ao núcleo constituído pela primitiva residência e igrejinha acolheram-se progressivamente outras mulheres, praticantes também de uma vida de extrema pobreza e isolamento252.

250

Templo que posteriormente passou a igreja paroquial.

251

Sabe-se que à época da referida morte tal igrejinha ainda não existia, tendo sido a defunta

sepultada na Sé. Logo após terá falecido a segunda mulher, tendo então já sido sepultada na ermida, local para onde foi transladado o outro corpo. 252

Eram conhecidas entre a população local por “beatas pobres”.

102

Foi este pequeno conjunto edificado, e a vida austera das suas residentes, que desencadeou toda uma prática religiosa dinamizada pela população cristã eborense, e que culminava em celebrações, na “primeira oitava” do Espírito Santo, dedicadas à memória das fundadoras, à data já tidas como beatas. Tal procedimento, por se desenvolver à margem de qualquer enquadramento oficial religioso, foi rapidamente proibido pela Igreja. Embora existissem muitas outras comunidades religiosas dispersas por vários locais da cidade, a ausência de institucionalidade religiosa em qualquer uma delas era factor grave e não tolerado à época pela Igreja. Este núcleo religioso feminino viu-se obrigado, em 1421, a integrar a Ordem de Santo Agostinho, sob a protecção de Santa Mónica, ficando assim subordinado aos eclesiásticos da referida Ordem253. Constituiu-se assim em Évora, no tempo do Rei D. João I, a primeira casa religiosa feminina desta ordem fundada em território português. Passados 143 anos, e já por imposição do Concílio de Trento, a Ordem passou a impor a clausura, não impedindo tal condição que se tornasse num mosteiro grande e com numerosas religiosas. Para tal terá tido influência, necessariamente, a cidade e o seu meio, mas principalmente o espírito organizativo e empreendedor de muitas das suas abadessas. O espírito de iniciativa de algumas ficou perpetuado quando, em 1527, religiosas deste mosteiro fundaram o de Santa Cruz, em Vila Viçosa, e passados cinquenta e nove anos, em 1586, o de Santa Mónica, em Lisboa254.

3.2.3.2 – CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO O local de S. Mamede, sítio onde as duas devotas senhoras, Constança Xira e Maria Fernandes, residiam e onde constituíram a génese do futuro mosteiro situava-se no quadrante Nordeste da cidade, em local próximo do castelo defensivo, nomeadamente da designada Torre das Cinco Quinas. Tão imponente construção defensiva ainda hoje domina totalmente toda a área envolvente, garantindo uma defesa eficaz. Na verdade a futura igreja 253

Tal jugo teve por diversas vezes aspectos peculiares, como quando já em 1540 se

verificaram desavenças graves e caluniosas entre o então Provincial do mosteiro, frei André, e uma das suas monjas, que aspirava à isenção dos preceitos de observância a que estava sujeita como fazendo parte deste mosteiro: tal desavença pública conduziu a que, logo no ano seguinte, o Geral da Ordem declinasse a filiação desta casa, que passou a partir dai a ser administrada directamente pela Mitra. O voto de clausura, que tanta polémica tinha também indirectamente gerado, foi a partir daí, aliás, reforçado também pelas resoluções emanadas do Concílio de Trento de 1564, passando a ser definitivamente obrigatório até à extinção das Ordens religiosas em Portugal. 254

De realçar que quando da fundação do mosteiro de Lisboa já a ordem estava sujeita há vinte

e dois anos à obrigatoriedade de clausura, imposta pelo Concílio Tridentino realizado em 1564.

103

conventual foi erigida no espaço hoje ocupada por via pública, a escassos metros da citada torre, desenvolvendo-se para Norte o claustro e restantes dependências. A cerca restrita, aliás ainda hoje detectável, desenvolveu-se para Nascente, seguindo-se a cerca grande que, envolvendo o conjunto, abarcava de Norte a Este. Tal evolução construtiva permite perceber que o espaço se encontrava de algum modo ocupado, condicionando o desenvolvimento organizativo, natural, dos diversos espaços monásticos. Assim, o mosteiro desenvolveu-se voltando a fachada lateral da sua igreja para uma via de acesso ao primitivo recinto amuralhado255 e desenvolvendo as restantes construções confinantes com o espaço público para o que seria o Terreiro de S. Mamede256. Era para a referida área que se abria a portaria do mosteiro, local determinante numa instituição em que um dos principais votos das religiosas era o de clausura257. A extensão da cerca grande atingiu no seu limite nascente o pano da muralha, situando-se o imprescindível portão para ligação de serviço entre a referida cerca e o exterior do mosteiro no prolongamento da longa e importante Rua da Mouraria258. A área onde se construiu o Mosteiro de Santa Mónica teria primitivamente tido ocupação islâmica. Até agora sabia-se que, em 1366, a segunda mouraria de Évora se situava nas imediações da referida zona, mais precisamente no exterior do primitivo núcleo amuralhado e com acesso a este pela actual Porta

255

Facto natural em igrejas de mosteiros femininos, onde o acesso do público se efectuava por

vãos situados no alçado lateral do templo, e posicionados de modo a deixar espaço livre, respectivamente, para o coro baixo e alto, locais de oração destinados às religiosas de clausura. 256

O terreiro era referido já como “Adro de S. Mamede” quando corria o ano de 1392, atestando

uma envolvente urbana do espaço de utilização público-religioso. A instalação já plena, vinte e seis anos antes da segunda mouraria da cidade para aí ser transferida, na zona a poente do terreiro terá sido determinante para a sua evolução urbana e incremento de actividades laborais como a de oleiros, sapateiros ou horticultura. 257

Os poucos contactos que mesmo as noviças poderiam estabelecer com a família mais

chegada tinham sempre lugar no locatário, dependência situada junto à portaria, onde lhes era permitido falar pontualmente, sempre, contudo, na presença da mestra. Algum recado vindo de fora chegava ao interior igualmente através da roda, via, torneira, abadessa, mestra e assim sucessivamente, até, caso fosse autorizado, ser entregue à sua destinatária em reclusão no mosteiro. 258

Era por aí que se efectuava toda a circulação dos servidores de fora do mosteiro,

nomeadamente os encarregues do tratamento da horta, dos animais de capoeira, do transporte e descarga de lenha, dos víveres para armazenamento, etc. Imediatamente do lado direito desse portão, já no interior e adoçado ao muro da cerca, existe ainda hoje oratório que lembra aos anteriores utentes a entrada em recinto religioso.

104

D. Isabel, ocupando uma área que ia desde o Talho do Mouro, Terreiro da Mouraria e prolongando-se pela Rua das Fontes. Foi contudo muito recentemente, quando da construção das infraestruturas de loteamento particular situado na antiga cerca grande de Santa Mónica, que se detectaram estruturas construídas até então soterradas. Na zona anexa aos muros limite da actual Escola de S. Mamede é nítida a existência de maciço pétreo quase à superfície259. É no terreno da zona central da cerca que as estruturas construídas emergem a pouca profundidade, constituídas por pedra irregular e ligadas por terra simples. Fragmentos cerâmicos islâmicos, assim como moedas do século XIII, permitem imaginar uma ocupação urbana antiquíssima. Na zona mais próxima do troço da actual muralha o terreno é constituído por terra vegetal, óptima para o cultivo e com elevado nível aquífero, ainda hoje patente na enorme nora aí situada260. Terra fértil como a existente no local, associada a quantidades apreciáveis de boa água, pressupõe zonas de cultivo. A existência de um afloramento rochoso extenso e regular faculta, por seu lado, uma sólida base para construções. Os muçulmanos que ocuparam a área, em época anterior à da conquista cristã ou posteriormente a esta, obviamente que não iriam ignorar tais riquezas naturais, mas sim tirar o maior partido delas. O facto da zona se situar nas imediações do castelo defensivo da cidade situado a Sudeste da urbe tornava-o em zona de razoável segurança, numa época em que esta era avidamente procurada pelas populações rurais. A hipótese do espaço estar organizado urbanisticamente através de arruamentos, naturalmente com características islâmicas, seria situação provável261. A constatação da existência de um poço, atulhado durante a ocupação islâmica para viabilizar novas construções, permite vislumbrar uma utilização intensiva da área em questão, a qual chegou ao extremo de secularizar um bem essencial como a permanência de um poço para viabilizar novas estruturas construtivas islâmicas. Tais estruturas terão, possivelmente na fase da conquista cristã, sido destruídas para novamente serem reactivadas sequentemente com novas e diferentes construções. Permanece contudo, na zona em questão, uma ocupação constante que atravessa horizontalmente as várias épocas. A sua ocupação vem desde tempos indeterminados, indubitavelmente desde o mais remoto período islâmico, atravessando as épocas medieva e moderna. Em todos elas existiu um misto de construção e utilização agrícola do solo, de acordo com a especificidade da sua composição estratigráfica. Os sucessivos tipos de ocupação de espaço ter-se-iam processado através do abandono progressivo das anteriores construções. 259

A escassos 10 cm abaixo do nível do solo encontra-se extenso afloramento rochoso.

260

O nível da água, no Verão num ano de extrema secura como o de 2005, apresentava-se

aproximadamente a escassos 2 metros abaixo do nível do solo e possuindo uma limpidez notável, não obstante as respectivas captações e sistema condutor se encontrarem abandonadas e sem qualquer tipo de obras de manutenção e limpeza há bastante tempo. 261

Tal hipótese é posta por arqueólogos que efectuaram algumas sondagens no local, no

âmbito do referido loteamento.

105

A coexistência de materiais da época islâmica com outros da medieval cristã permite-nos constatar a coexistência das duas culturas, principalmente se tivermos em atenção a localização da Mouraria, cuja principal via comercial parte do Largo de S. Mamede, imediatamente anexa à área em questão262. O Arrabalde de S. Mamede é já citado em 1286, quando da reunião com o Rei D. Diniz realizada no adro da Igreja de Santo Antoninho263, tendo aí comparecido “muytos” do referido arrabalde. Como arrabalde continua a ser referido em 1331, sabendo-se ainda que junto ao adro da Igreja de S. Mamede existiria em 1382 a Albergaria da Trindade264, prova inegável da urbanidade da área em questão à época. Situado próximo do Mosteiro de Santa Mónica existiria, igualmente já em 1296, o Arrabalde das Fontes, local com grande abundância de água e uma utilização agrícola dos terrenos nas áreas limítrofes265. Sabe-se que até 1605 o acesso à cidade se fazia rente à ala sul do actual edifício do Seminário. Para tornar mais retirado o conjunto então construído, foi deliberado mudar o acesso para Norte, tendo tal decisão camarária sofrido durante longos anos forte contestação de D. Fernando de Castro, conde de Bastos, cujo acesso aos seus paços se situava perto da primitiva entrada da cidade. O novo percurso, que prevaleceu até hoje, muito mais próximo do Mosteiro de Santa Mónica, reduziu naturalmente grande parte do silêncio e recato, até então existente neste conjunto religioso de clausura. Do mesmo modo, com a construção em dois pisos do edifício do Seminário e com a abertura de duas janelas de sacada na empena voltada para o mosteiro, tornaram as monjas a ver o seu recolhimento posto em causa. Depois de várias negociações, os vãos permaneceram contudo abertos266.

3.2.3.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO Embora o beatério que deu origem ao complexo monástico datasse pelo menos do ano de 1380, foi em 1421 que integrou, por imposição, Ordem aprovada, dando origem oficialmente à nova casa religiosa. 262

Cerâmicas islâmicas, moedas datadas dos períodos entre 1248-1383 e 1438-1481,

cerâmicas do antigo Mosteiro de Santa Mónica com a inscrição “EVR.C.MON” são algum do espólio temporalmente diversificado e que foi encontrado na zona da cerca monástica. 263

Mais precisamente de Santo António, o eremita.

264

Cf. CARVALHO, Afonso, Da toponímia de Évora…, ob. cit., vol. I, p. 100.

265

Em 1321 o Cabido de Évora possuía aí uma horta e mais tarde, em 1445, é a cidade que

afora a “Horta das Fontes” com o seu “Poço Novo do Pombal”, para assim garantir água à cidade. 266

Cf. B.P.E., Códice CLXIX/1-30, doc. 2, f. 15. Os vidros de tais sacadas foram contudo, em

fase posterior, mandados pintar de branco, de modo a minimizar espreitadelas furtivas. De tais janelas tinha-se uma visão do amplo antigo espaço monástico. Hoje a vista abarca, desse mesmo local, um denso loteamento entretanto erigido na área em questão.

106

Em tal data já esta zona da cidade possuía uma grande dinâmica, essencialmente transmitida pela comunidade muçulmana que aí se tinha fixado. Por imposição da cidade esta comunidade foi forçada, após a conquista cristã, a abandonar o seu primeiro local de implantação situado no exterior da Porta de Moura267. Antes da sua instalação nesta zona, existia no local tradição religiosa cristã. O facto de ainda no ano de 1294 Joana Fernandes ter doado em vida, ao Convento de S. Domingos, casas que possuía no Arrabalde de S. Mamede para estes religiosos, após a sua morte, efectuarem encargos pios, indica-nos a influência dos frades dominicanos na zona através da posse de património construído. Se Joana Fernandes, naturalmente residente na zona de S. Mamede, e obviamente bastante religiosa e devota dos recém chegados frades de S. Domingos, era uma antepassada próxima de Maria Fernandes, fundadora do beatério oitenta e seis anos antes, não se sabe. Destes factos constata-se a existência de uma população religiosa com bens próprios e autónoma, pois em ambos os casos as duas senhoras dispuseram de casas no local, as quais geriram sem a intervenção de terceiros268. A área limitada pelo eixo romano da Porta de D. Isabel, correspondendo à Rua da Corredoura, parte da actual Rua de Avis e pano de muralha mais recente, comportava uma ampla zona de declive suave e exposição a Nordeste. A quantidade de água existente no subsolo e a nível pouco profundo, assim como a qualidade do terreno, facultaram que fosse zona propensa à fixação de população. Na verdade, já em 1297 são frequentes referências quer à Rua de Avis quer à das Fontes, ambas ruas estruturantes do espaço urbano em questão. As referências a hortas passam igualmente a ser comuns, em especial associadas à Rua das Fontes. É contudo só em 1353 que aparece mencionada a Porta de Avis, data já posterior à vinda para o local da comunidade muçulmana e apenas treze anos após a ameaça sarracena a Évora, proveniente de África. 267

A proximidade do Paço Real em S. Francisco tornou demasiadamente apetecível pela

nobreza toda a área envolvente. Com o argumento, na verdade real, da extensão da comunidade e estreiteza de novas áreas circundantes, procedeu-se à desocupação forçada, encontrado a cidade aí espaço livre suficiente para a implantação preponderante de novas casas nobres. 268

Em 1340, com a invasão muçulmana vinda do Norte de África, da cidade de Évora saíram

“mil infantes” para a guerra que se desenrolava em Castela. Cf. PEREIRA, Gabriel,

Documentos…, ob. cit., p. 219. Logo de seguida, no ano de 1348, o país foi assolado pela peste, tendo morrido quase um terço da população. Igualmente em 1376 assolou a cidade grande seca, seguindo-se-lhe a temida peste. Nessa geração, muitas terão sido as jovens eborenses que ficaram sozinhas, tendo-se possivelmente refugiado na religião e dando origem, anos mais tarde, a comunidades onde encontravam, em conjunto, segurança e apoio, tanto sócio económico como espiritual.

107

Quando a restrita comunidade feminina informalmente se formou já o espaço estava defendido pelas, então recentes, muralhas medievais. Igualmente já tinha sido reforçada a ligação com o exterior do núcleo amuralhado antigo através da abertura da chamada Porta Nova269, que dava acesso à alcárcova dos mouros, assim como às olarias. A entrada hoje designada por Porta D. Isabel era contudo a ligação mais directa para esta zona da cidade preponderantemente ocupada por mouros. A preocupação com a defesa era grande, o que se fez sentir com a reconstrução da antiga muralha defensiva, que se tentou salvaguardar de mais atentados por parte da população civil, habituada a ver nela um manancial inesgotável de matéria-prima para as suas obras particulares270. A população desta área circundante ao antigo beatério era já inequivocamente numerosa, facto constatado quando, em 1382, se instituíram medidas higienizantes contra a propagação do flagelo da peste, limitando-se a permanência de porcos e outros animais à alcárcova da cerca nova, entre as Portas de Alconchel e Raimundo. À data seria este o único local onde não causariam prejuízo à cidade, por ainda estar desabitado.

269

Com origem no ano de 1360.

270

Passados vários séculos são as casas conventuais e monásticas, desactivadas, que quando

das respectivas demolições fornecem pedra talhada, e naturalmente material decorativo diversificado. De tal prática resultou contudo a salvaguarda de muito espólio que se encontra descontextualizado pelas mais diversas casas senhoriais eborenses, ou mesmo por humildes construções cujos moradores trabalharam nas referidas obras.

108

Fig. 22 – Évora. Criação de espaço urbano nos sécs. XIII/XIV (reconstituição).

109

3.3 – TOPONÍMIA EBORENSE NO SÉCULO XV 3.3.1 – MOSTEIRO DE SANTA CLARA

Fig. 23 – Évora. Extracto de planta datada de Fevereiro de 1884 e representando a área monástica de Santa Clara e respectiva zona envolvente. Limites aproximados propostos para a área monástica quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.].

3.3.1.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS Sabe-se que o Mosteiro de Santa Clara foi fundado por D. Vasco Perdigão, bispo de Évora, no ano de 1452271. Foi o bispo eborense D. Jorge da Costa, seu sucessor na cadeira episcopal, que concluiu a fase de instalação das primeiras monjas272. Sendo um mosteiro feminino, desde o início pertencente à segunda ordem franciscana, ficou sob a protecção dos irmãos do convento de Évora. Tal protecção era na verdade efectiva, e indispensável. O voto de pobreza inviabilizava a posse individual de bens e a condição de clausura das clarissas não lhes permitia sair do mosteiro, nem admitir dentro secular, qualquer que fosse a sua condição ou qualidade. Ficava assim o mosteiro dependente das 271

À data estava entronizado o jovem Rei D. Afonso IV há quatro anos.

272

O mosteiro teve igualmente como benfeitores notáveis D. Rui de Melo, D. Garcia de Castro,

conselheiro de D. João III e governador-geral de Mazagão e sua esposa D. Isabel de Meneses, assim como os seus descendentes que jazem no presbitério.

110

esmolas voluntárias, e irregulares, que a população cristã lhes facultasse, o que era manifestamente insuficiente. Num cenário já mais aberto, era possível a recepção pelo mosteiro de heranças e doações, aquisição ou escambo de bens de raiz, ou rendas, sempre subordinadas contudo a autorização dos superiores da Ordem Primeira Franciscana. Com a posse progressiva de terras, casas ou bens em rendas, tornou-se necessário o apoio exterior de um procurador, cujo trabalho essencial consistia em ser encarregado dos negócios e responsável pela administração e aquisição de todas as rendas e bens de raiz273. A obediência directa devida pelo mosteiro às autoridades eclesiásticas manifestava-se ainda nas indispensáveis figuras do prelado e do confessor, que obviamente assumiam um papel controlador muito significativo na vida interna da comunidade religiosa274. O capelão, celebrante dos dois ofícios religiosos diários da comunidade monástica, era igualmente indispensável275, assim como o sacristão276. Para além destes elementos, todos directa ou indirectamente controladores dos valores patrimoniais e espirituais, o físico e o sangrador respondiam pela saúde da comunidade femininas. Cumulativamente a essa dependência exterior, sempre que possível exercida por irmãos da Ordem, o mosteiro obviamente inseria-se numa área física, específica, relativamente aos limites paroquiais da cidade que no presente caso seria a de Santa Maria da Sé. Era preocupação relevante, tanto das entidades eclesiásticas como da sociedade civil que as mulheres que se dedicavam à vida religiosa fossem subordinadas ao poder eclesiástico. Na verdade, nas cortes de 1481 foi pedido pelos procuradores da cidade de Évora ao rei que este tomasse medidas para acabar com as religiosas beguinas que não queriam tomar ordem aprovada. 273

De referir que a sua presença era indispensável na realização de qualquer escritura, assim

como na aceitação dos dotes das jovens noviças. Como o mosteiro, teoricamente, não podia possuir bens, estes eram por direito, em última análise, pertença de sua Santidade, representado no local também pelo referido procurador. 274

No mínimo uma vez por mês as irmãs deveriam confessar-se e comungar.

275

O Ofício Divino, celebrado pelo capelão franciscano, teria lugar durante o dia e uma segunda

vez após o primeiro toque da noite. Toda a comunidade feminina, incluindo-se aqui professas, noviças e educandas, concentrar-se-ia na igreja, na zona restrita, respectivamente coro alto e baixo, para participar na celebração. As ligações entre o mosteiro e o exterior estariam então encerradas, inclusive as grades que dividem ainda hoje a igreja clarissa. No coro alto as monjas sentar-se-iam no cadeiral encostado às paredes do topo de modo a que o seu campo visual abrangesse preponderantemente a zona do altar. Simultaneamente garantia-se um “recato” relativamente ao restante público participante no acto religioso que dificilmente conseguiria estabelecer contacto visual com as monjas em clausura. 276

Este residia em construção, aliás ainda hoje existente, situada acoplada à fachada Sul da

igreja monástica. Para além do acesso pela Rua de Alconchel, esta habitação possuía ligação directa à parte da nave do templo aberta à população.

111

Já a essa data, no núcleo urbano eborense existia, institucionalizado, desde há sessenta anos o Mosteiro de Santa Mónica e há vinte e nove anos o de Santa Clara. Contudo, o apelo à religiosidade, livre de imposições rígidas da hierarquia eclesiástica continuava a ser um apelo forte que dificilmente era ultrapassado.

3.3.1.2 – CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO O quarto complexo religioso fundado na cidade de Évora, e pertencente à Ordem Segunda Franciscana, foi localizado no quadrante Sudoeste da urbe, zona já ocupada por um convento da Ordem Primeira Franciscana. A distância rectilínea que separava a igreja do Mosteiro de Santa Clara da de S. Domingos era de pouco mais de 200 metros e da de S. Francisco de aproximadamente 350 metros. O local era indubitavelmente possuidor de uma óptima exposição solar, assumindo um declive suave e dispondo de um subsolo rico em água. De tal riqueza aquífera podemos ainda hoje ter uma ideia precisa quando deparamos com um poço situado num dos claustros, mas principalmente um outro, antiquíssimo e localizado imediatamente anexo à porta lateral da igreja, que dá directamente para a Rua de Alconchel277. A área cedida à Ordem para esta se instalar compunha-se por um conjunto de casas arruinadas que tinham pertencido a um antigo paço. O espaço disponível não seria muito amplo, considerando que alguns anos após foram adquiridas mais construções para alargamento do mosteiro278. Daqui igualmente se deduz que a zona estaria já bastante construída, considerando que em ambas as situações se adquirem construções, a serem adaptadas ou demolidas, e não terreno livre onde se pudesse mais livremente implantar o complexo monástico. 277

Trata-se de um belíssimo poço em pedra com um diâmetro exterior muito reduzido,

atendendo à especificidade da localização, e que possui água de magnífica limpidez a poucos centímetros do nível do pavimento. Para este poço corre água através de mina subterrânea que atravessa no sentido transversal a nave da igreja. Possivelmente funcionará igualmente como drenagem do subsolo, considerando a riqueza aquífera da zona em questão e os dissabores que tal humidade acarretaria para o edifício. 278

Em 1485, quando da primeira fase de construção, verificaram-se grandes alterações na

antiga Rua do Gaio, denotando a existência de uma área já bem definida por arruamentos. Passados nove anos, em 1494, o mosteiro adquire casas “que ficão dentro em o Convento na Rua da Carta Velha”. Tal arruamento, que em 1571 corre ao longo da portaria de Santa Clara, é designado já por Travessa da Carta Velha. Em 1513 e 1527 novamente são adquiridas casas, desta vez para a constituição da cerca monástica, que se desenvolveu a Noroeste do conjunto progressivamente edificado. Em 1536 é referido “pedaço de chão que foy tavessa que estaa a entrada da Rua das banhas nas costas do mosteiro de Santa Clara”. Sobre o assunto: CARVALHO, Afonso, Da Toponímia…, ob. cit., vol. I, p. 143.

112

Devido à especificidade das rotinas da comunidade, o edifício carecia de um programa construtivo determinado, difícil de concretizar em construções seriam preexistentes. A localização e orientação da igreja primitiva seriam sensivelmente idênticas às actuais, o que garantia uma orientação Nascente/Poente e um acesso directo da população pelas tradicionais portas laterais279. Tais entradas, estando voltadas a Sul, tinham uma óptima exposição solar, o que era precioso numa época em que os raios solares assumiam grande valor para um maior conforto térmico. O facto de na referida zona existir poço antiquíssimo, que deveria servir também a população, pressupõe que o habitual terreiro, característico, terá existido mas em dimensão reduzida, confundindo-se com o traçado do próprio arruamento tangencial. Tal disposição, e o facto de a zona situada mais a Poente e Nascente se encontrar já ocupada, obrigou a que as áreas claustrais sucessivamente se desenvolvessem a Norte, situação muito pouco vantajosa, a nível de conforto térmico, para a vida da comunidade religiosa. Em fase mais tardia, a construção de duas torres mirantes, uma situada a poente, e sobre a igreja, outra em forma de L, situada a Norte do claustro, permitiam às “reclusas” aproveitar as mais leves brisas em dias de maior estio280. A sua posição igualmente lhes facultaria um contacto visual assombrosamente próximo dos conventos mais antigos de São Francisco e São Domingos e, já posteriormente, dos Mosteiros de Santa Catarina, Mercês e Convento da Graça. Outra vista a partir das referidas torres é a da Porta de Alconchel e respectiva via de acesso, tanto interior como da área exterior envolvente à muralha. O seu posicionamento imediatamente anexo a esta via, um dos principais eixos de circulação, e a sua proximidade relativamente à principal praça da cidade conferia-lhe posição privilegiada.

3.3.1.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO À época da fundação, o local escolhido para o primeiro mosteiro feminino fundado de raiz na cidade de Évora era área em franco desenvolvimento. Na realidade, o mosteiro instalou-se em construções situadas a Norte da Rua de Alconchel, verdadeiro eixo de circulação em franco desenvolvimento a partir do século XV. Tal facto é-nos confirmado não só pelo grande número de referências em documentos a tal arruamento, a partir desse século, mas também por ter sido a Porta de Alconchel a representada em lugar de relevo quando da feitura da iluminura que ilustra a capa do foral manuelino da cidade. Do lado Sul do mosteiro situar-se-ia, no ano de 1470, a Rua do Gaio281, via estruturante de toda uma zona e que desembocava a Este, na Rua Ancha,

279 Característica

de igrejas em mosteiros femininos.

280

A “Torre sineira” do templo foi transformada em “Torre de fresco” passando assim a três.

281

“...na Rua do gayo que ora he nas costas de santa crara e onde vyve Jorge de Resende...”

permitindo-nos perceber que Santa Clara se situaria em 1470 entre a Rua de Alconchel e a Rua do Gaio, ambos arruamentos muito significativos no urbanismo medievo. Este Jorge de

113

junto ao terreiro de uma ermida de evocação de Santo António o eremita, designada à data por Ermida de Santo Antoninho282. A cidade de então era habitada por bastantes sarracenos e negros283 para além dos inúmeros judeus que constituíam a comunidade residente na zona imediatamente a Sul do Mosteiro de Santa Clara. A partir de 1492 tal zona, habitada por judeus, foi substancialmente ampliada e densificada com a vinda para esta cidade de inúmeros refugiados provenientes das terras governadas pelos reis católicos de Castela284. Passados apenas quatro anos, em 1496, os judeus são também expulsos de Évora, gerando naturalmente uma situação de instabilidade e receio inequivocamente justificável. Das três torres mirantes construídas em diferentes épocas no mosteiro, a comunidade religiosa, residente no local desde há trinta e sete anos, facilmente se apercebia da instabilidade e dos muitos episódios dramáticos, e mesmo sangrentos, que tal expulsão ocasionou na recém convertida antiga comunidade judaica instalada tão próximo285. A portaria desta casa monástica aberta em direcção a Poente posicionava-se num arruamento que fazia a ligação natural entre o convento mais antigo de S. Domingos, distanciado deste pouco mais de escassos cem metros. A Rua de S. Domingos, parte da Rua da Carta Velha e Rua de Santa Clara, com um pequeno terreiro defronte à portaria, representam a consolidação de tal percurso, que naturalmente sofreu acertos ao longo dos séculos. O caminho natural em direcção ao Convento de S. Francisco, posicionado a cerca de trezentos metros, era interrompido, nos anos iniciais da fundação de Santa Clara, pela judiaria, mais ampla ou reduzida de acordo com a época política, mas sempre espaço diferenciado na malha urbana. Após a conversão forçada ao cristianismo e a abertura das portas da judiaria anteriormente cerradas, muitos foram os cristãos velhos que ocuparam as inúmeras habitações abandonadas por morte ou debandada dos seus residentes. O espírito de comunidade fechada, por imposição papal, foi substituído por uma diversidade de novos residentes, que passaram a utilizar Resende poderia ser familiar de Garcia de Resende, que nasceu em Évora por volta do ano de 1470, tendo servido, como cronista, D. João II, o príncipe D. Afonso e D. Manuel I. Cf. CARVALHO, Afonso de, Da Toponímia…, ob. cit., vol. I., p. 133. 282

Desta ermida resta hoje, no altar da Igreja de Santo Antão apenas belíssima lápide

representando os apóstolos e que possui como elemento central a cruz dos templários. 283

Eram em número tal que mereceram referência em descrição da cidade efectuada por

alguém da embaixada do Rei da Boémia, quando da visita realizada a D. João V no ano de 1466. Igualmente em 1490, quando do casamento nesta cidade do filho de D. João II, novamente se constata, por descrição, a existência na cidade de significativas comunidades de judeus e mouros com pleno direito ao exercício das suas diferenciadas culturas. 284

A Inquisição em Castela foi criada através de bula papal por Sexto VI, durante o ano de

1492. 285

Tal situação igualmente ocorreu no Mosteiro de Santa Mónica, mas aí com a comunidade

muçulmana que habitava muito próximo, e igualmente expulsa no caso de não conversão ao cristianismo. Considerando a obrigatoriedade de confissão das monjas, indirectamente os habitantes da área anexa eram vigiados, para além das conversões mais ou menos sinceras.

114

ou alugar as casas então livres. A convivência com os “novos” cristãos que permaneceram no local não deveria ser fácil no seu contacto diário, considerando a vaga de suspeição crescente que alastrava na cidade. A antiga sinagoga e respectivas construções adjacentes situavam-se no local onde se situa hoje a Pensão Portalegre, logo, espaço muito próximo do mosteiro das clarissas. Toda a zona, no início cheia de vida, terá sido reutilizada com cariz não religioso nem cívico, de modo a eliminar todas as memórias inevitáveis para os que, convertendo-se, permaneceram na zona286. A Rua do Raimundo, limite Sul da referida área, com a conclusão da cerca nova e a inclusão do então denominado Buraco do Raimundo tornou-se eixo de circulação que progressivamente foi ganhando importância a partir do século XV287. A ampla cerca do Convento de S. Francisco chegava até ao referido arruamento, no seu troço final, possuindo uma saída para tal percurso. Em ordens religiosas de clausura existiam por vezes túneis ligando património de uma mesma ordem. O recolhimento não era assim quebrado, pois esquivavam-se da travessia de terrenos públicos ou de autorizações morosas de particulares. A utilização a qualquer hora do dia de espaços fisicamente separados, por vezes até distantes e francamente povoados, era assim facilitada a toda a comunidade religiosa com comodidade e sigilo288. Em Évora, a casa das clarissas terá optado por obter o sempre tão almejado espaço livre adquirindo casas, reformulando o traçado de arruamentos e constituindo assim uma cerca, inequivocamente pequena, o que demonstra os condicionamentos desde o início existentes na zona de instalação289.

286

Tal facto não impediu que muitos destes cristãos novos mantivessem as suas crenças e

práticas, embora confinadas ao sigilo protector dos seus lares. 287

Só em 1487 é que é proposto o calcetamento da referida rua, demonstrando a sua até então

pouca importância no conjunto urbano edificado. 288

Em Coimbra, o Mosteiro de Santa Cruz, no centro da cidade, possuía um túnel até ao

conhecido Jardim da Sereia, local junto ao Rio Mondego onde se situava a mata do mosteiro (informação gentilmente cedida por arq. J. Videira). 289

Não obstante, tal mosteiro foi recolhimento de nobreza influente, como por exemplo de D.

Joana, filha de D. Henrique IV de Castela e noiva do rei português D. Afonso VI.

115

3.3.2 – MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DO PARAÍSO

Fig. 24 – Évora. Extracto de planta, datada de Fevereiro de 1884, representando a área monástica de Nossa Senhora do Paraíso e respectiva zona envolvente. Limites aproximados propostos para a área monástica quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.].

3.3.2.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS O Mosteiro de Nossa Senhora do Paraíso, situando-se fora do perímetro das primitivas muralhas, inseria-se, à data da fundação, no amplo espaço de domínio de Santa Maria da Sé. Sendo mosteiro resultante de um recolhimento feminino, foi formado em casas doadas para esse fim em Abril de 1438290. A sua integração em ordem aprovada resultou neste caso principalmente da vontade e iniciativa das pessoas que a ele ficaram ligadas. O facto de, à data, neste quadrante da cidade não existir qualquer casa religiosa de clausura deve ter indubitavelmente também facilitado a sua ascensão na Ordem291. 290

Sobre o assunto: CARVALHO, Afonso de, Da toponímia de Évora, dos meados do século XII

a finais do século XI…, ob. cit., vol. I, p. 200 que nos dá dados inovadores da cedência das casas e das suas três iniciais utilizadoras. 291

As beatas de Santa Marta, situadas muito próximo do Convento de S. Domingos, foram

integradas na Ordem Terceira de S. Domingos no ano de 1490, ascendendo somente em 1520 à Ordem Segunda. Mudam-se em 1547 para outro local, desta vez estrategicamente perto do mosteiro franciscano de Santa Clara, tendo sido as suas primeiras três religiosas oriundas do

116

O Mosteiro do Paraíso foi o terceiro mosteiro feminino constituído no núcleo urbano de Évora, tendo sido o primeiro a integrar a Ordem de S. Domingos. Sessenta e quatro anos antes tinha-se concretizado a anterior fundação religiosa urbana feminina que foi a do primeiro mosteiro franciscano, com evocação de Santa Clara. O espírito de iniciativa de algumas das religiosas do Paraíso ficou patente com o número de novas casa monásticas fundadas a partir desta casa. Assim, para além das três religiosas que a iniciaram, instalaram o Mosteiro de Santa Catarina em Évora, no local onde existia ermida evocativa desta santa292; igualmente em 1528 duas religiosas fundaram um mosteiro em Elvas e, no ano de 1566, outras três o de Moura. A sua influência nos mosteiros de Évora concretizou-se também no de Santa Mónica, quando o arcebispo da cidade, D. Teotónio de Bragança, depôs aí a prioresa agostinha, indigitando para o cargo Ana de Távora, professa dominicana no Paraíso293.

3.3.2.2 - CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO O quinto complexo religioso fundado na cidade de Évora, pertencente à Ordem de S. Domingos, localizou-se no quadrante Sudeste da urbe, zona então sem qualquer casa religiosa e muito próxima, visual e espacialmente, da Sé eborense. Na primeira metade do século XV ter-se-á constituído um recolhimento situado em casas de habitação muito próximas da importante área que era à data a zona exterior à Porta de Moura. As construções que deram origem a esta casa religiosa situavam-se a pouco mais de cinquenta metros da referida porta da antiga muralha defensiva, e em data em que as muralhas exteriores já se encontravam concretizadas. Afonso de Carvalho transcreve-nos um texto que nos descreve em 1438 a localização das referidas casas do recolhimento “as porta de moura que partem per Rua publica de machede e per detras outº sy per Rua publica de meendo estevenz”. Com a morte, em 1471, da última das três fundadoras, outra nobre eborense mostrou vontade de aí se recolher. Assim, solicitou autorização papal

mosteiro dominicano do Paraíso. Será de reafirmar que a comunidade urbana, assim como a própria Igreja, insistia na integração das comunidades de beatas em Ordem aprovada, que era usualmente a Terceira. A transição para a Ordem Segunda, de clausura, era já uma passagem mais ponderada por parte de ambos os lados, considerando que a comunidade na Ordem Terceira, embora ainda com alguma liberdade, já se encontrava sob protecção e controle da Ordem religiosa e do Clero. 292

Quando da construção do actual conjunto de habitações, comércios e serviços, existente no

loca foram efectuadas escavações arqueológicas. Na abertura da cave destinada a estacionamento foram localizados os restos do que poderia ter sido a antiga Ermida de Santa Clara. 293

Sobre o assunto: FIALHO, Pe. Manuel, Évora…, ob. cit., p. 323.

117

para as futuras religiosas professarem a Ordem Terceira de S. Domingos294. Em 1499 a petição é deferida, tendo-lhes em 1516 sido dada autorização papal para a passagem à Ordem Segunda Dominicana, guardando assim clausura. O acanhado espaço inicial foi ampliado com a aquisição de casa nobre situada anexa, permitindo uma dimensão mais adequada ao número de pessoas da comunidade religiosa. Por este facto podemos afirmar que o espaço inicial seria pouco amplo, reforçado pelo facto de se limitar entre dois arruamentos confluentes. O programa de evolução de qualquer casa religiosa encontrava-se assim comprometido, considerando que a igreja, naturalmente, foi construída em destaque, mais perto da confluência dos dois arruamentos, ainda com a tradicional orientação Nascente/Poente. As sucessivas valências da construção e algumas reconversões das anteriores construções desenrolaram-se progressivamente de Ocidente para Oriente, mas muito limitadas, tendo em atenção a pouca profundidade do espaço disponível. Assim, o claustro assumiu naturalmente uma forma muito irregular e a cerca, terreno sobrante entre a construção conventual e o limite do terreno a ocidente, foi progressivamente sendo cada vez mais acanhada. O mosteiro possuía as suas entradas abertas em direcção a Sul, dando directamente para a Rua Mendo Estevens295. Gabriel Pereira descreve o conjunto como sendo “uma construção irregular, apertada entre as duas ruas de Machede e de Mendo Estevens, assentando em base triangular fortemente inclinada; tem uma pequena quadra muito irregular, um quintal acanhado”. Mereceram ainda referência sua a amplitude e notável construção do refeitório, enfermaria e dos dois coros. Foram os espaços de utilização conjunta de toda a comunidade religiosa que mereceram um tratamento privilegiado, em detrimento das áreas secundárias, naturalmente mais fraccionadas devido aos condicionalismos do espaço. A riqueza aquífera do espaço ocupado pelo mosteiro não está provada, contudo, nas casas situadas na área imediatamente anexa, quer a Norte quer a Sul, existem à presente data diversos poços com níveis freáticos altos, garantia de água em quantidade, que naquela época também deveria ter sido razoável296.

3.3.2.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO O local escolhido no ano de 1438 para a compra de casas, que deu origem no final do século XV ao futuro Mosteiro do Paraíso, era à data espaço privilegiado na urbe eborense. 294

Tal como pouco antes também tinham solicitado as moradoras no Recolhimento de Santa

Marta. É, contudo, já do Mosteiro do Paraíso que saem as primeiras religiosas para a fundação do novo Mosteiro de Santa Catarina. 295

À data da aquisição das casas onde se instalou o recolhimento, esta rua situava-se no seu

tardoz, invertendo-se a situação com o evoluir do mosteiro. 296

A este mosteiro foi concedida, por alvará de 2 de Outubro de 1555, um quarto de anel da

água do Aqueduto da Água da Prata, a qual corria em fonte situada no irregular claustro.

118

No Terreiro da Porta de Moura situavam-se alguns dos paços das famílias nobres da cidade. Na verdade, para além do interior do primitivo recinto amuralhado a incidência de residências nobres era maior neste local, assim como na área anexa ao paço real. Os dois arruamentos que limitavam o espaço conventual já existiam, pelo menos desde 1331, naturalmente primeiro como caminhos de saída da cidade que progressivamente divergiam em direcções distintas. Com a construção da cintura de muralha exterior, as construções que naturalmente foram sendo erigidas a partir do terreiro da Porta de Moura alastravam ao longo de tais percursos, densificando-se progressivamente com a escassez de terrenos. A Rua de Machede, limite Norte do mosteiro, seria à data a mais importante, sendo também a mais povoada. Tal era contudo relativo, pois, segundo Afonso de Carvalho, a Câmara, pelo inventário de 1536, possuía aí sete chãos, um quintal e já perto do Terreiro que antecedia a Porta de Machede um ferragial, provando assim não só a existência de espaços ainda livres mas também uma zona de pastoreio no interior das muralhas. A existência de um poço localizado no interior da muralha e conhecido no ano de 1436 por “poço das cabras” reforça que o espaço foi preponderantemente de pastoreio. A Rua Mendo Estevens era conhecida igualmente desde a mesma data. Nela se localizavam, no ano de 1345, várias construções pertencentes ao Bispo de Évora, passando a ser repetidas vezes mencionada em documentos297. Estes dois arruamentos, o de Machede possivelmente mais via de circulação em direcção a Nossa Senhora de Machede, local de férteis terrenos, o de Mendo Estevens talvez mais eixo urbano interior, passaram contudo a partir do século XVI a ser referenciados pelo mosteiro inserido na sua confluência. A imagem que este assumiu no meio urbano era inequivocamente marcante.

297

Sabe-se que aí se localizavam, para além de habitações, pelo menos também uma adega e

um lagar.

119

3.3.3 – CONVENTO DE SÃO JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS)

Fig. 25 – Évora. Extracto de planta, datada de Fevereiro de 1884, representando a área conventual de São João Evangelista (Lóios) e respectiva zona envolvente. Limites aproximados propostos para a área conventual quando da sua desocupação [planta base: avulsa, M.E.].

3.3.3.1 – ENQUADRAMENTO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS LOCAIS O Convento de São João Evangelista foi convento masculino desde o seu início pertencendo à Ordem dos Cónegos Seculares de São João Evangelista. Foi igualmente a única casa religiosa fundada no interior do núcleo amuralhado mais antigo da cidade e cuja igreja se localizava a poucas dezenas de metros da Sé Episcopal eborense. O conjunto edificado religioso, construído em terrenos particulares, fazia parte de importante casa nobre eborense patrona da vinda destes religiosos para a cidade. Tendo-se iniciado a construção das respectivas instalações no ano de 1485, por iniciativa de D. Rodrigo de Melo, somente em 1491 é que foi concluída a edificação da igreja, elemento neste caso essencial para a vinda para a cidade desta comunidade religiosa298. 298

Uma das razões apresentadas para a sua vinda foi fundamentada na constituição no templo,

de panteão para a família fundadora e seus descendentes. Situação inédita em Évora considerando que até então nenhuma casa religiosa tinha sido fundada com tal intenção expressa.

120

Sendo área de domínio da Sé encontrava-se sob a sua autoridade eclesiástica.

3.3.3.2- CARACTERIZAÇÃO E ESCOLHA DO SÍTIO O sexto complexo religioso fundado na urbe eborense e primeiro da Ordem dos Cónegos Seculares de São João Evangelista em Portugal, foi igualmente o único a ser erigido em terreno de casa nobre e situado no primitivo e exclusivista recinto amuralhado da cidade. Localizou-se no quadrante Nordeste da urbe e a escassos cinquenta metros a Norte da Sé Episcopal, centro indiscutível do poder religioso de todo um vasto território. O local escolhido por D. Rodrigo de Melo, seu benfeitor e patrono, foi o espaço anexo ao seu paço em Évora, anteriormente ocupado pelo antigo e desmantelado castelo da cidade. Tal escolha só foi autorizada considerando a especificidade das futuras funções da igreja e o poder à data da família em questão. A grande proximidade relativamente ao Mosteiro de Santa Mónica, cuja igreja distava apenas escassos metros, rompia com todas as recomendações da Santa Sé relativamente aos afastamentos entre conjuntos religiosos. Os limites físicos do convento foram definidos ainda em vida de D. Rodrigo, o qual acordou com D. Fernando de Castro a compra, para uma área mais ampla, de “um pequeno pedaço de quintal que separava os chãos das duas casas senhoriais” e que pertencia a este cavaleiro299. Em 1496 as obras do convento sofreram um impulso significativo, desta vez por iniciativa de D. Álvaro de Bragança, seguindo-se posteriormente nova campanha de obras da responsabilidade de seu filho D. Rodrigo de Melo. Em 1499 a Câmara procede à venda de uns pardieiros municipais, em ruínas, junto à Casa do Senado, que posteriormente se mudaria para a actual Praça de Geraldo, dando viabilidade à abertura da “Portaria do Carro” do Convento de São João Evangelista, a qual dava para o terreiro do templo romano, à data ocupado pelos açougues municipais300. Em 1501 efectua-se o Capítulo geral da Ordem no convento eborense, tendo sido autorizado o capitão-mor dos ginetes, D. Fernando de Castro, e sua esposa, utilizar uma porta ”que se abriu nos muros de sua casa permitindo assim um acesso directo com o coro da igreja”301. Posteriormente a essa data foi em 1574 cedido “um pedaço da barbacã dos velhos muros da cidade situado no extradorso lado Norte para utilização do cano da Água da Prata [...] e em 1583 um pedaço de terra baldia situada nos fossos da muralha, debaixo da janela do dormitório conventual, doação que 299

Cf. Livro 1º dos Originais do Mosteiro de S. João, fl. 7, B.P.E., Casa Forte.

De salientar que ainda hoje existe tal acesso que serve de serventia à actual zona de lazer da Pousada dos Lóios aí instalada. 300

Cf. Livro 2º dos Originais do Convento de S. João Evangelista, fl. 69, B.P.E., Casa Forte.

301

D. João III, enquanto se efectuavam obras no Paço Real a S. Francisco, habitou este mesmo

paço, tendo utilizado a ligação então criada.

121

permitiu o prolongamento do pequeno quintal desde a torre sineira até o ângulo formado pela torrinha do jardim do palácio dos Condes de Basto, o qual foi então murado”. Em finais do século XVII foi construído o pavilhão302, onde hoje está instalada a Biblioteca Pública, tendo o passadiço que comunica com o restante paço Arquiepiscopal sido erigido no ano de 1666. Esta “construção ligava parcialmente com os celeiros do bispo então confinantes com a cerca alta do Convento dos Lóios”. Os sucessivos acertos, e até pequenas disputas para a definição do espaço conventual, demonstram-nos uma área ocupada e em que o terreno escassearia. O local era, na verdade, o coração da cidade medieval à data da construção do convento, e tinha sido anteriormente local acastelado de origem remota. A cidade encontrava-se em franca expansão na segunda coroa urbana compreendida entre as cinturas amuralhadas permanecendo o núcleo primitivo como local por excelência devido à localização, não só de alguns equipamentos públicos como das casas senhoriais das mais antigas famílias nobres do reino. A nível aquífero a área era rica, como se tornava indispensável num reduto defensivo abrangido por clima seco. Ainda hoje nos é dado observar, na nave da igreja conventual, antiquíssimo poço de águas límpidas e nível de água a pouco mais de um metro abaixo da cota do pavimento303. Tal facto contudo não impediu que os religiosos solicitassem, e obtivessem, por duas vezes, água do Aqueduto da Água da Prata, a primeira doada no ano de 1564 e a segunda em 1683.

3.3.3.3 – DE NÚCLEO INICIAL A NÓ URBANO O espaço oferecido para a fundação do único convento situado no interior da primitiva muralha304 defensiva situava-se no local mais elevado da urbe e no “centro” da cidade medieval. Na verdade, muito próximo da construção conventual situavam-se os açougues municipais, equipamento importante para a época medieva, o primitivo edifício da Câmara, a Sé e respectivo Paço Episcopal. Os centros religioso, político e económico localizavam-se à data ainda aí, prolongando-se a sua influência pela antiga Rua da Selaria305 (actual 302

Destinado inicialmente a Colégio dos Meninos do Coro da Sé de Évora. Contudo, em 1708 a

referida escola instalou-se em edifício construído de raiz e situado junto à ala Sul do claustro da Sé e a ela ligada directamente pela Porta do Sol. 303

Será seguramente o poço, actualmente existente, situado à mais alta cota altimétrica da

cidade. 304

Contudo, é de lembrar que os Freires de Évora, desde o período da tomada da cidade até se

deslocarem para Avis, tiveram as suas habitações bem próximo deste local, a pouco mais de escassos cem metros entre as Ruas da Freiria de Cima e de Baixo. 305

Eixo comercial que se mantém até hoje e onde era transaccionado o ouro e prata assim

como objectos em pele e outros artefactos importantes à época.

122

Rua 5 de Outubro) e extravasando para a Praça Grande306 (actual Praça de Giraldo), esta já exterior às antigas muralhas. Foi sem dúvida um lugar privilegiado o oferecido a estes seculares para se instalarem. Contudo, toda a área circundante foi infelizmente sendo ocupada e reforçado simultaneamente o seu poder em época seguinte, pelo Tribunal da Inquisição cuja formação foi autorizada por bula papal de 1536. Tal complexo, que se instalou imediatamente anexo à área dos açougues municipais, foi-se progressivamente apossando de todos os espaços livres e ampliando as suas mortíferas instalações, até à data da sua extinção, no ano de 1821307.

306

Local onde eram realizados os mercados e onde a Câmara possuía várias “tendas”.

307

Existe à presente data, no local para assinalar tão fúnebre espaço uma escultura alusiva,

contudo da memória dos eborenses tal período foi de tal maneira esquecido que poucos sabem o significado da peça exposta, assim como desconhecem o antigo local das instalações da Inquisição na cidade. Na memória dos operários que trabalharam nas áreas envolventes encontrando ainda calabouços situados no subsolo, essa recordação perdurará certamente.

123

Fig. 26 – Évora. Criação de espaço urbano no séc. XV (reconstituição).

124

4 – A SILHUETA MEDIEVAL DE ÉVORA

Fig. 27 – Évora. Vista da área Oeste da cidade, representada em iluminura no foral manuelino [A.D.E.].

A urbe medieval eborense foi substancialmente marcada pela estadia, mais ou menos prolongada, da faustosa corte portuguesa na cidade e pelas consequências indirectas daí resultantes. A mistura de raças e religiões foi também desde sempre um factor de maior ou menor preponderância na cidade. Lembremo-nos que por aqui passaram diferenciados povos, que permaneceram tempo suficiente para uma integração plena. Como cidade de comércio florescente igualmente potenciou a concretização, a mercadores, de longas viagens por terra, os quais demandavam produtos inexistentes na região. Foi contudo com as primeiras viagens marítimas realizadas na época medieva, e com a ida dos seus nobres, povo e religiosos, que se acentuou aqui notavelmente essa multiplicidade de povos e culturas. Tais pessoas eram trazidas das diversas viagens para serem mostradas na corte, seguindo depois usualmente para as casas nobres onde passavam, quando adaptadas ao diferente contexto cultural, a serviçais. Também animais exóticos, ou muito simplesmente o espólio de algumas espécies desconhecidas, eram igualmente transportados para aqui e exibidos como elementos raros308. De tal época chegam-nos relatos que confirmam a anterior caracterização da cidade. Assim, em 1466 a urbe é visitada por uma embaixada do rei da 308

De referir apenas como exemplos os azulejos, datados de 1533, mandados fazer e colocar

por nobre, eborense em sua casa. Neles estão representadas, a par com a do referido nobre cabeças de homem do Norte de África e de mulher do deserto. Noutro caso foi a pele de uma jibóia exposta em local público, demonstrando a gala em ostentação, e curiosidade, devida a tão longínquas paragens.

125

Boémia, que vem aqui ser recebido por D. Afonso V 309. A comitiva chega à cidade vinda de Arraiolos, sendo a descrição, efectuada por um estrangeiro, a mais remota que se conhece da Évora medieva: “Nesta cidade, uma das principais de Portugal, encontramos o rei com a corte. Esta cidade não tem castelo, e apenas encerra dois palácios insignes: um é o episcopal, e o outro é o do duque, irmão do rei. A casa episcopal é contígua à igreja, cujo frontal é elegantemente construído, e tem ao pé um ameno pomar de árvores e arbustos. Assenta numa esplanada a cidade, que muitos vinhedos circunvalam [...]. Nesta cidade há muitos sarracenos e negros . E outra coisa aqui muito para notar-se, e é exactíssima: que o trigo três meses depois de semeado, amadurece e colhe-se [...] fomos pernoitar a Évora-Monte…”. O percurso contínua através de Estremoz e Elvas, seguindo-se a fronteira de Castela. Outra descrição da cidade data de 1494, ou seja, apenas vinte e oito anos após a anterior, altura em que Évora é visitada por um médico alemão de nome Jerónimo Munzer, que, chegando à cidade pelo caminho de Serpa e vindo de Sevilha, depara com a Ermida de S. Brás, fundada em 1485 e à data já construída. Refere a sua narrativa que a porta da ermida ostentava “parte da pele duma cobra trazida da Guiné, cobra de mais de 30 palmos de comprimento e da grossura de um homem [...] tinha esse pedaço de pele 22 palmos”. A descrição continua nos seguintes termos: ”Há em Évora um lindo palácio real e uma lindíssima igreja abobadada, que é sé episcopal, com um famoso claustro; passeando sobre ela, como se fosse um terraço, vimos a situação da cidade, que é grande maior que Ulm... [ D. João II ] manda para a Guiné panos de lã de várias cores como tapetes que se fazem em Tunis, e também de tela, cavalos, várias mercadorias de Nuremberg, muitas caldeiras de cobre, bacias de latão, pano vermelho, pano amarelo, capas de Inglaterra e da Irlanda, e muitas outras cousas; de lá mandam-lhe a ele ouro, escravos, pimenta, malagueta, inúmeros dentes de elefante [...]. Tendo saído da cidade de Évora, a 26 de Novembro e tendo passado pelo castelo de Montemor [...] chegámos finalmente à cidade de Lisboa...”310. À data, com a corte de D. João II em Évora, a cidade atingiu grande pujança económica, social e política. Uma população numerosa e opulenta caracterizava a cidade, população essa que terá habitado os 4500 fogos na cidade, 788 no termo e possuindo à época a descomunal quantidade de 3500 escravos “negros”. Trinta anos após, no censo de 1527, contava somente 2813 fogos, voltando novamente mais tarde, com D. João III, a aumentar de população311. Contudo, não menos impressionante era o número de sacerdotes312 existentes na cidade no ano de 1595, ou seja cinquenta e nove anos após a chegada a Évora da bula papal com autorização para a formação da Inquisição

309

Sobre o assunto: BRANCO, Camilo Castelo, Portugal há quatrocentos anos, Lisboa, 1867.

310

Cf. Itinerário do Dr. Jerónimo Munzer, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1932, pp. 11-16.

311

Sobre o assunto: LOBO, Costa, História da Sociedade Portuguesa no século XV.

312

A complementar existiriam, certamente, os milhares de religiosos e religiosas que habitavam

nos inúmeros conventos e recolhimentos da cidade.

126

no país313. Havia em toda a diocese de Évora, embora o seu território fosse vasto, 1008 sacerdotes, para uma população de 163 165 pessoas em idade de sacramento, assim divididas: 71 185 homens e 65 274 mulheres, 15 260 rapazes e 11 446 raparigas314, o que correspondia a uma média de cerca de 160 paroquianos por cada sacerdote. Já em época posterior, mas que indubitavelmente servirá como elemento de referencia relativamente à evolução e importância do património religioso na cidade, será de mencionar o levantamento resultante do cumprimento da Lei Novíssima da Fazenda Pública do Reino315, datada de Junho de 1755, em que é efectuada a listagem oficial de todas as fazendas, rústicas-urbanas, propriedades e foros, ou outros rendimentos patrimoniais das ordens e instituições religiosas, claustrais ou seculares com sede ou filiais em Évora com fins fiscalizadores316. Após este sucinto enquadramento descritivo da sociedade baseado em textos da época, poderemos mais facilmente passar para a análise da belíssima iluminura manuelina que ornamenta a capa do segundo foral da cidade. O local de onde foi efectuado o esboço que serviu de guia à referida iluminura foi indubitavelmente o Alto dos Cucos, no cimo de uma plataforma rochosa que ainda hoje se vê e junto à qual existem restos de antiga construção. Daí, e só daí se consegue abarcar, com bastante nitidez, todo o conjunto representado317. É ao final da tarde, que o sol, posicionando-se nas costas do observador e caindo directamente sobre o casario, nos permite ter uma visão assombrosamente nítida de todo o conjunto. O sol poente, incidindo rasante à silhueta da cidade, em final de tarde soalheira, ilumina as torres da actual Porta de Alconchel de modo magnífico. Também o volume do Teatro Garcia de Resende, sensivelmente onde teria existido a primeira igreja dominicana da cidade, assim como uma das torres

313

A Península ficava assim em igualdade de circunstância relativamente à presença de judeus

e mouros os quais anteriormente se refugiavam em Portugal. 314

Cf. BAPTISTA, Júlio César, «A formação do clero na diocese de Évora», A cidade de Évora,

n.ºs 61-62, Évora, 1978-1979, pp. 45-50. 315 316

Alínea 2ª do cap. XX do Regimento das Décimas. Tal levantamento foi concluído em 15 de Junho de 1776. De salientar: Convento de S.

Domingos, ff. 105-111; Convento de Nossa Senhora da Graça, ff. 112-116; Congregação de S. João Evangelista, ff. 125-134; Mosteiro de Santa Clara, ff. 176-184; Mosteiro de Santa Mónica, ff.185-189.

Inventário das propriedades do Cabido e das ordens religiosas da cidade de Evora, nº 184, Arquivo Municipal, B.P.E. 317

À presente data apenas se encontra preenchido o espaço exterior às muralhas, com a

construção do Bairro da Malagueira, o que contudo não prejudica grandemente a visão da urbe. O local referido, situado no Alto dos Cucos, encontra-se em 2010, por construir, não obstante possuir loteamento da autoria do arquitecto Siza Vieira. Seria de todo o interesse salvaguardar tal área, interditando-a à construção através do Plano de Urbanização da cidade.

127

mirantes de Santa Clara, resplandecem sob essa luz rasante318. A Rua de Alconchel era o caminho natural para a saída da cidade em direcção a Poente, situando-se os Dominicanos e Clarissas muito próximos de tal via. Após a construção da muralha exterior a sua localização continuou bem visível para quem demandava a urbe, vindo de poente319. Quem chegava de longínquas terras via, depois de passar pela forca situada nas imediações da Cruz da Picada e de ultrapassar a elevação da primitiva Ermida de S. Sebastião, a cidade banhada de luz, em especial as portas acolhedoras do burgo320, os símbolos dos Convento de S. Domingos e Mosteiro de Clarissas, seguidos mais ao longe das torres de Santa Maria. Observando atentamente a iluminura manuelina representando a cidade tal como ela era, percebe-se que estava contida por cintura de muralhas, marcadas ritmicamente por torres fortes, estando pelo menos uma delas semiarruinada ou incompleta. Pontuando a vista, a acentuada volumetria de algumas construções defensivas, pertencentes ao mais primitivo amuralhamento, é igualmente de realçar. Das construções públicas, assumem relevo o açougue municipal, à data instalado no hoje designado Templo Romano e com a configuração de torre defensiva. A importância de tal equipamento para a cidade ficou patente através da dimensão exacerbada que assumiu na iluminura manuelina. O espaço da Praça do Geraldo aparece igualmente representado, contudo com a singularidade de lhe estar sobreposto um desenho que poderá representar as colunas de alguma antiga construção321. Esse espaço encontra-se de tal maneira denso de construções envolventes, que só dificilmente se consegue descortinar. As igrejas públicas aparecem com acentuada dimensão, em especial a Sé, já com o seu claustro construído a Sul do corpo do templo. Outra igreja representada é a de S. Pedro, igreja paroquial antiquíssima e que tinha sido cabeça da Ordem do Templo. A Ermida de Santo António, o eremita, igualmente se encontra reproduzida, com o seu sino em singelo campanário, idêntico ao representado na torre dos açougues municipais. Relativamente aos complexos conventuais eles são desenhados com uma volumetria que elimina qualquer dúvida que pudesse subsistir relativamente à sua importância na urbe eborense. Assim, aparece-nos S. 318

Torre essa obviamente mais tardia relativamente à época da iluminura. A singela torre

sineira inicial, visível no desenho do foral, foi convertida em época posterior em “torre mirante”. 319

É contudo a igreja imponente do convento franciscano que se avista quando, na

aproximação à cidade, se atinge a zona do actual cruzamento para Santo Antonico. 320

Não obstante dela fazer parte um compartimento, defensivo o qual provisoriamente

funcionou como cadeia da cidade. Tal facto verificou-se durante as obras de construção do novo edifício destinado a Câmara e cadeia municipal, situado no topo Sueste da Praça Grande, actual Praça de Giraldo. 321

O hipotético arco romano, pontualmente referido por alguns autores, pode ter aqui sido

assinalado. Teria sido posicionado ao longo da Praça Grande e à data restariam apenas as ruínas das suas colunas. Pouco mais de trinta anos após foi construída na Praça Grande fonte em pórtico.

128

Francisco com a nave da igreja em remodelação e associado ao Paço Real, igualmente e compreensivelmente imponentes322. A representação do conjunto dir-se-ia muito próxima da muralha, não existindo entre ambos casario significativo. Tal área seria o espaço ocupado pela ampla cerca franciscana, que sabemos que chegava à Porta do Raimundo, igualmente aqui sinalizada. O cuidado que foi posto neste pormenor é significativo, considerando a dimensão do representado e o reduzido tamanho da iluminura. Já no eixo que liga às Portas de Alconchel foi desenhado o Mosteiro de Santa Clara, com a igreja inicial muito simples, que à data era bastante limitada devido a carências financeiras323. O pouco casario que é representado entre este mosteiro e a porta da muralha permitirá antever um razoável espaço livre público imediatamente no interior da porta. A importância desta entrada para a época em questão incentivaria tal medida prática, garantindo área suficiente para as manobras de carros, animais e mercadorias. O Convento de S. Domingos é também assinalado, vendo-se apenas a sua imponente igreja, considerando que o complexo conventual, nomeadamente claustros e cerca, se desenvolvia a Norte e para a zona tardoz do referido templo. É de realçar a amplitude do mesmo, que, comparativamente a S. Francisco, assume uma maior dimensão. A importância dos dominicanos na cidade quando da transição para o século XVI é inegável e encontra-se espelhada na imagem que nos ficou da cidade nessa época. Uma cidade populosa, com uma hierarquia de poderes bem definida, comprovada através das construções respectivas e espraiada na direcção poente324. É esta a leitura resultante desta preciosa iluminura, que milagrosamente chegou até aos nossos dias.

322

As obras representadas com tanta minúcia na iluminura manuelina estavam desde 1501 a

ser acompanhadas por Álvaro Velho. Abrangiam não só a parte da igreja mas também o Paço Real. 323

A Norte da igreja é representada construção perpendicular a esta e que seria o núcleo inicial,

a primeira ala do futuro claustro monástico. A igreja primitiva, que à data teria sido consagrada aproximadamente no máximo há quatro anos, não possuía ainda torre sineira mas sim um singelo campanário. A actual torre, onde se situam dois sinos, fundidos respectivamente nos anos de 1734 e 1738, é hoje “torre mirante” com as características de “torre de fresco”. 324

As preocupações ambientais e de saúde pública eram já inegáveis. De referir que, passadas

pouco mais de três décadas, em 1537 é aberta à população a primeira fonte pública situada no interior amuralhado e abastecida por água do Aqueduto da Água da Prata. Igualmente o Regimento da Cidade define importantes regras de higienização dos espaços públicos.

129

Fig. 28 – Évora. Ocupação do espaço urbano em finais do séc. XV (reconstituição).

130

5 – PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO DAS ORDENS RELIGIOSAS E REUTILIZAÇÃO IMOBILIÁRIA DOS SEUS BENS

Fig. 29 – Documento datado de 1836 solicitando disponibilidade de espaço na antiga Universidade de Évora, de modo a aí vir a ser instalado o Depósito Geral das Livrarias e Pinturas dos extintos Conventos da Província do Alentejo [A.C.M.F., PT, QHM/DIV/3/20/20/24].

Em 1834, por decreto datado de 28 de Maio, são extintas em território português as casas das ordens religiosas, inclusive militares. Os conventos e mosteiros masculinos seriam imediatamente desocupados325, enquanto os mosteiros femininos poderiam servir de abrigo às religiosas que aí à data professassem326. Ficariam necessariamente desocupados com a morte da última das suas habitantes. O passo seguinte foi o de que todo o vasto

325

Uma população numerosa de religiosos provenientes dos conventos e mosteiros masculinos

viram-se votados ao abandono, sem abrigo, meios de subsistência ou profissão. Igualmente em grande número foi a população directa ou indirectamente ligada às antigas casas religiosas que ficou sem trabalho efectivo. 326

A 3 de Agosto de 1833 já se expulsara os noviços e noviças de todas as instituições e se

proibira a admissão de novas candidatas, o que equivalia à inviabilização a médio prazo das casas religiosas. Às casas femininas foi esta a única medida aplicada.

131

património das ordens religiosas passasse automaticamente para a posse do Tesouro Público, após inventariação327. Seguiu-se, em 23 de Maio de 1843, a definição, pelo Tribunal do Tesouro Público, de regras para o arrendamento de bens públicos e em 8 de Junho de 1843, as Cortes Gerais vão permitir que esses bens pudessem ser vendidos por preço muito inferior ao do seu real valor, ficando igualmente o Governo autorizado a dispor de Bens Nacionais em benefício das Câmaras Municipais, Misericórdias, ou de “quaisquer estabelecimentos pios, ou de publica utilidade”328. É este, sucintamente, o teor das leis que desencadeiam uma mudança radical no país, e em especial em Évora, considerando o grande número de casas religiosas e o seu valioso e vasto património329. A legislação que definia as condições de arrendamento dos bens públicos era bastante específica, tentando garantir simultaneamente a sua boa conservação e os melhores proveitos para as contas públicas. Quanto à legislação que regulamentava a venda ou passagem para outras instituições era por seu turno muito pouco zeladora do património público. A venda por preços simbólicos, era facultada, sendo de considerar que o seu valor real podia baixar substancialmente330. Se pensarmos que os conventos possuíam vasto património, não só em construções mas também em herdades de dimensões consideráveis, percebese a causa dessa redução de valores. Não tendo sido alugadas por falta do poder económico da população rural331, os bens imóveis e móveis eram postos à venda por preço cada vez mais reduzido. Foram as classes mais endinheiradas que, considerando a enorme quantidade de bens que em simultâneo apareceram no mercado de venda, adquiriram número significativo desse património332. Os restantes, que não encontravam compradores ou 327

Em 1836 já se procuravam a nível nacional espaços livres no interior dos antigos complexos

conventuais destinados à instalação de hortas para os Regimentos Militares estacionados nas cidades. Em Évora são assinalados espaços livres nas amplas cercas dos extintos Conventos de S. Francisco, S. Domingos e Nossa Senhora dos Remédios, este último já no exterior da área amuralhada da cidade. 328

Por Lei de 30 de Julho de 1839 a igreja e a cerca do extinto Convento de Nossa Senhora

dos Remédios, em Évora, passam para a C.M.E. de modo a aí ser instalado o cemitério público. 329

Sobre o desenvolvimento legislativo referente a bens do Estado e da Igreja, um

agradecimento à Dr.ª Sandra Boavida, do Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças, que gentilmente me facultou diversa documentação. 330

Em 1834 é ordenada a suspensão das vendas de “pinturas, painéis e quadros” provenientes

dos antigos conventos considerando o pequeno lucro que daí provinha. 331

Não esqueçamos as cauções impostas aos arrendatários, que garantiam o cumprimento dos

contratos. 332

Interessante de analisar é o testamento de D. Ignacia Fernandes Ramalho de Barahona,

datado de 1918. O número, dimensão e dispersão física do seu imenso património era enorme. Muito dos bens da Câmara, alguns deles proveniente de ordens religiosas, foram igualmente transaccionados por preços insignificantes. Foi o caso do terreno, que fazia parte do antigo

132

arrendatários, transitavam para as Câmaras e outras instituições333. Foi através deles que as cidades se transformaram a nível urbanístico, mas também que muitos dos actuais equipamentos e serviços públicos se instalaram em espaços próprios condignamente amplos334. Numa urbe onde o tecido urbano se encontrava profundamente preenchido com a propriedade particular, construída ou vedada, os amplos espaços anteriormente ocupados pelas casas religiosas facultaram áreas essenciais para a reedificação urbanística e para a implantação de serviços públicos com diminutos custos de instalações335. Se a qualidade do que então se projectou336e construiu por vezes não foi desejável, essencialmente por nunca ter conseguido igualar os antigos conjuntos religiosos existentes, é contudo inegável que marcou de forma acentuada o urbanismo no interior das muralhas de Évora. Dos conjuntos estudados apenas permanecem com a dignidade passada os de Santa Clara e de São João Evangelista (Lóios), embora com as marcas nítidas das adaptações aos novos usos das antigas construções e cercas. Santa Mónica e S. Francisco337 foram grandemente sacrificados na sua anterior grandiosidade. S. Domingos quase desapareceu, talvez devido ao peso fúnebre da recordação jesuíta na cidade.

Rocio da cidade, vendido a particular no ano de 1887 e destinado a nele ser construída a praça de touros de Évora, hoje com a designação comercial de “Arena”. 333

A tal passagem faltou por vezes falta de definição. Assim no ano de 1940 questionava-se a

C.M.E. sobre a utilização indevida, e recebimento de rendas, de alguns compartimentos das extintas casas religiosas do Salvador e S. Paulo. O que estava instalado nos diversos antigo conventos era dúbio e merecedor de pedidos frequentes de esclarecimento. 334

Em 1831 foi efectuado registo descritivo de todos os bens próprios da C.M.E. o que nos

permite constatar um défice em áreas livres passíveis de serem utilizadas para equipamentos públicos. Em 1884 é elaborado relatório sobre os vários antigos conventos e mosteiros da cidade de Évora na intenção de em um deles ser instalado o Quartel-general da 4ª Divisão Militar. Em 1850 é elaborado orçamento para a realização de obras no antigo convento de S. Francisco, de modo a aí ser instalado os alojamentos para a Força de Infantaria da cidade. 335

O antigo Mosteiro de Santa Clara foi inequivocamente um dos mais ambicionados para

instalações de serviços diversos, seguramente devido à sua privilegiada localização em eixo fundamental da urbe. 336

Algumas vezes não concretizado, por oposição da população, que via serem destruídos

muitos dos pontos de referência seculares da cidade. 337

S. Francisco, anexo ao Paço Real e fazendo parte dele em períodos mais intensos de

estadia da corte em Évora, foi por isso sacrificado quando se verificou o desinteresse da realeza pelo referido espaço e a sequente falta de verbas para as inevitáveis obras de manutenção.

133

Paraíso, mosteiro feminino dominicano, foi totalmente arrasado, podendose igualmente aqui conjecturar sobre um subjacente desejo de anulação da lembrança jesuíta inquisitorial. São João Evangelista (Lóios) anexo a paço de casa nobre, foi talvez o que menos sofreu com a destruição maciça, tendo igualmente perdurado a habitação nobre que lhe deu origem. Para além dos complexos religiosos, o vasto e disperso património paulatinamente acumulado pelas casas através de diversificados modos, muito dele localizado no interior das muralhas da cidade de Évora, ficou no mercado imobiliário para arrendamento ou venda, considerando a caducidade inerente aos anteriores contratos celebrados com os conventos e mosteiros. Os anteriores habitantes viam-se assim subordinados a novas regras, muito restritas e exigentes, que condicionavam, quando não cumpridas, a sua permanência no espaço. O mesmo se passava com as hortas, currais, lagares, e mais bens limitados que foram os seus arrendatários através de novas imposições difíceis de cumprir. Em 1945, mais de um século após esta abrupta intervenção no domínio da posse de bens imóveis dos antigos conventos e mosteiros, e suas sequentes transacções e derrubes, o anteplano de urbanização, da autoria do arquitecto Étienne Groer igualmente preconizou intervenções “demolidoras” no tecido urbano, nomeadamente com a constituição de novos largos, abertura de diferentes novos arruamentos e realinhamento de outros, sempre obviamente através do sacrifício de edificações existentes338. Felizmente só em parte concretizado, este projecto continuava a acção demolidora iniciada mais de uma centúria antes no interior do espaço urbano amuralhado de Évora. Em 2008, volta de novo a ser analisado e proposto com insistência por serviços afectos à Câmara Municipal de Évora a abertura de outros arruamentos no interior do centro histórico, com as mesmas demolições a ela inerentes. Caberá hoje de novo aos habitantes da urbe oporem-se a tais soluções drásticas, que em nada irão valorizar o património da cidade.

338

Em Novembro de 1943, já com o Plano de Urbanização no horizonte, a Fazenda Pública

procura esclarecer em listagem exaustiva que antigas casas religiosas existiam, quais as Ordens que anteriormente as ocupavam e a quem efectivamente pertenciam.

134

5.1 – CONVENTO DE S. FRANCISCO

Fig. 30 – Évora. Convento de S. Francisco e Paço Real, ruínas das antigas construções vistas de Poente [data aproximada 1860, autor desconhecido, doc. gentilmente cedido por Dr. Jorge Custódio.].

5.1.1 – AS PRÉ-EXISTÊNCIAS Na história deste convento numerosas e frequentes foram as influências seculares. Para além da população eborense que contribuiu monetariamente, quer para a construção inicial quer para os sucessivos alargamentos, a monarquia foi determinante para a evolução e especificidades desta casa religiosa. Muitos dos compartimentos erigidos para albergar religiosos foram local de residência da monarquia, que aqui encontrou não só espaços amplos mas também todo o apoio religioso que esta ordem mendicante lhes facultou339. Na verdade as preexistências do complexo conventual resultaram obviamente do que nele existiu e de quem potencializou tais espaços. Uma sucinta descrição das principais acções exercidas pela sociedade civil neste convento permite-nos entender as alterações substanciais dos meios 339

De notar que neste espaço se celebraram três enlaces reais, o do futuro rei D. Pedro em

1336, nove anos após o da infanta D. Maria e passados mais cento e quarenta e cinco anos o do malogrado príncipe D. Afonso, filho de D. João II.

135

económicos que suportavam esta casa, assim como das sucessivas variações funcionais dos seus espaços. Foi facto condicionador e determinante da evolução do complexo conventual a existência e sucessiva localização dos paços reais na cidade eborense. Os monarcas portugueses terão tido o seu espaço primeiramente no antigo edifício fortificado dos freis de Évora, doado aos capitães-mores de ginetes depois da construção dos Estáus da Praça Grande por D. Duarte, entre 1435 e 1438. A sua deslocação para junto dos frades franciscanos condicionou não só o espaço físico mas também a vivência destes irmãos mendicantes. Enumeraremos seguidamente alguns dos factos de maior relevo que contribuíram para o que nos ficou de tal conjunto: – Em Julho de 1245 foi doada, através de escritura, por João Esteves e sua mulher Maria Martins uma terra aos religiosos franciscanos para se alargarem mais, com a obrigação de os encomendarem a Deus340. – Em Setembro de 1250 João Cordura e sua mulher Mayor de Guimarães doaram aos frades um lagar e outra terra junto à primitiva Porta de Alconchel para estenderem mais o seu convento. – D. Afonso III deixou em testamento ao convento cinquenta libras. – D. Diniz terá sido o primeiro rei a pensar fundar junto a este complexo religioso o seu palácio. – Em 1280, Pedro Affonso Mercador e sua mulher Maria Soares deram um campo contíguo ao convento para se expandir. – O convento é indubitavelmente habitado por D. Afonso IV, considerando que é nesses Paços, a S. Francisco, que se celebram os esposórios de seu filho D. Pedro com D. Constança Manuel. – D. Fernando deixa-lhes terras para se alargarem. – Em 14 de Janeiro de 1412 “ano de Chisto”, D. João I, por carta feita em Lisboa, “tomou debaixo do seu amparo, e protecção real o guardião e frades do convento, o mesmo convento, seus servos, e todas as suas cousas, mandando que ninguém tivesse a ousadia de fazer damno a algum religioso, ou cousa pertencente ao convento, sob pena de seis mil soldos, pagos para a fazenda real, e de pagarem em dobro a perda que derem aos religiosos”341 . – D. Duarte faz mercê ao convento de mais algumas terras para se estender ainda mais. – À data de D. Afonso V a então igreja, situada sensivelmente no mesmo local da actual, encontrava-se em ruínas. – D. Afonso V abandonou os Estáus da Praça Grande e instalou-se em S. Francisco, fugindo do centro buliçoso do burgo e encontrando aí espaço livre suficiente. Prometeu este monarca ao convento o restauro da igreja em ruínas, assim como a concessão de outros privilégios. Em contrapartida ocupou a sala de estudos, outras dependências e parte da horta. À data é referida “a porta do Paço antigo que fica abaixo de S. Francisco”, demonstrando assim a existência anterior de um paço no local.

340

Cf. PEREIRA, Gabriel, Documentos…, ob. cit., p. 226 v..

341

Ob. cit., pp. 46-47.

136

– A partir de D. Afonso V a aula, ou estudos gerais do convento, confinante com o noviciado para a parte poente, passou a servir de zona de recreio aos soberanos342. No século XVIII tais espaços encontravam-se em ruínas. – D. João II ampliou de novo o Paço, retirando as oficinas ao convento e obstruindo a vista que os frades tinham para o Rossio343. As obras que se propôs efectuar, obrigado pelo papa, e destinadas à melhoria das condições de habitabilidade dos franciscanos, não as chegou a concretizar até à sua morte em 1495. – D. Manuel efectua essas obras, reconstruindo igreja, dormitório grande, capítulo, sacristia e refeitório344. – A Rua do Raimundo teve um arco que “hia para o convento de S. Francisco” o qual foi mandado demolir pela Câmara em 1533. – “Ao lado Sul ficava a muralha e Porta do Rossio defendida por torre de configuração quandrangular, e mais longe a poente no fim da cerca conventual a porta gótica, mais estreita, chamada do Raimundo: para dentro da cidade, o muro alto dos franciscanos, subia daqui limitando a actual Rua Romão Ramalho que nesse tempo compreendia também a Bernardo Matos percurso largo e irregular por onde subia o gado bravo para as corridas na Praça Grande”. – Em 1616, D. Filipe libertou para o convento o quarto da rainha e outros compartimentos que davam para a horta e laranjal. No quarto referido foram construídos dois dormitórios sobrepostos, garantindo novamente a vista, tão agradável para os franciscanos, para o Rossio de S. Brás. O palácio terá primeiro incorporado o convento, que por sua vez integrou o palácio quando este se tornou secundário para a monarquia filipina. – No inventário dos frades franciscanos do convento da cidade de Évora, datado de 18 de Abril de 1782, são enumerados os diversos compartimentos conventuais e seus equipamentos, não se fazendo contudo qualquer descrição do espaço da cerca345. Ela é apenas mencionada, uma única vez, como local para onde dão algumas celas, à data parcialmente desactivadas, logo sem qualquer tipo de equipamento. Relativamente aos compartimentos então existentes, eles eram os sucintamente descritos: Igreja (com dezasseis altares votivos, sacristia, coro alto e coro baixo), portaria, cozinha, refeitório, celeiro do trigo (à data com onze sacos, um baú, duas caixas grandes, três mesas com gavetas, etc.), adega do azeite (com seis talhas e sete potes), adega do vinho (com dezasseis talhas e dois potes), enfermaria, refeitório da enfermaria, cozinha da enfermaria, cela do enfermeiro mor, cela do enfermeiro menor, dormitório do Reverendo Padre, capelinha,

342

Seguramente no actual espaço público fronteiro aos edifícios habitacionais.

343

De notar que o Rossio era à data um amplo espaço compreendido entre as Portas do Rocio

e do Raimundo. 344 345

Situados possivelmente nas alas Nascente e Sul do claustro antigo. A 3 de Novembro de 1836 é referida em documento proveniente do Arsenal das Obras

Militares a cerca do referido convento, especificando-se ser propícia para a instalação de “Horta Regimental”. Para além desta são mencionadas apenas as cercas de S. Domingos e a dos Carmelitas descalços como suficientemente amplas para este fim.

137

treze celas346 (à data todas equipadas, consequentemente com utilização plena), doze celas para a parte da cerca (sendo quatro delas sem qualquer equipamento, pressupondo pouca utilização da referida ala de celas)347, livraria, dormitório da enfermaria (com cinco celas, todas equipadas), noviciado, uma cela do noviciado, dormitório dos estudantes (com catorze celas, estando uma sem equipamento), cárcere (sem qualquer equipamento, denotando pouca utilização do mesmo), dormitório das abóbadas com dez celas (uma delas sem equipamento) e “casa dos ossos”. Refere ainda que à data era de quarenta e cinco o número de religiosos a morar no convento. – No ano seguinte, em 31 de Maio de 1783, foi novamente efectuado inventário do convento, diferindo deste, em síntese o seguinte: no celeiro do trigo existe menos uma saca de trigo348, aparecem referidas mais oito celas (uma delas sem equipamento), especifica-se que o dormitório da enfermaria possui cinco celas, todas elas equipadas, é descrito um dormitório grande (com as anteriores treze celas dando para a cidade, mantendo-se todas elas equipadas, e mais doze dando para a cerca, desta vez já com menos outro compartimento equipado), o dormitório dos estudantes (com menos outra cela equipada) e o dormitório das abóbadas (que passou a estar todo equipado). Destas duas descrições349 depreende-se a existência de um dormitório grande, com uma ala de celas voltadas a Norte, para a cidade, e outra voltada a Sul, para a cerca conventual, e um dormitório de abóbadas de dimensões notáveis. As celas dos estudantes, em número considerável, também deveriam constituir um corpo importante do conjunto edificado350. – O assalto francês de 1808 retirou do local muitas das suas inúmeras obras de valor, considerando-se então o saque verificado feroz. Peças preciosas de ourivesaria, escultura e paramentos ricos foram recolhidos e levados para locais indeterminados pelo exército francês. – Em 7 de Outubro de 1850 o Corpo de Engenharia efectua medição e orçamento de obras a realizar em S. Francisco no “grande dormitório que fica sobre a caza denominada dos Ossos, a enfermaria, e uma outra caza ao lado, bem como a cozinha e latrinas é necessário reparar os telhados destas cazas 346

Na descrição efectuada no ano seguinte esta ala de celas aparece referida como “dando

para a cidade”, logo expostas a Norte. 347

A exposição desta ala de celas seria a Sul, logo local bastante quente.

348

Facto que, parecendo insignificante, poderá contudo induzir a um menor número de pessoas

a alimentar ou uma maior carência em meios. 349

Inventario do convento de S. Francisco de Évora, para ir à Congregação que se celebra no

convento de Xabregas, em 27 de Abril de 1782, em que presidirá o Nosso Reverendo Padre Provincial, Fr. Alexandre da Encarnação, sendo guardião d´este convento o reverendo Padre Fr. Antonio de S. Porfírio Vellez, prégador jubilado, cod. CVIII/1-41, vol. I, 4ª de 54 folhas, B.P.E.. 350

De toda esta grandeza construída apenas restou a ainda imponente igreja, “casa dos ossos”,

um troço do primitivo claustro e restos do antigo dormitório. Muitas riquezas arqueológicas se encontram contudo ainda soterradas, embora muitas outras sejam arrasadas em nome do progresso. A ausência de cultura, a incúria ou o facilitismo são, contudo, hoje e sempre, as razões primordiais para tais atentados ao património da cidade.

138

[...] demolir 16 panos de tijolo, formando délles igual numero de arcos para fazer comunicáveis alguns quartos do Dormitório, e para o mesmo fim desmanchar 9 quartos de abobadilha de tijollo na enfermaria; construir [...] de pano de tijolo na tapage destas portas, 12 ditos de solho de adobos a 10 ditos de fasquiado e reboco no Dormitório [...]. Tais espaços servirião para alojamento da força de Infantaria que guarnece esta Cidade” 351. – Em 1859, no local da Rua 24 de Julho foi encontrada uma sala soterrada. Sabe que parte da “Galeria das Damas” assentava sobre a muralha352, e o corpo os se situam as janelas geminadas ocupava o chão do fosso interior da barbacã. De todos estes factos, amostragem de um historial opulento, poder-se-ia aspirar à existência de memórias físicas bastante ricas e que perpetuassem hoje um convento e um palácio inegavelmente marcantes. Contudo, de tais riquezas históricas apenas ficaram apontamentos dispersos, que poderão sugerir o esplendor passado. Das muitas peças de celharia esculpida que existiam nas diversas construções muito pouco ficou353. Sabe-se que o hábito da reutilização dos materiais pétreos, em especial quando situados em locais em ruína, era usual. Foi o que certamente aconteceu, primeiramente no paço e, por arrastamento, no próprio convento. As peças eram retiradas indo directamente para alguma obra pública, à época em fase de construção, ou para depósito, sendo posteriormente integradas em outros edifícios, de modo a que com baixos custos os enobrecessem. Inúmeras vezes perdia-se o rasto a tais elementos, considerando que pontualmente eram levados para bem diferenciados locais. Tal situação, após a secularização do espaço conventual, acentuou-se grandemente e gravemente. As diversas e belíssimas obras de arte religiosa que existiram neste convento igualmente se dispersaram, muitas delas perdidas irreversivelmente. Outras, milagrosamente, foram salvaguardadas, permitindonos antever o que teria sido a beleza de tais espaços354.

5.1.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS Após a secularização de 1834, o edifício e cerca do extinto Convento de S. Francisco foram entregues ao pároco da freguesia de S. Pedro, enquanto os 351

O aproveitamento dos materiais provenientes dessas demolições em outros espaços

intervencionados no convento foi verificado, mantendo-se assim um procedimento contínuo ao longo dos séculos sempre que se reutilizava construções antigas. 352

Mais precisamente sobre um dos sucessivos limites defensivos que se construíram devido à

progressiva expansão do Paço Real. 353

Para a construção inicial, em especial do Paço Real, foi possivelmente reutilizado muito

material pertencente a outras construções, então já não utilizadas. 354

Os magníficos painéis anteriormente existentes na igreja do Convento de S. Francisco, e

hoje em exposição no Museu de Arte Antiga, são exemplo do antigo esplendor pictórico.

139

restos do palácio real, pertenças e terrenos anexos conhecidos pelo nome genérico do “Trem” ficaram a cargo do Ministério da Guerra355. Por portaria de 4 de Maio de 1840 é autorizada a transferência da sede da freguesia de S. Pedro para a Igreja de S. Francisco, que à data se encontrava fechada e em mau estado. Em 9 de Maio de 1845 as Cortes Reais então realizadas concederam à Câmara Municipal de Évora todo o património referido, à excepção da igreja e parte do edifício conventual, que continuava na posse da junta da paróquia de S. Pedro. Incumbia à Câmara restaurar os restos do palácio real, instalar no edifício do antigo convento o tribunal judicial356, uma aula nocturna de instrução primária, assim como todos os demais serviços municipais que a câmara entendesse. Igualmente deveria abrir na frente da igreja uma praça que desafrontasse a entrada para o templo e a aformoseasse. O prazo para a Câmara Municipal de Évora dar início às anteriores obrigações era de três anos, tendo contudo apenas seis meses para disponibilizar ao Ministério da Guerra um edifício com as condições necessárias à instalação de uma enfermaria para dez cavalos357. Entre 1860 e 1862 a igreja sofreu obras de vulto, devido ao seu mau estado de conservação358. Em 1863 é inaugurado o Jardim Público, em terrenos do antigo convento. Em 1892 é adquirida através de hasta pública, pelo Dr. Francisco Barahona, parte dos terrenos do extinto convento359. Em 1895, e passados trinta e três anos após a última intervenção de vulto, são retomadas as obras na igreja, desta vez com o apoio monetário do Dr. Francisco Barahona, seguindo-se a inteira remodelação urbanística do quarteirão onde está inserida a igreja do antigo convento. Vários projectos foram executados até à decisão final implementada para o antigo complexo conventual de S. Francisco. Uma das propostas existe documentada através de plantas em depósito na Biblioteca de Estremoz, que foram gentilmente dadas a conhecer pelo dr. Hugo, que as localizou360. Nessas peças aparece desenhada com bastante rigor parte da área urbana à data então existente e envolvente ao antigo convento. Ambas as plantas foram assinadas por José Francisco Alves Franco da Cruz, não se encontrando contudo datadas. Analisando-as em pormenor vê-se que uma das plantas é de trabalho, com a sobreposição entre a situação, do espaço a intervencionar à data, e a proposta urbanística a implementar. A legendagem que possui é a seguinte:

355

Cf. Collecção Official da Legislação Portuguesa, Ministério dos Negócios da Fazenda,

Secretaria d´Estado, 25 de Junho de 1864, p. 324. 356 357

Instalado então no antigo refeitório conventual. Cf. Collecção Official da Legislação Portuguesa, Ministério dos Negócios da Fazenda,

Secretaria d´ Estado, 25 de Junho de 1864, pp. 324-325. 358

Interessantíssimo o documento que transcreve o orçamento para tais obras pois descrimina

os materiais a utilizar e respectivos compartimentos à data existentes. 359

O valor da aquisição foi de “401 000$000”.

360

Sobre o assunto consultar a colectânea de cartografia antiga, em anexo.

140

No canto inferior direito “Nota – A parte banhada de marfim são edifícios que existem e devem ser conservados. A parte encarnada são novas construções. A parte amarella indica demolições”. Sobre o desenho lê-se “Jardim, Rua do Paço, Igreja de S. Francisco, Travessa do muro de S. Francisco, Praça – Mercado, Espaço onde existe a capella dos ossos que deve ser demolida para ser aberta uma nova rua”. A outra planta, que aparece referenciada como “Planta geral da nova praça”, é omissa em algumas construções, que à data já não existiriam. Relativamente aos dados escritos possui os seguintes: No lado esquerdo da planta, e a toda a sua altura: “Legenda – Nº 1 Mercado; / N.º 2 Futuro mercado do peixe; / N.º 3 Rua Setentrional e Largo Adjacente; / N.º 4 Rua Occidental; / N.º 5 Rua Meridiona; /, N.º 6 Rua Oriental “ inferior”; / N.º 7 Dª dª para a rua do Paço e pequeno largo arborizado; / Nº 9 Rua do Lagar dos Dízimos; / N.º 10 Rua dos Talheiros; / N.º 11 Casas que devem ser expropriadas para melhorar esta avenida;/ N.º 12 Horta; / N.º 13 Passeio Público; / N.º 14 Antigo quintal do Convento; / N.º 15 Ruínas do convento de S. Francisco; / N.º 16 Templo de S. Francisco; / N.º 17 Edifício do celleiro comum; / N.º 18 habitações particulares; / N.º 19 Iden Iden; / N.º 20 Local provável para as retretes”. Como nota possui a seguinte descrição: “As linhas AB-AC – e DE indicam quaes as modificações que julgamos indispensáveis para o melhoramento da praça”. A planta em questão aparece com os edifícios assinalados com o n.º 11 desenhado na cor amarelo são duas construções distanciadas entre si, medindo à escala 4,5 metros e que estreitam a Rua dos Talheiros. À data já tinha sido concretizada a demolição da antiga cerca conventual, que anteriormente dava o nome à Travessa do muro de S. Francisco, arruamento esse que nesta planta já não existe. Na cor vermelha, aparecem os números: “1, 2 e 20” Igualmente na mesma cor, naturalmente destinados a ser construídos, aparecem as linhas a traço-ponto referenciadas com letras e os lancis que limitariam os passeios novos a calcetar. Igualmente na mesma cor foram escritas as cotas auxiliares de trabalho e que permitiriam uma correcta implantação da obra a nível planimétrico Comparando as duas plantas, constata-se que na inicial, desenhada naturalmente logo a seguir à passagem para a C.M.E. do património composto pelo antigo convento, existe representado à escala o seguinte: – Limitando a cerca conventual, aparece-nos desenhada a “Travessa do muro de S. Francisco” com uma largura, à escala, de 5,5 metros. Tal muro é demolido entretanto pois na planta efectuada posteriormente, já não é representado. – O Terreiro de S. Francisco encontra-se bem delimitado e é assumidamente lateral relativamente à igreja. Tal facto explica as inúmeras ossadas que se têm encontrado nessa zona nomeadamente do lado Norte da igreja, local usual para enterramentos por ser menos soalheiro361.

361

De realçar a importância que o sol tinha para uma sociedade onde o aquecimento era

realizado pela intensidade dos raios solares ou pelo calor produzido pelo lume, este sempre potencialmente perigoso. A quantidade de madeira e palha existentes nas construções tornavam frequentes episódios dramáticos onde o fogo se propagava rapidamente no interior da

141

– O muro, representado a poente da igreja e que inicialmente vedava o acesso da população ao complexo, religioso e monárquico situado a Sul, o seu traçado em L invertido terminava de topo na fachada do edifício conventual. Poder-se-ia aqui pressupor uma pré existência de limites anteriores à construção da galilé, a qual notoriamente é relativamente recente. Igualmente se adivinha (facto aliás comprovado por algumas fotografias de finais do séc. XIX) que a galilé se prolonga a Sul com a linha de corte irregular indicando uma continuação óbvia. O referido muro vai-se manter, quando do projecto e construção da praça, exactamente à mesma distância da galilé da igreja, ou seja, os quinze metros medidas em planta. Anteriormente esta vedação não existia na zona central do espaço, imediatamente a Sul da frente da igreja, passando depois a não existir nas zonas laterais de modo a viabilizar uma franca circulação. – É representada uma construção sobre o comprido, com 47,5 metros por 8,5 metros, medidos exteriormente à escala e com paredes de aproximadamente 1,5 metro. de espessura. A direcção assume o sentido da mata conventual, inflectindo depois em direcção à horta. O comprimento total era de 77 metros por 3 metros exterior, medido à escala. Mais a Norte é igualmente representada idêntica construção, desta vez com um comprimento de 42 metros por 3,5 metros de largura. Aí o caminho é constituído por “marcos”que poderiam ser os pilares de pérgulas que sombreariam os percursos. Se fosse o caso, como se poderá pressupor, todos os caminhos de pé posto representados na mata conventual, e mais a seguir nos talhões da horta, encontram-se sempre entre os vãos dos referidos pilares, permitindo assim uma continuidade sombreada de percursos. É de salientar que o caminho mais longo, obviamente principal, ligaria um possível varandim sobre o comprido, coberto, e com o seu lado exposto mais aberto voltado a Nordeste (zona mais fresca, sombreada no Verão escaldante de Évora, soalheira no Inverno, tendo uma agradável e contemplativa visão do nascer do Sol e voltada para o primitivo núcleo urbana amuralhado) e continuando no sentido poente. A capela representada no “coração” da mata é local de cruzamento de caminhos, mas poder-se-ia pressupor que estes derivavam, numa fase mais primitiva, do lado Norte. Seriam percursos dos frades que naturalmente edificariam a sua capela no local mais recolhido e ermo, relativamente às outras actividades agrícolas que se pudessem desenvolver no interior da antiga cerca. Fica-nos contudo a questão se seria este maior percurso e construção subsequente, um dos locais de “fresco” do antigo palácio real. – A representação, dando para o Terreiro de S. Francisco, de um pequeno tanque colorido a azul, medindo à escala 1 metro por 2 metro, permitir-nos-á pensar no traçado do aqueduto quinhentista. A bonita torrinha da caixa de água do Aqueduto da Água da Prata aparece ainda em várias fotografias; antes de ser demolida pelos então eleitos do Município que, escudados em ideias pseudomodernistas, ordenaram a sua demolição. Quanto à “Fonte Santa a S. Francisco” que variados documentos referenciam, sem contudo a localizarem, situar-se-ia possivelmente na mata da cerca, mantendo-se a espiritualidade sacra do local. cidade. O facto de ter sido dedicada a Ermida de S. Sebastião ao combate a incêndios permite comprovar tal preocupação por parte da população eborense.

142

Estranhe-se contudo o seguinte, igualmente tendo como documento de análise a referida planta362: – A galilé da igreja no desenho prolonga-se nitidamente, possivelmente como no convento franciscano de Coimbra, onde existe ligação directa com o restante edifício conventual. – As paredes mais grossas, e que seriam da possível pérgola, não assumem qualquer direcção coincidente com as restantes visíveis no documento. – Existem quadrados, possíveis pilares que aparecem soltos, nomeadamente dois num espaço onde aparece só pontualmente representado algum arvoredo. – O Terreiro de S. Francisco apresenta uma maior arborização. – A construção que envolve a igreja aparece nitidamente cortada em ambos os topos para viabilizar a abertura da via proposta na altura. Note-se que, embora o actual desnível seja enorme, na altura é proposto um arruamento que dificilmente podia ter uma inclinação adequada para ligar as duas cotas altimétricas. Repare-se que a capela lateral possui três portas, que obviamente comunicariam com espaços situados a cotas muito próximas. – A torrinha de água não aparece representada, ou poderá ser um quadrado embutido no limite murado da antiga cerca representado à escala com 3,5 metros de largura por 3 metros de profundidade. Caso fosse aí localizada teria uma derivação para 25 metros mais adiante local onde apareça representado outro ponto de água representado por 2 metros de largura por 1 metro de profundidade, medindo à escala. Num pequeno espaço vêem-se nitidamente representados dois pontos de água com os respectivos tanques, assumidamente maior o da Rua do Paço, demonstrando a importância do arruamento em questão. – A representação da parede que termina de topo com um edifício encaixa com um ressalto. Essa seria a arcaria principal do aqueduto em direcção a S. Francisco363, enquanto o outro troço de parede representado, e solto, seria outro ramal do “cano”, em arcaria, que terminaria à cota natural do terreno, passando daí em diante o seu canal a subterrâneo e seguiria em direcção ao Convento da Graça. Se assim fosse, quer dizer que o Terreiro de S. Francisco era assumidamente lateral à igreja, enquanto a entrada para o Paço Real se faria pelo lado oposto. – Igualmente se torna interessante constatar que, defronte da fonte situada na Rua do Paço, a qual possuía tanque suficientemente grande para os animais poderem saciar a sua sede, se vêem quintais a ladear o arruamento. Possivelmente terá existido um amplo largo que, em fase posterior, foi integrado em propriedades particulares, ficando o espaço residual do arruamento com aproximadamente 5,5 metros, medindo na planta à escala. No mês de Fevereiro de 2004, quando da abertura de uma vala para passagem de infraestruturas, confirmou-se a localização do troço do aqueduto assinalado na referida planta em depósito na Biblioteca Municipal de Estremoz. A vala em questão pôs a descoberto o arranque de arcaria, a qual, contudo, já 362

Cf. Anexos diversos – Cartografia antiga eborense, cartg. XXIII.

363

Mais especificamente ao Paço Real situado em S. Francisco.

143

se encontrava interrompida por intervenções anteriores. A direcção que seguia ia de modo a entrar no casario, no prédio n.º 18, à data ocupado por uma loja de artesanato364. De referir que o prédio n.º 16, quando da execução de obras de recuperação, possuía no seu interior, imediatamente encostado à empena Este, um poço ao nível do pavimento, escavado simplesmente no terreno e com uma profundidade de 5,40 metros. O nível da água encontrava-se a aproximadamente 1,70 metros de profundidade. Quando da abertura da vala já referida, sensivelmente paralela às empenas, e a uma profundidade de 1,80 metros, igualmente se constatou o aparecimento imediato de água. Um pouco mais no sentido Norte, e em consequência da mesma vala, detectaram-se, sensivelmente 20 centímetros abaixo do nível do pavimento, ossadas humanas enterradas no sentido Nascente/Poente. Logo a seguir constatou-se a existência, igualmente sob a actual calçada à portuguesa, de uma construção fazendo um ângulo com as actuais empenas, e uma largura de 2,66 metros. Constituída por uma argamassa ligando blocos grandes de pedra, apresenta superiormente uma superfície pouco regular, como se lhe tivesse sido retirado algum revestimento que o enobrecesse. Já em Maio de 2007, nas obras executadas pela paróquia de S. Francisco, foi posto a descoberto um vão ligando ao antigo claustro franciscano, constituído por blocos de granito e rematando superiormente com arco de volta perfeita. Tal abertura seria possivelmente a passagem antiga do claustro para o exterior do complexo conventual, dando ligação para nascente . Mais tarde tal espaço foi entulhado, tendo aí sido construídas as escadas de acesso ao novo dormitório, situado no segundo piso, assim como instalações sanitárias365. Relativamente à zona situada a Poente da igreja conventual, esta foi em parte utilizada para um mercado municipal. Este equipamento público, denominado “Mercado 1º de Maio”, foi inicialmente conhecido por de “D. Manuel” seguindo-se de “S. Francisco”. Tanto a designação toponímica como o local escolhido para o novo mercado foram inequivocamente muito polémicas para o comércio local. Até 1863 o comércio de frutas, legumes e hortaliças efectuava-se às terças-feiras na actual Praça de Geraldo, local de eleição para o comércio da urbe. Em Março do referido ano, de modo a efectuar-se o calcetamento central do local em pedra miúda, permitindo assim um mais cómodo passeio à sociedade local, foi tal mercado transferido para a actual Praça de Sertório, onde aliás já se comercializava o peixe. Contudo, os lojistas da Praça de Giraldo contestaram tal mudança, alegando que o novo espaço era “acanhado, de maus acessos e mortífero”366. Não obstante tal contestação, o mercado permaneceu no novo espaço, passando até a ser diário. 364

Hoje um comércio de vestuário.

365

Tive o privilégio de me ter sido dado a ver este achado, no dia em que foi ocasionalmente

detectado pelos pedreiros, a 3 de Maio de 2007. 366

Objecções pouco compreensíveis considerando que à data existiam três arruamentos que

davam acesso ao espaço: no topo Norte a Rua do Salvador que ligava directamente com a Porta Nova, a Sul a Travessa de Sertório e a Rua de São Tiago ambas ligando à Rua Nova que desemboca directamente na Praça de Geraldo. A referência ao espaço ser mortífero afigura-se

144

Em Julho do mesmo ano o mercado passou, novamente a pedido da população, para a actual Praça Joaquim António d´ Aguiar, área que anteriormente fazia parte da cerca do antigo Convento de S. Domingos, por este espaço ser mais amplo367. Contudo, devido às escadas e muros que possuía368, o espaço mostrou-se pouco apropriado, passando novamente para a Praça de Sertório. Considerando que a Câmara tinha a posse dos terrenos do extinto Convento de S. Francisco369, por decisão tomada em 1886 foi o mercado construído, sem contudo obstar a que muitas fossem as reclamações da população relativamente ao novo local. Em 1 de Janeiro de 1880 o novo mercado é inaugurado, tendo contudo sido objecto de uma contestação cerrada da população, que não se revia no novo espaço, considerando a sua descentralidade relativamente ao comércio tradicional estabelecido durante séculos nas arcadas da Praça de Giraldo. É de salientar que, embora o novo espaço possuísse condições higiénicas incomparáveis, continuou-se, contrariamente às disposições camarárias, e por muito tempo, a efectuar a venda na Praça de Sertório, considerando a sua maior proximidade relativamente ao comércio local370. No ano de 1895 foi demolido, no antigo Paço a S. Francisco, o pavilhão da sala da rainha, o qual ainda aparece representado em litografia datada do primeiro terço do séc. XIX371. A volumetria da construção, representada em vista da então Rua do Paço, actual Rua da República, assim como os muros de suporte já à data existentes, permitem-nos configurar uma utilização maciça do espaço. Da área que permaneceu como privada é de destacar a ocupada actualmente por construções pertença da Universidade de Évora, que, tendo mais obscuro pois o único fundamento que justificativo seria um incêndio de proporção que terá existido no local e do qual não encontrei registos. Contudo espessa camada de cinzas existe indubitavelmente no subsolo do local, facto comprovado quando de recentes obras aí realizadas. 367

Antigo espaço ocupado pelo Convento de S. Domingos, e popularmente designado por

“Jardim das Canas”. 368

Tais desníveis resultaram das demolições efectuadas e cujos entulhos embora teoricamente

fossem removidos a vazadouro, foram pontualmente deixados no local. As intervenções paisagísticas posteriores subordinaram-se assim à “modelação“ do terreno tal como há data se apresentava. 369

Os terrenos foram cedidos através de Decreto datado de 25 de Junho, 1864.

370

As terças-feiras, conhecidas pelo “dia do porco“ e os sábados passaram a apresentar uma

concorrência superior a quaisquer dos restantes dias. Contudo a última remodelação do mercado, concretizada pela C.M.E., não foi motivadora de uma mais plena utilização do comércio que aí se instalou. Hoje tal afluência é mínima em consequência da mudança de hábitos da população mas também por a área em questão ter perdido as características populares que estão na génese de qualquer destes espaços comerciais. 371

Imagem reproduzida em A Cidade de Évora, Boletim de Cultura da Câmara Municipal, nºs

63-64, Évora, 1980-81, p. 344.

145

tomado posse do espaço militar, erigiu e remodelou construções, localizadas na zona oeste da cerca conventual372. À presente data, na antiga cerca conventual estão localizados parte do Jardim Público, edifícios da Universidade de Évora construídos já no século XX, parque de estacionamento, mercado municipal e respectivas instalações sanitárias públicas, assim como amplas áreas públicas pedonais e de circulação motorizada. A mancha de construção do antigo convento foi em parte utilizada por via de circulação motorizada, espaço público pedonal, lotes habitacionais erigidos em finais do século XIX373 e equipamento privado de apoio à infância374. Esta última função foi instalada em parte da antiga construção. Existem ainda, nos seus entre forros, nos troços restantes das paredes que perduraram, pinturas murais do que terão sido os restos das celas dos frades franciscanos. A memória dos limites do primitivo claustro gótico encontra-se preservada através de marca no pavimento num dos logradouros habitacionais, onde existe pedra de cor diferenciada, assinalando o centro geométrico do velho claustro incompleto375. A “capela dos ossos” escapou incólume à fúria urbanizadora da época devido à acção eficaz da população, demasiado devota do mórbido espaço. O vasto templo, ícone da arquitectura eborense, igualmente foi salvaguardado e objecto de diversas intervenções de restauro conservativo. O designado “Palácio D. Manuel”, reconstruído depois de várias vicissitudes, representa uma divagação histórica de uma construção que aí se terá situado. À data existe como memória de uma ocupação muito diferenciada da idealizada pelos pioneiros franciscanos de Évora. Numa análise geral, verifica-se que, preponderantemente, o antigo espaço conventual franciscano foi prioritariamente reutilizado para fins públicos (equipamentos ou áreas livres) e uma pequena parte para fins habitacionais. Embora a utilização do espaço tivesse maioritariamente servido o interesse da comunidade, a vandalização das construções entenda-se a sua demolição, em nada dignificou a actuação pública exercida sobre o local.

372

Segundo as plantas existentes na Biblioteca Municipal de Estremoz, onde terão sido a horta

e a mata dos frades menores eborenses. 373

Tais construções foram inicialmente idealizadas para habitações de artistas a fixarem-se na

cidade, projecto esse que se mostrou inviável. Os edifícios erigidos foram posteriormente utilizados, essencialmente, por familiares do senhor Barahona que aí fixaram a sua residência. Em finais do século XX algumas dessas construções foram adaptadas para aí serem instalados diversos serviços públicos, devido à proximidade da Praça de Geraldo e do amplo espaço de estacionamento livre que continua a constituir o Rossio de S. Brás. 374

De realçar que tal equipamento foi fundado por D. Inácia Barahona, esposa do adquirente de

grande parte das “ruínas” do antigo convento e paço. 375

Uma ala completa e outras duas incompletas, ainda existem em espaço do domínio da

Igreja.

146

Fig. 31 – Évora. Convento de S. Francisco, fotografia aérea e planta com limites e área envolvente ao antigo Convento de S. Francisco [bases: foto aérea e cartografia séc. XXI, C.M.E.].

147

Fig. 32 - Évora. Convento de S. Francisco, planta com limites propostos do antigo espaço conventual e actual reutilização urbanística [base: cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

148

5. 2 – CONVENTO DE S. DOMINGOS

Fig. 33 – Évora. Convento de S. Domingos, troço da ala Nascente do primitivo claustro medieval [segunda metade do séc. XIX, autor desconhecido, C.M.E./A.F.E.].

5.2.1 - PRÉ-EXISTÊNCIAS A única imagem conhecida, e inequívoca, deste complexo conventual data de 1501, e faz parte da iluminura do foral manuelino376. À data já os frades dominicanos estariam em Évora há pelo menos duzentos e quinze anos. Quase cinco séculos depois da fundação desta casa conventual Túlio Espanca localiza do seguinte modo a sua igreja “...ocupava a igreja vasta área da actual praça [...] e ainda parte do Teatro Garcia de Resende, estando a sua entrada principal voltada para o lado ocidente, possivelmente compreendida no local do alpendre do mesmo teatro, quase nivelada com a fachada Sul do Palácio dos Mesquita [...]. A porta lateral do cruzeiro, também de serviço público, demorava pouco mais ou menos no centro do jardim [face nascente] e 376

Também o espólio valiosíssimo do Arquivo Fotográfico da C.M.E. é parco em imagens deste

convento. O único documento que possui, e que se apresenta, reproduz a vista interior de parte do claustro antigo. À presente data, após o empreendimento urbanístico implementado para a área, apenas restam alguns apontamentos muito mal tratados que em nada dignificam as memórias de tal área conventual.

149

essa frente do edifício caía sobre um terraço com balaústres e grades de ferro, para o qual se subia por alguns degraus de pedra, constituindo um estreito recinto que o povo designava por Adro de S. Domingos. A este imenso vão que avançava até à presente rua, contra o alçado lateral da igreja faziam frente as casas apalaçadas de D. João de Castro [...] nos finais do século XVI [...] o Recolhimento e Confraria de Santa Marta. [...]. A testeira da capela-mor, ligada a outras construções monásticas circundava a parte norte da praça e [...] na esquina da Rua do Calvário, para onde deitava o alçado posterior do mesmo convento...”377. Em consequência de uma petição efectuada pelo então governador civil, António Joaquim de Ávila, a D. Maria II, deu-se início no ano de 1836 à demolição do antigo convento “para em seu local se fazer uma praça pública”. Em 1839, e na sequência da iminente demolição da igreja conventual, foram trasladados para a Sé de Évora os restos mortais do erudito dominicano eborense André de Resende. Foi mantida a mesma pedra tumular, apenas acrescentando-se nova epigrafia relativa ao acto efectuado de modo a perpetua-lo. Existem referências de que do claustro novo, mandado edificar já no tempo de D. João IH e anexo à igreja, serão alguns fustes, capitéis e bases dispersos por construções, nomeadamente na “capela dos ossos” de S. Francisco, casa Cabral, situada na Rua da Serra da Tourega, e antigo edifício da Inquisição. Dois magníficos portais em mármore foram reutilizados, respectivamente no Cemitério Público dos Remédios e na entrada do Seminário de Évora. Parte do altar-mor foi aplicada na igreja Matriz de Cabeção e a capela de Nossa Senhora do Rosário, incluindo o seu tesouro privado, reconstituída na igreja de Santo Antão, em Évora. Para o Museu de Arte Antiga foram trasladadas duas tábuas de pintura. No antigo Paço dos Morgados, nomeadamente em área anexa da antiga zona de serviço, perdurou caixa tumular em calcário, que deverá ter pertencido ao antigo convento, cuja cerca confinava com tal espaço378. Restos escassos e dispersos do antigo convento mantiveram-se no interior do condomínio designado por Cerca de S. Domingos -1ª e 2ª fases. No casario do topo Nordeste do Largo persistiram contudo os elementos mais bem enquadrados do que restou da construção dominicana de Évora. Parte de um dos claustros assim como uma pequena cripta perduraram relembrando a anterior utilização do espaço assim como sua antiguidade. A dimensão e imponência de alguns destes elementos provam-nos que o complexo conventual dominicano era de uma magnificência assinalável. O espaço que ocupava quando da desactivação da casa religiosa igualmente comprovam uma amplitude de limites considerável. Contudo será sempre de lembrar que a zona em questão à data da fundação já se encontrava grandemente comprometida. É prova inequívoca que quando da fixação na cidade destes frades dominicanos foram necessárias diligências efectuadas pelo próprio rei para a

377

Recriação do espaço através de documentação escrita e conhecimento dos achados

arqueológicos que foram sendo identificados. 378

Tal peça possui gravada a data de 1691.

150

obtenção de algum terreno inicial, obviamente distanciado do convento franciscano já fundado na cidade379.

5.2.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS. Secularizado em 1834, dois anos depois principiaram as obras de demolição para no local se abrir uma praça pública, segundo petição feita ao Governo pelo Administrador Geral do Distrito. Por portaria de 6 de Junho de 1836 é dado à praça o nome de D. Pedro V, nome esse que é alterado para Praça Joaquim António de Aguiar em 20 de Outubro de 1910. Sabe-se que na Rua das Casas Pintadas existiu um teatro que estava em funcionamento no ano de 1843. Já antes de 1881 “se concebera a ideia de um novo theatro”, por velho e deficiente o antigo, chegando a haver local escolhido na Porta de Moura, quantias subscritas e até planta esboçada. Foi contudo eleito novo local e constituída uma comissão especial destinada à escolha do terreno necessário à edificação do novo equipamento, a construir no interior da cerca do então já demolido convento de S. Domingos. A utilização da área necessária fora garantida, visto que “se aforara ao senhor conde da Costa pela quantia de quinze mil réis annuaes”. O início da construção do Teatro Garcia de Resende em 1881380 e o estado de degradação avançada que o edifício do antigo teatro apresentava tiveram como consequência a sua venda em hasta pública no ano de 1893 vindo mais tarde a ser utilizado como celeiro. O novo edifício destinado ao referido teatro foi construído com uma frente de 30 m. por 50 m. de comprimento, confinando a Sul com o antigo paço dos morgados de Mesquita, hoje ocupado pelo Quartel General, a Oeste com a antiga cerca do Convento Dominicano, e a Norte com um beco público. Foi o “Theatro Garcia de Resende começado a construir no anno de 1881, a expensas de uma companhia edificadora legalmente constituída, cujo número de accionistas se elevava a trezentos e quarenta no dia 14 de Agosto de 1890”. O edifício, após a construção, foi entregue ao Município de Évora, sendo as condições essenciais de cedência, aprovadas em assembleia-geral dos accionistas realizada em 5 de Agosto de 1888, as seguintes: – “Conservar o teatro sempre pronto para o uso a que é destinado”;

379

A distância rectilínea mínima regulamentada era de 500 metros entre casas religiosas.

380

Foi Ramalho Ortigão que tomou a iniciativa de, formando uma sociedade com um total de

340 accionistas, e num período de pouco trabalho na lavoura e diminutos investimentos públicos, levar por diante a construção de um teatro de raiz em Évora. Contudo, devido à sua morte, o equipamento foi apenas concluído por Francisco Barahona, que o cedeu formalmente à Câmara Municipal de Évora a 4 de Abril de 1892, sendo a inauguração logo em 1 de Junho de 1892.

151

– “Empregar todos os esforços para que se dêem pelo menos seis récitas anuais”; 381 – “A sala do norte ser destinada para a música” . O cuidado e o esplendor que caracterizaram tal equipamento, localizado muito próximo do sítio onde terá existido a igreja do convento dominicano, foram emblemáticos. A alusão ao antigo esplendor da cidade foi assumidamente assinalada no ponto fulcral da sala, assim: “Representa o panno de bocca um edifício antigo, o palácio de el-rei D. Manuel no jardim da cidade, com escadaria de pedra, em que sẽ vẽ vir descendo o poeta e tangedor Garcia de Resende, o collector do Cancioneiro, o querido de D. João II, com bamdolim a tiracollo e um livro na mão direita. Ao fundo como monumentos da cidade, o Aqueducto de D. João III e o templo romano”382. De todo o vasto terreno retirado à extinta casa religiosa, o primeiro registo existente na Conservatória Predial de Évora sobre parte do antigo convento dominicano foi efectuado somente em 17 de Março de 1922. Foi celebrado arrendamento entre D. Maria Passanha, como proprietária, e a Sociedade Recreativa e Dramática Barbosa de Bocage “dos altos ao prédio urbano com o n.º 14 de polícia, situado na Praça Joaquim António d´Aguiar”. Quanto ao novo espaço público que constituía a Praça Joaquim António de Aguiar, foi projectado em 1944 novo arranjo paisagístico que propunha a demolição do lago e a remoção dos bancos aí existentes. Em 1947 o local foi calcetado, indo ao encontro das novas exigências urbanas para a zona. Após esta data os projectos concretizados para o espaço foram vários, tendo o local sido objecto de sucessivas obras de arranjos exteriores. O espaço foi, e ainda é, popularmente conhecido por “Jardim das Canas”. Nos anos 80 foi aí construído pelo município um quiosque destinado a funcionar em conjunto com uma área de esplanada, pretendendo-se assim um prolongamento da vida nocturna dinamizada pelo teatro. Nos anos 90 todo o espaço, incluindo o referido edifício, foi objecto de nova intervenção, de modo a viabilizar a construção de um parque de estacionamento subterrâneo que servisse de apoio ao teatro. Tal infra-estrutura garantiu ao município as infraestruturas necessárias para a venda, por acordo directo, da restante antiga cerca conventual situada a Poente383, e que até então estava na sua posse. Densas áreas foram erigidas, adoptando apontamentos da antiga casa conventual. Da vasta área conventual parte foi utilizada para equipamento cultural de dimensão que extrapolava no século XIX os limites da própria cidade, outra área de relevo foi utilizada para espaço público/estacionamento subterrâneo. A nova edificação de habitação/comércio foi marcante, permanecendo apenas pequena área que se poderá considerar remodelada e onde a memória da construção antiga dificilmente persistiu.

381

Cf. APOLÓNIA, Maria; ETELVINA, Maria; HERMÍNIA, Maria; SILVÉRIO, Hermínia, «O teatro

Garcia de Resende», A cidade de Évora, nºs 61-62, Évora, 1978, p. 121. 382

Cf. APOLÓNIA, Maria; ETELVINA, Maria; HERMÍNIA, Maria; SILVÉRIO, Hermínia, «O teatro

Garcia de Resende»…, ob. cit., p. 136. 383

Para a referida área existia projecto de ampliação da construção do teatro, com áreas

diversas destinadas a actividades relacionadas com a arte, assim como estacionamento.

152

Fig. 34 – Évora. Convento de S. Domingos, fotografia aérea e planta com limites e área envolvente ao antigo Convento de S. Francisco [bases: foto aérea e cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

153

Fig. 35 – Évora. Convento de S. Domingos, planta com limites propostos do antigo espaço conventual e actual reutilização urbanística [bases: cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

154

5.3 – MOSTEIRO DE SANTA MÓNICA

Fig. 36 – Évora. Mosteiro de Santa Mónica, vista Poente do antigo mosteiro [anterior a 1899, autor desconhecido, C.M.E./A.F.E.].

5.3.1 – PRÉ-EXISTÊNCIAS Foi secularizado no final do século XIX, entrando o conjunto sequencialmente em abandono e ruína. Com o justificativo de colapso iminente a igreja, assim como o lanço oriental do claustro, foram demolidos no início do século XX, disponibilizando áreas para a remodelação dos estreitos caminhos públicos circundantes, que davam acesso à saída do primitivo núcleo amuralhado da cidade. Do primitivo conjunto perduraram os restantes três lanços claustrais, sala de capítulo, portaria e a pequena cerca monástica. Era tão diminuto o significado do conjunto que subsistiu após a secularização do espaço que a Direcção das Finanças do Distrito de Évora, a 16 de Dezembro de 1943, em relatório remetido para Lisboa, não refere nada sobre a restante construção ainda existente assim como respectiva cerca, não obstante a assinalável área pertencente ao Estado aí disponível. Todo o casario de raiz monástica, envolvente ao conjunto, foi igualmente demolido, nomeadamente do lado ocidental, o qual deveria possuir cariz específico considerando a antiguidade do núcleo medieval onde estava inserido

155

e as características culturais da população residente nas zonas da Mouraria e S. Mamede.

5.3.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS A área anexa ao Buraco dos Colegiais, situado a nascente da igreja monástica, sofreu obras de vulto viabilizadas com a cedência, no ano de 1953, pela Casa Cadaval, de terrenos anexos aos primitivos muros da cidade. Foi assim derrubado um troço da muralha e construída uma via circundante, rectificando-se o caminho anterior. O antigo “Buraco dos Colegiais” passou então exclusivamente a ser utilizado como percurso pedonal, desviando-se a circulação para a nova via entretanto construída. A dimensão do rombo concretizado na muralha viabilizou um arruamento com ambos os sentidos, de largura suficiente para permitir a circulação desafogada de veículos automóveis. Tal amplitude de espaço foi contudo ganha com a demolição da igreja monástica, da caixa de água do Aqueduto que lhe estava adossada, de um extenso troço de muralha e de algumas casas anexas. O terreiro posicionado a poente da igreja do Mosteiro de Santa Mónica igualmente sofreu alterações de relevo, viabilizando a citada via384. O referido terreiro, situado no prolongamento do de S. Mamede, sofreu remodelações posteriores diversas, a última das quais constou de um arranjo de espaços exteriores remetendo para anterior solução paisagística. Todo o antigo espaço edificado monástico foi desde a sua secularização ocupado por instituições ligadas ao ensino, facto que se mantém. O ensino público básico é ministrado no piso térreo, enquanto a Universidade de Évora dispõe do primeiro piso, local onde sediou serviços administrativos. Em ambas as áreas tem-se procedido a obras regulares de manutenção e remodelação, procurando-se nas soluções minimizar o impacto que tais adaptações produzem385. Toda a restante área livre foi recentemente urbanizada. Do antigo espaço parte viabilizou vias através da demolição de construções e áreas da antiga cerca; das antigas construções algumas foram reconvertidas privilegiando a instalação de equipamento de ensino; quanto ao restante espaço foi, densamente loteada. 384

A Capela do Jordão, datada do século XVIII, forrada a azulejos e com o conjunto escultórico

do “Baptismo de Jesus” foi sacrificada, quando da demolição da igreja monástica. Preservou-se apenas o referido conjunto escultórico que foi transferido para a Igreja de S. Francisco. A fonte pública existente no Largo de Santa Mónica assim como a caixa de água do Aqueduto da Água da Prata situada adossada à igreja igualmente foram demolidas. 385

O tempo reduzido para tais projectos serem elaborados, tendo em conta a especificidade do

conjunto, verbas muito limitadas e dificuldades no acompanhamento das obras são factores condicionadores para as soluções finais. São contudo de enaltecer o interesse e cuidado na procura de soluções pouco lesivas e a dedicação que os arquitectos Joaquim Tenreiro e Isabel Coelho têm demonstrado na elaboração dos projectos para o local.

156

Fig. 37 – Évora. Mosteiro de Santa Mónica, fotografia aérea e planta com limites e área envolvente ao antigo espaço monástico [bases: foto aérea e cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

157

Fig. 38 – Évora. Mosteiro de Santa Mónica, planta com limites propostos do antigo espaço monástico e actual reutilização urbanística [base: cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

158

5.4 – MOSTEIRO DE SANTA CLARA

Fig. 39 – Évora. Mosteiro de Santa Clara, alçado Sul do complexo monástico dando directamente para a Rua Serpa Pinto, antiga Rua de Alconchel [primeira década do séc. XX, autor desconhecido, C.M.E./ A.F.E.].

5.4.1 – PRÉ-EXISTÊNCIAS Do antigo complexo monástico persistiram inequivocamente os limites físicos, bordejados por arruamentos públicos386. Da área edificada mantém-se a igreja, de construção tardia, com a respectiva sacristia subdividida em dois espaços, refeitório, sala capitular e três torres mirantes. Dos espaços livres são de assinalar o amplo claustro e pátio, que mantêm ainda um conjunto interessantíssimo de peças figurativas situadas nos remates das abóbadas e pilares das respectivas alas dos claustros. Tanto a cerca como os claustros, a nível de coberto vegetal e pavimentos, encontram-se totalmente adulterados e em nada aludindo às suas antiquíssimas funções de espaços de lazer, oração e recreio usufruídos pelas anteriores residentes, monjas claustrais clarissas.

386

De salientar que este foi o único complexo monástico feminino medieval preservado até à

presente data, no que se refere aos seus limites físicos.

159

Os citados espaços, antes tratados com pontos de água, espécies vegetais adequadas às exigências estéticas, sensoriais e medicinais das monjas e estreitos percursos pedonais, estão hoje irreversivelmente eliminados. A bela fonte abastecida pelo Aqueduto da Água da Prata foi retirada do local e posteriormente substituída por réplica, os canteiros e caminhos totalmente pavimentados em calçada miúda de granito. No local, actualmente a parca, mas frondosa, arborização garante pontualmente um verde denso ao espaço claustral.

5.4.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS Com a morte da sua última monja, encerrou-se a 9 de Maio de 1903 a derradeira comunidade religiosa eborense387. Após o seu fecho pela Fazenda Nacional o local foi entregue ao Ministério da Guerra, que o ocupou como quartel entre 1911 e 1936. Nesta data verificaram-se derrocadas que impossibilitaram a sua utilização efectiva, motivando a transferência provisória dos militares aí sediados para Vila Viçosa. O Decreto n.º 19.910 datado de 12 de Junho 1931, publicado no Diário do Governo de 19 do mesmo mês, permitiu a transferência de diversos estabelecimentos de ensino, situados em Évora, para outros locais. Foi assim possível reutilizar, no âmbito do ensino, esta antiga casa monástica, após a execução de obras de recuperação a cargo do Ministério das Obras Públicas388. Após a intervenção mencionada, o conjunto foi entregue no ano de 1951 pelo Ministério das Obras Públicas ao Ministério da Educação Nacional, que nele instalou a Escola Industrial e Comercial de Évora. Este estabelecimento de ensino permaneceu no espaço até 1971. No ano lectivo de 1968/69 foi criada a Escola Preparatória André de Resende, funcionando simultaneamente como escola Industrial durante mais dois anos. Em 1979 foi criada a Escola Preparatória de Santa Clara, a qual, passados catorze anos, se redefiniu na Escola Básica 2, 3389. Em 2003 a igreja, assim como a antiga habitação do capelão390, foram ocupadas provisoriamente pelo Museu de Évora, que devido a obras de vulto

387

D. Maria Ludovina do Carmo, religiosa clarissa desde 24 de Fevereiro de 1833, foi a última

religiosa de hábito, tanto na profissão de fé como na morte. 388

Em 1938, no decurso de obras de reconstrução e conservação, é sugerida a instalação no

local de um estabelecimento de ensino. No ano seguinte eram já ponderadas diversas outras utilizações simultaneamente ao estabelecimento anteriormente proposto. 389

Em 1996 a extinta DGEMN efectuou orçamento para a execução de obras que

posteriormente foram concretizadas viabilizando assim a instalação provisória do Museu de Évora em parte do espaço. 390

De salientar que os espaços em questão permanecem na posse da paróquia de Santo

Antão.

160

no seu edifício se viu forçado a utilizar este espaço alternativo391. O espólio mais significativo foi exposto no corpo da igreja, aberto entretanto ao público como espaço museológico de inegável qualidade. O espaço do coro alto albergou a oficina de restauro, onde se recuperaram algumas das mais significativas peças em talha existentes nos riquíssimos depósitos do museu da cidade. A pequena cerca monástica, totalmente afecta ao estabelecimento de ensino público, foi parcialmente ocupada por construção recente. Na restante área ainda hoje sem edificações o cimentado apoderou-se de toda a superfície, actualmente afecta à prática de desporto. Actualmente todo o espaço, construído ou livre, encontra-se integralmente utilizado, com excepção das três torres mirantes que, embora interiormente em muito bom estado de conservação, apenas abrigam a população crescente de pombos que aí encontra guarida para a sua nidificação392. A reduzida área do conjunto religioso foi assim totalmente reutilizada para fins públicos; os seus limites mantiveram-se confinando directamente com vias públicas. A Sul situa-se um dos eixos viários principais da cidade, a actual Rua Serpa Pinto, antiga Rua de Alconchel, para a qual abrem as duas portas públicas da igreja monástica. Tal via mantém hoje toda a importância e dignidade antigas. Os importantes imóveis particulares fronteiros são prova de tal facto. A Nascente da cabeceira do templo, e igualmente com acesso pela mesma via, outro imóvel de relevo, este brasonado, atesta a escolha do local por famílias nobres. Todos os restantes arruamentos, que circundam a antiga cerca, Rua de Santa Clara393, Rua da Carta Velha394, Rua de São Domingos395, Rua do

391.

O Museu de Évora, instalado anexo à Sé eborense, fechou ao público em Maio de 2003,

tendo em parte reaberto a 29 de Junho de 2009, após morosas obras de remodelação. 392

Com excepção da torre sineira recentemente recuperada, com projecto do Arqt.º Filipe

Ramalho, da extinta Direcção Regional dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Sul, e que se encontra em perfeito estado de limpeza. A anterior afectação do espaço ao Museu de Évora contribuiu para o seu bom estado, contudo, com o seu retorno à paróquia de Santo Antão, passa a ser problemática a sua limpeza e manutenção regulares, considerando o seu não uso. Um roteiro abrangendo as torres da cidade (civis, religiosas e militares) poderá facultar uma visibilidade de visitantes que garanta a eficaz manutenção das construções. 393

Em 1546 conhecida por “rua da portaria de Santa Clara”, em 1665 por “travessa defronte da

portaria de Santa Clara” e em 1833 por “antiga travessa de Santa Clara”. A sua actual toponímia data de 1854, logo já após a extinção da ordem religiosa. 394

Data de 1414 o seu actual topónimo, contudo, no ano de 1571 era conhecida por “beco” e

“rua do Medanhas”, devido à localização da sua casa no topo do arruamento. 395

Em 1764 conhecida por “rua que vem da portaria de Santa Clara”, passando em 1869 para a

presente designação topónima.

161

Alfeirão396, Travessa dos Beguinos397 e Travessa da Milheira398, são essencialmente vias de atravessamento secundárias, que delimitam um tecido urbano muito fragmentado, pontualmente com características bastante remotas. São percursos com perfis transversais reduzidos os que ladeiam todo este antigo conjunto monástico feminino. Somente a Rua Serpa Pinto assume um ligeiro alargamento no troço tangente à igreja, o qual terá sido possivelmente mais acentuado quando da primitiva igreja gótica, entretanto totalmente remodelada na época filipina. O habitual adro lateral das igrejas femininas é aqui quase inexistente confundindo-se com o traçado da via principal. Um pequeno largo incaracterístico e tardio localiza-se defronte à portaria do mosteiro.

396

Data de 1613, podendo estar associado o nome à criação de gado, recinto de recolha ou

criador. 397

Data de 1441 e é alusivo a um homem de vida penitente e que professava a pobreza.

398

O seu actual topónimo data de 1764, abrangendo o Arco dos Lobos.

162

Fig. 40 – Évora. Mosteiro de Santa Clara, fotografia aérea e planta com limites e área envolvente ao antigo monástico [bases: foto aérea e cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

163

Fig. 41 – Évora. Mosteiro de Santa Clara, planta com limites propostos do antigo espaço monástico e actual reutilização urbanística [base: cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

164

5. 5 – MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DO PARAÍSO

Fig. 42 – Évora. Mosteiro do Paraíso, alçado Nascente do complexo monástico ladeado pelas Ruas de Machede e Mendo Estevens [anterior a 1900, autor desconhecido, C.M.E./A.F.E.].

5.5.1 – PRÉ-EXISTÊNCIAS Situando-se na confluência das Ruas de Machede e Mendo Estevens possuía acesso situado a Sul, por este último arruamento. O mosteiro é descrito em data situada entre 1884 e 1894, do seguinte modo: “…a disposição actual do edifício é, com variantes de pequena monta, a existente na primeira metade do século XVI. É uma construção irregular, apertada entre as duas ruas de Machede e de Mendo Estevens, assentando em base triangular fortemente inclinada; tem uma pequena quadra muito irregular, um quintal acanhado; todavia o interior não é desagradável, pois possui algumas casas espaçosas e de notável construção como o refeitório e a enfermaria, além dos dois coros [...]. O refeitório é no seu género singular em Évora; como quase todos os refeitórios dos conventos de freiras é uma casa vasta, escura e húmida; há muito que não serve; mas [...] foi construída com extraordinário cuidado; o tecto é de carvalho lavrado, com suas molduras e ornatos de

165

bom trabalho399; pilastras de mármore branco, delgadas, elegantíssimas, sustentam o tecto; em baixo têm as quatro faces molduradas com seus medalhões e bustos; a parte superior é lavrada de meias canas que vão morrer num esbelto capitel...”400. Factores determinantes e condicionantes ao desenvolvimento deste complexo monástico foram a forma do local disponível, que indubitavelmente limitou o desenvolvimento da construção numa única direcção, o facto de aí já existir construção consolidada e o declive acentuado do terreno. O espaço de construção inicialmente ocupado pelo pequeno grupo de senhoras devotas foi ampliado com a aquisição e anexação das casas de André da França Moniz. A tais casas, e que obviamente se situariam imediatamente contíguas ao limite do prédio das religiosas, pertencia uma “torrinha redonda e piramidal” e que em 1849 ainda existia401. Elemento de referência, embora bastante condicionada a nível de área era a pequena igreja monástica, local onde se situava o sumptuoso túmulo de D. Álvaro da Costa. O conjunto da igreja era encimado por torre de fresco comuns a todas as casas religiosas femininas de clausura e a qual é visível nas poucas fotografias antigas que se conhecem. Em Novembro de 1899 iniciou-se a demolição total do mosteiro, justificando-se tal acto com o estado adiantado de deterioração de toda a construção. O facto de ter sido casa dominicana poderá ter sido factor subjacente a tão drástica decisão numa cidade tão nefastamente marcada durante sucessivos séculos pelo Tribunal da Inquisição. Do conjunto anteriormente edificado nada ficou, ou seja restaram elementos soltos que, recuperados da demolição, foram reutilizados em sítios diferentes ou ficaram em armazém esperando oportunidade de aplicação digna. De entre o espólio das antigas salas existem ainda os restos de madeira dos tectos de dois amplos compartimentos: de características bem diferenciadas um

399

Parte dele encontra-se actualmente na Rua de Burgos, na Delegação Regional de Cultura,

exposto como peça decorativa. Igualmente utilizados como elemento decorativo, existem alguns fragmentos do referido tecto em habitação particular situada na Travessa das Peras. 400

Cf. PEREIRA, Gabriel, Estudos Eborenses – História e Arqueologia, 3 voll., Edições

Nazareth, Évora, 1947-71, vol. I, pp. 146-147. 401

Cf. ELERPERK, Augusto Butler, «Sinopse de todas as Ruas, Praças, Travessas, Becos,

Igrejas, Conventos, Edifícios mais notáveis, e algumas antiguidades da Cidade d´ Évora com a extenção das Ruas em passos communs, origem d´alguns nomes das mesmas, e outras particularidades históricas», A cidade de Évora, n.ºs 61-62, Évora, 1978-79, p. 247 [data do texto: 1849]. De referir que pontualmente ainda se encontram na cidade algumas de tais torres como por exemplo na Rua da Carta Velha no que resta do antigo Palácio dos Mendanhas. Igualmente em algumas gravuras antigas da cidade são visíveis tais edificações símbolo do poder económico dos seus proprietários.

166

era em madeira pintada e outro, por descrição do mesmo Gabriel Pereira, o do refeitório, em carvalho lavrado402. O testemunho em azulejaria seria igualmente vasto. São exemplos painéis existentes em fachada de edifício situado na Rua Mendo Estevens, próximo do local do antigo mosteiro, assim como um conjunto muito mais amplo aplicado recentemente pelo Ministério da Cultura no seu edifício localizado na Rua de Burgos em Évora. Indeterminado é o espólio que existirá disperso derivado da demolição deste mosteiro403. No Museu de Évora reuniram-se essencialmente a arte tumular assim como peças em mármore, nomeadamente alguns dos pilares pertencentes ao refeitório, que permitem adivinhar a riqueza e delicadeza do trabalho decorativa. Do espólio móvel é emblemática a belíssima Virgem do Paraíso em exposição no Museu de Arte Sacra, situado anexo à Sé eborense.

5.5.2 – A REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E OS NOVOS ESPAÇOS URBANOS Com a morte da última religiosa aí residente ocorrida em 1897, o primeiro mosteiro dominicano feminino fundado em Évora foi condenado a iminente demolição, que ocorreu logo entre os anos de 1899 e 1900404. Com a drástica intervenção constituiu-se um amplo espaço livre que durante muitos anos funcionou como terreiro designado pelos eborenses por Largo do Paraíso405. Mais tarde, com o ajardinamento de parte da área, esta passou a ser conhecida por “Jardim do Bacalhau”. Tal espaço sofreu remodelações posteriores a nível formal, mantendo contudo até hoje a sua função de zona verde pública com uma arborização de realçar.

402

As peças pintadas encontram-se parte colocado em quarto de casa particular situada no

início da Rua da Mesquita, outra parte em armazém de casa particular pertença da mesma família. 403

Muito outro ficou soterrado no vasto aterro efectuado com os diversos materiais da

demolição. 404

Entre a extinção da Ordem e a morte da última religiosa decorreram sessenta e três anos

durante os quais poucas deverão ter sido as obras de manutenção executadas no antigo conjunto de edificações progressivamente ampliadas em altura as quais compunham este mosteiro dominicano. 405

A planta desenhada à época, da totalidade do terreno, após a referida demolição é explícita

não só relativamente aos limites de propriedade mas também em relação ao desnível entre os seus extremos. Pode-se constatar que partes dos entulhos terão ficado no local e servido para nivelar o terreno obtendo-se assim uma ampla plataforma.

167

Na restante área foi edificado equipamento público ligado à área da saúde. O projecto então executado omitiu qualquer referência, formal ou através da integração de antigas peças soltas, ao antigo e riquíssimo conjunto edificado até então aí situado constituindo uma construção com pouco interesse arquitectónico embora não dissonante da envolvente. A nível viário foi construído algum estacionamento, redefinido o traçado das vias circundantes e construído um pequeno troço de arruamento com as funções de atravessamento viário e servindo simultaneamente de acesso de serviço ao edifício público aí edificado.

168

Fig. 43 – Évora. Mosteiro do Paraíso, fotografia aérea e planta com limites propostos e área envolvente ao antigo mosteiro [bases: foto aérea e cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

169

Fig. 44 – Évora. Mosteiro do Paraíso, planta com limite proposto do antigo espaço monástico e actual reutilização urbanística [base: cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

170

5.6 – CONVENTO DE SÃO JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS)

Fig. 45 – Évora. Convento de S. João Evangelista (Lóios), alçado Norte da casa nobre e complexo conventual dando para o Largo do Conde de Vila Flor [doc. séc. XVII, M.C.C.].

5.6.1 – PRÉ-EXISTÊNCIAS A 11 de Julho de 1483, por alvará de D. João II, foi concedida licença a D. Rodrigo de Mello, primeiro conde de Olivença, para a concretização deste convento em área situada anexa à da sua casa nobre. A igreja desta nova instituição, destinada desde o início a panteão de família, foi contudo sagrada somente no ano de 1491406. Deveu-se assim a uma família nobre da cidade, e aos seus descendentes, a fundação deste convento. A ligação física, directa, que se estabeleceu entre a casa nobre e a igreja do convento permitiu uma convivência de séculos entre ambas. Factor determinante e condicionador do complexo conventual foram indubitavelmente a sua localização e a continuidade da casa nobre que dinamizou esta fundação. Para além das doações inerentes à fundação, e que garantiam a subsistência destes cónegos seculares, outros foram os apoios que

406

O alçado principal da igreja primitiva foi muito danificado pelo terramoto de 1755.

171

granjearam devido essencialmente à assistência que desenvolveram no apoio às vítimas da peste que grassou na cidade entre 1579 e 1580. Da configuração interna do convento são conhecidas duas plantas antigas, que representam os pisos térreos e superior, e um alçado com perfil do terreno representativo do antigo “Terreiro do Marquez”. Tais peças, pertencentes à Casa Cadaval, encontram-se expostas na zona musealizada desta casa nobre em Évora. O complexo religioso cresceu limitado entre a casa senhorial dos Melos, seus benfeitores, a primitiva cerca da cidade, o edifício medieval da Câmara, outra casa senhorial que ocupava a restante área acastelada da cidade e um terreiro público. Tais limites físicos, pouco flexíveis, inviabilizaram uma maior expansão desta da casa religiosa. Possuindo um único e pequeno claustro, viu-se obrigada a crescer nos terrenos da diminuta cerca, que devido à especificidade do seu limite, e características do terreno, se desenvolveu em plataformas. Da opulência da casa nobre dos Melos e do respectivo convento restam actualmente alguns espaços orientados quase na íntegra para o turismo. O espólio móvel que perdurou foi em parte recolhido, permitindo a exposição de algumas peças de inegável valor histórico e artístico.

5.6.2 – REUTILIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E CRIAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS URBANOS O Convento de S. João Evangelista, sendo masculino, foi imediatamente encerrado no ano de 1834, tendo sido reunidos na sua igreja todos os seus bens móveis, depois de efectuado respectivo arrolamento. Contudo, todo o património da referida casa tinha sido inteligentemente apenas cedido pelo seu benemérito, quando da fundação, “enquanto a ordem monástica existisse em Portugal”. Com a sua extinção, e depois de um período litigioso, a reversão desse património foi concretizada para os descendentes dos primitivos fundadores, residentes à data fora do país. Nesta retoma de bens integrou-se a antiga Torre medieval407, que fazendo parte do primitivo castelo de Évora pertencia contudo igualmente a essa casa senhorial, desde a sua doação por D. Afonso V408. Depois de reavida pelos anteriores proprietários, a construção fortificada sem causa foi alugada para nela funcionar um posto meteorológico, considerando a altura altimétrica e exposição do terraço que constitui parte da sua cobertura.

407

Conhecida por Torre do Sertório.

408

Tal torre, contudo, quando da reversão para os seus antigos proprietários ficou com o ónus

de “por ser monumento histórico, digno de conservação [...] a possuidora se responsabiliza a repará-la e conservá-la debaixo da sua guarda e vigilância, como objecto digno de conservação”.

172

Contudo, em Decreto datado de 24 de Outubro de 1911, é expropriada por motivo de utilidade pública, passando assim esta construção para a posse do Estado409. A ocupação anterior manteve-se até à presente data, verificando-se internamente algumas obras pouco consonantes com a importância e significado de tal construção. Igualmente expropriado por utilidade pública foi, em 15 de Janeiro de 1917, o antigo edifício do convento, exceptuando a igreja conventual, que continuou na posse dos descendentes da família fundadora, assim como a área da casa nobre que lhe é anexa e que com ela interliga. A criação do Arquivo Distrital, em 1916, e a posse por parte do Estado do antigo edifício conventual, permitiram a instalação deste serviço público em local privilegiado, anexo à Biblioteca Pública da cidade. Em 1962, contudo, dá-se a transferência do Arquivo Distrital para edifício contíguo à Universidade de Évora410, derivada da decisão de instalar no antigo convento uma das pousadas históricas nacionais. O conjunto que constituía a antiga casa conventual manteve-se, não se tendo verificado aqui a avassaladora acção de demolição e abertura de espaços públicos constatada em tantos outros locais da cidade411. Contudo, verificaram-se obras de adaptação das construções, justificadas pelos novos usos pretendidos. A acção nefasta então exercida na adaptação da construção foi novamente retomada em 2006, quando o edifício foi entregue a empresa particular do ramo da indústria hoteleira412. É em 1958 que a igreja conventual sofre obras de recuperação, por iniciativa do duque de Cadaval, o qual procede igualmente à trasladação dos restos mortais dos seus antepassados, que se encontravam sepultados fora do país, para o panteão particular de Évora. Foi restaurada assim, e até hoje, a função que originou a autorização papal para a fundação deste convento. O convento encontra-se assim utilizado na íntegra como estabelecimento de hotelaria, enquanto a sua igreja, à data já com ligação directa à restante

409

Ainda hoje se encontra aí instalado, no terraço, o equipamento de medições pertença do

Instituto de Meteorologia. 410

O espaço em questão tinha sido utilizado como enfermarias e hospedaria pelos padres

Jesuítas. 411

Para isso terá também contribuído a classificação do antigo convento e sua igreja como

Monumento Nacional através do Diário do Governo n.º 8217, de 29 de Junho de 1922 e de 16 de Junho 1910. O facto de ter tido uma utilização plena, logo após a desocupação dos religiosos, foi igualmente determinante para o seu estado de conservação. 412

O restauro efectuado foi pouco respeitador do existente facto que é mais notório para quem

conheceu anteriormente os espaços intervencionados. O magnífico mobiliário anteriormente existente igualmente foi substituído por outro incomparavelmente inferior.

173

área do paço de D. Rodrigo de Melo, se mantém, estando musealizada pelos actuais proprietários com algumas peças de interesse relevante413. O “Terreiro do Marquez”, para o qual dava a portaria do antigo conjunto conventual, remodelou-se, libertando-se de construções secundárias e alargando-se à custa de algumas das instalações da Inquisição414. O actual amplo espaço pavimentado com “calçada à portuguesa” irá proximamente sofrer obras de “melhoramento” que poderão igualmente descaracterizar este antiquíssimo tipo de pavimento comprovadamente utilizado em Évora desde a Idade Média. O actual e amplo espaço fronteiro foi assim obtido, não através de áreas privadas adstritas a este convento, mas sim de áreas ocupadas por parte das respectivas instalações do Tribunal da Inquisição. Toda a área livre actualmente existente está a ser alvo de projecto de requalificação, designado por “Acrópole XXI”, sendo num futuro muito próximo possivelmente intervencionada.

413

A imagem de Nossa Senhora dos Açougues, existente no antigo açougue municipal,

encontra-se aí exposta, desde que por razões de segurança foi retirada do seu local de origem e aí guardada. 414

Também aqui se verificou uma espécie de “branqueamento” do local, eliminando-se total ou

parcialmente construções que em pouco dignificavam a memória da cidade.

174

Fig. 46 – Évora. Convento de São João Evangelista (Lóios), fotografia aérea e planta com limite proposto e área envolvente ao antigo convento [bases: foto aérea e cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

175

Fig. 47 – Évora. Convento de São João Evangelista (Lóios), planta com limite proposto do antigo espaço conventual e actual reutilização urbanística [bases: cartografia, séc. XXI, C.M.E.].

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6 – BASES PARA UMA PROPOSTA DE SALVAGUARDA URBANÍSTICA DECORRENTE DO SISTEMA MONÁSTICO-CONVENTUAL EBORENSE

6.1 – ENQUADRAMENTO LEGAL Após quase oito séculos sobre o início da construção do primeiro dos conventos urbanos de Évora, muito existe por fazer relativamente ao conhecimento e protecção que este e todos os outros conjuntos religiosos merecem. Legislativamente, em Portugal o texto mais antigo de que se tem conhecimento, relativamente à protecção do património edificado antigo, remonta ao século XVIII e é da lavra do rei D. João V, “o magnânimo”. Por alvará este monarca determinava que: “Daqui em diante nenhuma pessoa de qualquer estado, qualidade e condição que seja desfaça ou destrua de todo, nem em parte qualquer edifício, que mostre [antiguidade] ainda que em estado arruinado…”415. As questões referentes à salvaguarda do património edificado, que durante tantos séculos não mereceram legislação específica, foram retomadas no ano de 1880 através de Portaria datada de 10 Dezembro. Com este documento legislativo é dado início efectivo à criação de classificação própria para imóveis que deveriam ser considerados monumentos nacionais, definidos mais tarde, no ano de 1901, através de Decreto datado de 30 Dezembro. A primeira listagem de classificação é concretizada com o Decreto de 10 Janeiro de 1907416. Dos conventos medievos urbanos eborenses apenas três mereceram classificação como monumentos nacionais. Duas classificações incidiram, no ano de 1910, sobre as igrejas conventuais de S. Francisco e S. João Evangelista; passados doze anos a classificação assumiu já uma perspectiva mais abrangente, incidindo então sobre os conjuntos, monástico de Santa Clara, e conventual de São João Evangelista (Lóios). No caso deste último convento, a sua classificação foi duplamente reforçada a nível de igreja. Em todos eles, não tendo sido estabelecida qualquer zona especial de protecção os conjuntos ficavam desprotegidos relativamente às possíveis intervenções nas áreas envolventes. Concretamente, a legislação referida abarca o seguinte: SÃO FRANCISCO – Encontra-se classificada como monumento nacional a igreja do antigo Convento de S. Francisco. Localização: Praça 1º de Maio, Évora. 415 416

Documento que me foi dado a conhecer pelo arquitecto José Cornélio da Silva. Sobre o assunto: JORGE, Virgolino Ferreira, «Conservação do património e política

cultural», Anais da Universidade de Évora (3), Évora, 1993, p. 28. De referir que foi classificado como Monumento Nacional o Aqueduto da Água da Prata de Évora, o qual abastecia todas as seis casas religiosas ficando estas assim por inerência também classificadas, quer a nível de condutas quer de pontos de distribuição.

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Legislação: Diário do Governo, 16 de Junho 1910. STª CLARA – Encontra-se classificado como monumento nacional o conjunto do Mosteiro de Santa Clara. Localização: Rua Serpa Pinto, Évora. Legislação: Diário do Governo, n.º 8217, de 29 de Junho de 1922. SÃO JOÃO EVANGELISTA (Lóios) – Encontram-se classificados como monumento nacional o antigo Convento dos Lóios, assim como a sua igreja. Localização: Largo do Conde de Vila Flor, Évora. Legislação: Diário do Governo, n.º 8217, de 29 de Junho de 1922 e de 16 de Junho de 1910. Das restantes três casas religiosas estudadas, S. Domingos, Santa Mónica e Paraíso, constata-se que não foram então objecto de qualquer tipo de classificação individual, muito embora algumas delas possuíssem restos de assinalável antiguidade que seria de todo o relevo proteger. Possivelmente considerando que à data das primeiras classificações, nestes três casos, as respectivas igrejas conventual e monásticas já tinham sido demolidas, os restos dos complexos ainda então existentes foram considerados secundários. Após a classificação a 25 de Novembro de 1986 pela UNESCO do núcleo antigo da cidade de Évora como “conjunto” Património da Humanidade, todo o interior amuralhado ficou obviamente abrangido por tal estatuto classificativo. Assim, não só todos os antigos mosteiros e conventos, assim como envolventes e restantes condições que proporcionaram tal classificação, estão abrangidas por protecção específica. O facto de estarem legislativamente protegidas não garante contudo, por si só, uma eficaz conservação. No caso do sistema monástico-conventual medievo ele resulta da leitura preservada dos diferentes conjuntos isoladamente, mas também das ligações entre esses mesmos conjuntos e a cidade como um todo. São obviamente metas difíceis de atingir mas cujos valores, se não forem protegidos, desaparecerão rapidamente entre a avalanche modernista e a febre de construção “fácil” dominantes.

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6.2 – MEDIDAS DE INTERVENÇÃO 6.2.1 – TOPONÍMIA

Fig. 48 – Évora. Exemplo de placa toponímica referente a antigo arruamento de influência monástica.

A cidade de Évora, intramuros, herdou uma toponímia riquíssima que permaneceu em bastantes casos até à presente data. Embora se desconheçam plantas significativas anteriores ao século XIX representando a sua malha urbana e respectiva toponímia, existem algumas antigas listagens de arruamentos destinadas às cobranças de dinheiros devidos ao rei, município ou clero. Através delas é-nos permitido supor o que terá sido a toponímia desta urbe em períodos específicos da sua história urbana. A evolução natural da formação e designação do tecido urbano pouco terá diferido do que se poderá observar hoje na expansão não planeada de qualquer pequeno núcleo urbano. Assim, inicialmente os carreiros, ou trilhos, que atravessavam muitas vezes propriedades ou espaços comunitários, faziam o mais curto e fácil percurso para determinado local, importante por qualquer razão específica. Tais caminhos naturais passavam posteriormente a azinhagas, já como espaços públicos contidos entre muros justificados estes pelo número de

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pessoas utentes de tais percursos e pelo tipo de utilização mais intensiva dos terrenos circundantes. Depois tais caminhos tornavam-se em vias que, com a progressiva fixação das populações ao longo delas, se iam densificando de construções417. Com a edificação de novos muros defensivos tais vias preexistentes poderiam sofrer alguns acertos, muito pontuais, pois, terminando por razões operacionais de defesa e circulação em amplas áreas livres posicionadas imediatamente antes das portas dos muros defensivos, garantiam sempre espaço suficiente para correcções de eixos418. As ruas iam-se assim formando, ligando através do percurso mais curto, e fácil, pontos determinados. Se, nas fases iniciais, o local de chegada era o mais determinante para o percurso ser facilmente reconhecido419, seguiu-se o “reconhecimento” dos percursos por eles próprios, ou através de alguma especificidade da área que cruzavam ou, em fases cada vez mais urbanas, dos seus moradores em geral ou de algum deles em particular420. Poder-se-á ter uma imagem urbana das principais ruas e praças da cidade pouco antes da extinção das ordens religiosas, pois foi lançada em 1826, pela Câmara Municipal de Évora, uma empreitada referente à conservação das calçadas da cidade421. Desse documento constam os seguintes locais, os quais obviamente eram áreas pavimentadas com calçada à portuguesa, em pedra de granito, como aliás ainda hoje existe em algumas delas: Alconchel, Adegas, Tinhoso, Lagoa, Porta Nova, Ancha422, Avis, Fontes, Corredora, S. Tiago, Mouraria, Adro de S. Domingos, S. Mamede, Carreira do Colégio423, Castelos, até à esquina da Rua do Paço424, Mercadores, S. Pedro, Arco de S. Vicente, Ladeira, Adro de S. Domingos, Machede, Mendo Estevens, Espírito Santo, Mesquita, Raimundo, Rua do Paço, desde a Porta do Rocio,

417

A não coincidência da estrutura cadastral em ambos os lados da via, poderá ser prova da

maior antiguidade desta. 418

Tais terreiros, por razões demográficas foram-se progressivamente tornando menores. São

exemplos visíveis: Ruas 5 de Outubro (antiga Rua da Selaria) e de S. Mancos cujos terreiros são imperceptíveis; Rua Serpa Pinto (antiga Rua de Alconchel) cujo Largo das Alterações apenas há 60 anos atrás era bastante mais amplo. 419

Por exemplo a “carreira para a fonte santa”, antes da implantação de S. Francisco, ou a

“carreira para as hortas”, igualmente anterior a S. Domingos. 420

As Ruas da Mouraria, Selaria e Raimundo são alguns dos exemplos, de entre muitos outros

possíveis. Nestes casos foram respectivamente a origem dos seus residentes, a actividade comercial nela desenvolvida e o nome de notável nela residente. 421

Cf. Livro de actas da Câmara de Evora, 1824-28, vol. 60, ff. 91 e seg., Arquivo Municipal,

B.P.E.. 422

Actual Rua João de Deus.

423

Actual Rua Serra da Tourega.

424

Actual Rua da República.

180

Cadeia425, Porta de Moura, Adro da Sé, Infantes, Beco dos Enjeitados e Adro da Misericórdia, Terreiro de´Álvaro Velho, Travessa da Graça, Torta, Capitão, Cano, Amas do Cardeal, Arquinho, Pêras, Nova, Rua da Praça do Peixe426, Burgos e Beco da Rua do Tinhoso. Interessante é verificar que nessa data, e por razões práticas, os dois locais centrais da cidade destinados a mercados, espectáculos de touros e actos públicos encontravam-se apenas em terra batida427. Os arruamentos dos subúrbios limitavam-se ao Rocio, calçada da Fonte Nova, do Chafariz das Bravas até à ribeira do Biscaia, calçada da Cruz da Picada, do Buraco de Cogulos até ao Chafariz dos Leões e estrada da Porta de Machede até ao moinho do Guerra. Em 1834 o Ministério da Justiça, através de decreto datado de 28 de Maio, extinguiu todas as ordens religiosas em Portugal. Todo o imenso património dos inúmeros conventos e mosteiros eborenses ficou a ser património da Fazenda Nacional, tendo à data sido efectuado um arrolamento desses bens. Tal procedimento não obstou contudo a que muitos desses bens móveis simplesmente desaparecessem, devido ao seu alto valor monetário ou às deficientes condições do seu posterior armazenamento. Na toponímia eborense contudo restaram grande influência dessas inúmeras casas religiosas, até então existentes na cidade. Se nos reportarmos à interessante Sinopse das ruas de Evora em 1849428, realizada quinze anos após a extinção das ordens religiosas, constatase que inúmeras são as referências a essas casas, continuando estas a servir como ponto de referência na malha urbana da cidade, ou simplesmente fazendo parte integrante da descrição de Largos e Ruas. Assim, verificámos inúmeras menções com significativo relevo, limitandonos contudo seguidamente apenas a fazer referência às alusivas às seis casas religiosas medievais em estudo429. A S. Francisco e ao Paço Real, considerando a sua integração no antigo espaço conventual, constataram-se as seguintes430: 425

Parte da actual Rua Romão Ramalho.

426

Actual Travessa de Sertório.

427

Tal facto constatou-se recentemente com as obras de remodelação de infra estruturas

efectuadas nas referidas Praças do Giraldo e Sertório (antigas Praças Grande e do Peixe). É contudo de notar que na Praça de Sertório, se encontrou um pavimento impermeável com aspecto bastante antigo o qual não chegou a ser datado. 428 429

Cf. ELERPERK, Augusto Butler, «Synopsis…», ob. cit., pp. 199-274. Considerando que S. Francisco e o Paço Real são indissociáveis, assim como S. João

Evangelista e o respectivo Paço Nobre, que desde sempre lhe esteve anexo. 430

O espaço conventual, quando da desafectação à respectiva ordem religiosa, encontrava-se

em parte rodeado pela Rua do Paço (actual Rua da República), Largo de S. Francisco (actualmente parte da ampla Praça 1º de Maio) e Rua Romão Ramalho. Perpendicularmente a

181

“CASTELLOS – Rua dos – Principia no Largo dos Castellos, e termina na Rua do Paço. Tem de comprimento 360 passos. Está na direcção de ESSE a ONO. Compoem-se de bons edeficios. Tem logo ao princípio á direita um pequeno Beco, passa por um largo contiguo ao Terreiro da Lameda, e pelo Terreiro de D. Braz. Pertence à Freguezia de S. Pedro. Chama-se dos Castellos por principiar no Largo deste nome (p. 218)”. “CAVACO – Arco do – Dá-se este nome a um Beco, que tem no fim um pequeno arco. Principia na Rua do Paço, e termina na Rua da Cadeia. Tem de comprimento 150 passos. Está na direcção de SE a NO. Compoem-se de muros, e cazas de mediocre aparencia, algumas altas, he muito immundo. Pertence à Freguezia de S. Pedro (p. 219)”. “CELEIRO COMMUM – Está situado no Largo de São Francisco, defronte da Ermida de S. João Baptista, e faz esquina para a Rua do Paço. A seguinte inscripção que se acha esculpida na parte superior do elegante portal da entrada deste edefício, claramente mostra a epoca da sua fundação, e quaes forão seus fundadores. «CELEIRO COMUM FEITO P.ª UTILIDADE PUBLICA P. ORDEM DE S. MAG. FED. SENDO INSP. E DEPT. O DZB. JOÃO JOZE DE F.ª DA COSTA E ABREU GUIÃO, CRG. DESTA COMARCA E DEPUTADO DO MES. CELLEIRO O CONEGO JOÃO PEDRO STOCOLER E 431 ESTEVÃO MENDES DA SILVEIRA, CIDADÃO DESTA CIDADE. ANNO de 1777» .”

“CHAFARIZ NO LARGO DE S. FRANCISCO – Tem duas bicas que lanção agua do Aqueducto de Sertorio para um tanque que tem de comprimento 31 palmos, sobre 6 de largura. Foi mandado fazer pela Camara Municipal em 1840 para o que se abrio o cano que comunica a agua para a fonte do Rocio de S. Braz (p. 221)”. “EBORIM – Rua d´ – Principia na Rua do Paço, e termina na Rua dos Castellos, n`largo contiguo ao Terreiro da Lameira. Tem de Comprimento 200 passos. Está na direcção d´Oeste a Leste. Compoem-se de muros e poucas cazas. Pertence à Freguezia de S. Pedro (p. 226)”. “GRAÇA – Travessa da – Principia na Rua do Paço, e termina na Rua dos trez Senhores. Atravessa o largo da Graça. Tem de comprimento 200 passos. Está na direcção de ONO a ESE. Compoem-se quasi toda de muros. Pertence à Freguezia de S. Pedro. Dá-lhe este nome o Convento junto do qual ella passa (p. 230)”.

“PAÇO432 – Rua do – Principia na Praça grande, e termina na Porta do Rocio. Tem de comprimento 500 passos. Está na direcção de Norte-sul. Compoem-se quasi toda de predios de boa e nobre aparencia, e junto à Porta do muro. Deriva-se-lhe o nome de ser por esta Rua a entrada para o palacio dÉl-Rei D. Manuel, e Paço Real. He guarnecida de arcaria dos dois lados, desde a Praça

estas, no limite conventual, existiam a Rua do Cicioso, Travessa de S. Francisco (actualmente sem designação toponímica), Travessas dos Frades Grilos, dos Oleiros e dos Fusos. O cadastro apresenta-se diferenciado: nas zonas imediatamente anexas aos edifícios do complexo religioso e Real é pouco fraccionado, remetendo para proprietários pertencentes a classes mais abastadas; nas restantes zonas envolventes à muito ampla cerca as características são bem diferenciadas, induzindo a existência de uma população de artífices. 431

“O Monarca que a inscrição cita he a Rainha D. Maria I”.

432

Actual Rua da República.

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grande ate à esquina da Rua dos Infantes. Pertence à Freguezia de S. Pedro. Quasi ao fim tem uma caixa d´agoa (p. 246)”. “RAIMUNDO – Rua do – Principia na Praça, e termina no Buraco do mesmo nome. Tem de comprimento 600 passos. Está na direcção de NNE a SSO. Compoem-se de cazas altas e bons predios, no fim muros. Pertence à Freguezia de S. Pedro. Esta Rua tomou o nome d´um fidalgo que rezidia nella chamado-Reimondo – carrupto hoje em Raimundo, no seu palacio se crê ser nas últimas cazas proximas ao Buraco. Esta Rua teve um arco que hia para o Convento de S. Francisco, mandado demolir poe Alvará de 25 de Janeiro de 1533 (p. 253)”. “SÃO FRANCISCO433 – Largo – Está situado entre as Ruas do Paço, e Cadeia. Tem de comprimento 120 passos. Está na direcção de Este a Oeste. Compoem-se do Convento de S. Francisco, que lhe dá o nome, da Ermida de S. João Baptista, do Seleiro publico, e de poucas casas, algumas altas. Tem uma Fonte junto a um Aqueducto, no fim do qual há uma antiquicima caixa dágoa. Tem um jardim com algumas árvores de sombra, mandado fazer pela Camara Municipal em 1839. Pertence à Freguezia de S. Pedro (p. 257)”. “SÃO FRANCISCO434 – Travessa de – Principia no Largo de S. Francisco de que se deriva o nome, e termina na Rua da Cadeia. Tem de comprimento 110 passos. Está na direcção de NNO a SSO. Compoem-se de muros, e das costas d´alguns predios da Rua da Cadeia. Pertence à Freguezia de S. Pedro (p. 257)”. A S. Domingos as seguintes435: “ALFEIRÃO – Rua do – Principia na Rua de S. Domingos, e termina na Rua do Saravato. Tem de comprimento 130 passos. Está na direcção de OSO a RNE. Tem muito poucas cazas, he estreita e solitaria. Pertence à Freguesia de Stº Antão – Alfeirão – he augmentativo de – Alfeire – que significa: Receptaculo de porcos, com cancellas ao redor: Lugar cerrado com sebes, ou ramadas, onde estes animaes se recolhem, Curral, Possilgas, etc. Deriva-se do verbo arabico – Fazara – apertar, segurar, restringir. Nas Posturas d´Evora de 1264 encontra-se o seguinte: «Item: mandamos, que todollos Porcariços, que trouxerem porcos no campo, dem eles a seus Senhores ou sinaes deles: e os que os trouxerem no Sovral, outro si, dem do Alfeire recebedo, como se os trouxessem no cham. 433

Actual Largo 1º de Maio.

434

Parte da actual Rua do Lagar dos Dízimos.

435

Considerando o limite da área conventual quando da sua desafectação à ordem religiosa,

esta era limitada em parte pela Rua da Lagoa (actual Rua Cândido dos Reis), Largo de S. Domingos (actual Praça Joaquim António de Aguiar), Ruas de S. Domingos, de S. Cristóvão, dos Penedos, Travessa de Paulo Ramalho e Rua do Calvário. Perpendicularmente a estas vias, e no limite do espaço conventual, existiam as Travessas de Álvaro Pires e das Invernas, Ruas da Ladeira (actual Rua Gabriel Victor do Monte Pereira), do Lagar do Sebo, dos Lagres e da Zanguela. Um cadastro bastante fragmentado coabita paralelamente com amplos espaços de antigas casas abastadas ou de terreno de cultivo. A sua edificabilidade igualmente varia de acordo com a maior proximidade do eixo da Rua da Lagoa e da antiga igreja conventual dominicana, hoje inexistente.

183

E o bacoros, que trouxerem no Sovral de D. Cabeças, se ende alguns perderem, perdoenlhis ende XX cabeças; e dos outros todos dem ende recebedo a seus Senhores». Parece que ali havia um grande receptaculo de porcos, ou Alfeirão, que deu o nome á Rua (p.206)”. “ALVARO PIRES – Rua d´ – Principia na Praça de D. Pedro e termina na Rua da Ladeira. Tem de comprimento 70 passos. Está na direcção de NNO a SSE. Cpmpoem-se de poucas cazas, mas algumas altas. He muito solitaria. Pertence à Freguesia de Stº Antão. Um antigo morador deste nome o deu à Rua (p. 206)”. “ANDRÈ CAVALO – Arco d´ – Situado na Praça de D. Pedro, e principio da Rua d´André Cavalo, passa por baixo do predio nobre de D. Marianna de Macedo, hoje falecida. O primitivo proprietário do referido predio tinha este nome e por isso o tem o Arco e Rua (p. 207)”. “ANDRÈ CAVALO – Rua d´ – Principia na Praça de D. Pedro e termina na Rua da Ladeira. Tem de comprimento 70 passos. Está na direcção de NNO a SSE. Compoem-se de cazas altas. Pertence a Freguesia de Stº Antão. Sobre origem do nome desta Rua-Vide – Arco (p. 207)”. “CAL BRANCA – Rua da – Principia na Rua de S. Domingos, e termina em Penedos. Tem de comprimento 210 passos. Está na direcção de E a º Compoem-se de cazas, altas e baixas. Pertence à Freguezia de Stº Antão. O nome desta Rua he daquelles de que não pude saber a origem (p. 215)”. “CALVARIO – Rua do – Principia na Praça de D. Pedro, e termina na Rua dos Lagares. Tem de comprimento 300 passos. Está na direcção de SSE a NNO. Compoem-se de cazas altas e baixas. Depois d´uma tortousidade no sítio onde desemboca a Rua da Zanguella, tem um Largo a que chmão Cagulos, nome generico a todo este Bairro, ao qual vão ter as Ruas dos Apostolos, Escrivão da Camara, e PAULO Ramalho. Pertence à Freguesia de Stº Antão. Tem o nome de Calvario por terminar junto a este Convento (p. 216)”. “FREI-BRAZ – Rua de – Principia na Rua de S. Domingos, e termina em Penedos. Tem de comprimento 210 passos. Está na direcção de Leste a Oeste. Compoem-se de cazas altas e baixas, mas de mediocre aparencia. Pertence à Freguezia de St.º Antão. Chama-se assim, por ter rezidido nella Fr. Braz de Rezende, celebre pela sua Sciencia (p. 229)”. “FONTE DA PRAÇA DE D. PEDRO – Situado nesta Praça. Tem 4 bicas. Pertencia aos claustros do já demolido Convento de S. Domingos. Recebe um anel dágua do Aqueducto de Sertório”. “INVERNAS – Rua das – Principia na Praça de D. Pedro, e termina na Rua da Ladeira. Tem de comprimento 70 passos. Está na direcção de Norte a Sul. Compoem-se de cazas altas e baixas. Pertence à Freguezia de St.º Antão. Ignoro a origem desta Rua... (p. 233)”. “LADEIRA436 – Rua da – Principia na Ruancha, e termina na Rua de S. Domingos. Tem de comprimento 280 passos. Está na direcção de ENE a OSO. Compoem-se de cazas altas. Tem ao meio um pequeno largo onde desembocão as Ruas: de Andre Cavallo, e Alvaro Pires. Pertence à Freguezia de St.º Antão. Chama-se da Ladeira por ser algum tanto ingreme (p. 234)”. “PRAÇA DE D. PEDRO437 – Está situada no fim da Porta nova, e princípio da Rua dÁlagoa. Tem 200 passos de comprimento, sobre 120 de largura. Fica na direcção de ONO. He Praça irregular feita no terreno que ocupava o já demolido 436

Actual Rua Gabriel Victor do Monte Pereira.

437

Actual Praça Joaquim António de Aguiar.

184

Convento de S. Domingos. Tem uma Fonte que pertencia ao mesmo Convento. Compoem-se de bons predios, alguns nobres, entre estes o do morgado Mesquita. Desembocão nella as Ruas: dÁlagoa, Calvario, S. Domingos, Invernas, Alvaro Pires, Andre Cavallo, St.ª Martha, Porta nova, e Adegas. Pertence à Freguezia de St.º Antão... (p. 251)”. “SÃO DOMINGOS – Rua de – Principia na Praça de D. Pedro, e termina no fim da Rua de St.ª Clara. Tem de comprimento 160 passos. Está na direcção de NNO a Sse junto ao Convento de St.ª Clara faz um angulo recto na direcção de ENE a OSO. Compoem-se de bons predios, e no fim das costas do dito Convento. Deriva-se-lhe o nome do demolido Convento de S. Domingo, que existio onde hoje he a Praça de D. Pedro. Pertence à Freguezia de St.º Antão (p. 256)”.

A Santa Mónica, também conhecido pelo Mosteiro do Menino de Jesus, as seguintes438: “AIRES GONSALVES439 – Rua de – Principia no fim da Carreira do Menino Jesus, e termina na Rua da Mouraria. Tem de comprimento 130 passos. Está na direcção de SSE a NNO. Compoem-se de uma caza nobre, e as mais auazi todas baixas. Pertence á freguesia de S. Mamede. Um sujeito por nome Aires Gonsalves, que se julga ter sido o primeiro dono do predio hoje pertencnte a Joaquim Antonio Machado, deu o nome a esta Rua (p. 203)”. “JACOME ALVES – Rua de – Principia no fim da Carreira do Menino Jesus, e termina na Rua da Mouraria. Tem de comprimento 130 passos. Está na direcção de SSE a NNO. Compoem-se de cazas altas. Pertence à Freguezia de S. Mamede. Um morador deste nome o deu à Rua (p. 233)”. “MENINO JESUS – Carreira do – Principia na Torre das cinco quinas, e termina no principio da Rua d´Aviz, junto à porta nova. Tem de comprimento 250 passos. Está na direcção de Este a Oeste. Compoem-se de cazas altas, e baixas. Pertence à Freguesia de S. Mamede do lado direito, e do esquerdo, da Porta nova ate à esquina do Aarco de D. Izabel, à de St.º Antão, e dali ate à Torre das cinco quinas, à da Sé. O Convento de St.ª Monica que he do Orago do Menino Jesus, e que lhe fica proximo, lhe dá o nome, bem como um nicho que fica fronteiro ao Terreiro da Mouraria, dedicado ao Menino Jesus (p. 238)”. “MOURARIA440 – Terreirinho da – Principia na Rua da Mouraria, e termina na Carreira do Menino Jesus. Tem de comprimento 60 passos. Está na direcção de Norte a Sul. Compoem-se de cazas altas e baixas. Pertence à Freguezia de S. Mamede (p. 240)”. 438

O antigo espaço monástico, quando da desafectação à ordem religiosa, encontrava-se

rodeado em parte pelas Rua do Menino Jesus, Largo de S. Mamede (actual Largo Doutor Evaristo Cutileiro) e Rua das Alcaçarias, perpendiculares ao referido limite pelas Ruas da Mouraria, de S. Mamede (actual Rua Tenente Raul de Andrade) e Travessa dos Cogulos. Trata-se de uma área envolvente com cadastro mediamente fragmentado, ainda hoje com uma densidade construtiva reduzida, características de edificação rústicas e onde se mantém a vivência de um espaço de aldeia. 439

Está incorporada desde 1869 na Rua das Fontes, e compreendia a parte entre a Carreira do

Menino Jesus e a Rua da Mouraria. 440

Actual Largo Dr. Evaristo Cutileiro (antigo de S. Mamede).

185

“SÃO MAMEDE441 – Terreiro de – Está situada entre a Torre das cinco quinas, e a Porta da Traição. Tem de extenção 100 passos. Está na direcção de SSE a NNO. Compoem-se da Igreja e Convento de St.ª Monica, da Parochia de S. Mamede, e de cazas altas. Desembocão nelle as Ruas: da Mouraria, de S. Mamede, Alcaçarias, e um Beco – Beco de S. Mamede – que comunica com a Regueira. Pertence à Freguezia de S. Mamede, cuja Igreja lhe dá o nome. Tem uma caixa d´agoa (p. 258)”. A Santa Clara as seguintes442: “AFERROLHADOS – Rua dos – Principia na Rua de Stª Clara e termina na Rua do Lagar do Sebo. Tem de comprimento 100 passos. Está na direcção de ENE a OSO. Compoem-se de cazas altas, e baixas. Pertence à Freguesia de Stº Antão. Tomou o nome de certos christãos penintentes, que, à maneira das emparedadas se aferrolhavão em certas cazas, uma das quaes existia nesta Rua, nos primeiros annos de estabelecido o christianismo em Evora (p. 203)”443. “ALCONCHEL444 – Rua d´ – Principia na Praça Grande, e termina no Largo do mesmo nome. Tem de comprimento 550 passos. Está na direcção de ENE a OSO. Compoem-se de cazas altas, algumas formozas e nobres. Tem ao princípio uma fonte de duas bicas, e quasi no centro do lado direito, o Convento de Stª Clara. Pertence à Freguesia de Stº Antão (p. 205)”. “LOBOS445 – Arco dos – Comunica o predio, hoje do morgado Maldonado, com o convento de St.ª Clara. Dá o nome ao sítio em que está collocado, o qual principia na Rua d´Alconchel, e termina no fim da Rua da Milheira com qual faz um angulo recto. Tem de comprimento 60 passos. Está na direcção de SSE a NNO. Compoem-se, o lado esquerdo do Convento de St.ª Clara, e o direito do referido predio. Pertence à Freguesia de St.º Antão. Tem este nome porque os primeiros proprietários daquelle predio se apellidarão-Lobos – (p. 235)”. 441

Compreende parte da Rua do Menino Jesus e o Largo de S. Mamede, englobando nela a

antiga Regueira das Alcaçarias ou Outeiro de Santa Mónica. 442

De referir que o antigo espaço monástico se encontrava limitado quando da desafectação à

ordem religiosa pelas Ruas de São Domingos, de Santa Clara, de Alconchel (actual Rua Serpa Pinto), Travessas da Milheira e Beguinos e Rua do Alfeirão. Perpendiculares aos arruamentos circundantes tínhamos as Ruas da Cal Branca, dos Aferrolhados, das Louzadas e a Travessa do Barão. Trata-se de um tecido urbano muito antigo, denso e com um cadastro fragmentado, o que rodeava o antigo espaço monástico. 443

Homem (ou mulher) emparedado ou aferrolhado voluntariamente em condições extremas:

limitado espaço até à morte, sem quase ventilação, alimentação mínima a pão e água, devoção exacerbada. Tais condições proporcionariam alucinações encaradas pela população como revelações de caris religiosas e essas pessoas consideradas como iluminadas. Justifica-se assim a antiguidade remota do arruamento e sua persistência toponímica até hoje. Nos sacerdotes (ou sacerdotisas) de religiões remotas os efeitos eram similares, mas então produzidos pontualmente pela inalação de fumos específicos em espaços muito limitados. 444

Actual Rua Serpa Pinto.

445

Parte da actual Travessa da Milheira.

186

“SANTA CLARA – Rua de – Principia na Rua dÁlconchel, e termina no fim Rua da Carta Velha. Tem de comprimento 100 passos. Está na direcção SSE a NNO. Compoem-se do lado direito do Convento de St.ª Clara que lhe o nome, e do esquerdo de cazas quasi todas baixas. Pertence à Freguezia St.º Antão (p. 260)”.

da de dá de

Ao Paraíso a seguinte446: “MENDO ESTEVAENS447 – Rua de – Principia à Porta de Moura, e termina no Largo de Machede. Tem de comprimento 450 passos. Está na direcção de Oeste a Este. Compoem-se de cazas altas e bons predios. Tem ao princípio o Convento do Paraizo, e no fim a Ermida de N. S. Da Cabeça. Pertence à Freguezia da Sé. Chama-se assim por ter morado nella um fidalgo deste nome (p. 238)”.

A São João Evangelista, ou Lóios, e respectivo Paço Nobre no qual estava localizado as seguintes448: “MARQUEZ449 – Terreiro do – Está situado ao lado direito da Sé. Tem de comprimento 100 passos, contados da esquina do Templo de Diana. Está na direcção de SSE a NNO. Compoem-se do Convento de S. João Evangelista, do Templo de Diana, do lado esquerdo do edeficio que foi Inquizição, e de outras cazas e muros, inclusivamente os antigos palacios que forão do Duque de Cadaval, e Marquez de Ferreira, este ultimo lhe dá o nome. He neste Terreiro a entrada do Pateo do Duque. Pertence à Freguezia da Sé (p. 237)”.

446

O complexo monástico, à data da extinção da Ordem, era rodeado por parte do Largo das

Portas de Moura, Ruas de Machede, Mendo Estevens e das Gatas. Perpendicularmente a estas vias, no espaço compreendido pela área do cenóbio, existiam as Travessas da Amêndoa, do Cordovil, da Cozinha de Sua Alteza, Rua de Pedro Colaço e Travessa dos Façanhas. Um cadastro de dimensão média, conjuntamente com espaços mais vastos resultantes de casas senhoriais, permite constatar a importância urbanística e social quer da área exterior à Porta de Moura quer a envolvente à Universidade. 447

Actual Rua de Mendo Estevens.

448

De referir que parte do limite da antiga casa conventual e paço anexo eram parcialmente

rodeados, à data da desactivação da ordem religiosa, pelo Terreiro do Marquez (actual troço final da Rua Augusto Filipe Simões e Largo do Conde de Vila Flor). Perpendicularmente a este amplo espaço existia a Travessa das Casas Pintadas, Rua da Freiria de Cima, Largo da Sé (actual Largo Marquez de Marialva) e Rua Vasco da Gama. Um cadastro inequivocamente amplo era resultante de casas apalaçadas, dos dois antigos castelos defensivos e de conjuntos públicos de grande porte, como sejam os antigos açougues localizados no templo romano, à data com a configuração de torre defensiva medieva. À data da descrição o peso dos antigos edifícios inquisitórios igualmente assumiam um sinal marcante, embora já passado mais de um século após a extinção desta instituição em Portugal. 449

Compreende os terrenos hoje ocupados pelo Jardim Conde Schomberg, Largo do Conde de

Vila Flor e Ruas Dr. Augusto Filipe Simões e P. Francisco Soares Lusitano.

187

A diversidade de topónimos e o grande número de referências directas ou indirectas às casas religiosas medievais permitem constatar a sua importância como pontos de referência na cidade. Tais casas contribuíram fortemente para a constituição de pontos notáveis marcantes na imagem urbana, facto que lhe granjeou toponímia específica, muinta da qual ainda hoje se mantém450. Será de enorme interesse salvaguardar este património toponímico no seu significado, pois nos casos em que existiu uma destruição maciça dos conjuntos edificados tornou-se na única referência que se perpetuará. Como medidas de intervenção que poderiam preservar este património imaterial, constituído pela toponímia monástico-conventual eborense, proponho o seguinte: – A sua classificação como património imaterial de interesse; – a continuação da elaboração de estudos direccionados para a matéria em questão, sendo contudo de realçar que sobre Évora foram já publicados títulos de indiscutível qualidade451; – a manutenção de toda a antiga toponímia existente no centro histórico da cidade. Esta acção levada a cabo parcialmente é de louvar, considerando ter sido um processo directo de chegar até à população e que, perdurando, mantém a memória do significado dos diversos locais da cidade452; – a complementarização de tal sinalética toponímica com a dos locais das antigas casas religiosas. Sendo uma proposta que à partida poderá parecer despropositada, ela fundamenta-se no facto de actualmente muitos dos habitantes de Évora desconhecerem que mesmo, conjuntos edificados ainda existentes foram anteriores casas monásticas ou conventuais antiquíssimas; – a efectivação de visitas anuais seguindo a toponímia e respectivas casas monásticas e conventuais, explicando-as, associando a elas episódios históricos pitorescos que despertassem o interesse e perpetuassem na memória tais percursos e locais, assim como o seu significado. A “descoberta” de novas alternativas pedonais, até então pouco conhecidas e sem significado, contribuiria para o seu maior uso e, consequentemente, para a progressiva dinamização de tais arruamentos. Tal prática incentivaria o gosto pela descoberta pedonal de novos espaços, tendo como consequência prática a progressiva diminuição do afluxo de veículos motorizados ao interior da cidade amuralhada.

450

Data de 1884 a interessantíssima planta propriedade da M.E. e da qual apresento alguns

extractos relativos às áreas dos mosteiros e conventos tratados. Nesta consta igualmente listagem exaustiva dos arruamentos à data existentes. 451

De salientar que Afonso de Carvalho é actualmente um dos mais ilustres conhecedores da

matéria, Gil do Monte outro dos estudiosos a não olvidar assim como Augusto Butler Elerperk. 452

Um cuidado especial ter-se-à de ter relativamente à preservação ou substituição, sempre

que seja o caso, das placas toponímias: coloração e acabamento das peças de azulejaria deveriam ser o mais idênticas possíveis relativamente aos originais do século XIX.

188

Fig. 49 – Évora. Zonas dos mosteiros e conventos em estudo e marcação dos arruamentos com eles relacionados (reconstituição).

189

6.2.2 – EIXOS CITADINOS

Fig. 50 – Évora. Zonas dos mosteiros e conventos medievais em estudo e marcação dos eixos citadinos neles inseridos (reconstituição).

Uma das características essenciais da cidade medieva é que, apesar da diversidade de tipologias urbanas, ela cresce invariavelmente do centro

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amuralhado para um ou mais espaços abertos, junto às respectivas portas da fortificação e que serão preferencialmente futuras praças453. Os primitivos rocios, situados junto às portas da cidade, e geralmente na posse das Câmaras, seriam assim espaços por excelência que, devido à sua amplitude e propriedade, permitiam terrenos disponíveis para a construção, por mais singela que inicialmente ela pudesse ser. No caso de Évora, o vasto Rocio da cidade deu origem, no exterior da principal Porta medieva da cidade (a 1ª Porta de Alconchel454), a uma ampla área gradualmente nivelado para uma mais eficaz utilização do espaço em toda a sua amplitude; no interior da referida porta o pequeno terreiro que ainda subsiste quase que é imperceptível. Com a progressiva definição, ao longo dos séculos, da Praça Grande (actual Praça de Giraldo) na sua forma, posicionamento na cidade e funções comercial e cívica que desempenhava, é relativamente fácil e possível caracterizar os principais vectores de crescimento da urbe medieval, respectivamente com as direcções Noroeste e Sueste455. As formas das sucessivas Praças que progressivamente se foram construindo ao longo dos séculos, com a constituição de novos tecidos urbanos e respectivos eixos nelas inseridos, dão-nos uma imagem de como e porquê Évora cresceu durante esse período456. A cidade podia contudo, na sua malha medieva, recuperar memórias de uma ou mais das suas antigas implantações ou eixos dominantes, da “Évora” romana, goda e árabe, ou simplesmente ignorá-los. Seriam dados subjacentes que, persistindo em épocas sequentes, provavam não só o desempenho de um papel importante no passado, mas também no presente.

453

Praça do Giraldo relativamente à 1ª Porta de Alconchel, Largo Luís de Camões à Porta Nova

e Largo da Porta de Moura relativamente à respectiva porta são exemplos referentes à época medieval. Já recentemente não raras vezes se mantém o mesmo tipo de crescimento urbano sendo exemplos: o espaço livre exterior à 2ª Porta de Alconchel, onde o Convento dos Remédios e a Igreja dos Salesianos limitam área com potencial de praça pedonal, sendo apenas para tal necessário a reformulação de troço de arruamento e de área expectante; o Rocio, relativamente à Porta do Rocio, que igualmente já foi alvo de estudos tendentes à reconfiguração urbanística da área municipal. 454

Situada possivelmente mais para o lado Noroeste da actual Praça de Giraldo.

455

Percurso natural exterior à primitiva muralha que ligava o território situado a Norte com a

zona a Sul. 456

As posteriores e mais significativas Praças tiveram como génese Arrabaldes que as foram

progressivamente formando. São exemplos: o Arrabalde de S. Francisco que deu origem ao Terreiro da Igreja de S. Francisco, que após a consolidação passou a Largo e que actualmente faz parte do Largo 1º de Maio; o de S. Domingos com o primitivo Terreiro, ao qual se lhe seguiu o Largo e que actualmente faz parte da Praça Joaquim António de Aguiar; o de Santo Antoninho com o Terreiro inicial que terá integrado a actual Praça do Giraldo/Rua João de Deus.

191

Dos seis mosteiros e conventos estudados alguns desempenharam um papel assinalável na estrutura urbana da cidade podendo-se inegavelmente associar a cada um deles importantes largos e eixos urbanos, assim: – No Convento de S. Francisco e Paço Real encontrava-se formado o Largo de S. Francisco (parte do actual Largo 1º de Maio) e a Rua do Paço (actual Rua da República) ligava directamente a Praça Grande (actual Praça de Geraldo) ao exterior da urbe através da antiga Porta do Rocio; – no Convento de S. Domingos encontramos o Largo de S. Domingos, a Rua de Alagoa (actual Rua Cândido dos Reis) e a Rua da Porta Nova (actual Rua José Elias Garcia) que igualmente ligavam o importante Largo da Porta Nova (actual Largo Luís de Camões) ao exterior amuralhado através da Porta de Alagoa; – no Mosteiro de Santa Mónica encontramos o Largo de S. Mamede e a Rua do Menino Jesus, que ligava à Porta do Moinho de Vento457; – no Mosteiro de Santa Clara, a Rua de Alconchel (actual Rua Serpa Pinto), ligando directamente a importante Praça Grande (actual Praça de Giraldo) à segunda Porta de Alconchel, saída mais utilizada da cidade no século XV, como prova a iluminura do foral manuelino de Évora; – no complexo monástico do Paraíso, o Largo da Porta de Moura e as Ruas Mendo Estevens e de Machede, esta última eixo directo de ligação com o exterior amuralhado; – no Convento de São João Evangelista, mais conhecido por Lóios, o Terreiro do Marquez (actual Largo do Conde de Vila Flor), como amplo largo ligando directamente ao espaço dos açougues municipais instalados na antiga torre sineira (actual templo romano) e ao largo medievo da Sé espaço onde até finais do século XV se situou o edifício da Câmara. Inúmeras foram as mudanças urbanísticas concretizadas no núcleo de Évora. De entre muitas outras, apenas referimos situações dispersas que permitem ver a disparidade de acções levadas a cabo pelas edilidades eborense e munícipes em geral. Tais mudanças induzem a sequentes alterações de pontos de afluência e, posteriormente, a mudanças na hierarquização dos respectivos eixos de acesso. Obviamente que durante tantos séculos esses acertos no tecido urbano foram inúmeros, contudo reporto-me apenas alguns dos verificados ultimamente e que são exemplo do referido, assim: – Na Praça de Sertório, antiga Praça do Peixe, foi demolido em 1948 parte do antigo Mosteiro do Salvador458 para construção do edifício dos

457

Segundo Afonso de Carvalho, existiu até ao século XV uma porta com esta designação junto

à Ermida de S. Miguel; contudo, a partir desta data o topónimo passou a designar a porta existente junto à Torre das Cinco Quinas, fronteira à igreja do Mosteiro de Santa Mónica. Sobre o assunto: CARVALHO, Afonso de, Da toponímia…, ob. cit., vol. I, pp.67-68. 458

O que persistiu é de grande valor artístico e histórico, embora à presente data em péssimo

estado de conservação. Tanto a área adstrita à Diocese como a do IGESPAR encontram-se em grande abandono. O projecto, que à presente data está a ser equacionado, de um arquivo documental instalado na Igreja e coro baixo, deverá salvar da ruína parte do espaço embora limite a restante área do conhecimento público.

192

Correios e em 1951 é aberta a Rua de Olivença e remodelada a Travessa do Sertório, Rua do Salvador e Rua do Menino Jesus. – Igualmente na Porta de Moura verificaram-se alterações de vulto, nomeadamente com a abertura de um largo, obtido através da demolição do chamado Palácio do Farrobo, e em 1963 com a construção do Palácio da Justiça. Do antigo e acanhado espaço envolvente ao Mosteiro de Nossa Senhora do Paraíso pouca memória ficou. A amplitude e desafogo da actual área obviamente que deixa adivinhar drásticas demolições. – Durante a segunda década do século XX, na Praça de Giraldo, o que restava do antigo edifício da Câmara foi substituído pela volumetria de construção do Banco de Portugal, em 1955, os Armazéns do Chiado pelo Montepio Geral, abrindo o Café Arcada em 1942 e o Posto de Turismo da C.M.E. em 1957. A centralidade do espaço encontra-se plenamente demonstrada pelos inúmeros instituições bancárias que progressivamente se têm instalado na referida praça, área onde os valores de venda ou arrendamento por m2 de construção atingem verbas muito elevadas459. A valorização deste local, de inegável centralidade urbana, tem sido efectuada através da realização de diversas obras. São exemplos: na década de 50, do século XX, o empedrado das arcadas de Évora, nomeadamente na Praça de Giraldo, Rua João de Deus e Rua da República, foi substituído por lajedo em granito, pavimento à data considerando mais ”nobre” e com maior imagem de “antiguidade”; em 1949 foi igualmente reduzido o tabuleiro central da Praça do Giraldo e, em 1968, remodelada a envolvente à fonte do Aqueduto da Água da Prata; no início do século XXI o pavimento da Praça foi totalmente alterado, permanecendo apenas o padrão gráfico do tabuleiro central, contudo do confronto entre peões e veículos resultou um projecto limitado, considerando

O conjunto, contudo, terá de ser visto como um todo; que indubitavelmente é, e valorizado globalmente:

– A criação de um espaço museológico integrando o magnifico coro baixo, sacristia, igreja e torre de fresco;

– quanto ao restante espaço seria apropriado para a instalação do necessário arquivo e das áreas anexas indispensáveis (exemplo dos gabinetes de trabalho, benéficos à consulta de documentos por investigadores, e indispensáveis ao tratamento das peças em depósito, as imprescindíveis áreas de serviço, tantas vezes “olvidadas” por carência de espaço, etc.). Localização excepcional, especificidade e diversidade de acessos ao seu interior viabilizam facilmente uma óptima utilização do conjunto. Adenda: enalteço o entendimento verificado recentemente entre as duas entidades e que vai proporcionar à cidade, já a partir de 2011, um espaço único gerido conjuntamente e de grande valor cultural. A proposta de integrar o conjunto, nomeadamente a sua torre mirante, na Rota das Torres, projecto em fase de implementação, poderá ser uma mais valia para o conjunto. 459

Tais valores já em finais do século XV seriam dos mais elevados da cidade de Évora. Sobre

o assunto: BAPTISTA, Júlio César, «Os Pergaminhos dos Bacharéis da Sé de Évora», A Cidade de Évora, nºs 65-66, ano III, 1982-83, Évora, 1983, p. 139.

193

que a solução concretizada não foi suficientemente audaz de modo a condicionar o trânsito na praça460. Nesta sequência de obras remodelaram-se áreas directamente relacionadas com as Portas D. Isabel, Nova, de Moura e 1ª de Alconchel. Verificaram-se contudo também repercussões nos diferentes eixos urbanos com elas relacionados, considerando que se secundarizou a Porta D. Isabel e se puseram em destaque as Portas Nova, de Moura e 1ª de Alconchel. Projectos houve que felizmente não conseguiram ser concretizados em todas as soluções preconizadas. Foi o caso do Anteplano de Urbanização de Évora efectuado por Nikita de Grõer em 1959 no qual, entre outras propostas é indicada a abertura de uma avenida ligando os largos dos dois principais conventos medievais eborenses, S. Francisco e S. Domingos, passando pelo espaço do antigo Mosteiro de Stª Catarina. Esta via seria efectuada à custa de demolições, as quais seriam acentuadas em locais determinados de modo a facultar o aparecimento de espaços intercalares, de dimensão marcante, destinados a bolsas de estacionamento. Tal proposta foi uma das não concretizadas. É inegável que os actuais eixos radiais da Rua da República (antiga Rua do Paço), relativamente a S. Francisco; Rua Cândido dos Reis (antiga Rua da Alagoa) e Rua José Elias Garcia (antiga Rua da Porta Nova) relativamente a S. Domingos; Rua Serpa Pinto (antiga Rua de Alconchel) relativamente a Santa Clara; e Ruas de Machede e Mendo Estevens (embora esta última não fosse antigamente de inserção, mas sim estruturante) relativamente a Nossa Senhora do Paraíso, mantêm a importância antiga, hoje reforçada pelos sentidos obrigatórios do trânsito motorizado461. É ainda de realçar que os antiquíssimos eixos radiais, estruturantes da cidade, frequentemente se mantiveram, apenas realinhados e redimensionados462. Quanto aos eixos secundários que interligavam entre si tais vias, foram sendo paulatinamente relocalizados de acordo com a ocupação sucessiva dos espaços e a localização dos mais importantes focos de afluência popular. Nas ligações transversais, é de realçar ainda hoje a importância incontornável da Rua de S. Domingos, que ligava os eixos Serpa Pinto (antiga 2ª Rua de Alconchel), a Cândido dos Reis (antiga Rua de Alagoa) e da Rua do Menino Jesus, tangente a Santa Mónica e ligando a Porta Nova ao exterior do núcleo urbano amuralhado. Os dois eixos radiais constituídos pelas Ruas de Machede e Mendo Estevens, confluentes no espaço do demolido Mosteiro do Paraíso, pela inexistência física da construção redefiniram o antigo ponto de afluência,

460

Transportes públicos de reduzidas dimensões, cargas e descargas ou mesmo o acesso

esporádico de veículos de residentes chegariam para viabilizar uma dinâmica urbana mais “humana”. 461

De referir que a Rua Mendo Estevens só recentemente passou a ligar directamente com o

exterior da área amuralhada. 462

Por exemplo a Rua D. Isabel a qual corresponderia a antiga via romana.

194

passando de espaço religioso (igreja claustral) a espaço público lúdico, assumido pelo actual jardim e equipamentos anexos. Do exposto fica claro que todos os citados eixos mantiveram a sua importância, readaptados contudo à actual ocupação dos espaços e consequentes utilizadores. Alturas houve contudo em que, devido a circunstancias várias, nomeadamente a construção, reconstrução ou remodelação das diversas igrejas monásticas ou conventuais neles situados, a sua fluidez de circulação foi temporária e pontualmente reduzida. Considerando que muitas dessas igrejas se localizavam directamente nesses eixos, por vezes sem o característico largo463, que facultasse espaço para depósito de materiais e movimentação da maquinaria de elevação dos mesmos, muito deveria ser o transtorno produzido nessas vias principais. Se do lado interior o espaço do claustro, sempre tangente ao corpo da igreja conventual, podia servir de apoio, embora pouco apropriado e originando inúmeros transtornos de funcionamento, quando em mosteiros feminino devido à clausura, esse estaleiro que por vezes durava décadas, teria necessariamente de ocupar espaço público dificultando a circulação de pessoas e animais. Possivelmente, pontualmente em alturas de maior intensidade construtiva algum outro eixo paralelo, até então menos importante, passaria a ser mais utilizado, retomando o seu papel secundarizante em época seguinte. O posicionamento das respectivas igrejas monásticas e conventuais, e largos ou adros a elas inerentes, relativamente aos eixos urbanos que as serviam, igualmente contribuiu para a progressiva formação de um espaço construído influenciado pela sua forma e características464. A localização de muitas das habitações dos protectores das respectivas casas religiosas, desde comerciantes, famílias abastadas ou brasonadas, clero ou realeza, eram não raras vezes situadas nas proximidades desses complexos religiosos465. Criavam-se assim eixos de influência, invisíveis, mas não menos importantes para a cidade do que os outros, os urbanos. São estes alguns dos factores imponderáveis ou previsíveis, situações por vezes temporárias ou que se vão eternizando ao longo dos séculos e que marcam o tecido urbano de uma cidade e os seus respectivos eixos estruturantes, tornando-a singular.

463

Caso, por exemplo, da igreja do antigo Mosteiro de Santa Clara, reconstruída várias vezes.

464

Caso do espaço composto pelo Largo de S. Francisco, situado lateralmente à igreja e onde o

eixo principal passa por detrás da cabeceira do templo. As construções acompanhariam o caminho que ladeava a cerca conventual, prolongando-se de um dos lados do largo. Posteriormente, nesse mesmo largo situou-se, que se tenha conhecimento pelo menos uma casa nobre, alterando a anterior tipologia construtiva. No local posteriormente foi erigido o antigo Celeiro Comum. 465

De referir o poder que tais famílias possuíam no espaço restrito do mosteiro, onde

professavam as filhas, tias, e até as mães, em lugares de destaque na hierarquia interna da casa religiosa.

195

Da “cidade” radial e “cidade” fortaleza, à “cidade” em grelha466 e às soluções naturais dependentes das diversas culturas e vivências inerentes a cada época, resultou em Évora um sedimento, urbanístico e humano, indissociável da actual cidade.

466

Defendida por Mattoso para o interior do primitivo núcleo amuralhado de Évora. Cf.

MATTOSO, José; SOUSA, Armindo de, História de Portugal…, ob. cit., vol. II, p. 245.

196

6.2.3 – VALORIZAÇÃO PATRIMONIAL DOS CONJUNTOS 6.2.3.1 – CONVENTO DE S. FRANCISCO

Fig. 51 – Évora. “Planta da igreja de S. Francisco, sala capitular, capela dos ossos, Irmandade da Ordem Terceira e Ermida de S. Joãozinho, anexas” [fonte: ESPANCA, Túlio – Inventário Artístico…, ob. cit., vol. I, p. 147].

Deste riquíssimo e amplo espaço conventual, sempre considerando o facto de que o Paço Real foi erigido no referido complexo, fazendo logo dele parte integrante, restam memórias físicas pontuais que há todo o interesse em preservar. A edificação que compõe a ampla igreja e edifícios anexos está amplamente divulgada e têm vindo a sofrer obras de manutenção e remodelação regulares467. Fazendo parte do referido complexo, seria de intervir na galeria de circulação existente sobre as capelas laterais, a qual permite um percurso superior, ao longo da nave da igreja, abarcando-se daí uma magnífica vista sobre esta. Igualmente tal caminho conduz ao terraço, situado sobre o nartex,

467

Há contudo a referir que algumas obras de remodelação não foram realizadas da maneira

mais adequada.

197

desfrutando-se daí uma ampla visão de todo o espaço envolvente, o qual constituiria a antiga vasta cerca conventual. Seria através do referido percurso igualmente possível o acesso ao que resta dos antigos dormitórios, hoje integrados em construção particular468. Das memórias soltas relativamente ao edifício que restou há a referir estruturas postas a descoberto quando das obras de remodelação do Mercado Municipal, das quais se desconhece em absoluto a datação, assim como a finalidade da construção da qual faziam parte. O espaço situado na cave do Mercado do Peixe, possivelmente cisterna, igualmente é totalmente desconhecido a nível de datação e finalidade de construção. Seriam dois exemplos a aprofundar com exames laboratoriais das respectivas argamassas. Muito foi o que se destruiu quando da realização das obras de infraestruturação e pavimentação realizadas em 2005 nas áreas envolventes ao Mercado Municipal e Igreja de S. Francisco. Seriam elementos a preservar e que poderiam acrescentar uma mais valia notória ao local. Não tendo sido essa a opção tomada, restam troços de alguns dos elementos que subsistiram. Temos ainda a referir os seguintes elementos, que poderão adicionar ao espaço um interesse motivador para um maior conhecimento e divulgação desta área da cidade, indissociável dos frades franciscanos: PORTA NO MURO DA CERCA

No muro da cerca conventual, do lado Sudoeste469, existe uma porta que pelas suas características terá servido de serventia aos terrenos da cerca. Com 2 metros de largura por 1,90 metros de altura total, acima do nível do terreno no lado exterior da cerca, esta porta é rematada superiormente em forma de arco e encontra-se totalmente entaipada. A sua reabertura possibilitaria uma ligação directa entre o espaço descoberto do actual conjunto da Universidade de Évora, utilizado como parque de estacionamento do estabelecimento de ensino470, e o jardim público, mais especificamente na área designada por “mata”. A interligação entre as duas áreas facultaria um aumento da circulação pedonal no jardim, ficando este de imediato menos sujeito a vandalismo, mas também garantiria um percurso muito mais curto, agradável e saudável para todos aqueles que, não tendo hipótese, ou não querendo, estacionar no parqueamento situado no terreno da Universidade, optassem por deixar os seus veículos fora das muralhas. O muro da cerca conventual, conjuntamente com as duas antigas torres defensivas e restos de um troço da muralha, continuam a constituir uma

468

É projecto do actual responsável pela Igreja de S. Francisco a realização da abertura ao

público desta parte totalmente esquecida do convento. As negociações com os proprietários dos edifícios situados em anexo, de modo a viabilizar o percurso, têm remetido para segundo plano tal projecto. 469 470

A porta referida está afastada 11,60 metros, para Sul das designadas “Ruínas fingidas”. De referir contudo que tal área de estacionamento deverá estar aberta a todos os

utilizadores da zona, pois a mudança da Universidade para o local acarretou uma sobrecarga de veículos que legislativamente é imputável à entidade.

198

barreira física notória, acentuada pelo facto de as entradas que terão existido no muro se encontrarem fechadas e imperceptíveis. PALÁCIO D. MANUEL

Actualmente é uma construção resultante da reinterpretação livre de um antigo edifício existente no espaço do convento franciscano. Admite-se ser uma junção de elementos antigos que, recolhidos neste espaço, lhe conferem uma antiguidade aspirada. É contudo um espaço digno, que grandemente pode servir toda a área envolvente como construção pública, indiscutivelmente notável e sabiamente a preservar. Obviamente, o seu interior deverá ser devidamente salvaguardado e valorizado, quer a nível de mobiliário e equipamento, quer de luminárias e sinalética. A qualidade do espaço em questão resulta inevitavelmente de um conjunto de factores que não se podem nunca descurar. PALÁCIO BARAHONA

Imediatamente anexo ao antigo convento foi construído o citado edifício. Igualmente foi edificado por membros da mesma família, e para residências próprias, todo o quarteirão situado a Norte, o qual à data não era ainda ladeado por arruamento transversal. Uma vasta área de terrenos situados a Sul da Rua do Cicioso471 e até à Rua da Rampa472 foi ocupada por esta família influente da cidade. Tais terrenos, que no início deveriam estar livres, ou muito pouco construídos, constituindo os habituais espaços abertos entre a zona urbana e o sistema defensivo da cidade, foram sendo ocupados por edifícios. O actual centro comercial Eborim encontra-se igualmente construído no que seria a propriedade adquirida inicialmente por Barahona473. As construções situadas a Sul da Igreja de S. Francisco também foram erigidas por Barahona, posteriormente a ter adquirido o local através de hasta pública. A demolição do conjunto conventual, incluindo o Paço Real, facultou aos particulares terreno livre em espaço amplo, e à Câmara Municipal garantiu a obtenção de verbas. À cidade retirou-lhe um património valiosíssimo e de impossível reposição.

471

A Rua do Cicioso remonta a 1869, tendo sido conhecida por rua dos Castelos entre esta

data e 1764. Contudo, em 1663 já existem referências aos “castellos” da cidade, na nota de óbito de um dos seus guardas, que à data faleceu. Cf. MONTE, Gil do, Dicionário…, ob. cit., vol.. I, p.65. 472

A Rua da Rampa remonta a 1869, sendo anteriormente conhecida simplesmente por

“rampa”. É descrita em 1849 como “uma abertura na muralha, no fim do Largo do Deposito com rampa do comprimento de 20 passos. Forma uma espécie de ponte sobre os vestigios do antigo fôsso, guarnecido de parapeitos [...] dá sahida para a estrada de Beja, e outras”. Cf. ELERPERK, Augusto Butler, «Sinopse…», ob. cit., p. 253. 473

No referido espaço tinha sido erigida uma “estalagem” destinada a albergar os empregados

das diferentes propriedades da família Barahona, quando por necessidade tivessem de se deslocar à cidade. Logo de seguida, e limitado lateralmente pela “Rampa”, situava-se o celeiro da casa, construção que aliás ainda hoje existe. Informação gentilmente transmitida por um dos descendentes da família Barahona.

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Hoje a utilização do Palácio Barahona como instalações do Tribunal, certamente garante a esta instituição a dignidade requerida, mas simultaneamente requererá dela muito a nível de preservação: os seus estuques pintados e demais pormenores decorativos, de fácil deterioração e difícil e dispendiosa recuperação carecem de um alerta permanente para a qual certamente os actuais responsáveis estarão despertos.

200

6.2.3.2 – CONVENTO DE S. DOMINGOS

Fig. 52 – Évora. Vista de construções com restos da antiga casa conventual de S. Domingos.

As memórias de tão vetusto complexo são parcas. Permaneceram apenas escassos elementos pétreos, integrados hoje em construções mais ou menos recentes. A valorização de tais elementos é assim pouco plausível, considerando a destruição geral que todo o complexo conventual sofreu. São de realçar, contudo, os restos do claustro medievo, integrado em espaço de comércio recente, o qual deveria ter um mais cuidado enquadramento ou, preferencialmente o diminuto espaço vir a ser obrigatoriamente adstrito a uma função turística relacionada com a divulgação do antigo convento dominicano. Igualmente um dos claustros mais recentes, em parte ainda hoje persiste integrado em espaço comercial. Aqui haveria toda a obrigação de uma depuração da área relativamente a elementos decorativos excedentários e de menor bom gosto, tendo em conta a dignidade intrínseca ao espaço em questão. A actual ocupação, relacionada com o vinho, seria de manter tendo em conta a vertente cultural e turística que poderá daí resultar. De realçar uma cripta do antigo convento situada anexa ao claustro e que actualmente está a ser utilizada como garrafeira da loja. O acesso a tal espaço actualmente autorizado é de louvar. 201

Todo o espaço recuperaria dignidade com um mobiliário e respectivo equipamento, sinalética e luminárias sóbrios, dignos e minimalistas. Os espaços públicos que restam, “Jardim das canas” e parcelas sobrantes da ampla cerca, funcionam vocacionadas para o estacionamento de veículos automóveis, subterrâneo e à superfície. O que hoje persiste apenas poderá ser valorizado procedendo-se a uma arborização acentuada que, de algum modo, contribua para melhorar as condições de salubridade nesta área da urbe. O antigo palácio dos Morgados de Mesquita, situado a Sul e extravasando por passadiço sobre a Rua de S. Cristóvão, permite entender que o referido arruamento era situado mais a Norte, tendo sido ocupado em parte por franja de construções ainda hoje existentes, e com óbvios sinais da sua antiguidade. A cerca conventual iria até ao que era este antigo arruamento. As referidas casas, encontrando-se na maioria abandonadas, poderiam ser recuperadas, mantendo-se contudo as suas características intrínsecas. O percurso natural entre S. Francisco, Santa Clara e S. Domingos, efectuado pelas Ruas de Santa Clara e S. Domingos ligadas por um troço da antiga Rua da Carta Velha, que passou a fazer o papel de travessa, possui muito interesse e constitui a prova de que, embora de diferentes Ordens, os conventos masculinos mantinham uma supremacia sobre as casas femininas.

202

6.2.3.3 – MOSTEIRO DE SANTA MÓNICA

Fig. 52 – Évora. Vista geral do espaço anteriormente ocupado pela antiga casa monástica de Santa Mónica.

Do antigo mosteiro, num primeiro relance pouco parecerá ainda subsistir. Não obstante, o que existe é de valor incalculável, considerando o seu contexto urbano. A cerca, já loteada na íntegra, encontra-se em progressiva construção. Com o avanço da implacável máquina urbanística perder-se-á para sempre a possibilidade de saber-se como aí foi o espaço urbano em épocas remotas. Os poucos espaços que permitiriam tal investigação vão desaparecendo em Évora, eliminando definitivamente tais potenciais testemunhos urbanísticos. A amplitude do terreno em causa, e a constatação da existência de ocupação contínua anterior aumentam o desencanto produzido pela nova urbanização, sendo contudo de salientar os seguintes elementos: NORA

Na cerca deste antigo mosteiro existe uma ampla nora com uma abundância de água que espanta, considerando, quer a elevada cota altimétrica do terreno, quer os últimos anos de extrema seca vividos na cidade. As duas amplas contraminas que abastecem a nora encontram-se a pouca profundidade, tangencialmente ao núcleo central, e uma no prolongamento da outra. O acesso a essas contraminas, assim como ao núcleo 203

da nora, é feito por escadaria e permite constatar que a cota da superfície do aquífero se encontra entre 1,80 m a 2,00 m, apresentando uma limpidez notável474. Todo o conjunto edificado encontra-se em bom estado de conservação, ocupando uma área acentuada no espaço da cerca. ORATÓRIO

Adossada ao muro da cerca, e imediatamente anexa à primitiva construção, existe ainda hoje um antigo oratório, que se apresenta bastante deteriorado. Não obstante, ainda se podem observar pinturas nos rebocos, com motivos florais, idênticas a outras, identificadas em Julho de 2005 na parede do chafariz público existente nas proximidades. O oratório apresenta na sua frente um pavimento lajeado, em granito, com uso acentuado demonstrando claramente a sua antiguidade. Encontra-se, à presente data475, esta zona coberta com uma estrutura pré-esforçada, com telha tipo “Lusa”, solução inadequada mas que tem preservado minimamente o conjunto das intempéries. Igualmente tem permitido que este passe despercebido, a tal ponto que se desconhece qualquer referência actual a tal oratório, e mesmo no projecto de loteamento desenvolvido por particulares, e que à presente data se encontra em fase de construção de infra-estruturas enterradas, é omitido tal elemento, por desconhecimento. Pela observação atenta do local, admito que o pequeno oratório seria descoberto, e situado como que encaixado entre o muro da cerca e a construção monástica primitiva, a qual possuía aberturas para a zona em questão476. Uma entrada para a cerca conventual situava-se imediatamente anexa a esta área e muito próxima da nora. A área edificada antiga, a qual sofreu inúmeras vicissitudes ao longo das diversas obras de adaptação do antigo edifício, encontra-se repartida por duas instituições públicas de ensino. As obras iniciais, como já referido, foram intervenções drásticas a nível de demolições e remodelações. Quanto às de manutenção, nomeadamente no respeitante à área adstrita à Escola de S. Mamede, as executadas nos últimos anos têm tentado ser, dentro dos programas e verbas impostas, o mais respeitadoras possível relativamente ao que ainda resta do antigo edifício monástico477. No referente a essas construções, a única medida sensata serão manutenções regulares, com o mínimo de intervenção possível e permanência de utilização dos materiais tradicionais do antigo edifício. 474

O nível da água refere-se a Julho de 2005.

475

Ano de 2005.

476

Tais aberturas encontram-se à presente data entaipadas, adivinhando-se, sob a caiação,

alizares em pedra de granito. A cota do lajedo pressupõe que o espaço estava sobrelevado relativamente ao terreno da cerca, talvez devido à abundância de água em épocas mais chuvosas, mas próximo da cota de pavimento da construção. 477

Os arquitectos Isabel Coelho e Joaquim Tenreiro, ambos técnicos da C.M.E., têm vindo a

esforçar-se por preservar ao máximo as parcas memória da antiga casa religiosa, garantindo simultaneamente, quando na elaboração dos projectos de adaptação escolar, as melhores condições às instalações aí em funcionamento.

204

Um equipamento, mobiliário, luminárias e sinalética discretos, rigorosos e resistentes seriam complemento necessário ao edifício. Uma manutenção rigorosa do belíssimo terraço, ainda com muito de pitoresco, valorizaria o espaço, assim como poria em destaque o singelo lavabo de mármore branco ainda situado perto do citado terraço. As caixilharias em alumínio anodizado certamente são elementos dissonantes, a substituir logo que seja disponibilizada a indispensável verba para tal obra, dispensável segundo o actual olhar político. Obviamente que uma sinalética discreta, talvez até situada na própria calçada do pavimento, assinalando aos mais “distraídos” o lugar da antiga casa monástica feminina seria intervenção pouco dispendiosa e eficaz para a preservação da memória de um espaço religioso no qual a respectiva igreja, já demolida, foi substituída por via de circulação automóvel. Da cerca pequena nada se poderá preservar a não ser o espaço do minúsculo logradouro da escola, hoje totalmente utilizado por actividades diversas. As antigas ligações através de portas entre as duas cercas passaram a ser inviáveis de reabrir, considerando a disposição dos logradouros privados dos diversos lotes habitacionais que inviabilizam tal restabelecimento de circulações.

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6.2.3.4 – MOSTEIRO DE SANTA CLARA

Fig. 54 – Évora. Planta do piso térreo do antigo Mosteiro de Santa Clara [planta elaborada a partir de dois desenhos avulsos, C.M.E.].

O conjunto monástico de Santa Clara encontra-se adstrito a duas entidades diferenciadas, com respectivos usos totalmente separados. Relativamente ao espaço escolar, será inegavelmente muito difícil o seu controle efectivo relativamente a pequenas intervenções, algumas vezes inócuas para o edifício, outras gravemente prejudiciais. A especificidade da construção, grandemente ignorada pelos responsáveis por esses pequenos trabalhos, torna difícil uma mais criteriosa actuação478. A sensibilização das pessoas para se informarem correctamente antes de implementarem soluções por vezes prejudiciais é essencial. A 478

Foram recentemente instalados aparelhos de ar condicionado no exterior de uma das torres,

com sérios danos nas alvenarias e causando infiltrações no piso inferior. A irresponsabilidade da firma executora do trabalho é inegável, e facilmente constatáveis os graves danos que causou ao edifício.

206

consciencialização de que haverá todo o interesse, para a preservação correcta do edifício, em efectuar-se intervenções o menos lesivas possíveis, optando por uma constante manutenção a nível de caiações e reparação de telhados, é básico. Existirá certamente intenção de contenção relativamente a equipamento e mobiliário. Ambos deveriam ser os mais simples, discretos, funcionais, polivalentes e resistentes possíveis. A iluminação e respectivo sistema eléctrico serão algo a controlar cuidadosamente, devendo-se optar por soluções em que as abóbadas não sejam danificadas, nem elementos decorativos subalternizados esteticamente. O restauro conservativo das duas torres adstritas à escola está a ser executado, pretendendo-se com esta intervenção apenas restituir aos espaços a austera dignidade primitiva. O amplo claustro, antigamente predominantemente verdejante, encontrase hoje, devido às actuais funções de recreio, com características bem diferentes. Seria contudo perfeitamente viável a plantação de árvores que minimizassem a agressividade do pavimento em calçada, sombreando o espaço, e servissem simultaneamente para a nidificação de aves. Relativamente ao espaço da igreja e áreas afins seria de todo o interesse que o Museu de Évora mantivesse no local o pólo anteriormente aí situado e hoje desactivado com a recente reabertura do edifício próprio situado anexo à Sé eborense. A magnitude do espaço da igreja monástica engrandecia inegavelmente as peças aí expostas, incentivando por sua vez a constante conservação das construções nas pequenas obras mínimas, mas essenciais, para se evitarem intervenções posteriores mais profundas479. Considerando a especificidade do espaço, seria fácil a constituição de uma pequena oficina de restauro que fosse progressivamente efectuando trabalho a nível da enorme colecção de arte sacra, proveniente dos antigos mosteiros e conventos da cidade e que as paróquias da cidade possuem. Poderia facilmente ser um espaço semiaberto à população, fortemente interligado com a escola localizada em anexo de modo a incentivar o gosto pelas obras e respectivos trabalhos de restauro, talvez o despertar para novas áreas profissionais… Igualmente reforçaria e seria um ponto de interesse no actual percurso dos inúmeros turistas provenientes da Estação Central de Autocarros, situada na Av. de S. Sebastião e que se deslocam a Évora apenas por um único dia, vindos prioritariamente de Lisboa.

479

Por exemplo, actualmente a igreja está a sofrer infiltrações na cobertura devido a uma

caleira situada a meio do telhado, dificilmente visível do exterior, e actualmente entupida com excrementos de pombos. Outra situação refere-se a que sob o pavimento da igreja existem drenos interceptados por respectivas caixas de limpeza, das quais, obviamente, terá de ser bombada para o exterior, regularmente, a água aí acumulada. O seu não esvaziamento facultará o acumular da água nos drenos e a subida do nível freático nas paredes assim como problemas com salitres em frescos e azulejaria.

207

6.2.3.5 – MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DO PARAÍSO

Fig. 55 – Évora. Levantamento do antigo espaço monástico de Nossa Senhora do Paraíso [planta avulsa, C.M.E.].

Do antigo conjunto monástico, no espaço por ele ocupado, nada restou que possa de algum modo ser valorizado, remetendo para o magnífico edifício anteriormente aí erigido. O espaço ajardinado e o pequeno quiosque aí situado apresentam as características de qualquer pequeno jardim em meio urbano, com o respectivo espelho de água, bancos, sebes de verdura e algumas árvores, não existindo no espaço qualquer tipo de alusão à antiga casa monástica. Considerando a actual situação, seria no mínimo interessante a implementação no local de algum material didáctico que permita preservar na memória dos eborenses o espírito do local. O quiosque, que se mantém fechado, poderia ser um pequeno ponto de apoio turístico, complementado certamente com algum apoio comercial (postais de peças dos museus da cidade, livros sobre Évora traduzidos para várias línguas assim como inúmeros outros produtos relacionados com um património de qualidade, da qual a cidade é riquíssima). Numa zona da cidade ainda com bastante interesse, onde a informação e logística estão omissas, seria um ponto de partida para a dinamização da interessante área envolvente.

208

De não esquecer os inúmeros pontos de interesse existentes, como por exemplo a belíssima Ermida da Senhora da Cabeça, o Convento do Carmo, ainda com a sua igreja, as duas torres que ladeiam a Porta de Moura480, a capela de S. Manços, a fonte da Porta de Moura antigamente abastecida com água do Aqueduto da Água da Prata e dele fazendo parte integrante, a Casa Cordovil, a Casa André de Resende, as arcadas que ladeiam o Largo da Porta de Moura e toda a antiga e extensa zona da primitiva Mouraria. Seria o tentar valorizar a área envolvente com património ainda visitável, considerando a ausência total de memórias da antiga construção monástica medieva481.

480

Ambas de fácil acesso ao público, embora raramente visitadas por desconhecimento da

população. 481

Serão sempre de relembrar os vestígios de azulejaria existentes em prédio anexo e que

tiveram a sua proveniência na demolição deste mosteiro, assim como os restos de peças pertença de tectos falsos, igualmente já anteriormente referidos.

209

6.2.3.6 – CONVENTO DE SÃO JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS)

Fig. 56 – Évora. Planta do antigo Convento de S. João Evangelista (Lóios) [base: ESPANCA, Túlio, Inventário…, ob. cit., p. 54].

O antigo convento encontra-se hoje subdividido, sendo a parte do imóvel pertença do Estado actualmente adstrita à indústria hoteleira, e a restante antiga propriedade religiosa, pertença da Casa Cadaval, é utilizada como núcleo museológico482. A salvaguarda deste património passará pelas criteriosas intervenções de manutenção que forem executadas na totalidade da construção e respectivos espaços livres. O respeito pelos antigos materiais, revestimentos, pigmentos utilizados nas colorações dos diversos acabamentos decorativos, etc., serão essenciais para a preservação correcta do conjunto. Nos espaços livres, uma utilização das espécies vegetais adequadas ao meio envolvente será igualmente elemento essencial para a sua valorização. Na área museológica situada na igreja, a adequada exposição das peças e sua rigorosa selecção contribuirão para uma qualidade e austeridade de apresentação essenciais483.

482

De não olvidar a sua função de panteão da família proprietária, que lhe permitiu reivindicar a

posse da igreja e respectiva área funcional anexa após a saída da Ordem religiosa do espaço. 483

Uma iluminação cuidada, discreta e não invasiva, assim como uma sinalética simples mas

adequada são pormenores geralmente esquecidos, mas essenciais para uma boa solução final.

210

A escolha criteriosa de mobiliário e mais elementos decorativos torna-se indispensável para a obtenção de um espaço que, por ter sido uma antiga casa conventual, carecerá de conhecimentos específicos que sirvam de suporte às opções estéticas tomadas. A especificidade de alguns elementos, nomeadamente o troço da antiga muralha, o belíssimo claustro e fonte anteriormente abastecida por água do Aqueduto da Água da Prata, a igreja com magnífico poço a meio da sua nave, as raríssimas peças tumulares expostas e alguma estatuária, são indubitavelmente uma mais valia magnifica para este pequeno antigo conjunto. As obras iniciais de adaptação a pousada e as sequentes, efectuadas devido a novas remodelações, mostraram-se contudo inadequadas. Recentemente, efectuaram-se alguns restauros e remodelações a nível de decoração igualmente de criticar, sendo de todo o interesse para a preservação da integridade do espaço que fosse exigida uma maior qualidade e rigor nas futuras intervenções.

211

6.2.4 – CRIAÇÃO DE CENTRO DE INVESTIGAÇÃO DE ARQUITECTURA E URBANISMO RELIGIOSOS

Fig. 57 – Évora. Convento de Nossa Senhora dos Remédios, potencial foco de investigação, tratamento e divulgação do riquíssimo património decorrente do sistema monástico-conventual eborense.

O património dos antigos mosteiros e conventos, abrangendo um diversificado leque de temas, constituído por elementos dispersos na cidade e em diversos locais distantes, na posse ou gerido por diferenciadas entidades e até, pontualmente, com fortes ligações a longínquos locais484 torna-se de difícil preservação caso não seja tratado em conjunto como um todo. Como medida de defesa, tratamento e valorização de tão vasto e diferenciado legado, preconiza-se a criação imediata de um centro a instalar possivelmente no Convento de Nossa Senhora dos Remédios, em Évora, e que teria como função essencial o seguinte: – Investigação, inventariação e tratamento do património fixo, móvel e imaterial gerado pelo sistema monástico-conventual de Évora485.

484

Por exemplo o primeiro mosteiro feminino fundado no Brasil por religiosas de Santa Clara de

Évora. 485

Iniciando-se obviamente por ordem de antiguidade das casas religiosas.

212

– Realização bianual de uma exposição direccionada para a divulgação de uma casa, monástica ou conventual, e respectivo espaço urbano envolvente. O referido evento realizar-se-ia no antigo espaço religioso486. – Considerando o valor monetário de algumas peças, seria preparada no Museu de Arte Sacra de Évora uma exposição paralela onde as peças de arte mais emblemáticas seriam expostas com o devido enquadramento históricocultural487. – No Museu de Évora seria preparada exposição paralela, onde as peças mais significativas da antiga casa religiosa escolhida seriam dignamente expostas. – Igualmente na Biblioteca Pública de Évora seria preparada exposição paralela, com os mais valiosos exemplares aí existentes e cuja exposição noutro local dificilmente seria autorizada. – No final do período dos dois anos, e simultaneamente com a abertura das exposições, realizar-se-ia um encontro de especialistas nas suas mais variadas vertentes, nomeadamente arquitectura monástica e conventual, artes decorativas, sistemas hidráulicos antigos, sistemas estruturais da época, materiais e técnicas de construção medievais, toponímia, urbanismo, heráldica, arqueologia, azulejaria, restauro (de talha, pintura, marcenaria, tecidos, pergaminhos, vitrais, estuques, instrumentos musicais, etc.), doçaria, canto e música por exemplo. Esse encontro teria a duração de uma a duas semanas e durante esse tempo os diferenciados especialistas efectuariam trabalhos concretos, relacionados com a antiga casa religiosa escolhida. Uma das vertentes a desenvolver seria a apresentação de propostas concretas de defesa, preservação e valorização do conjunto e área envolvente, estudados durante os dois anos anteriores. Os resultados seriam apresentados pelos próprios durante uma secção final aberta ao público. Constituiria uma mais valia a participação de técnicos da UNESCO neste atelier multidisciplinar e multinacional488. A mais valia produzida pelo trabalho conjunto realizado entre especialistas provenientes de outros países e os portugueses igualmente

486

Obviamente que, nos casos em que o edifício da antiga casa religiosa já não existisse, a

exposição seria ao ar livre, na área anteriormente ocupada por este. Limitar-se-ia, nesses casos, à reprodução de documentos fotográficos antigos do magnífico espólio do Arquivo Fotográfico de Évora, a serem seleccionados por especialista. 487

Os espólios a expor nos Museu de Arte Sacra de Évora, Biblioteca Pública e Museu de

Évora, seriam devidamente enriquecidos com peças vindas de outros locais, nomeadamente Torre do Tombo, Museu de Arte Antiga, Igrejas, etc. A facilidade de empréstimo dentro da mesma instituição iria permitir a vinda de peças magníficas, facilitando o seu empréstimo entre diferentes entidades. 488

De lembrar que os antigos mosteiros e conventos se localizam em área já classificada pela

UNESCO como “Património da Humanidade”. O Convento dos Remédios, situando-se na área envolvente, ficará integrado inevitavelmente na área tampão, de protecção, já solicitada pela UNESCO.

213

peritos nas diversas matérias em estudo seria muito vantajosa e iria certamente produzir trabalho profícuo para a valorização e salvaguarda desse património. – Seria elaborado posteriormente, por comissão eleita de entre todos os peritos participantes, relatório final sobre o trabalho desenvolvido, respectivas recomendações e conclusões. Esse relatório seria aferido e aprovado conjuntamente e subscrito por todos os participantes. – Encetar-se-iam acordos de colaboração com diversos centros de estudos e investigação que estão instalados em antigos conjuntos monásticos e conventuais489. Seria de igual interesse o intercâmbio informativo com casas conventuais fundadas de raiz por religiosos da cidade de Évora490. – Realização de exposição contínua durante o período dos dois anos, composta com as sucessivas peças tratadas no âmbito do convento ou mosteiro escolhido. Essas peças, quando móveis, seriam trabalhadas num núcleo de restauro a instalar num dos conventos e, apetrechado com técnicos de restauro de várias áreas491. Após o restauro seguir-se-ia o tratamento informático e fotográfico do sucessivo material. A amostragem contínua tornaria visível o trabalho bianual aí realizado no âmbito de um determinado convento. – O Convento de Nossa Senhora dos Remédios, em Évora, seria o local dinamizador de todas estas acções, considerando ser um edifício da Câmara Municipal de Évora, com espaços e apetências técnicas e humanas vocacionadas para o tema. – Aí existiriam à disposição documentos informatizados, relativamente aos conjuntos monásticos e conventuais estudados, e resultantes dos sucessivos eventos bianuais. Seria uma forma de divulgação feita por Évora, mas também uma maneira de a cidade e os seus técnicos conhecerem outras realidades e práticas de trabalho. – Obviamente que com as sucessivas realizações anuais se obteria um conjunto de literatura especializada da área, pois os participantes trariam sempre algum dos seus livros já publicados sobre a matéria, levando por sua vez para os respectivos centros de investigação literatura produzida por técnicos portugueses sobre os assuntos relacionados com as casas religiosas 489

Em França são conhecidos alguns mosteiros e conventos que se tornaram centros

especializados de investigação. Situação idêntica existe na Alemanha, por exemplo. 490

Sabe-se que do Mosteiro de Santa Clara de Évora saiu a monja que fundou o primeiro

mosteiro de clarissas no Brasil, após o que regressou à casa mãe; dos Remédios saiu o frade que fundou o Convento de Santa Teresinha, na cidade de Salvador, igualmente no Brasil… Muitos outros, hoje ainda não identificados, possivelmente tiveram origem em mosteiros e conventos de Évora. A comparação entre conjuntos religiosos construídos em locais distantes e os locais de origem das suas freiras e frades seria certamente muito proveitoso para a respectiva caracterização dos conjuntos. Os espaços urbanos gerados por tais casas religiosas, em contextos tão diferenciados, seriam estudos muito interessantes a comparar. 491

Uma sugestão seria o espaço actualmente vago em Santa Clara após a saída do Museu, e

que proporcionaria uma ligação directa à actual escola, podendo incentivar alguns alunos na sua escolha profissional. Outra hipótese seria as instalações do antigo Convento de Nossa Senhora dos Remédios, pertença da Câmara Municipal de Évora, também relativamente próximo de instituições de ensino.

214

de Évora. Esta troca de informação seria igualmente um incentivo a uma maior qualidade e quantidade dos artigos editados. A nível económico seria igualmente vantajoso, pois atingiria um público culto que potencialmente poderia passar a deslocar-se à cidade de Évora, prolongando aqui a sua estadia para além da habitual média de dia e meio. – Obter-se-ia essencialmente a atenção dos eborenses para um património inigualável e a necessitar de atenção urgente. A participação popular seria conseguida durante o ano, com a procura de peças diversas ainda existentes, felizmente, em muitas das habitações da cidade, e que tiveram a sua proveniência nos espólios dos antigos mosteiros e conventos. Através da compra, após a extinção ou encerramento dos mosteiros e conventos, ou da cedência por algum antepassado que professou em casas religiosas, o volume de cartas, documentos, receitas culinárias, imagens, pautas, artefactos diversos, vestuário, etc. é na realidade enorme, esquecido, desvalorizado ou posto de lado devido à falta de espaço, ignorância ou ausência de gosto pelo tema. Seria uma participação que se alargaria às paróquias de Évora, que tantas vezes possuem peças belíssimas cuja proveniência se encontra obscura por falta de trabalho de investigação. – Realizar-se-ia no claustro do Convento de Nossa Senhora dos Remédios, ou do mosteiro ou convento escolhido para o ano em causa, se para isso existirem condições físicas, espectáculos de canto e música com temas originários do convento estudado. As várias escolas de música existentes na cidade teriam um papel participativo na descoberta de originais e sua interpretação. – As escolas dos diversos graus de ensino seriam envolvidas durante o ano lectivo, elegendo para estudo o monumento em diferentes cadeiras. Seriam igualmente organizadas exposições, primeiro em cada escola, e no final os melhores trabalhos seriam peças de uma mostra conjunta. 492 – No âmbito do envolvimento das escolas, paróquias da cidade e demais população, seriam dinamizados ateliers por técnicos ensinando basicamente medidas concretas de como lidar com algum desse património, nomeadamente o que se pode fazer para contribuir para a sua preservação. Medidas simples e práticas que permitissem por exemplo como lidar no dia a dia com algum desse património, o que nunca se deverá fazer… Esses ateliers teriam uma componente prática, com visitas a vários locais e exemplos concretos de acções a desencadear, tendentes à melhoria de condições de preservação dos diversos espólios dispersos pela cidade de Évora493.

492

De lembrar que muito do património religioso se encontra disperso por igrejas, sacristias, e

arrecadações sem que padres, sacristães e pessoal de limpeza tenham conhecimentos práticos de como melhor o preservar. A actualização exaustiva do levantamento, já concluído para Évora por iniciativa do Patriarcado e efectuado por Artur Goulart e por uma equipa de jovens historiadores, foi um primeiro passo para se saber o que existe e onde está depositado, tudo o que é pertença da Igreja, a nível de obras de arte. 493

O Mosteiro de S. José, ou “Novo”, situado no Largo de Avis em Évora, encontra-se em 2009

na posse da Segurança Social, que nele instalou uma Instituição Particular de Solidariedade

215

– Igualmente no âmbito da consciencialização relativa às várias técnicas de execução, far-se-iam ateliers com participantes de todas as idades onde se ensinaria, por exemplo, como pintar azulejo, tela, fazer talha dourada, etc. Coisas muito básicas, que permitissem entender e reconhecer devidamente o valor dos magníficos trabalhos ainda existentes em alguns desses antigos conjuntos religiosos. – Tentar-se-ia obter a colaboração da Universidade de Évora, assim como de outras Escolas Superiores, através da elaboração de dissertações de mestrado e teses de doutoramento versando a enorme variedade de temas relativos ao mosteiro ou convento em causa. – A Escola de Hotelaria de Évora colaboraria efectuando estágios profissionais no espaço de cafetaria existente no Convento dos Remédios. O espaço em questão seria directamente gerido pela C.M.E. podendo garantir-se uma qualidade de serviço alta mas também a intervenção directa em todos os acontecimentos aí realizados. As verbas daí resultantes seriam uma mais valia para as actividades a desenvolver no Convento.

Este centro, na sua vertente de documentação e divulgação, seria moderno e bem equipado, garantindo uma fácil e cómoda consulta do diverso material disponível. Teria um ponto de atendimento especializado ao público onde se disponibilizariam materiais diversos relacionados com as antigas casas monásticas e conventuais. Alguns artigos seriam reproduzidos e comercializados, constituindo um foco de interesse mais imediatista mas também uma pequena fonte de verbas para a manutenção dos espaços. Obviamente que estariam igualmente disponíveis para venda os títulos especializados, e de qualidade insuspeita, que versassem sobre as matérias em causa. Todas as verbas obtidas seriam utilizadas unicamente na manutenção, valorização e divulgação do núcleo e viabilizariam as diversas acções por ele implementadas, quer a nível de encontros, quer de restauro das peças a intervencionar. Para isso seria constituído um fundo monetário exclusivamente para esse efeito. Seriam acções práticas, que poderiam produzir soluções diversas, consoante o conjunto a intervencionar, mas essencialmente tinham como finalidade prioritária fomentar na cidade de Évora o gosto e conhecimento pelo seu magnífico património salvaguardando-o. Finalmente em intervenções urbanísticas ou arquitectónicas que envolvessem património com cariz religioso na cidade estas seriam necessariamente mais ponderadas e tendo como referência o conhecimento das funcionalidades antigas e os exemplos de boas ou más intervenções executadas em lugares similares, resultando daí decisões finais mais sensatas e menos lesivas.

Social, “O Chão dos Meninos”. São estas duas instituições que, com parcos conhecimentos e insuficiente apoio técnico, asseguram a manutenção do belíssimo e rico templo monástico.

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7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fig. 58 – Évora, um conjunto a preservar [C.M.E.].

A investigação nunca responde a todas as perguntas, pode contudo indicar pistas que permitam um maior discernimento de um lugar, ou mesmo dar a conhecer algumas das possíveis causas que contribuíram para a sua definição em determinada época. Poder-se-á pontualmente considerar alguns dos factores preponderantes que contribuíram para a singular cidade de Évora contudo, o seu percurso temporal abrange tal amplitude que dificilmente nos permite uma melhor apreensão das sucessivas e diversificadas causas que contribuíram para a sua formação, tal como ela foi em cada época494. Como auxiliar importante para uma possível reconstituição, a cartografia antiga de diferentes épocas, quando existentente é base de trabalho essencial para a visualização da evolução da malha urbana de uma cidade ao longo dos séculos. A sua cuidada análise, comparativamente com a situação actual, e o cruzamento de dados fornecidos por textos da época, criteriosamente escolhidos, são preciosos para qualquer reconstituição. Contudo mesmo dispondo de uma informação495 diversificada, poder-se-á apenas conjecturar sobre as possíveis causas para o desenvolvimento e características dominantes de um núcleo urbano. A cidade medieval de Évora terá resultado, de entre outros factores, do conjunto de características culturais e saber técnico dominantes dos seus diferentes ocupantes. Assim, a linearidade romana, aliada à rudeza construtiva goda, à doçura poética da alma muçulmana e à elevação espiritual da cristandade cenobita terão moldado em parte, não só a imagem urbana, mas também o espírito, maneira de pensar e sentir dos seus habitantes. 494

Nas últimas três décadas a cidade modificou-se urbanisticamente de tal maneira que seria

difícil de imaginá-la à presente data. Mudaram-na factores imprevisíveis, mas também a vivencia de diferentes gerações e suas distintas maneiras estar e de encarar a vida. 495

Iconografia histórica, descrições de viajantes, documentos originais são bases preciosas de

trabalho.

217

Os diversos cultos religiosos que aqui existiram, resultantes dos seus sucessivos povos, foram na Idade Média, substituídos por uma devoção cristã fervorosa496. Contudo as vivências religiosas que aqui se desenvolveram assumiram uma diversidade tal que transmitiram cambiantes distintos às populações directamente a elas ligadas. Foram as ordens religiosas e suas respectivas maneiras de estar que contribuíram de maneira mais distinta, durante a Idade Média para tais cambiantes: Nos primitivos mosteiros cistercienses, de cariz rural, existiam como bens essenciais o trabalho e o campo, sendo de importância relevante as suas grandes cercas. Nelas eram produzidos alimentos em quantidade significativa que abastecesse o mosteiro tornando-o autónomo relativamente ao exterior. As diversas construções de apoio, necessárias ao armazenamento da produção agrícola, assim como as destinadas à sua transformação integravam estes amplos complexos monásticos497. Em Évora, a primeira fundação religiosa foi desta Ordem, e feminina, tendo tido a sua génese, poucos anos após a tomada da cidade aos Mouros, e em local afastado da urbe medieva. Espaço de refúgio, isolado e de início austero, permitia às novas elites, em tempos conturbados, encontrar um local protegido para instalar as suas mulheres. Todos os bens, por vezes avultados, que as noviças levavam para o mosteiro quando nele ingressavam, tornava-o forte pilar económico na região envolvente; o saber fazer e o sentido de gestão que as jovens introduziam no cenóbio, quando nele permaneciam, eram também acentuadamente importantes para a economia dos conjuntos urbanos situados próximos498. Durante séculos, neste e nos outros mosteiros femininas, urbanos de diferentes Ordens, entretanto fundados na cidade inúmeras foram as alianças estratégicas criadas no interior desses edifícios religiosos, principalmente em tempos de crise política. Os jogos de poder das famílias mais prestigiadas alastravam ao interior dos mosteiros, com a entrada de senhoras habilmente destras em tais procedimentos. Internamente, muitos seriam também os conflitos de interesses e poderio gerados: contudo, de tal conflitualidade, embora subjacente, muito pouco ficou registado apenas transparecendo pontualmente. Facções internas surgiam naturalmente, quando a abadessa devido a ausências prolongadas não zelava pelos interesses da sua comunidade. Sempre que a gestão interna se tornava deficiente era caótica e conflituosa a vida no mosteiro, local sempre propício a tais quezílias devido, nalguns casos ao isolamento físico, noutros em épocas de maior rigor religioso à clausura a que internamente estavam obrigadas pelas respectivas Ordens. Quando do processo eleitoral interno as principais famílias da região tentavam fazer-se representar no interior do mosteiro através da eleição de um familiar

496 497

Devoção essa que rapidamente, após o século XV, passou de fervorosa a fanática. Moinhos para a obtenção da farinha, carpintarias para a conservação dos instrumentos

agrícolas, forjas para trabalhar ferro necessário a alguns desses instrumentos, etc. 498

Tecelagem, bordados, doçaria, foram actividades produtivas e que assumiam importância

capital na economia de um mosteiro feminino medieval dinamizando a economia envolvente.

218

propiciando poderio ao cenóbio e projectando no seu interior o prestígio político e económico da respectiva família. A família “real” das religiosas, e a família “monástica”, embora com interesses antagónicos, complementavam-se, considerando os fortes laços que as religiosas, algumas com grande protagonismo social, continuavam a manter com o mundo exterior. Os laços afectivos e de dependência, com familiares e serviçais, prolongavam-se no interior com a entrada de sobrinhas, afilhadas, criadas, que reconstituíam o anterior meio familiar de modo singular. Noutros casos, era através do mosteiro que a ascensão na escala social se efectuava. Por vezes a diversidade de origens das religiosas, muitas com ambições difíceis de alcançar na sociedade civil, permitia reconstituir no interior do cenóbio uma sociedade religiosa subjacentemente civil e estratificada. A independência e autonomia, poucas vezes atingidas na sociedade medieval pelo elemento feminino, eram contudo alcançadas de maneira contraditória, considerando que em casos extremos eram-no através do isolamento. Tal facto, contudo, não impediu que inúmeras mulheres, das mais diversas condições sociais, optassem por este tipo de sociedade exclusivamente feminina e onde possuíam uma “liberdade” que na vida civil não poderiam nunca usufruir. Casos houveram, contudo, em que foi o apelo a uma vida de oração, castidade e isolamento a causa para o ingresso nessas comunidades. Na verdade a importância estratégica da cidade assim como o espírito religioso subjacente a alguns lugares específicos de Évora foi suficientemente forte para propiciar a vinda e fixação de outros modos de vida religiosa, mais despojados e que indirectamente atrairiam mais população. Com a vinda para Évora das ordens mendicantes, em especial a dos Franciscanos, estes tornaram-se um apoio real à população urbana, ajudando-a nas deficientes condições de vida e afugentando alguns dos medos que a terão afligido no período imediatamente após a reconquista cristã: fomes devido à falta de cultivo das terras, epidemias resultantes dos mortos, desconhecimento das áreas envolventes à cidade para além dos caminhos naturais mais utilizados e o isolamento das pessoas em área ainda muito sujeitas a ameaças bélicas. Seria um apoio espiritual que os irmãos mendicantes representavam, com o seu espírito de pobreza e ingenuidade característicos do período de renovação medieval. Pessoas que vindas de outras cidades trariam alguma abertura a uma recente sociedade, fechada, sem grandes cambiantes na população, maioritariamente de uma mesma cultura e religião. O povo sarraceno era então uma ameaça ainda efectiva, que mais ou menos proximamente dificultava os acessos, intimidando os viajantes mais afoitos que se aventurassem a maiores viagens: na cidade. Após a reconquista, os mouros que aqui ficaram passaram a viver deslocalizados para a periferia, mas naturalmente mesmo aí desencadeando um clima de desconfiança na nova população cristã499.

499

Quando foi construída a muralha exterior da cidade de Évora a obra foi iniciada pela zona

onde à data se situava a Mouraria.

219

Em Évora muralhas, mosteiros, conventos, igrejas, paço municipal e paço real constituíram ao longo dos séculos marcos relevantes, reflectindo na estrutura urbana os vários poderes que simbolicamente representavam: militar, religioso, político ou monárquico. Da forma de apropriação do espaço disponível na cidade, assim como das hierarquias dos diversos poderes dominantes e suas respectivas construções resultou uma forma urbana singular determinante na imagem da actual cidade500. Desta cidade, nas descrições dos viajantes ao longo dos séculos é ressaltada a produtividade dos terrenos envolventes à urbe. Com a pacificação da área tais terrenos disponíveis passaram de ferragiais, situados na periferia e onde, espontaneamente cresciam forragens para gado501, a áreas parceladas resultantes do progressivo alastramento do núcleo urbano. Nesses espaços mosteiros e conventos tornaram-se em elementos indutores ao desenvolvimento primeiro de arrabaldes, depois de vilas e por fim de bairros, já com traçados urbanos específicos e vida própria. Na cidade, o que perdurou a nível urbanístico, ao longo dos séculos, poder-se-à classificar genericamente como bom. O apuramento de soluções através de uma natural economia de meios e minimização de recursos permitiu uma permanência de propostas e a formação de um elo com o seu passado urbano. As soluções adoptadas foram aferidas por utilizações de sucessivas gerações, tendo sido apenas pontualmente postas em causa por drásticas mudanças no modo de vida da sua população. Qualidade inerente a qualquer solução é a sua polivalência e maleabilidade, que lhe permitirá facilmente, sem drásticas mudanças, sofrer ajustes à maneira de viver das populações. É este moldar constante e não perceptível, de uma cidade que lhe confere, qualidade única e intemporal, de continuidade. Sendo Évora uma cidade antiquíssima, modificou-se ao longo dos séculos o bastante para se tornar irreconhecível aos olhos dos seus antigos habitantes502. Contudo o espírito desta cidade emana dessa sucessão de “cidades” moldadas ao longo dos tempos por distintas culturas e religiões. 500

Ao longo dos séculos por exemplo, a construção de torres, adequadas às diferentes funções

e a sua implantação no meio urbano constituíram marcas fortes na cidade. Com a sua desactivação os antigos espaços livres, inerentes às antigas funções de algumas delas, contribuíram para a constituição de novas áreas urbanas. 501

Indispensável ao transporte e para a alimentação da população citadina. Os açougues

municipais representados em lugar de relevo na iluminura medieval do foral de Évora são disso prova. 502

Em Évora viveram numerosos judeus e mouros, em bairros próprios, depois de 1166 e até

ao reinado de D. Manuel I. Populacionalmente, e pelo Numeramento de 1527, Évora era a primeira cidade do Alentejo, com 3600 vizinhos. Nas Memórias Paroquiais datadas de 1758 é referido que “no hauje da sua grandeza contou com catorze mil vizinhos, contudo com a ausencia da corte passou a pouco mais de quatro mil com doze athe treze mil pessoas”. Em 1911 possuía 17907 habitantes e no ano de 2007 apenas 5668 de acordo com o Diagnóstico

geral das Freguesias do Centro Histórico de Évora.

220

Em cada época, hábitos de vivência, ocupação de espaço e cultos diferenciados foram o fio condutor de uma cidade que perdurou segundo o imaginário dos seus habitantes. A sua dimensão, tal como a consideramos hoje, variou muito, enchendose e esvaziando-se de população de acordo com as condições específicas de cada época. Invasões, guerras, epidemias, fomes, migrações, corte, clero, ordens religiosas, foram determinantes para a sua evolução. Contudo a sua imagem não assumiu características monumentais, não obstante os inúmeros edifícios magníficos que ao longo dos séculos nela foram sendo erigidos. A sua monumentalidade foi suplantada pela escala humana que conseguiu preservar, permitindo assim que nos deslumbremos pelo inesperado. A dimensão humana manteve-se tanto na superfície de área amuralhada como no tipo de construções que aí permanecem503. Os antigos edifícios dos mosteiros e conventos intramuros, protegidos pelas cercas, são o exemplo vivo dessa imagem, mundos no interior de outro mundo, ambos à escala humana. As igrejas, que atingiram sumptuosidade inusitada, fazem ainda hoje lembrar que também houve períodos em que a ambição e riqueza marcaram a sociedade civil e religiosa de maneira drástica: mesmo assim, contudo, e tendo em conta o número excessivo de casas monásticas e conventuais, para área urbana tão pequena, a marca de tal imponência não foi assumida fora do contexto urbano. Com o passar implacável dos séculos, os hábitos e padrões de “comodidade” tornaram-se no padrão de referência para a utilização, ou exclusão, de muitas destas construções. Casas que durante séculos acolheram capazmente gerações sucessivas de religiosos são agora abandonadas. O argumento da Igreja, ou de outras instituições suas gestoras, é o de não existirem condições de comodidade e conforto em tão amplos e vetustos espaços: perante tais razões, as ordens religiosas, ordeiramente, mudam os seus membros para casas de habitação no casco urbano. É o abandonar de uma vivência comunitária centenária, ampla e livre, mas principalmente é o remeter-se à mudança do uso de tais espaços, que invariavelmente, e após uma fase imediata de abandono e pilhagem, se vão transformando maioritariamente em áreas de hotelaria. Inequivocamente votados a um final de triste abandono, quando se compreender, através da constatação, então penosa e dispendiosa, de que tais espaços carecem necessariamente de uma autenticidade urbana que se foi progressivamente deixando perder. As alterações e mutilações em muitos dos espaços, monásticos ou conventuais, com tal destino serão todavia inevitáveis. As suas cercas igualmente remodeladas possuirão piscinas, equipamentos de ar condicionado, maquinarias inerentes às zonas de serviços e muitas das restantes valências que o arquitecto, perante o programa que livremente aceitou, se vê depois coagido a atender. O espírito mercantilista prevalecerá e possivelmente, para além de se construir em todo o espaço livre que constituíam as antigas cercas, escavar-seà o subsolo para integrar aí o incontornável estacionamento. Obviamente que os quartos terão especificações muito diferentes das antigas celas e dormitórios, assim como a sala de refeições em nada se parecerá com o

503

Mais de 3 km de muralhas que cercam cerca de 107 ha de área urbana.

221

refeitório monástico-conventual, a cozinha terá uma parafernália de equipamentos sofisticados que carecerão de infraestruturas devidamente dimensionadas, a sala do capítulo ficará como recordação, despida obviamente das riquezas pictóricas de tempos idos, e no final teremos um hotel de mais ou menos “charme” de acordo com o das pessoas que o utilizarem e a delicadeza e requinte do serviço prestado. Em contrapartida perde-se definitivamente, e diversos e tristes são os exemplos que o comprovam, mais um espaço único e impossível de construir, pois representa um fluir constante de vivência e meditação durante sucessivos séculos. É deste património insubstituível que esta cidade beneficiou e se não o preservamos na sua essência arriscamo-nos a que, quando despertarmos, apenas possuirmos hotéis de maior ou menor charme, mas vazios por falta do essencial que não soubemos entender devidamente504. Tal património é nosso dever salvaguardar, manter vivo e sempre que necessário apoiar, pois sem ele a cidade é igual a outras, que igualmente não souberam, ou não puderam porventura devido à destruição de guerras, preservar a sua essência mais profunda. É de uma imagem subjacente a todo um enorme, antigo e riquíssimo, património cultural que beneficiou a urbe de Évora. As diferenciadas condições humanas, económicas e culturais que a moldaram não se repetirão de igual modo. Há que saber preservar e valorizar condignamente tão precioso legado, pois ele é irretornável e irrestaurável. Se actualmente as antigas casas religiosas se vêm sujeitas a pressões urbanísticas especulativas pondo em causa a sua unidade como um todo, poder-se-à perguntar até que ponto estas casas permaneceram imunes aos outros poderes, instituídos na cidade de Évora durante o período medieval. Assim: – S. FRANCISCO O espaço inicial para o convento foi cedido pela cidade demonstrando assim o grande interesse na vinda e instalação desses três frades estrangeiros505. Na fase inicial de fixação apoiados pela população, o convento expandiu-se rapidamente demonstrando aceitação por parte da classe social emergente. A liberdade de expressão que os frades desfrutavam na pregação, quando das celebrações era grande. Quando do período de instalação do Paço Real no convento, essa liberdade foi certamente condicionada considerando que a igreja era local de visita regular dos membros da casa real assim como da corte. Após a desactivação do Paço do local esta liberdade foi certamente retomada. A saída da Corte de Évora e os hábitos de esbanjamento e inércia resultantes do anterior modo de viva, assim como da abundância de escravos,

504

O papa Clemente IV, no século XIII, com a regulamentação que impôs para as cidades

medievas das distâncias mínimas entre conventos ou mosteiros, “obrigou” ao dispersar de tais conjuntos pelas cidades. Planeou assim involuntariamente pontos de interesse notáveis que, ainda no século XXI, cobrem na íntegra todo o tecido urbano amuralhado de Évora, considerando a multiplicidade de casas religiosas aqui fundadas. 505

Segundo a Crónica terão sido galegos ou italianos. Contudo a instalação não teve patrono.

222

foram nefastos para a cidade506. A instalação da Inquisição em Évora e o papel que a Igreja de S. Francisco assumiu nos actos públicos terão condicionado de novo a sua liberdade de expressão na pregação moral que estes tinham por direito exercer nas celebrações. – S. DOMINGOS Instalados em terrenos cedidos pela cidade, após instância do monarca, escaparam à influência de grandes pressões externas. Com a liberdade dos seus padres poderem dar aulas indirectamente terão influenciado os mais jovens alunos, filhos de famílias abastadas. Mais tarde com a instituição da Inquisição este passou a ser um poder associado ao convento possuindo certamente os seus padres grande liberdade de pregação nas celebrações assim como poder sobre a população. – SANTA MÓNICA Forçado a constituir-se como mosteiro teve como génese uma fervorosa devoção popular a duas mulheres que após a morte passaram a ser veneradas em ermida para elas erigida de raiz. O poder de tal devoção na população, nomeadamente na feminina, foi grande de modo que rapidamente se formou um núcleo independente de qualquer poder religioso ou civil. Forçadas pelas forças vivas da cidade a integrar Ordem aprovada viram-se assim condicionadas. Contudo o seu espírito de liberdade, empreendimento ou mesmo de boa gestão, embora integradas em mosteiro de clausura, levou-as a fundar outras casas. Notável é a proximidade verificada entre as duas igrejas então existentes no local, de S. Mamede e de Santa Mónica, ambas com celebrações públicas de actos religiosos. A carga do poder e influência religiosa do local na população foi suficiente para contrariar todas as recomendações superiores de afastamento entre templos. É notório contudo que estavam ambas inseridas em meio urbano humilde tendo em atenção as reduzidas dimensões de ambos os templos. – SANTA CLARA Casa fundada de raiz escassos anos após a de Santa Mónica ter sido institucionalizada proporcionava na cidade a existência segura de vagas às senhoras que quisessem professar. Situou-se este novo mosteiro numa zona nobre da cidade, contrariamente a Santa Mónica que era assumidamente mais popular. Deixava assim de existir justificação para a formação de grupos femininos com devoção religiosa fora de qualquer alçada religiosa ou civil passando a existir na cidade duas instituições diferenciadas onde podiam formalmente ingressar. O poder do Mosteiro de Santa Clara a nível de relacionamento com a cidade, foi tal que para viabilizar uma sua ampliação foi eliminado, subalternizando-se uma importante via urbana medieval. O espaço contudo para uma futura segunda ampliação foi condicionado pela Rua do Alfeirão a qual não teve igual destino por razões que se desconhece. – PARAÍSO Com génese em casas onde viviam mulheres seguindo uma prática de cristandade viram-se estas igualmente forçadas a integrar Ordem aprovada passando assim a estar sob o controle efectivo de Ordem religiosa. O espaço de que dispunham era muito limitado sendo que após a construção ter-se 506

A quantidade de ouro vindo do Brasil e escravos de África marcou profundamente a

sociedade urbana.

223

expandido o máximo a nível de possíveis aquisições de construções anexas passou a desenvolveu-se em altura507. – S. JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS) Fundado em casa nobre com a qual se encontrava internamente ligado através da igreja, certamente que veriam embora implicitamente condicionada a sua liberdade de expressão a nível de oratória. O facto de pontualmente o rei ter aí sediado a sua estadia em Évora reforça a subalternização subjacente destes religiosos. Posteriormente o facto de ter-lhes sido atribuído a gestão da acção social dá-lhes uma notoriedade e poder a nível da assistência à população marcantes. Se actualmente o tecido urbanos se densificou de modo extremo através da construção dos espaços privados menos edificados, essencialmente compostos pelas cercas das antigas casas religiosas e alguns quintalões de construções senhoriais, poderá perguntar-se, à época medieval até que ponto estes mosteiros e conventos, hoje potenciadoras de construção no interior dos seus limites, contribuíram para a progressiva formação do actual tecido urbano. Para uma análise mais precisa da evolução urbana centrada nas casas religiosas em estudo consideraram-se três áreas de influência: a primeira abrangendo um circulo com 100m de raio, seguindo-se respectivamente duas coroas circulares com iguais distancias. Assim: – S. FRANCISCO O espaço destinado para a instalação deste convento encontrava-se livre de edificações. Com a construção franciscana verificou-se uma atracção pelo sítio, certamente também por se localizar anexo a uma via de acesso ao centro da cidade (direcção Sudeste/Noroeste). As construções habitacionais foram-se situando a Norte da igreja franciscana e progressivamente a Este e Oeste, preenchendo o espaço livre entre esta casa religiosa e a então recente praça principal de Évora, esta com direcção a Noroeste. A constituição de todo este recente tecido urbano obrigou à abertura de novas vias de ligação508. Finalmente com a instalação do Paço Real no complexo conventual, na área situada a Sul da igreja, este foi largamente ampliado a nível construtivo. O espaço ficou contudo grandemente condicionado devido à construção da muralha defensiva509. Esta muralha contudo sofreu acertos de modo a integrar novas áreas destinadas à ampliação das instalações dos monarcas. O posicionamento desta fundação relativamente aos eixos principais de circulação é nítido pois constata-se a existência de uma via que atravessa os

507

Mosteiro embora de génese não regulamentada integrou um nível socioeconómico diferente

do núcleo mais popular de Santa Mónica. 508

Na área imediatamente envolvente à igreja conventual remontarão aos séculos XIII/XIV, a

Norte parte da Rua Romão Ramalho e a Praça 1º de Maio, a Este a Rua da Republica. 509

No século XV terá sua génese a Rua do Cicioso situada a Este e posicionada

longitudinalmente à muralha defensiva.

224

três sectores pré-definidos e tangencialmente à qual o convento se desenvolveu. Este eixo é formado pelas Ruas da República e Praça do Giraldo. As referências toponímicas ao convento que se conhecem são parcas considerando o período temporal em análise, todavia serão de mencionar devido ao seu significado a Fonte Santa a S. Francisco, o Arrabalde a S. Francisco e sequente Vila Nova a S. Francisco. – S. DOMINGOS Quando da instalação do Convento de S. Domingos o espaço foi cedido pela cidade, encontrando-se igualmente livre de construções. Situando-se na proximidade de um eixo de acesso ao centro da cidade (Noroeste/Sudeste) igualmente atraiu população que se foi fixando a Sul da igreja. Outro pólo de fixação próximo foi o Outeiro dos Cogulos situado a Norte deste templo. O crescimento da malha urbana e posterior consolidação verificou-se sequencialmente para Norte, Sul e Este da igreja510. Entretanto concretizou-se a abertura da Porta Nova, situada muito próxima, importante para as ligações mais directas ao complexo dominicano. A existência de outras novas vias de ligação tornaram-se inevitáveis511. Com a construção da muralha o espaço ficou não só limitado mas também condicionado pela necessidade de áreas livres de circulação, para a defesa da cidade. A sua localização relativamente a eixos é provada pelo facto da existência de uma via, que embora descentrada para Este, atravessa todos os três sectores pré definidos se localiza quase tangencialmente ao convento. Tal via é formada pelas Ruas Cândido dos Reis, Elias Garcia e Largo de Camões. As referências toponímicas ao convento que nos chegaram até hoje são muito limitadas devido ao período temporal em análise. Menciona-se contudo o Arrabalde de S. Domingos, como testemunho da importância que representou esta casa para a fixação de população nesta área periurbana de Évora. – SANTA MÓNICA O Mosteiro de Santa Mónica foi fundado nas casas de habitação onde residiram as suas fundadoras. A área onde estavam inseridas essas casas era edificada situando-se o conjunto muito próximo da muralha do núcleo primitivo da cidade, Igreja de S. Mamede e Mouraria.512 A construção de habitações entretanto gerada pela nova casa religiosa desenvolveu-se para Sul da igreja monástica considerando a via entretanto

510

Na área imediatamente envolvente à igreja remontarão aos séculos XIII/XIV a Sul as Ruas

Gabriel Vilar do Monte Pereira e de S. Cristóvão, 1º de Janeiro e parte da Praça Joaquim António de Aguiar, a Este as Ruas Cândido dos Reis e José Elias Garcia. 511

Ao século XV terão tido a sua génese, na área imediatamente envolvente ao templo

conventual a Norte as Ruas do Calvário e da Languela, Largo dos Cogulos e Travessa de Padre Ramalho, a Sul Travessa de Santa Marta. 512

Aos séculos XIII/XIV remontarão a Norte da casa monástica parte do Largo Dr. Evaristo

Cutileiro e Rua da Mouraria.

225

constituída exterior à muralha antiga513. A existência da nova muralha exterior condicionadora à expansão obrigou à existência de áreas livres vedadas à construção e desencadeou a abertura de vias de ligação. O mosteiro situa-se tangencialmente a uma via que embora inflectida atravessa os três sectores pré-definidos. Constituem-na as Ruas do Menino Jesus e Alcaçarias, Largos dos Duques de Cadaval e de Dr. Evaristo Cutileiro. As referências toponímicas ao mosteiro que hoje conhecemos são muito reduzidas. De referir contudo que embora em época mais tardia a via que circundava a antiga muralha, indo desembocar na igreja monástica, era conhecida por Carreira do Menino Jesus numa alusão expressa a imagem com tradição de milagreira então existente no mosteiro. – SANTA CLARA O local cedido para a instalação do Mosteiro de Santa Clara foi um terreno com construções em ruínas de antiga casa senhorial. A área envolvente encontrava-se em parte com ocupação urbana situando-se para Este o Arrabalde medieval de Santo Antoninho, a Sul a área da Judiaria e mais distante, para Norte, o Arrabalde de S. Domingos514. Localizando-se imediatamente anexo à via que liga a principal porta da cidade à mais importante praça da urbe, talvez também devido a tal facto, o espaço em redor do complexo monástico, após a sua instalação, sofreu não só um desenvolvimento mas principalmente uma consolidação urbana tendo-se por isso aberto mais algumas vias515. A expansão que se verificou a nível do desenvolvimento do complexo monástico conduziu à sua rápida ampliação e à sequente necessidade de alteração do traçado de uma antiga via que ligava Santo Antoninho aos Penedos. Tangencialmente à casa monástica e atravessando as três zonas predefinidas situa-se via constituída pela Rua Serpa Pinto e Largo das Alterações. A toponímia da época pouco perdurou contudo, embora tardia, refira-se como exemplo a Rua de Santa Clara que iniciando na Rua Serpa Pinto (antiga 2ª Rua de Alconchel) termina na portaria monástica local de início da Rua de S. Domingos. – PARAÍSO O Mosteiro do Paraíso foi fundado nas casas onde residiam as suas fundadoras sendo que a área envolvente se encontrava à data já construída. A igreja localizou-se na zona de confluência de dois arruamentos situando-se a

513

Ao século XV e localizadas a Norte a Rua das Alcaçarias, a Sul Largo dos Duques de

Cadaval, Rua do Menino Jesus e parte do Largo Dr. Evaristo Cutileiro. 514

Dos arruamentos pré-existentes e que remontarão aos séculos XIII/XIV assinalam-se a Norte

da igreja monástica a Travessa dos Beguinos, Ruas da Carta Velha e de S. Domingos, a Sul as Ruas Serpa Pinto e da Moeda. 515

A Rua Serpa Pinto foi complementada na zona imediatamente envolvente à igreja monástica

a Sul pelas Travessas do Barão e do Passarinho, a Este pela Travessa da Milheira, a Oeste remontará igualmente ao século XV as Ruas de Santa Clara, Aferrolhados, das Lousadas e do Lagar do Sebo.

226

Porta do núcleo primitivo amuralhado a Poente, o antigo Arrabalde da Eira dos Freires a Norte e o Arrabalde de Moura a Sul516. Quando se tornou necessário a ampliação do espaço monástico este foi obtido através de espaço já edificado517. Não existindo qualquer via directa que atravesse as três áreas prédefinidas devido à proximidade da primitiva muralha defensiva situou-se contudo num importante eixo de saída da cidade antiga. A toponímia resultante desta casa monástica à época terá sido pouco significativa considerando a pré-existência do tecido urbano. – S. JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS) A área destinada, para a instalação do Convento de S. João Evangelista (Lóios) situou-se em casa nobre localizada na zona acastelada da cidade. O espaço envolvente encontrava-se construído salvaguardando as zonas livres necessárias à logística da defesa da cidade, à actividade dos açougues municipais e do primitivo largo principal da cidade, local onde se situava os Paços do Concelho e a Sé518. No restante espaço envolvente, a Este e Oeste da igreja localizavam-se casas nobres e a Nascente, para além da diminuta cerca o espaço era limitado pela muralha primitiva da cidade519. Não existindo nenhuma via que atravesse directamente as três áreas de referência situando-se perto da casa religiosa esta situava-se contido no antigo centro da cidade medieval. A nível da toponímia foi quase nula a influencia deste casa religiosa. Reportando-nos contudo à casa nobre onde estava inserido, chegou-nos o topónimo Terreiro do Marquez o qual é relativo ao espaço livre fronteiro ao referido paço520.

516

Das vias com génese nos séculos XIII/XIV, naturalmente já existentes quando desta

fundação monástica refira-se a Norte a Rua de Machede, a Sul as Ruas Mendo Estevens e Henrique da Fonseca e a Este o Largo da Porta de Moura. Reportando a anterior data situa-se a Este a Porta de Moura e todo um troço da muralha defensiva da cidade. 517

Os dois arruamentos que contornavam o conjunto monástico são as Ruas de Machede a

Norte e de Mendo Estevens a Sul. Na área imediatamente envolvente à igreja remonta ao século XV a Rua da Oliveira situada a Sul. 518

De referir que os Paços do Concelho passaram a ocupar edifício próprio construído de raiz

para o efeito na Praça do Giraldo. Essa construção integrava igualmente a cadeia da comarca situada a nível do piso térreo da actual Rua Romão Ramalho. Na área envolvente ao convento não se registou qualquer arruamento que tenha tido a sua origem após esta fundação religiosa. 519

Com génese anterior ao século XIII e situados a Sul da igreja, partes dos Largos Dr. Mário

Chico e Conde de Vila Flor, a Norte e Oeste muralha primitiva com respectivas torres e Jardim dos Clérigos, a Oeste as ruínas do templo romano à data reconstruídas como torre militar. 520

Actual Largo do Conde de Vila Flor.

227

Poderá concluir-se genericamente que, em períodos específicos, os poderes instituídos na cidade de Évora foram marcantes para essas casas monástico-conventuais medievais, casos de Santa Clara, Lóios, Santa Mónica, Paraíso e S. Domingos quando das respectivas fundações; de S. Francisco quando da instalação do Paço Real no interior do convento. A nível urbanístico as casas religiosas estudadas influenciaram por sua vez a cidade: S. Francisco e S. Domingos contribuindo para a criação dos respectivos Arrabaldes; Santa Mónica, Santa Clara e Paraíso para a consolidação do tecido urbano envolvente521; Lóios assumiu papel menos activo considerando o local privilegiado da sua localização já à data sobejamente consolidado, o primitivo centro urbano medieval. De tudo isto conclui-se que estas seis antigas casas religiosas medievais estiveram desde sempre muito ligadas à cidade. Passados mais de cinco séculos depois da fundação da mais recente destas casas, tal ligação mantém-se. Cabe hoje mais uma vez aos poderes instituídos, civil, político e religioso, a escolha dos papéis a desempenhar, futuramente na cidade, por tão marcantes conjuntos edificados e paisagísticos522. Torna-se contudo urgente e acima de todos os interesses em jogo, a defesa e preservação patrimonial qualitativa do que ainda resta.

521

Embora as três últimas casas, sendo mosteiros, assumidamente mais voltados para o seu

mundo interior. 522

Calvário, S. José (ou Novo), Graça, Salvador, Carmo, Madre de Deus, Mercês, Remédios,

Cartuxa e S. Bento de Cástris são alguns dos restantes. De não olvidar os antigos Colégios e Recolhimentos religiosos, não raras vezes importantes a nível de património arquitectónico e paisagístico para a definição da imagem da cidade.

228

SÉCULOS XIII E XIV:

Convento de S. Francisco

Convento de S. Domingos (dista 550 m. de S. Francisco)

1- Sé Episcopal 2- Igreja de S. Mamede 3- Igreja de S. Tiago 4- Igreja de S. Pedro 5- Igreja de S.to António - Conventos Masculinos sécs. XIII e XIV - Mosteiro Feminino sécs. XIII e XIV

Mosteiro de S.ta Mónica (dista 550 m. de S. Francisco) (dista 500 m. de S. Domingos)

A regulamentação referente a distâncias a haver entre conventos e mosteiros da mesma ordem, ou de diferentes ordens, foi nos séculos XIII e XIV de aproximadamente 500 metros.

229

Fig. 59 – Évora, sobre planta datada do século XIX foram assinaladas as sucessivas fundações ocorridas nos séculos XIII e XIV.

SÉCULO XV:

Mosteiro de S.ta Clara (dista 350 m. de S. Francisco) (dista 230 m. de S. Domingos) (dista 550 m. de S.ta Mónica)

Mosteiro do Paraíso (dista 450 m. de S. Francisco) (dista 700 m. de S. Domingos) (dista 350 m. de S.ta Mónica) (dista 700 m. de S.ta Clara)

1- Sé Episcopal 2- Igreja de S. Mamede 3- Igreja de S. Tiago 4- Igreja de S. Pedro 5- Igreja de S.to António - Conventos Masculinos: sécs. XIII e XIV séc. XV - Mosteiros Femininos: sécs. XIII e XV séc. XV Convento de S. João Evangelista/Lóios (dista 450 m. de S. Francisco) (dista 500 m. de S. Domingos) (dista 100 m. de S.ta Mónica) (dista 500 m. de S.ta Clara) (dista 250 m. do Paraíso)

Com a densificação das cidades a distância anteriormente regulamentada pelo Papa Clemente IV passou rapidamente para metade, chegando pontualmente a ser substancialmente reduzida com as sucessivas fundações conventuais progressivamente autorizadas.

230

Fig. 60 – Évora, sobre planta datada do século XIX foram assinaladas as sucessivas fundações ocorridas no século XV.

Fig. 61 – Évora. Ocupação do espaço urbano – finais séc. XII. Síntese evolutiva (reconstituição).

231

Fig. 62 – Évora. Criação de espaço urbano – sécs. XIII/XIV. Síntese evolutiva (reconstituição).

Fig. 63 – Évora. Criação de espaço urbano – séc. XV. Síntese evolutiva (reconstituição).

232

Fig. 64 – Évora. Ocupação do espaço urbano – finais séc. XIV. Síntese evolutiva (reconstituição).

233

Fig. 65 – Évora. Convento de S. Francisco. Evolução urbana da envolvente (reconstituição).

234

Fig. 66 – Évora. Convento de S. Domingos. Evolução urbana da envolvente (reconstituição).

235

Fig. 67 – Évora. Mosteiro de Santa Mónica. Evolução urbana da envolvente (reconstituição).

236

Fig. 68 – Évora. Mosteiro de Santa Clara. Evolução urbana da envolvente (reconstituição).

237

Fig. 69 – Évora. Mosteiro do Paraíso. Evolução urbana da envolvente (reconstituição).

238

Fig. 70 – Évora. Convento de São João Evangelista (Lóios). Evolução urbana da envolvente (reconstituição).

239

FONTES DOCUMENTAIS E BIBLIOGRÁFICAS 1- MANUSCRITOS 1.1 – Arquivo Distrital de Évora: – Carta de um Inglês, datada de 7 Junho de 1791, descrevendo Évora [Depósito da Manizola, Cód. 36, cota 12]. – Inventário das propriedades do Cabido e das Ordens Religiosas da Cidade de Évora [1776, cota 184]. – Livro de regimentos, dos ofícios e doutros docs.. Para a história económica e administrativa de Évora, contém o nome de todas as ruas em 1815 [doc. da C.M.E., cota 327]. – Livros das ferias das calçadas da cidade [1697-1704, cota 416; 1739, cota 417]. – Tombo das demarcações / do termo desta cidade de Évora e das / propriedades rendas e direitos Q. / ao Concelho della pertencem o qual foi aca / bado na dita cidade aos cinco dias do Mês D´ / Fevereiro do ano do nascimento de nosso snor / Jhu Xpõ de mil quinhêtos e trinta e seisI [doc. da C.M.E., cota 134]. 1.2 – Biblioteca da Academia de Ciências de Lisboa: – Beata de Évora, 1780, fl. 64 [série vermelha, cota 161]. – Carta aos vereadores de Évora em que manda se faça procissão em cada ano aos primeiros dias de Março pela guiza que se faz em dia de corpo de Deus; Regimento que mandou o dito rey (D. João II) para se fazer a procissão; carta do mesmo Soberano em que mandou se não fação dita procissão [série vermelha, cota 252]. – Colecção dos monumentos Romanos descobertos em Portugal, extrahidos de vários autores e da curiosidade do collector do Reverendo Padre Frei Vicente Salgado, ex-geral e Chronista da congregação da terceira ordem da Penitência, no ano de 1796 [série vermelha, cota 592]. – Crónica geral de Espanha, século XIII. – Regimento da vida espiritual do M.R. Padre Mestre Frei Custódio dos Mártires de Marrocos, Collegio do Espirito Santo de Évora, 10 de Outubro de 1798..., [série vermelha, cota 882]. – Regimento das fontes aqueducto e fabrica da agoa da prata da cidade, informado e acrescentado por El Rey Dom Philippe segundo nosso senhor no ano de 1606, fl. 68 [integradas no volume de legislação n.º 5, 1604-1615]. – Memórias eclesiásticas dos reinados dos senhores D. Fernando, D. João III, e D. Sebastião. Copiadas por Frei Vicente Salgado, ex.-geral e chronista da congregação da terceira ordem – Instrução que el-rei Dom João III de Portugal deu a Frei Jorge Santiago, e a Frei Jerónimo de Azambuza, religiosos da ordem de S. Domingos, que mandava com outras pessoas aos concílios de Trento, fl. 18 [série vermelha, cota 168]. – Memórias do Collegio do Espirito St.º da Cidade d´Evora, 1765 [cota 944]. – Memórias do Real Collegio do Espirito Santo da Cidade de Évora e do Cartório ou Secretario do convento de Lisboa, por Frei Vicente Salgado, 1777 [série vermelha, cota 382].

240

– Miscellanea curiosa ou memorias das capellas e outros interesses dos

conventos da congregação da terceira ordem de Portuga l - Religiosas moradoras no convento de evora, fol. 142 [série vermelha, cota 347]. – Miscellanea curiosa ou memorias dos conventos da congregação da terceira ordem de Portugal, com hum catalogo dos avisos de sua majestade, dirigidos aos prelados desta congregação, tomo segundo, coligido nos dias do Governo do ministro Geral Frei Vicente Salgado, ano de 1790 [série vermelha, cota 348]. – Notícia da Beata fingida de Évora em 1792, foll. 126 [série vermelha, cota 350 H].

1.3 – Biblioteca Pública de Évora: – Chorographia antiga de Portugal [armário X, cod. 10, n.º 2]. – Chronicas da Ordem dos Frades Menores do Seraphico Padre S. Francisco, seu instituidor, e Primeiro Ministro Geral: que se pode chamar Vitas patrum dos Menores, Fr. Marcos de Lisboa, por António Ribeyro, Lisboa, 1587 [reservados: Gab. E.6-C.1.d. nº 9 (240)]. – Cópias feitas por J.H. da C. Rivara na Torre do Tombo, com um apontamento sobre a antiga Casa da Câmara d’ Évora [F.R., armários III e IV, n.º 30, 7º]. – Decretos do Concílio Provincial Eborense Impresso em Évora em casa de André de Burgos, 1568 [F.R., armário I, 2º, n.º 11]. – Escripturas e sentenças civis, 1585 – 1834 [F.R., Cod. CLXV/ 2 - 26]. – Espólio dos conventos, S. Domingos [livros: 1, nº 122; 2, nº 120]. – Estatutos do Collegio da Madre de Deos de Évora [armário 10, n.º 7]. – História de S. Domingos, por Frei Luís Cacegas [B.P.E. – R. 731]. – Inventário do convento de S. Francisco de Évora, para ir à Congregação

que se celebra no convento de Xabregas, em 27 de Abril de 1782, em que presidirá o Nosso Reverendo Padre Provincial, Fr. Alexandre da Encarnação, sendo guardião d`este convento o Reverendo Padre Fr. António de S. Porfírio Vellez, pregador jubilado [Cod. CVIII/ 1 - 41, 1 vol., 4º de 54 fll., n.º 126]. – Mapa do Império Romano, 31x 23 cm [cartografia, gaveta 2, pasta C-n.º 62]. – Relação dos conventos existentes em Portugal, incluindo copia talvez do Mappa de Portugal de J.B. de Castro [F.R. armários V e VI, n.º 14]. – Rol de ruas antigas em Évora - sec. XVII [Manizola, cod. 73, n.º 26].

1.4 – Câmara Municipal de Évora: – Actas da C.M.E. [vol. 69, 1861-1863, nº 778; vol. 70, 1863-1864, nº 779]. – Tombo do que pertence a Câmara desta cidade em Previlegios, Regalias, Bens..., vol. I, 1831 [manoscrito, avulso]. 2 – CARTOGRAFIA 2.1 – Biblioteca de Estremoz: – Direcção das Obras Públicas do Distrito de Évora – Secção de Évora – Edifícios públicos, Projecto d´um mercado a construir na cerca do extinto convento de S. Francisco da Cidade d´Évora, Planta geral da nova praça, esc. 1/500, desenho de Francisco Alves Franco da Cruz [sem cota]. – Direcção das Obras Publicas do Distrito d´ Évora – Cerca do extinto Convento de S. Francisco em Évora com indicação do projecto da Praça 241

Mercado, Planta, esc. 1/500, desenho de José Francisco Alves da Cruz [sem datação, sem cota]. 2.2 – Biblioteca Pública de Évora: – Nouvelle et briefe description de la très- fameuse Ville de Lisbonne, chez Jaillot, Humbert, Paris, 1688 [gaveta V, nº 41]. – Plano de Évora levantado à vista e a passo por Manuel Joaquim de Mattos, esc. aproximada 1/200, Évora, 1906 [armários 15 e 16, estante 1, Hem. II, 33]. – Plantas das cidades de Setúbal, Elvas, Lisboa, Estremoz, Arronches, Lisboa, Olivença, Vila Viçoza e Évora, 1666 [Ge CC 1252].

2.3 – Instituto Geográfico Cadastral: – Fac-símile/ planta da cidade de Lª em q´se mostrão/ os muros de vermelho com todas as ruas/ e praças da cidade dos muros e dentro cõ/ as declarações postas em seu lugar, deli/ neada por João Nunes Tinoco Architecto de S. Mgde. Anno 1650/ João Nunes Tinoco [cota 349]. – Plano do ataque feito à cidade de Évora no dia 29 de Julho de 1808, 145 x 110mm [cota 2219]. 2.4 – Sociedade de Geografia de Lisboa – Mapoteca: – Atlas du Visconde de Santarém, edition fac-símile des cartes definitives, organisés et avec une preface par Martim de Albuquerque, Administração do Porto de Lisboa, Lisboa, 1989 [sem cota]. – Plantas de Lisboa, Cascais e Belém em BRAUM, Georgivus – Civitis or bes Terravm, 1572, vols. I-II [cota 16-D]. 3 – IMPRESSOS – A iluminura em Portugal Identidade e Influências, catálogo da exposição, 26 de Abril a 30 de Junho de 99, vols. I-II, Ministério da Cultura-Biblioteca Nacional, Lisboa, 1999. – ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, nova edição preparada e dirigida por Damião Peres, vols. I-IV, Portucalense Editora, Porto, 1967. – ALMEIDA, João de, Reprodução anotada do Livro das fortalezas de Duarte Darmas, Editora Império Ld.ª, Lisboa, 1943. – ARAÚJO, António de Sousa, Braga no século XVIII, para o Estudo do Mapa das Ruas, Braga, 1991. – BEIRANTE, Maria Ângela Rocha, «Capelas de Évora», A cidade de Évora, n.ºs 65-66, 1982-83, Évora, 1983. – BEIRANTE, Maria Ângela Rocha, Évora na Idade Média, «Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas», Fundação Calouste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, Lisboa, 1995. – BENEVOLO, Leonardo, Histoire de la ville, Editions Parenthèses, Marselha, 2000. – BERTRAND, Michel Jean, Pratique de la ville, «Collection Géographie», Masson, Paris, 1978. – BOAVIDA-PORTUGAL, Luís Manuel Gomes, Os centros históricos numa estratégia de conservação integrada. Contributos para o estudo do processo urbano recente do centro histórico de Évora, dissertação de Doutoramento 242

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247

248

ANEXOS: ANEXO DOCUMENTAL

Documento 1

____________________________________________________________________

séc. XVI

Localização da cidade de Évora: “No meio da provincia do Alentejo está situada a Cidade de Evora em hum ponto tam eminente, q a cercam por toda a parte, athe pararem em quatro serras, com q a natureza em larga distancia a cercou, quasi como muro: da parte do Oriente a serra de Ossa; no meio dia a de Portel e Viana; do Norte a de Arrayolos; e do Occidente a de Montemuro (p. 16)”. FIALHO Pe. Manuel, «Évora Ilustrada »(Manuscrito da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora), Edição Nazareth & Filho, Évora, 1945.

Documento 2 ___________________________________________________________ séc. XVI a XVIII Descrição pormenorizada da cidade de Évora: “Situada está a antiga, leal, nobre e victoriosa Cidade de Evora em altura de 39 graos e 8 minutos do polo Árctico [...]. Situada está em hum quasi monte, mas monte p.ª todas as partes clemente e facil de se sobir sem cançasso. Cercamna e lhe dam alegre vista, ferteis campinas, q p.los orizontes se rematam, distancia de 4, 5 e 6 legoas em varias serras, como disse a introducção: p.lo Oriente a da Ossa; P.LO Sul a de Portel e Viana; p.lo Occaso a de Montemuro, raiz da das Alcacevas; e p.lo Norte a de Arrayollos [...]. He inteiram. Te cercada de muros, inexpunhaveis, p.ª o tempo em q se obráram, obra ou restituiçam delrei D. Fernando; p.º o tempo e instromentos bellicos de agora sam de prova de canham. Agora se lhe vam fazendo, á instancia do Senado e republica, fortificações ao moderno[...]. Tem, como disem, dentro de si, perto de 4Ų. Vezinhos, e teve já m.tos mais e tambem menos; e fora, divididos em hortas, quintas e herdades, quasi q outros tantos. Tradição há, q em algum tempo teve 13Ų. Vezinhos, o q consta dos livros da Camara, q não pudémos ver. Está está dividida só em sinco freguesias [...]. Fora, mas dentro do seu termo, tem 15 freguesias e nestas, 537 herdades. Com moinhos, pizões e pomares, passam de 600 moradas, havendo em m.tas varios moradores [...]. Tem a Cidade dentro dos muros entre Conventos, Recolhim.tos, Collegios e Hospitais, 25 comunidades; e com serem tantas não avultam tanto nas suas ruas, q.to em outras, q se prezam de grandes, avulta menor numero. Fora dos muros tem 9 e fazem por todas 34. E m.tas destas comunid.es sam tam numerosas, q passão de 100 e 150 sogeitos, não falando nas criadas das freiras. Sustentamse huas com rendas, outras com esmollas Hermidas dentro e fora tem mais de 30, afora capellas de alguns palacios particulares [...]. Tem m.tas e m.to nobres familias, morgados e solares de titulos, ainda q as mais seguem hoje a Corte; porq so quasi se tem por fidalgo na sua estimaçam os q a 249

seguem [...] (p. 45). Esta conservação de fee se deve ás Sagradas Religiões Mendicantes e Monachais. As militares, cujo instituto he servir a Deos e aos proximos militando [...] aqui tem, ou tiveram, todas as q há no reino, sua cabeça ou assento: A de S. Joam de Malta, chamada do Hospital, em a villa do Crato; a de S. Tiago, p.ro em Alcacere e agora em Palmella; a de S. Bento, p.ro em Evora e agora em Avis; só a ordem de Christo, q p.ro esteve em Castro Marim, se tresladou p.ª Thomar, álem do Tejo (p. 23) Pera hortalissa se contavão em tempos antigos não menos de 300 hortas, como diz o P.e Fr.co Aranha... na sua descrição de Evora [...] (p.46). De minerais não he o termo de Evora tam abundante...mas já houve quem neste territorio cavou e descobrio minas de m.ta e fina prata [...] (p.47). E verdadeiram te q p.ª matar toda a sede, bastam os poços de q he rara a caza particular dasta Cidade, q não esteja provida, álem de m.tos q há públicos [...] em verdade de póços nascem as fontes perenes, as mais das q vemos nesta Cidade: tal a dos Leões á porta dÁviz, q nasce do poço, ainda q velho, chamado novo [...]. Tal he a fonte q á porta do Rossio, declinando p.ª oriente, nasce de outro poço sup.or á fonte e ao tanque e se chama Xafariz delrei por ser obra delrei D. Manuel [...]. Da celebre fonte das Bravas...nasce de duas fontes no alto sobranceiro, distantes entre si hum bom tiro de espingarda, e não em maior altura, ou fundura, q a estatura de hum homem. Correm por canos separados athe a arca q está pouco assima da sua bica [...].Tambem sam verdad ras m.tas, e nõ de poços de sua nascença, as da Malagueira [...]. No regato chamado Torregela, q corre entre as duas ultimas, há excellente agoa [...] (p. 48) poço de S. Manços, ou athe o da Claustra da See, ou ainda mais athe o poço q está no palacio pontifical e tem o bocal no mais alto delle [...] (p.49), [...] Elbora ou Elbora, Liberalitas Julia – Liberalidade de Julio Cezar… …Valendose, pois, e approveitandose dos antigos alicerces, começáram todos a fundar de novo a sua Cidade… (p. 60 - fascículo 2). …Sertório [...] resolveo cercar novam.te com novos muros a ditta Cidade [...]. Para trabalhar nas obras mandou ajuntar a todos os cativos [...]. Fez-se a obra de pedra natural da terra, tosca sim e sem pertenções de marmore; mas tam firme e segura [...]. Foram todas lauradas em quatro, como ainda hoje se vee em alguns pedaços da obra, sem entre ellas se ver senão hum fio de cal, q sendo de Evora, disem della, como por dictado, q em sette anos se converte em pedra.Dividio e repartio os lanços do muro em torres e cubellos, tudo de cantaria e de todo mocissas, sendo q o interior da obra se encheo de alvenaria não menos solida e segura q a mesma cantaria. Este mesmo ano, em q isto escrevo, de 1701, vi desmanchar ainda hum pedaço deste muro de Sertório [...]. Tinha, e entam o mandei medir, passante de 25 palmos de grossura (Aqueduto) e saia toda junta em hum tanque de q ainda hoje se veem sinais e reliquiasas em huas argamassas q estam entre o Convento de J. Joam Evangelista e o outro edificio, q lhe fica da parte do Sul, q disem tambem q foi obra do mesmo autor, q, fazendoo p.ª templo da sua Deosa Diana, servio depois de Mesquita de Mouros, e hoje de assougue de carne (p. 147) [...] q a sep.ª de Sertorio se achou p.los anos de 1495, reinando D. Joam 2.º, quando se lançavão os fundamtos ao convento de S. Joam dos R. dos Conegos, chamados vulgarm te Loyos. Deste achado falla o R.mo bispo Arrais (p. 180- fascículo 6)”. P. Manuel Fialho, «Évora Ilustrada »(Manuscrito da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora), Edição Nazareth & Filho, Évora, 1945.

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Documento 3 ______________________________________________________________________ 1573 Vestígios da prática de antigas religiões na zona de Évora: “Sobre o rio Xarrama, 2 mil passos abaixo da vila de Torrão, existiu outrora um templo de Júpiter. Este foi transformado, quando a fé cristã já fortalecera, na igreja dos santos mártires Justo e Pastor… (p. 205). Sobre a porta do templo está uma inscrição do tempo dos Godos, que significa: “Este edifício iniciado em honra dos santos mártires Justo e Pastor, a quem foi dedicado, finalmente foi terminado este trabalho na era de 720” (p. 206). RESENDE, André de, As antiguidades da Lusitânia, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1996.

Documento 4 ______________________________________________________________________ séc. X Descrição da cidade de Évora durante a ocupação muçulmana: “…Desde Alcácer ao mar há 20 milhas e de Alcácer a Évora duas jornadas. Esta última cidade é grande e povoada. Rodeada de muros, possui um castelo forte e uma mesquita catedral. O território que a rodeia é de uma fertilidade singular; produz trigo, gado e toda a espécie de frutas e hortaliças. …É um lugar excelente, donde o comércio é vantajoso, quer de exportação, quer de importação (p. 28)”. MACHADO, José Pedro, «A Península Hispânica Segundo um Geógrafo Árabe do Século XII», Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Sep., Lisboa, 1964.

Documento 5 _______________________________________________________________________ 1750 Sobre a fundação do Convento de S. Francisco: “ (p. 226) Sobre a fundação deste convento escrevem com variedade os nossos

authores, e ainda alguns estranhos. O author da Monarchia Lusitana quer que fosse fundado em tempo do celebre Giraldo sem pavor, que por decantado estratagema tomou a cidade de Evora aos mouros no ano referido de 1165, tomando fundamento de uma pedra que muitos annos depois se descobrio no adro da nossa igreja, cuja inscripção dizia que debaixo della estava sepultado o grande Giraldo. Oppôe-se a esta conjectura o padre Esperança fazendo computo dos annos, e referindo a grande repugnancia que sempre tiveram os parochos em que os nossos freguezes fossem sepultados em as nossas igrejas. Quanto à segunda se convence com o antigo costume de poderem os parochos dar sepultura aos seus parochianos defuntos nos adros das igrejas 251

isentas; porque o privilegio dos Regulares não se estende para fora dos seus muros e paredes de suas igrejas. …O certo é que este convento teve seu principio em vida de nosso padre S. Francisco; e fallecendo elle no anno de 1226, alguns annos antes havia de ser fundado; e como n` nisto concordam os escriptores domesticos e estranhos, delles mesmos tiraremos os fundamentos para o anno certo desta fundação. No côro de S. Francisco de Evora se acha um livro de pergaminho em quarto, por onde se cantam os responsorios das Horas menores, o qual eu tive na mão sendo noviço neste convento: …e, segundo hoje me consta, se alienaram delle algumas folhas que fallavam na sua fundação por ficarem mais diminutas as memorias desta provincia. Della constava que em vida do serafico patriarcha vieram da Galliza tres discipulos seus para lhe darem principio. Assim o affirmam os nossos memoriaes, e todas as memorias avulsas, dizendo que saindo elles a dilatar neste reino o instituto serafico, vendo-o já estabelecido na provincia de Tras-os-Montes, em Bragança; na de Entre Douro e Minho na villa de Guimarães; na da Beira em Coimbra; e na Estremadura em Alenquer e Lisboa; razão era que passassem ao Alentejo… Chegaram com efeito a Evora os tres veneraveis religiosos no anno de 1224, reinando em Portugal D. Sancho 2º… …e assim mesmo consta de uma inscrição que se acha na propria pedra que sustenta a urna dos veneraveis fundadores := Et venére 1224 =… (p. 227)”. «Cronica serafica da Santa Provincia dos Algarves da Regular Observancia do serafico padre S. Francisco... pelo padre fr. Jeronymo de Belem, Lisboa 1750, parte primeira, livro 2º, fundação do real convento de S. Francisco de Évora», Gabriel Pereira,

Documentos Históricos da cidade de Évora, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa,1998.

Documento 6 _______________________________________________________ 14 Janeiro 1412(?) Carta do Rei D. João I decretando medidas de protecção aos frades franciscanos de Évora: “…Tomou debaixo do seu amparo, e protecção real o guardião e frades do convento, o mesmo convento, seus servos, e todas as suas cousas, mandando que ninguém tivesse a ousadia de fazer dano a algum religioso, ou cousa pertencente ao convento, sob pena de seis mil soldos, pagos para a fazenda real, e de pagarem em dobro a perda que derem aos religiosos… (pp. 258 e 259)”. PEREIRA, Gabriel, Documentos Históricos da cidade de Évora, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1998.

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Documento 7 ________________________________________________________ 17 Outubro 1464 “233 ENCAMPAÇÃO que fez Leonor Afonso, mulher de João Afonso, careteiro, de umas casas que andavam emprazadas a ela e a Toribo Dias, que foi seu marido que são na Praça junto com os paços del-rei, e dão para a rua das Estalagens que vai para São Francisco; e medem, a casa dianteira de longo cinco varas e meia e de ancho duas varas e meia, e a casa da cozinha, com chaminé, de longo três varas e meia e de ancho três varas; e em baixo tem uma loja do tamanho da casa de cima com a cozinha. Os bacharéis aceitaram a encampação e aforaram a casa, em três vidas, a Nuno Fernabdes, ferreiro, e a sua mulher Inês Anes, pelo foro de vinte libras da moeda antiga, à razão de quinhentoas por uma e duas galinhas, e mais a obrigação do censo de vinte soldos antigos à comenda de Mendo Marques. Tabelião João idas (p. 139)”523 BAPTISTA, Júlio César, «Os Pergaminhos dos Bacharéis da Sé de Evora », A Cidade de

Évora, nºs 65-66, ano III, 1982-83, Évora, 1983.

Documento 8 ___________________________________________________________ 16 Março 1500 “291 ENCAMPAÇÃO que fez Catarina Lopes, moradora na rua dos Touros, de umas casas na rua don Freiria. Aceita a encampação, as casas se emprazaram por quarenta reais. Tabelião Estêvão Anes (p. 154)”. BAPTISTA, Júlio César, «Os Pergaminhos dos Bacharéis da Sé de Evora », A Cidade de

Évora, nºs 65-66, ano III, 1982-83, Évora, 1983.

Documento 9 ______________________________________________________________ 7 Maio 1518 “304 AFORAMENTO, em três vidas, a Aires Pinto, escudeiro do bispo, de umas casas na rua das Estalagens, abaixo do chafariz [...] medem, a casa dianteira seis varas de longo, e três varas e duas terças de largo; a casa de cima, de longo seis varas e de largo três varas e terça, do foro de duzentos reais brancos e três galinhas, ou a trinta reais por cada uma. Tabelião André Baia Cruzado (p. 157)”524.

523

A casa em questão situava-se na Praça do Giraldo (antiga Praça) dando para a Rua Romão

Ramalho (antiga Rua das Estalagens) e tinha de frente 2,75m a 3,30m por 6,05m de profundidade. Possuía loja e cozinha sendo o espaço de dormir em cima.

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BAPTISTA, Júlio César, «Os Pergaminhos dos Bacharéis da Sé de Evora », A Cidade de Évora, nºs 65-66, ano III, 1982-83, Évora, 1983.

Documento 10 _____________________________________________________________ 27 Abril 1529 “311 CONSENTIMENTO a Diogo Afonso, curraleiro do curral do concelho, para vender a Isabel Godinha, dona, viúva, umas casas e quintal, ao Chão Domingueiros, que partem com Rodrigo Afonso, carniceiro, e com azinhaga que vai para o chafariz do rei: são quatro casas, poço e quintal, boas de paredes; nos sesma de ancho e tem uma chaminé e uma câmara, e o celeiro é de longo três varas e duas terças e de largo três varas e sesma; e a outra casa mede de longo quatro varas e de largo três; e a outra casa tem de comprido quatro varas menos um palmo e de largo duas varas e um palmo; e o quintal, de longo quinze varas e de largo treze varas e dois palmos, e tem o dito quintal dezoito árvores: e as quer vender por dez mil reais, tudo emprazado por duzentos reais e duas galinhas. Seis cartas de casas no Chão Domingueiro, na rua que faz volta par baixo de Nossa Senhora dos Remédios525 onde tem a porta o lagar de Pêro Vaz Pegos. Estão na volta que faz a dita rua defronte da que vem de cima para a porta do Raimundo”526. BAPTISTA, Júlio César, «Os Pergaminhos dos Bacharéis da Sé de Evora », A Cidade de

Évora, nºs 65-66, ano III, 1982-83, Évora, 1983.

Documento 11_______________________________________________________________________1831

524

A casa em questão situava-se na Rua Romão Ramalho (antiga Rua das Estalagens) e media

de frente entre 3,66m e 4,032m por 6,60m de profundidade. Possuía dois pisos com um compartimento por piso. 525

Referia-se à anterior localização da casa religiosa à data situada ao fundo da Rua do

Raimundo, local onde ainda hoje existe a pequena capela dos frades adaptada a casa de habitação. De salientar os belos azulejos ainda visíveis em alguns locais não obstante a vandalização que constituiu a construção de laje intermédia situada a meio vão. É aqui localizado com grande precisão o espaço correspondente ao antigo Chão Domingueiro que ia até à actual Travessa dos Fusos. 526

O espaço em questão situar-se-ia na Travessa dos Fusos, ou muito perto, e possuía quintal

com 13,90m de frente por 16,50m de profundidade, um poço e 18 árvores. As quatro casas tinham de frente entre 3,20m e 3,30m por 4,40m a 4,20m de profundidade, apenas o celeiro chegando aos 7,35m de profundidade.

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Auto de medição do Rocio de São Brás, espaço municipal situado anexo ao Convento de S. Francisco, e confrontação do mesmo: “…Da parte do Norte na esquina da meia da Horta do Regimento de Cavalaria de Évora da Estrada que vem do Buraco do Raimundo, tem de poente a Nascente até fim da Horta Militar cento e noventa e outo varas [...] faz hum angulo para o Norte [...] portado da ditta Horta, além do norte a Sul vinte varas que vai acabar com o mesmo Muro na Muralha e daqui para o nascente, pela parte do Norte… …tem setenta e sette varas até á da parte do Poente continuando a medição da Porta do Norte tem vinte he uma varas até ao Angulo do Baluarte da mesma parte do Norte tem vinte e uma varas até ao Angulo do Baluarte da mesma parte do Norte, daqui continuando a medição pela/ parte do Norte onde era a antiga Porta, aonde vae hum canno de despejos das Agoas da cidade até o Angulo interior do Baloarte dos castellos cento sessenta varas, e… … para a parte do Sul até á esquina do Angulo exterior tem quarenta e três varas e meia, medindo daqui para o Poente até o fim deste angulo tem noventa e nove varas, continuando a medição pela parte do Poente com face a Nascente tem noventa varas, e vai acabar com a estrada que vai para a Porta de Machede, e continuando a medição do marco com casas ao Sul pela parte do Nascente encostado ao Ferragial de Luíz de Macedo tem cento e vinte e cinco varas… …continuando pelo lado do Norte até á esquina do Baloarte dos Castellos tem cento e doze varas, neste intervalo ficão as duas estradas que vão do Rocio para o Chafariz de el Rey e corresponde do nascente com face para o Sul onde começa a Horta do Laranjal da Estrada do Chafariz de El Rey ao longo do valado da dita Horta tem cento e dezoito varas e daqui até a primeira Estrada que vai para a Quinta do Alcaide Cento e cinquenta e sete varas e continuando a medição pela parte do Nascente Estrada abaixo para a parte Sul cento e setenta e cinco varas/ e virando para cima pela outra Estrada até á Igreja de São Braz tem cento setenta e cinco varas. Aqui fica huma casa que tem de Nascente a Poente três varas e meia, entre Norte e Sul cinco varas e meia tem [Alameira ? ] à esquerda, porta para o Nascente e continuando a medição da Parte do Sul para o Poente tem duzentos e dezassete varas. Aqui até o largo do Chafariz da Fonte Nova que tem do lado da Estrada que vem para o Rocio de Norte a Sul vinte e tres varas, de Nascente a Poente hum casa com quatro varas e huma quarta. …Está o tanque que tem nove varas e hum palma de comprimento e huma vara e meia de largo com huma Bica para o sul e sua meia laranja; e segue a medição para o lado do Norte encostado ao Ferragial de António [...]. Monteiro onde faz huma barriga e tem oitenta e duas varas; e daqui até á Estrada que vem ao Buraco do Raimundo principiou a medição deste Rocio, tem cento e cinquenta varas. …Tem este Rocio no centro huma Alameda aonde se lava roupa o qual he todo a / pedraria lavrada em quatro digo lavrada em quadro com seus quatro cantos, e no meio do tanque está hum leão de pedra marmore que lança a Agoa pela Boca, e tem pela parte de dentro hum/ adaime de pedraria todo em circulo, e tem o dito lago de comprido vinte e seis varas, de largura dezanove varas, tem quatro Postes nas quatro faces [...] e do lado do Nascente tem hum camafeu [...] de arco em que sae a Agoa que delle sai tem mais no centro do mesmo 255

Rocio Huma fonte dos sobejos da Agoa da prata a qual se sobe por tres degraus que tem em cima um tanque de pedraria527.” Tombo do que pertence a Camara desta cidade em Previlegios, Regalias, Bens..., vol. I, pp. 67-68 v., livro manuscrito, 1831 [sem cota, C.M.E.].

Documento 12 ______________________________________________________________________ 1831 Auto de medição da Igreja de São Brás, situada no Rocio de São Brás, e confrontação da mesma: “…está entre os dois caminhos que vão para Beja…”. Tombo do que pertence a Câmara desta cidade em Previlegios, Regalias, Bens..., vol. I, p. 69 v., livro manuscrito, 1831 [sem cota, C.M.E.].

Documento 13 ______________________________________________________________________ 1831 Auto de medição e confrontação do Curral do Concelho, situado a Nascente do Rocio de S. Brás: “…O mesmo tinha humas Portas da parte do Nascente, depois tem o dito curral no meio hum poço, e de comprido de Nascente a Poente pela parte do Sul doze varas e três quartas, e do Norte a Sul dezanove varas e meia. Da parte do Norte tem duas, a primeira da parte do Nascente tem de Norte a Sul outo varas e de Nascente a Poente quatro varas, e a seguindo da parte do Poente tem do Norte a Sul outo varas e de Nascente a Poente cinco varas e meia. Tem o curral da parte do Sul hum telhado [...] confronta da parte do Norte com casas de Ermenegidio José, do Sul com estrada que vai da Senhora da Natividade para a Porta de Machede, do Nascente com a Rua do curral, do Poente com casas e quintal de Hermenigidio José…”. Tombo do que pertence a Câmara desta cidade em Privilegies, Regalias, Bens..., p. 41, livro manuscrito, 1831 [sem cota, C.M.E.].

Documento 14 _____________________________________________________________________ 1831 Auto de medição e confrontação de um ferragial sito no Buraco do Raimundo, perto do Convento de S. Francisco: “…Hum ferraria próprio do Concelho, achou que o mesmo tinha de norte a Sul pela parte da Estrada de Viena, oitenta varas, do Sul para o Poente vinte e três varas e do Poente para o Norte oitenta e seis varas, confronta pela parte do 527

De referir que tais tanques foram escavados quando da intenção de ser edificado parte da

área que resta do antigo Rocio de S. Brás.

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Nascente com a Estrada de Viena, do Sul com Ferragial de José Joaquim Soares, e do Poente com Horta chamada de Santo António de que he senhorio o Excellentissimo Bispo…”. Tombo do que pertence a Câmara desta cidade em Previlegios, Regalias, Bens..., vol. I, p. 66 v., livro manuscrito, 1831 [sem cota, C.M.E.].

Documento 15 ______________________________________________________________________ 1831 Auto de medição do Beco chamado do Chantre, perto de S. Francisco, e confrontação do mesmo: “…Do angulo da Rua do Mao Foro até ao touril da cauda da Rua dos Touros [...] tinha de comprimento duas varas, de largura quatro varas…”. Tombo do que pertence a Câmara desta cidade em Previlegios, Regalias, Bens..., vol. I, p. 39, livro manuscrito, 1831 [sem cota, C.M.E.].

Documento 16 _____________________________________________________________________ 1831 Auto de medição de hum armazém na Rua dos Touros, perto de S. Francisco, e confrontação do mesmo: “…De nascente a Poente dezoito varas, a entrada do Norte [...] de nascente com praça, do Sul com terreiro da Farinha e do Poente com Rua dos Touros…” Tombo do que pertence a Câmara desta cidade em Previlegios, Regalias, Bens..., vol. I, p. 38, livro manuscrito, 1831 [sem cota, C.M.E.].

Documento 17 ______________________________________________________________________ 1831 Auto de medição de humas casas sitas no Adro de São Francisco, que são da Ordem Terceira, e confrontação das mesmas: “…Confrontam do Nascente com as casas do Celleiro Público, do Poente com Albogaria de Joaquim Pio”. Tombo do que pertence a Câmara desta cidade em Previlegios, Regalias, Bens..., vol. I, p. 117, livro manuscrito, 1831 [ C.M.E.].

Documento 18 ________________________________________________________________- sec. XVII Sobre a fundação do convento de S. Domingos:

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“…Era septimo anno despois del Rey dom Dinis levantado por Rey, & corria o de 1286, quando os nossos frades começaraõ hũa humilde fabrica nesta cidade, junto da ermida de Santa Victoria martyr, fabrica sò para gasalhado, ermida pera continuarem com suas horas do Coro, & com toda a mais ordem da regular observancia. Foy o principio da obra com esmolas dos fieis, & com vontade & boa graça da Camara & governo da terra. Mas porque era necessareia licença del Rey tomarao os frades a cargo negocealla: & dandolhe conta de sua determinação & do prazmo que tinhao da Camara, mandoulhes el Rey passar hum alvarà, cujo treslado poremos aqui tirado do proprio, porque he de ver em nota & palavras, & diz assi Dom Dinis pola graça de Deos Rey de Portugal & dos Algarves, a vòs juizes & Concelho de Evora saude. Sabe de q os frades Prègadores me diserão, que a vos prazia & tinhades por bem de morar em esta villa tãto q soubesseis q prazia a mim. Sabe de q a mim praz, & tenho por be, cà os tenho por homes bos q amo & prezo. E morando elles eby tenho q serà a serviço de Deos, & a vosso proveito. E todo o bem, & toda a esmola q lhes façades serà em elles bem empregada, & eu graciruolaey. Outro si me disserão q Mestre Payo, & Martim Migueis T as bellioes dessa villa não querem a elles dar testimo yo de cousas que passarão de seu feito. Porque mando a vos Juizes vista esta carta digades da inha parte a estes Tabellioes que lhes dem seu testimo yo em aquella guiza que lhe lo devem dar de direito, & al não façades. E esses frades ou alguem por ells tenhão esta inha carta. Dada em Lisboa XXIX dias de Junho. El Rey o mandou por Lourenço Escala seu Paceiro mòr. Martim Martnz a fez Era de M.CCC.XXIII. (que responde ao anno do Redemptor 1286)”. CACEGAS, Fr. Luís; SOUSA, Fr. Luís de; CATARINA, Fr. Lucas de Santa - História de S. Domingos, Impressa no Convento de S. Dºs. de Benéfica por Giraldo de Vinha, vols. I-IV, Lisboa, 1623.

Documento 19 ________________________________________________________________- séc. XVII Sobre acertos de extremas e expansão do Convento de S. Domingos: “Era de M.CCC.XXXVI. (responde ao anno de Chisto de 1298) sendo Prior Frey Domingos de Amarez, diante do Alcayde mor, Juiz, Vereadores, Taballiaẽs, Almotaceis, Cavalleiros & homẽs bons, andou o dito Prior com elles apègando, & monstrndolhes por onde queria por o muro do encerramento do Mosteiro. E elles vendo & consirãdo como fazia mister ao Mosteiro, teverãono por bem. E o Prior lhes deu hũa peça do seu ferrejal, porque ficou mais larga & melhorada a carreira que vay por entre as hortas. E todos lho outorgarão, & não foy quẽ o contradissesse”. Mestre Payo Taballiom o escreveo. CACEGAS, Fr. Luís; SOUSA, Fr. Luís de ;CATARINA, Fr. Lucas de Santa - História de S. Domingos, Impressa no Convento de S. Dºs. de Benéfica por Giraldo de Vinha, vols. I-IV, Lisboa, 1623.

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Documento 20 ______________________________________________________________________ 1831 Auto de medição de huma casa que serve de Palheiro que he de Francisca Bernarda, no Largo de São Domingos: “…De poente com Largo de São Domingos…”. Tombo do que pertence a Câmara desta cidade em Previlegios, Regalias, Bens..., vol. I, p. 104, livro manuscrito, 1831[ sem cota, C.M.E.].

Documento 21 _____________________________________________ 1544 / 1699 e 1324 / 1743 Existem diversas construções doadas, arrendadas a (ou por) monges de S. Domingos. A partir de certa altura possuem bens em Beja, que arrendam. Arrendaram para exploração própria vinhas nos arredores da cidade, nomeadamente em Peramanca (1658), Cruz da Picada (1613), Espinheiro (1632) … A área do convento fica grandemente consolidada com a anexação de um conjunto edificado considerado grande para a altura e situado imediatamente anexo ao seu adro. Foi na altura descrita a composição do imóvel, incluindo medições do mesmo, ficando-se assim com uma ideia do que para a época seriam consideradas “casas grandes”. “Aforamto de cazas e forno no terreyro de Alvo velho [...] 1615 (p. 19v.). Emprazamto das cazas da Rua da Cal branca q . deixou em cappa lançadas no 1º tombo [...] 1637 (p. 23). Aforamento de hua cazinha à porta nova [...] 1674 (p. 27). Compra qeu fes o convento de tres mil reis de foro co o direito Senhorio em huas cazas e atafona na travessa de Mel Mdes, 1613 (p.30). Compra que fes o convento de mil reis de foro [...] casas na rua do Spo Sancto, 1605 (p. 34). …Cazas no beco aporta do Raymundo [...] 1629 (p. 37 v.). …Aforamento de huas cazas na rua do Tarrique, 1648, (p. 40 v.). …Doação de huas cazas na rua das Fontes feita ao convento, 1606 (p. 43 v.). …Aforamento perpetuum...de uma caza [...] na rua das fontes [...] 1658 (p. 44 v.). …Aforamento das cazas grandes junto a este convento, para o adro de são Domingos [...] para a rua e adro de São Domingos [...] e partem de huma parte co a cerca de São Domingos e da outra parte da rua com o adro de São Domingos e da outra parte com cazas que foram de Alvaro de Brito [...] 1645 (p.49 v., 51) patio com poço no meio medindo 18 por 20 varas, quintal grande com cidreiras e duas romeiras e um poço e um tanque quebrado medindo 27 por 13 varas, outro quintal com duas parreiras e um poço nora com 7 por 6 varas , um quintal pequeno de galinheiro com 1o varas por 3 [...] pegando com casas que foram de Alvaro de Brito e que e´stão derrubadas…

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Testamento de cazas na Rua dos Gallegos [...], estão na rua de são Christovão que antigamente chamavão dos Gallegos [...] 1583 (p. 54). Cazas na travessa do pocinho junto a rua de Machede, abaixo do Paraíso [...] 1642 (p. 60). …Estão dentro dos arcos, e vindo da Ruancha amão esquerda são as quartas cazas passada a rua das Adegas [...] 1681 (p. 68). …Aforamento de cazas na rua da Alagoa defronte do nosso adro [...] 1666 (p. 87).

…Aforamento de huma caza terrea que está em huma traveça junto ao adropor detras dehum forno [...] 1544 (p. 169 v.). …Em humas cazas e forno atras da Sachristia deste mesmo Conto… (p. 177). Aforamento de huma morada de cazas debaxo dos arcos da rua de Alconchel [...] na rua de Alconchel dentro dos arcos, as quais tem tres portas pera dentro dos dittos arcos [...] 1695 (p. 178)”. Livro das esripturas…, livro 1 (1544-1699), livro 2 ( 1324-1743) Espólio dos Conventos, S. Domingos [B.P.E.].

Documento 22 _____________________________________________________________________- 1626 Título de renda do trigo, cevada, centeio, vinha, azeite, porco, carneiros, galinhas, queijos, pinheiro. A referência é sempre o local do convento. Memorea de todas as rendas que tem este convento, da qual pode constar o que cada um ano se arrecada, e o que fica a dever... que se fez no ano de 626, Livro 3, Espólio dos Conventos, S. Domingos [B.P.E.].

Documento 23 ______________________________________________________________________ 1831 Auto de medição do Chão das Covas Grande, situado perto de S. Domingos, e confrontação do mesmo: “…Tinha de Nascente a Poente trinta e cinco varas e hum palmo e de Norte a sul quinze varas e meia e um canto da parte do Nascente que tem de Norte a Sul sete varas e de Nascente a Poente catorze varas e confronta este terreno da parte da Nascente com o Convento Novo, do Poente com a Rua do Cano…”. Tombo do que pertence a Camara desta cidade em Privilegies, Regalias, Bens..., pp. 52 e 52 v., livro manuscrito, 1831, I [sem cota, C.M.E.].

Documento 24 ______________________________________________________________________ 1831

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Confrontação de hum ferragial sito no Bairro dos Collegiais, perto de Santa Mónica: “…Confronta pela parte do Norte com a serca do Convento de Santa Mónica, e do Sul com a Estrada que vai do Buraco dos Collegiais para as Hortas…”. Tombo do que pertence a Câmara desta cidade em Previlegios, Regalias, Bens..., vol. I, p. 95, livro manuscrito, 1831 [sem cota, C.M.E.].

Documento 25 ____________________________________________________________ 26 Abril 1831 Escritura de aforamento perpetuo de uma porção de terreno da cêrca do extinto convento de S. Domingos desta cidade d´Evora, que celebram como senhorios os Exm.ºs Viscondes de Guedes, e como emphiteuta a Companhia Eborense fundadora do Theatro Garcia de Rezende. “Saibam quanto esta publica escriptura virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e oitenta e um aos vinte e seis d´Abril em Évora rua d´Alconchel e casas de morada do Excelentíssimo Visconde de Guedes e de sua esposa a Ex.mª Viscondessa do mesmo título, proprietários, sendo eu tabelião ajudante vim a pedido dos interessados, sendo os mesmos presentes, digo sendo aqueles presentes compareceram os Ex.mºs Doutor Thomaz Fiel Gomes Ramalho, morador na rua das Fontes, José Maria Ramalho Diniz Perdigão, na rua do Paço, ambos casados e proprietários, e Ignácio da Conceição Ferreira, solteiro, também proprietário e morador na rua do Paço, na qualidade de dirctores da Companhia Eborense Fundadora do Theatro Garcia de Rezende, e perante as duas testemunhas infra que todos reconheço, são maiores e dou fé serem os próprios, disseram os primeiros dois outorgantes que eles são senhores e possuidores da cerca do extinto convento de S. Domingos, situado à praça de Dom Pedro, n´esta cidade, e das casas, varandas e quintais anexos que faziam parte do mesmo convento, e que tudo foi adquirido por arrematação em hasta publica perante a Junta do Credito Publico em três de Janeiro de mil oitocentos quarenta e dois, pelo falecido Ex.mº João Teodoro Pinto da Maia, como consta da sua carta de pura e irrevogável venda de quatro de Fevereiro do dito anno, que neste acto me foi apresentada, assignada por Sua Magestade a Rainha Dona Maria, referendada pelo Ministro e Secretário d´Estado dos Negócios da Fazenda António José d´Ávila, e competentemente selada. Que a referida propriedade foi trazida ao casal deles primeiros outorgantes pela Ex.mª Viscondessa de Guedes, como herdeiea e sucessora do dito Ex.mº José Theodoro Pinto da Maia, com quem foi casada em primeiras núpcias, e não está sugeita ao pagamento de contribuição alguma. Que tendo-lhe sido pedido o aforamento de parte da referida cerca pela direcção da Companhia Eborense Fundadora do Teatro Garcia de Rezende e desejando aceder a este pedido, rogaram à direcção que ela nomeasse por sua parte um louvado, e eles primeiros outorgantes outro, afim de ambos calcularem a importância do foro a estipular. Que a direcção da mesma, José Maria do Couto Gancoso, e eles ditos primeiros outorgantes, Domingos António Fiúza, ambos solteiros, proprietários residentes nesta cidade, os quais procedendo ao exame do terreno calcularam o foral anual de 15.000 rs., como 261

consta do documento neste acto apresentado e que fica archivado em meu cartório para ir copiado nos traslados desta escriptura. Que adoptando este eles primeiros outorgantes dão de emprezamento perpetuo a parte da referida cerca que se acha já demarcada, e confronta pelo norte com parte do edifício deles senhorios directos e cerca do extinto convento de S. Domingos, poente e sul com a dita cerca e com parte da casa nobre de Luíz valente Pereira Roza e terreno comprado ao mesmo, e pelo nascente com a praça de Dom Pedro, – sob condições seguintes: PRIMEIRA – Que a área do terreno aforado será demarcado por um muro ou parede de vedação pelo lado sul, poente e norte, ficando deste lado dois portados para servidão de carros, um para a horta e outro para o pátio. SEGUNDO – Que comprendendo o terreno aforado umas casas térreas que têem de ser demolidas os segundos outorgantes construirão na parte restante da cerca e no sitio que julgarem mais apropriado, outras casas idênticas e possam servir para residência do quinteiro ou hortelão e uma pequena cavalariça. TERCEIRO – Que também se compreende no terreno aforado uma varanda que terá de ser demolida e como indemnização os outros outorgantes, em vez de construir uma varanda ao longo do prédio comohaviam determinado, farão encascar, rebocar, guarnecer e caiar, não só outra varanda existente ao norte daquela, e que não está compreendida na área do terreno aforado, mas também, por dentro e por fora, a casa sobre que a mesma varanda se acha construída. QUARTA – Que a companhia concederá a favor dos primeiros outorgantes e dos seus legítimos herdeiros e representantes uma servidão de passagem permanente pelo terreno aforado na parte delimitada pelo teatro que está construindo e o prédio ao norte pertencente aos primeiros outorgantes, concedendo-lhes para seu uso uma chave da porta que houver de fazer-se pelo lado da praça de Dom Pedro. QUINTA – Que os segundos outorgantes farão o encanamento das águas que a cerca recebe da fonte da referida praça pelo terreno sugeito a servidão tendo em vista a facilidade de futuras reparações. SEXTA – Que os segundos outorgantes poderão quando se julgarem habilitados com fundos que não sejam destinados à construção de teatro, remir o foro estipulado, pelo preço certo de vinte pensões. Sétimo – Que a companhia foreira fica obrigada a pagar de foro aos senhorios directos em sua casa nesta cidade, ou a quem os representar, no dia quinze de Agosto de cada ano a começar em mil oitocentos oitenta e dois, a quantia estipulada de quinze mil reis em dinheiro de metal sonante corrente neste reino. OITAVA – Que eles senhorios primeiros outorgantes se obrigam por si e por seus herdeiros e sucessores a fazer este aforamento bom, firme e de paz, aceitando a autoria quando a ela forem chamados pela companhia foreira para a defender contra qualquer terceiro que dispute o domínio directo e a validade deste emprasamento. NONA-que eles primeiros outorgantes cedem e transferemá dita companhia o domínio útil da parte aforada da dita cerca, da qual poderá requerer e tomar posse judicial depois da registada esta escriptura na conservatória desta comarca, e no entretanto lhe transferem a posse constituindo-se possuidores da parte aforada em nome da foreira…”. A cidade de Évora, n.º 65-66;1982-83, Évora, 1983, pp. 218-220

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Documento 26 __________________________________________________________________ séc. XIX Documento estipulando a Universidade como depósito para os Bens das antigas casas religiosas.

[A.C.M.F., PT AHM/DIV/3/20/20/24, correspondência]

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Documento 27 __________________________________________________________________ séc. XIX Documento indagando da existência de espaços amplos disponíveis nas cercas das antigas casas religiosas.

[A.C.M.F., PT AHM/DIV/3/20/20/24, correspondência]

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Documento 28 _________________________________________________________________- séc. XIX Extracto de documento informando da disponibilidade de espaços nas cercas das antigas casas religiosas.

[A.C.M.F., PT AHM/DIV/3/20/20/24, correspondência]

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Documento 29 _________________________________________________________________- séc. XIX Documento referente à cedência do antigo Convento de Nossa Senhora dos Remédios.

[A.C.M.F. PT AHM/DIV/3/20/20/24, correspondência]

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Documento 30 __________________________________________________________________- séc. XX Extracto de documentos pedindo informação sobre as antigas casas religiosas existentes em Évora, e a quem estavam adstritas.

[A.C.M.F. PT AHM/DIV/3/20/20/24, correspondência]

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Documento 31 __________________________________________________________________- séc. XX Documentos informando das antigas casa religiosas existentes em Évora e a quem estavam adstritas.

[A.C.M.F. PT AHM/DIV/3/20/20/24, correspondência]

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[A.C.M.F. PT AHM/DIV/3/20/20/24, correspondência]

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