Sistemas audiovisuais inteligentes: um levantamento das práticas que apontam a dinâmica da narrativa responsiva e generativa

May 29, 2017 | Autor: Rafael Toscano | Categoria: Interactive Narrative, Film and Media Studies, Audiovisual systems analysis
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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

Sistemas audiovisuais inteligentes: um levantamento das práticas que apontam a dinâmica da narrativa responsiva e generativa1 Rafael Moura TOSCANO2 Valdecir BECKER3 Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB RESUMO Este artigo faz um levantamento de práticas potencias que evidenciam as narrativas, por meio da resposta generativa de sistemas audiovisuais inteligentes ao usuário, seja por escolhas, histórico ou manipulação técnica. Para elencar as potencialidades, a pesquisa realiza um levantamento teórico atrelado a estudos de caso de produções experimentais que evidenciam o desenvolvimento de novas formas narrativas. As análises incluem historicidade, responsividade, colaboração, campo exploratório, construção generativa e posicionamento de usuários. Dessa forma, a pesquisa contribui para uma análise sobre novas práticas narrativas, que geram desafios comunicacionais para compreender tanto a produção, quanto a fruição dos conteúdos PALAVRAS-CHAVE: sistemas audiovisuais; narrativa; interface; interação; usuário; 1. INTRODUÇÃO Este trabalho analisa as apropriações de interface e estética pela narrativa audiovisual e suas diversas formas de significação para a construção de sistemas audiovisuais inteligentes. De forma a dialogar com pesquisas já realizadas por meio de um estudo exploratório, este artigo aponta práticas potenciais para o processo de criação, distribuição e consumo de um produto, ou sistema, audiovisual contemporâneo. De modo geral, é possível identificar processos de migração dos dispositivos, das interfaces que buscam entender o cenário de exposição do conteúdo, das imagens que englobam cada vez mais dados, e por isso são escalonáveis, e principalmente do espectador, que cada vez mais se configura como usuário interator e co-autor da narrativa. Dessa forma, torna-se pertinente analisar como os novos recursos, baseados em uma postura mais ativa do expectador, afetam a extensão do universo narrativo. Tradicionalmente, histórias são contadas por diretores e produtores usando recursos

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Trabalho apresentado no DT 4 – Comunicação Audiovisual do XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 07 a 09 de julho de 2016. 2

Pesquisador LAVID-UFPB e-mail: [email protected]

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Doutor em Ciências, professor dos Programas de Pós-graduação em Jornalismo (PPJ) e Pós-graduação em Computação, Comunicação e Artes (PPGCCA), da UFPB. e-mail: [email protected]

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técnicos e estéticos baseadas na sala escura, e, em menor escala, em sistemas de transmissão televisiva. Com a disseminação da internet e outros recursos interativos ocorreu uma reestruturação inicial da organização da narrativa, que pode ser completada nestes ambientes digitais (JENKINS, 2008). Dessa forma, abrem-se potenciais narrativos que podem individualizar parte da experiência fílmica. A inclusão de novos recursos, como sistemas inteligentes que moldam os produtos audiovisuais à experiência prévia do expectador, fazendo uso de bancos de dados e oferecendo interfaces de manipulação direta dos elementos narrativos, permite expandir ainda mais a individualização da experiência fílmica. A presente pesquisa analisa essa expansão, a partir de exemplos que fazem uso de diferentes recursos narrativos. 2. Mídias digitais e os limites da narrativa O estado da arte da narrativa contemporânea mostra uma condição de estreitamento dos formatos cinema, TV, vídeo, internet e infográfico. De forma a evitar o impasse acerca da natureza de um produto e avançar no entendimento das práticas potenciais, o presente trabalho usa uma nomenclatura mais abrangente do que tradicionalmente é praticado na literatura. O termo audiovisual, de acordo com (AUMONT; MARIE, 2003, p.25), se refere a “Obras que mobilizam a um só tempo, imagens e sons”. A definição segundo o próprio autor, é vaga e não engloba as novas apropriações. Ao acrescentar novos elementos como interface, bancos de dados e automação, este trabalho reconhece estas produções como sistemas audiovisuais inteligentes. Desde a concepção inicial de cinema, que surge como apropriação de um dispositivo e depois engloba o elemento narrativo, diversos recursos tecnológicos e comunicacionais passaram a ocupar espaços de transmissão de informação e contação de histórias. As novas mídias, Internet, computadores e dispositivos móveis (BIEGING; BUSARELLO, 2013) tem sido coeficientes de mutação do formato tradicional do cinema. Formato este que pode ser definido como integração de filme (narrativa visual), espectador, instituição (dinâmica cultural e econômica), e dispositivo Dubois (2013). Esse entendimento do cinema também pode ser obtido por outra classificação: arquitetônica (condições de projeção de imagens); tecnológica (produção, distribuição das imagens); e discursiva Maciel (2009). O paralelo entre os autores é extremamente válido para o avanço desse entendimento do que se tornou o cinema de culto à imagem, e a forma cinema. Maciel (2009) avança a discussão propondo

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que “Não devemos, portanto, permitir que a (forma cinema) se imponha como um dado natural, uma realidade incontornável” (ibdem, 2009, p.5). Prosseguindo o pensamento, Dubois (2013) elenca uma nova configuração de cinema que marca toda evolução, ruptura e correlação ao modelo tradicional. A este fenômeno o autor atribui o termo pós-cinema. Outro elemento que aponta essa transferência de espaço, e dispositivo, é a própria fragilidade do ideal de cinema. Considerando que o ambiente ideal de projeção (sala escura, silêncio, equipamento de projeção e de áudio adequados) muitas vezes está ausente, e que nem sempre a narrativa é clássica, com uma história estruturada, muitos filmes são atracionais, abstratos ou experimentais Maciel (2009). Filmes nativos da internet ou filmes digitais são apontados como “Filmes que não utilizam o meio apenas como método de distribuição, mas incorporam sua flexibilidade” (PERCY apud BERNARDES, 2015, p.14). A partir deste conceito, damos início a discussão acerca dos fatores que descrevem a natureza digital dos filmes. O período/etapa do cinema apontado pelos autores como digital é a base para a construção do percurso a seguir. A possibilidade de uma representação numérica comum, possibilita ao vídeo, que antes era uma experiência de fluxo, se relacionar como um sistema de arquivos flexíveis e manuseáveis. Essa dinâmica de narrativas fluídas e adaptativas trazem novos caminhos de fruição Cirino (2010). De acordo com Manovich (2001), as características identificadoras das novas mídias são: representação numérica, automação, modularidade, variabilidade e transcodificação. Um pequeno aprofundamento nesses conceitos é importante para a identificação de apropriações estéticas que fogem da construção tradicional. Cirino (2010) relaciona as definições propostas por Manovich (2001) e exemplifica no trecho a seguir. As possibilidades das novas mídias permitem-nos tratar o filme como um conjunto de blocos narrativos (modularidade), manuseáveis (variabilidade), que podem ser vistos tanto no computador como em quaisquer outras mídias digitais (representação numérica). Esses blocos podem inclusive serem gerados aleatoriamente [...] (automação) e podem apresentar interfaces para que o usuário escolha que parte deseja ver do filme (transcodificação). (CIRINO, 2010, p.268)

A partir da análise da literatura será reconhecido por esse trabalho que, além da significação inicial, o sistema audiovisual tem como atributo a justaposição de blocos informacionais

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contendo cenas, ou pequenas unidades dramáticas, que podem ser conectadas entre si. A construção do coeficiente de adaptação, ou melhor, da responsividade (seção 4.2), é o que confere ao sistema a perspectiva de expandir os limites da narrativa. 2.1. A relação entre usuário e universo narrativo Sobre a dimensão do segundo sujeito da narrativa (o usuário) Cannito (2010) afirma que o espectador não busca apenas a superfície da história, ele quer entrar na imagem. Esse posicionamento do público é definido por Jenkins (2008) como cultura participativa. A partir desse entendimento ativo do usuário Cirino (2012b) classifica a participação do público em três níveis: 1) Interpretativo; 2) Transmídia; 3) interativo; com base nessa classificação podemos expandir o entendimento dessa presença. Sobre o modo interpretativo, “Um receptor de informação, a menos que esteja morto, nunca é passivo” (LÉVY, 2010, p.79). O caráter interpretativo também é definido por (SANTIAGO JÚNIOR, 2004, p.4). “O espectador bordwelliano não é, porém, um leitor ideal, mas uma entidade hipotética executora de operações relevantes para construir uma estória fora da representação do filme”. A estrutura fílmica independente da presença ou não da interação compõem um acervo de símbolos e signos que serão organizados e processados pelo espectador. A respeito do modo transmídia Cirino (2012b) relaciona a busca do espectador por conteúdo não somente a narrativa fílmica, mas a todo um universo ficcional desenvolvido em mídias complementares que possibilitam o aprofundamento da história contada. Acerca dessa busca por um universo narrativo (JENKINS, 2008, p.161-162) destaca “O universo é maior do que o filme, maior até do que a franquia – já que as especulações e elaborações dos fãs também expandem os universos em várias direções”. Em relação ao terceiro modo, a participação interativa (CIRINO, 2012b, p.18) destaca “qualquer interferência do espectador no conteúdo do filme, que passa a ser, portanto clicável, manipulado através do botões, sons e/ou movimentos”. Santaella (2005) relaciona essa participação produtiva como resultado da cultura das mídias. Com base neste levantamento teórico, é possível identificar o primeiro elemento de expansão da interação. Essa relação entre usuário-universo pode ocorrer em diversas proporções, seja pela escolha

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ou expansão narrativa através de alternativas, seja pelo consentimento de dados, pelos rastros de navegação ou pela manipulação estética da estrutura visual. 3. Interface e estética da narrativa audiovisual Analisando a estrutura visual, “A forma como dispomos os elementos em relação aos outros, constituirá, portanto, a primeira preocupação discursiva, e estética, na criação de uma imagem cinematográfica” (NOGUEIRA, 2010, p.48-49). Na estrutura de cinema tradicional, a construção do quadro se dá pelo recorte visual da cena. Com a integração as novas mídias, o conceito de interface gráfica (GUI-Graphical User Interface) passa a ocupar um lugar de importância. “Se a interface é o lugar comum da interatividade entre homem e máquina, faz-se necessário estudá-la como o veículo para a fruição das narrativas” (CIRINO, 2010, p.270). A interface ocupa não apenas a função de mediar, ou traduzir visualmente a relação entre usuário e estrutura narrativa fílmica tradicional, mas em muitos casos ela também integra o coeficiente narrativo. Sobre o conceito de composição desta estrutura: Ela pode ser considerada segundo o eixo da sucessão ou da simultaneidade: Formas de encadeamento por continuidade, rupturas, fusões etc, por um lado; relações entre os elementos co-presentes em um dado momento do filme, por outro (contrastes, encobrimentos parciais ou completos, contrapontos etc). (AUMONT; MARIE, 2003, p.58)

Podemos considerar ainda a abordagem relacionada por Cirino (2010), em que o interator está diante de dois modos de fruir o filme: através da visibilidade ou da fantasmagoria. Sobre a ausência de interface, ou fantasmagoria, o autor considera tal prática como uma capacidade ilusória de imersão Cirino (2012b). Uma vez que na ausência de mediadores gráficos o posicionamento do usuário pela interatividade se volta para metáforas e multicritérios visuais Morais et al. (2012). A possibilidade de orientação à deriva (SILVA JR. e JONHSON apud CIRINO, 2012b) compreende que o hipertexto e a interface podem ter percursos bem definidos, porém também existe a possibilidade de uma fruição mais livre, não regrada por caminhos préestabelecidos. Dialogando com essa ausência de mediação gráfica Gosciola (2008) destaca a construção de metáforas visuais que ajudam o usuário a compreender a natureza expandida da interação de forma coerente com a estrutura dramática do filme. Posto isto é

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possível identificar que além da historicidade, a construção de estruturas narrativas com metáforas visuais ou orientação a deriva modificam a percepção reativa do usuário sobre a estrutura narrativa. 4. Práticas potenciais A ruptura com o valor de culto a imagem, trouxe à tona o valor do manuseio técnico e discursivo. Atrelado a um posicionamento ativo dos usuários, novas dinâmicas foram surgindo, como o cinema digital, o cinema expandido, o cinema expandido digitalmente, o cinema interativo, o cinema quântico/neurocinema e, finalmente, o live cinema Maciel (2009), Aly (2012). De modo a dialogar com os estudos desenvolvidos e apresentados, este trabalho relaciona dinâmicas de apropriação de estética e interface, de forma a contribuir com o levantamento já documentado. A seleção de obras/conceitos para a presente pesquisa se dá pela configuração de três grupos: 1) práticas oriundas do empoderamento do usuário; 2) Sistemas narrativos inteligentes; 3) Convergências e apropriações estéticas; cada conceito ou apropriação técnica/estética que será aprofundado, fará uso de um exemplo, todavia esse agrupamento não exclui os objetos experimentais de se enquadrar em mais de uma prática potencial. Os itens

para

análise

são:

Colaboração/crowdsourcing,

historicidade/responsividade,

construção generativa e campo exploratório. 4.1 Colaboração para mineração de dados O primeiro objeto de análise é o experimento realizado por pesquisadores franceses da Universidade de Toulouse em parceria com a Universidade Nacional de Singapura. Este trabalho apresenta uma aplicação para o posicionamento ativo dos consumidores, que ao se deparar com vídeos de altíssima resolução (4k, 8k, 16k) em seus dispositivos móveis estão diante de uma perda de compreensão dos detalhes da imagem, e por isso fazem uso do escalonamento como subsidio ao consumo narrativo. Essa prática pode ser denominada de campo exploratório e, por questões de organização do trabalho, será abordada em seções seguintes. A pesquisa propõe a criação de um vídeo com base na construção colaborativa de pontos de vista recomendados por usuários. A indicação de cada etapa da coleta de informações de feedback dos usuários é denominada pelo autor como Crowdsourcing Carlier et al. (2011).

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O processo é construído a partir de um mapa de importâncias, predefinidos pela equipe de pesquisa e somados a um mapa de interesses com base na experiência de uso de um grupo de consumidores Essa prática de construção colaborativa em vídeo é o resultado proposto para solucionar alguns problemas de experiência de consumo e produção, como por exemplo, o acompanhamento de objetos em movimento, uma vez que na expansão da imagem (zoom) o usuário teria que modificar a todo instante o posicionamento visual para acompanhar seu objeto de interesse, caso ele não ocupasse mais a região selecionada. Embora exista a opção de automatizar esse processo, a equipe do projeto optou por realizar este procedimento de forma “manual”, no qual cada movimento realizado em teste pelos voluntários é computado e inserido no sistema, como uma forma de biblioteca de interesses por perfil e gênero narrativo. A compreensão do usuário acerca das possibilidades de pontos de vista durante o consumo da narrativa, se dá pela inserção de uma interface gráfica que aponta o campo de possibilidades. Muito além da utilização da interface gráfica, este experimento aplica a narrativa como campo gerador de novas interfaces, uma vez que cada usuário, ao demarcar novos posicionamentos (escalonamentos), também computa um recorte e sugere um novo ponto de vista. Este processo é similar ao trabalho de Morais et al. (2012), em que a simplificação ou redução da interface dá espaço a multicritérios de elementos visuais. O uso de sistema aberto a inputs possibilita uma dinâmica nova para compreensão narrativa. Além disso o experimento dialoga com as características das novas mídias de Manovich (2001), como automação, variabilidade e transcodificação. A solução proposta nesse experimento apresenta grande potencial para aplicação em produtos audiovisuais de caráter colaborativo. A mineração dos dados de navegação dos usuários, como ciclo de ressignificação e finalização do conteúdo, é um workflow potencial para esquemas de produção de sistemas narrativos inteligentes. A validação de “interesse” de pontos de vista recomendados sobre a trama é fundamental, uma vez que existem diversos níveis de engajamento por parte de usuários. Sendo assim, o agrupamento narrativo deve ser capaz de oferecer a melhor experiência de consumo para cada perfil, seja ele de espectador ou usuário. 4.2 Historicidade a narrativa responsiva

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O segundo elemento potencial se enquadra no grupo dois, Sistemas narrativos inteligentes. A relação estabelecida por Cirino (2012a) da análise da construção do cinema interativo feitas por Rafaelli (1998) e Manovich (2001) permite interpretar o sistema audiovisual como um agrupamento de módulos organizáveis a partir da intervenção direta do espectador. O enfoque da historicidade está na compreensão apresentada por Maciel (2009) em que a construção do storytelling se dá pela relação com o campo de possibilidades, obtendo, assim, uma abertura do universo narrativo. Cirino (2010) aponta a possibilidade de integração destes módulos por meio de uma nova dinâmica de produção, que ao invés de uma divisão em cenas, busca um agrupamento com foco na responsividade de suas ligações. O levantamento da obra de (RAFAELLI apud CIRINO, 2012a) aponta a consideração de um caráter comunicacional a partir da historicidade incorporada as escolhas em detrimento do ideal de conversacionalidade. (ibdem, 2012) defini historicidade como a capacidade de sistemas em incorporar o histórico de ocorrências ou escolhas como fator de expansão e personalização do processo do percurso dramático. Deste modo, se faz necessário um paralelo com as seguintes questões: "A relação entre representação e realidade representada, uma vez que a obra digital já não é mais a marca de um sujeito (O autor, que dá sentido à obra), posto que ela é realizada por outro: o leitor usuário. Nesses termos, o espaço se configuraria como um campo de possíveis, em que o sujeitoenunciador fornece elementos e o sujeito-atualizador realiza a parte de suas possibilidades, podendo o usuário ser encarado como coautor de uma obra digital já que contribui, de maneira efetiva, para sua formação. Nesse caso, não há um sentido preexistente à apreensão do usuário, pois é a própria experiência que constrói o sentido" (MACIEL, 2009, p.43)

Em concordância com a fala anterior (ECO apud CIRINO, 2012b) afirma que essas estruturas dão novo significado a relação entre conteúdo e usuário. “Uma mais articulada noção do conceito de forma, a forma como um campo de possibilidades”. Sendo assim é possível reconhecer a historicidade ou responsividade como um atributo da narrativa interativa que busca expandir o campo reativo e gerar um valor narrativo complexo para o processo. De forma a exemplificar o potencial dos conceitos apresentados, é destacado o case The

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sound of energy4, um vídeo interativo agrupado em blocos (modularidade) e manuseável pelo usuário através de uma interface gráfica em overlay ao vídeo. O sistema tem a capacidade de processar a historicidade de forma dinâmica e estabelecer a responsividade dos blocos de maneira a criar um clipe personalizado para cada execução do usuário. Outro atributo é a capacidade de variabilidade do produto por parte do usuário, uma vez que suas escolhas resultam em novas composições narrativas e estéticas de enquadramento, edição de sons e imagem. A interface desempenha o campo de interação no período de exibição do vídeo e no pósvídeo, apresenta o trajeto de escolhas que o usuário realizou. Além do gráfico indicador das escolhas feitas, é possível rever o vídeo gerado (automação) sem a interface de criação e compartilhá-lo em mídias sociais. A aplicação do conceito de historicidade e responsividade representa um potencial para estruturas audiovisuais em que a relação com o processo de construção é fundamental. “O propósito do histórico é mostrar ao usuário quanto ele explorou [...] num vídeo educativo, faria muito sentido mostrar ao aluno onde ele está e o que há de vir” (MORAIS et al., 2012, p.10). 4.3 Construção generativa O termo construção generativa foi utilizado neste trabalho para representar sistemas audiovisuais inteligentes que fazem uso de dados do usuário, ou do dispositivo de reprodução, para construir relações narrativas. A capacidade de um software gerar agrupamentos narrativos que se relacionam com a estrutura de módulos de forma responsiva é apresentada por Manovich (2001) como o princípio da automação. Com o intuito de ilustrar essa dinâmica foi escolhido o projeto Bear 71 5desenvolvido pela National Film Board. O sistema audiovisual Bear 71, é uma aplicação audiovisual interativa e colaborativa que apresenta a história do Parque Nacional de Banff, com foco na conscientização da relação do homem e espaço (fauna e flora). A premissa inicial do projeto é acompanhar o trajeto de um urso que foi identificado pelo rastreador de número 71. A partir desta apresentação, o usuário se depara com um ambiente virtual que representa toda a extensão geográfica do parque. Esta interface é extremamente rica em dados, como: câmeras de monitoramento, 4 5

Disponível no site: http://www.shell.com.au/aboutshell/lets-go-tpkg/sound-of-energy.html Disponível no site: http://bear71.nfb.ca/#/bear71

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rastros de movimento do urso 71 e de outros animais, pequenos módulos de vídeos explicativos e instâncias de input de dados como áudio e vídeo. Ao contrário dos experimentos já apresentados, o bear 71 foi desenvolvido na direção de uma experiência de vídeo jogo, e visualização de dados para a colaboração de múltiplos usuários em tempo real no universos narrativo. A experiência exploratória é inicialmente limitada a 20 minutos por acesso, contudo este tempo aumenta à medida que o usuário/interator dialoga com as funcionalidades do filme. Uma segunda significação pode ser atribuída ao termo construção generativa, relacionada à aplicação da estrutura de módulos narrativos para construir uma interface por meio da visualização dos dados. O Bear 71 aplica essa dinâmica de modo a reforçar a espacialidade do parque. Pequenos módulos de vídeo são distribuídos pela superfície de acordo com seu posicionamento geográfico e pela composição da premissa narrativa do autor e dos usuários. Estruturas audiovisuais com base nos dados do usuário são práticas potencias para geração de conteúdo personalizado. Outra aplicação dessa dinâmica são as ações do facebook6, que através de um algoritmo constrói vídeos personalizados para cada um dos usuários com base nas atividades e interações na plataforma. De forma geral, essas aplicações são válidas para relacionar os rastros de navegação afim de retomar a historicidade do usuário e promover uma relação com a marca, ou simplesmente, com o universo temático narrativo em questão. Outro case que ilustra bem o potencial desta dinâmica é o documentário interativo Limbo7. O filme coleta dados de email, mídias sociais, câmera e microfone, para inserir as informações na estrutura narrativa como mecanismo de validar o argumento do filme, mantendo um memorial coletivo e digital construído, que normalmente se perde ao longo dos anos. 4.4 Campo exploratório A relação entre mundo real e mundo da tela se dá pelo recorte visual escolhido pelo diretor, logo pontos de interesse do usuário podem ficar de fora Block (2010). “Desse modo elementos do extraquadro são desconsiderados como parte consumível. [...]. No entanto, há cenários em que os elementos tanto do extraquadro quanto do intra quadro possuem 6

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Disponível no site: http://newsroom.fb.com/news/2016/02/friends-day/ Disponível no site: http://inlimbo.tv/en/documentary

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relevância” (TOSCANO; BECKER, 2015, p.1). Somado a essa questão dois fenômenos enriquecem a discussão: 1) Evolução constante das resoluções em vídeo (4K,8K,16K); 2) Crescimento do consumo de vídeo por dispositivos móveis; sobre esta relação, Com os recentes sistemas de captura de vídeo UHD, novos tipos de experiências de mídia são possíveis, onde os usuários finais têm a possibilidade de escolher o seu nível de direção, de visualização e zoom [...] por exemplo, no setor de entretenimento, soluções de aplicativos para celular e web streaming estão disponíveis para cobertura de eventos com uma câmera de vídeo de 360 graus. (REDI; D’ACUNTO; NIAMUT, 2015,p.2, tradução nossa)8

Essa relação de transferência da responsabilidade, retratada como campo exploratório por Redi; D’acunto; Niamut, (2015) é uma dinâmica de expansão da narrativa visual por meio da relação com a interface. Ainda sobre o papel das imagens em altíssimas resoluções a produção da escalabilidade é uma das motivações principais Almeida (2014). O empoderamento do usuário em direcionar o recorte visual de um registro, ou seja, sua capacidade de priorizar novos elementos, gera questionamento sobre as formas de consumo do universo temático. Dialogando com essa questão, Manovich (2014) apresenta uma resposta que relaciona a divisão de superfície Block (2010) como estratégia de manter a dimensão macro e micro ao mesmo tempo Almeida (2014). “Em outras palavras, como você continua a ver a imagem inteira enquanto examina os detalhes, o sentido de contexto em que cada detalhe se encaixa permanece” (MANOVICH, 2014, p.112). Como exemplo dessa dinâmica, podemos citar o Instituto Fraunhofer, que desenvolveu um experimento objetivando a criação de imagens panorâmicas de altíssima resolução para eventos ao vivo, através de 5 câmeras 2K. O agrupamento das câmeras de forma a originar uma imagem super wide com uma deformação óptica possibilita ao usuário que se depara com a imagem escalável em um dispositivo móvel uma experiência diferenciada. É possível definir essa nova percepção através da aplicação de dois conceitos básicos do audiovisual: deformação óptica e movimento relativo, em que o usuário tem a percepção de espacialidade e profundidade do movimento. Ao invés dos experimentos tradicionais de zoom que simulam unicamente o deslocamento de uma máscara virtual nos eixos X e Y da 8

With recent capturing systems for UHD video, new types of media experiences are possible where end users have the possibility to choose their viewing direction and zoom- ing level. Different examples of such interactive region-of- interest (ROI) video streaming have been demonstrated or deployed. For example, in the entertainment sector, web streaming and mobile app solutions are available that cover events with a 360-degree video camera.

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imagem, o experimento do instituto apresenta uma dinâmica de captura, processamento, distribuição e interação viabilizadas totalmente pela rede de internet. Nesse experimento, para evitar o tráfego de informação altíssimo, no qual cinco câmeras 2K emitem sinal ao mesmo tempo, foi desenvolvido um sistema de processamento apenas dos dados em quadro e um pré carregamento das áreas mais próximas. Solução semelhante ao experimento apresentado por (REDI; D’ACUNTO; NIAMUT, 2015) que nomeia essa divisão de visualização por Tiled Streaming. Este conceito de campo exploratório apresenta grande potencial para a relação entre vídeos de altíssimas resoluções e dispositivos móveis, redirecionamento de pontos de interesse e relação ativa do usuário. Como vimos, outras aplicações que expandem este conceito são a integração com a colaboração de usuários, vídeo 360 graus e realidade virtual. 5. Conclusão O presente estudo sistematizou práticas que indicam potencialidades para a narrativa audiovisual contemporânea. A junção de diferentes recursos, configurações e agrupamento de formatos de interface e estética podem gerar sistemas audiovisuais inteligentes, viabilizando uma infinidade de recursos narrativos. Toda essa atribuição de significados na relação entre interface e narrativa atua como elemento integrador e catalizador da fruição e expansão do conteúdo. Os experimentos audiovisuais discutidos tornam-se, paulatinamente sistemas complexos. Em comum, possuem três características chave: 1) O posicionamento ativo do usuário; 2) A capacidade de manipular, adaptar e reordenar a estrutura de acordo com ações de seu contexto de consumo; 3) A convergência de novos elementos e apropriações estéticas. Analisando possíveis evoluções da narrativa audiovisual, algumas características podem ser identificadas. A colaboração, tanto para consumo quanto para o fluxo de criação de narrativa, é um elemento central no desenvolvimento de novas práticas estéticas e narrativas. Além disso, a capacidade dos sistemas em dialogar com a historicidade do usuário, e deste modo, ofertar um conteúdo personalizado através da relação construída na plataforma e pelos rastros de navegação do usuário na internet tende a gerar uma quantidade significativa de novos produtos audiovisuais. A experiência sensorial e imagética da percepção fílmica se individualiza, criando obras esteticamente diferentes a cada visualização. Neste ponto, pode-se inclusive questionar conceitos consolidados na

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teoria cinematográfica. Temas centrais, como filme e cinema, carecem de releituras analíticas no âmbito das novas tecnologias e do pós-cinema. Finalmente, a capacidade do manuseio da imagem e do som, de modo a valorizar a interface exploratória da narrativa, altera processos de consumo e compreensão no usuário. Dessa forma, as potencialidades identificadas no presente trabalho expandem a capacidade de contar histórias (e compreendê-las) quando ofertadas em paralelo, podendo ainda agregar valor se somadas a campos de atuação como realidade virtual, neurocinema ou cinema quântico e internet das coisas. Os impactos destes elementos a cargo de estudos futuros, na continuação desta pesquisa. REFERÊNCIAS ALMEIDA, J. DE. Dossiê escalabilidade. Revista Trama interdiciplinar, v. 5, n. 1, p. 32– 37, 2014. ALY, N. desdobramentos contemporâneos do cinema experimental. Teccogs, v. 6, p. 61– 92, 2012. AUMONT, J.; MARIE, M. Dicionário teórico e crítico de cinema. Traducao Eloisa Araújo Ribeiro. Papirus ed. campinas ,SP, 2003. BERNARDES, F. Webdocumentário e as funções para a interação no gênero emergente: Anáise de Fort McMoney e Bear 71. Porto Alegre: Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, 2015. BIEGING, P.; BUSARELLO, R. I. Experiências de consumo contemporâneo pesquisas sobre mídia e convergência, 2013. BLOCK, B. A narrativa visual: criando a estrutura visual para cinema, TV e mídias digitais. Traducao Cláudia Mello Belhassof. São Paulo: Elsevier, 2010. CANNITO, N. G. A televisão na era digital: Interatividade, convergência e novos modelos de negócio. Elsevier ed. São Paulo: [s.n.]. CARLIER, A. et al. Combining content-based analysis and crowdsourcing to improve user interaction with zoomable video. Proceedings of the 19th ACM international conference on Multimedia - MM ’11, p. 43, 2011. CIRINO, N. N. A interface do filme interativo e sua usabilidade narrativaII seminário Histórias de roteiristas: Artes e comunicação na Era dos roteiristas. Anais...São Paulo: seminário Histórias de roteiristas, 2010 CIRINO, N. N. As Fronteiras da Interatividade no Cinema. Revista Eletrônica do

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em:

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