Sistemas de compartilhamento e difusão na internet e o acesso à produção de vanguarda (2013)

May 25, 2017 | Autor: Ariane Souza Stolfi | Categoria: Web Technologies, Access To Information, Peer-to-Peer
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Sistemas de compartilhamento e difusão na internet e o acesso à produção de vanguarda. Ariane Stolfi, São Paulo 2013

Augusto de Campos, Tvgrama 1 - Tombeau de Mallarmé

Nos anos 90, a web estava somente engatinhando, e a Tv era o que dominava a indústria cultural, Augusto de Campos fez este pequeno tvgrama bastante descrente em relação ao interesse das pessoas por Mallarmé, no que podemos notar um desenteresse geral pela produção de vanguarda dos períodos anteriores. Se tratarmos de música eletroacústica ou contemporânea, bem como de várias outras produções de vanguarda, estaríamos tratando de um repertório muito pouco acessível. Com um público restrito, vertentes mais experimentais e distantes do universo da música de massa tinham muito pouco espaço dentro do sistema estabelecido de difusão e circulação mundial. Como aponta o poeta Augusto de Campos no livro Música de Invenção, havia uma dificuldade em se encontrar certos álbuns no mercado brasileiro. O acesso era extremamente limitado, e não haviam edições nacionais de artistas de música contemporânea. O Brasil é um país que tem a fama de musical mas se permite o luxo de jamais ter prensado ou represensado alguns dos itens mais decisivos e fundamentais da música do século – de Schemberg,

Webern, Berg, Varèse, Cage, tão escassa ou nulamente representados em nossos catálogos.1 A falta de espaço no mercado colocava artistas de vários campos e linguagens em um lugar bastante obscuro, onde muitos poucos tinham acesso. Ao público em geral, cabia o que a TV oferecia, como já apontava Augusto de Campos. O cenário começou a se transformar com a digitalização da música. O Cd reduziu o custo da mídia de maneira considerável, bem como a dificuldade de reprodução e cópia. Com o surgimento do Cd-rom, o custo da cópia passou a ser bastante inferior ao da aquisição da mesma peça por meios legais, a pirataria floresce na indústria musical. Com a compactação em mp3, foi possível reduzir também o tamanho dos arquivos de áudio, tornando-os pequenos o suficiente para que pudessem ser transmitidos até pelas antigas conexões de internet discadas. Com a difusão da internet, a pirataria ganha uma nova dimensão baseada no ideal de compartilhamento de informação e cultura. Com a rede, todos computadores podem ser conectados rapidamente uns com os outros e a música pode circular se multiplicar na velocidade da eletricidade. A questão agora era como encontrar o que se desejava. Em 1998, surgiu o Audiogalaxy, e com ele, uma nova forma de compartilhamento de arquivos na internet, conhecida como peer-to-peer2 . O sistema consistia em um software, que fazia transferências de arquivos diretamente entre usuários, e um servidor que concentrava a localização dos arquivos compartilhados. Além de um amplo arquivo reunido por milhares de usuários ao redor do mundo todo, o sistema também indicava artistas e músicas afins, que permitia aos seus usuários uma pesquisa horizontal baseada em critérios de gênero musical, a partir de um determinado arquivo ou artista. Um ano depois, surgiu o Napster, que eliminava a centralização por servidor e conectava diretamente usuários ao redor do mundo, permitindo o compartilhamento não só de músicas, mas também de filmes, programas e outros tipos de arquivo. Não havia indicação de artistas semelhantes, mas era possível pesquisar dentro do repertório de outro usuário. Esses sistemas pioneiros de compartilhamento foram os primeiros a possibilitar a distribuição gratuita de música online, e abriram o acesso 1

Campos, 2007 p. 10.

2

Peer-to-peer é uma expressão que poderíamos traduzir como “mano a mano”,

e diz respeito ao compartilhamento direto de arquivos entre usuários.

para a biblioteca mundial de músicas. Dialético como a maioria dos processos de transformação dos meios de comunicação, o interesse pelos sistemas de compartilhamento peer-to-peer ajudou também a difundir a própria internet, a recém surgida banda larga. É claro que todo esse procedimento também era ilegal, e logo a RIAA (Recording Industry Acossiation) se contrapôs, causando o fechamento do Audiogalaxy e posteriormente o fechamento do Napster também. O Audiogalaxy por ser centralizado, foi muito fácil de ser fechado, uma vez que o servidor central poderia ser considerado como um item de incentivo à pirataria. Por algum tempo conseguiu funcionar com arquivos legais e com certos subterfúgios como mudança de nome dos arquivos, mas em 2002 ele foi finalmente fechado. Nesse processo surgiram também outras redes, como o Kazaa, o Soulseek e o e-mule, e mesmo o bit torrent, com a diferença de não possuírem servidores centrais, e por não interferirem diretamente no compartilhamento de arquivos, teoricamente não poderiam ser fechadas por nenhum órgão de controle. Mas essa falta de centralização também gerava uma dificuldade no compartilhamento, a pesquisa era limitada ao que os usuários online disponibilizavam naquele momento, e o acervo passou a ser mais restrito em relação ao extinto Audiogalaxy. Na grande invenção desse sistema também residia sua maior contradição, ele permitia a difusão e o acesso a um repertório nunca antes acessível, mas também não gerava nenhum retorno financeiro aos autores e criadores dos arquivos. Enquanto alguns estudos sugeriam que as pessoas que baixavam música on-line também tinham seu interesse geral por música ampliado, e consequentemente acabam gastando mais dinheiro com música em geral3, alguns artistas se posicionaram radicalmente contra e lutaram com todos seus meios para derrubá-lo4. As gravadoras e estúdio entraram com ações milionárias contra os desenvolvedores dos softwares e conseguiram barrar vários deles. Mas a cultura de se ouvir música gratuitamente já estava estabelecida e a sociedade encontrou novos meios de usufruir dela. Nos meados dos anos 2000 a web começa a ganhar uma nova forma. O desenvolvimento de tecnologias livres para programação no servidor permitiu a proliferação de websites de conteúdo dinâmico, num movimento que foi chamado de web 2.0. 3

Hansen, 2000

4

A banda Metallica foi a primeira a entrar individualmente com um processo

contra o Napster, por exemplo Jones, 2000

Uma companhia Web 2.0 muda fundamentalmente o modo de produção do conteúdo da internet. Aplicativos e serviços baseados na internet se tornaram mais fáceis e mais baratos de implementar, e ao permitir que os usuários finais tenham acesso à esses aplicativos, uma companhia pode efetivamente transferir a criação e a organização do seu conteúdo para os próprios usuários finais. Ao invés do modelo tradicional que é de um provedor de conteúdo publicando seus próprios conteúdos e o usuário final consumindoo, o novo modelo permite ao site da companhia atuar como um portal centralizado entre os usuários, que são ao mesmo tempo criadores e consumidores5. Em 2005, o custo do armazenamento de arquivos já era bem baixo, e alguns funcionários do Paypal criaram um serviço de compartilhamento de vídeo chamado youtube. Nele, os usuários podiam fazer upload, compartilhar e assistir a videos online, diretamente no servidor, sem que o video seja efetivamente salvo no computador do espectador. Com alguns milhões de investimento, o youtube foi em 2006 o site da internet que mais cresceu, e já começou a ser cercado por processos de violação de direitos autorais. No mesmo ano, foi comprado pela Google por 1.65 bilhões de dólares e assinou um termo de compromisso com empresas da mídia para tratar de questões de direitos autorais. O acesso voltou a ser novamente centralizado, como no extinto audiogalaxy, mas ao invés de ser uma plataforma de pirataria, o youtube é uma plataforma de transmissão, e conseguiu emplacar um sistema de monetização onde os produtores são efetivamente remunerados com base nos anúncios negociados para os vídeos. Em geral, uma parte da receita dos anúncios fica com o usuário que postou o vídeo, mas em casos que o direito pertença a outrem, pode ser direcionado para seus proprietários, a despeito de quem disponibilizou o conteúdo online. A ascensão do youtube foi uma grande mudança de paradigma no acesso à música, filmes e demais produtos da indústria cultural. Como aponta McLuhan em "Os meios de comunicação como extensão do homem", as mudanças nos meios de comunicação, trazem antes de tudo, uma mudança de escala6. No caso do acesso a música, a web permitiu o acesso generalizado a qualquer conteúdo disponibilizado em uma escala global. 5

Kleiner, 2007

6 “O conteúdo de qualquer meio ou veículo é sempre um outro meio ou veículo (…) Pois a “mensagem” de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas.“(McLuhan, 1964 p. 22)

O mérito desse novo paradigma não fica somente na possibilidade de remuneração do produtor de conteúdo. Um sistema centralizado permite o acesso ininterrupto a toda vasta gama de material disponível sempre, sem a necessidade do compartilhador inicial estar ou não disponível. Permite ainda indexar e trazer referências a outros vídeos baseados nos padrões de busca e visualização dos usuários, e oferece acesso indiscriminado independente da popularidade do arquivo, diferente do bit torrent, por exemplo, que depende de um número mínimo de usuários compartilhando o mesmo arquivo. A facilidade de realizar edição de vídeo em um computador amador tornou o youtube a principal fonte de acesso gratuito à musica na internet nos dias de hoje. Usuários, fans e artistas disponibilizam músicas, por vezes acompanhadas de suas letras, partituras ou das capas dos álbums, ou criam pequenos vídeos baseados em fotos. Com o tempo todo um repertório que esteve esparso, espalhado por instiuições, fitas caseiras de vídeo por todo o planeta, veio a tona e foi colado à disposição de todos em uma grande central. Uma entrevista com John Cage sobre o silêncio, por exemplo, que pode ter sido passada em um documentário ou especial em algum momento na TV, pode ser assitida a qualquer instante por qualquer um, em qualquer lugar que tenha acesso à rede mundial de computadores. Podemos saber também que outras 700 mil pessoas o assistiram, e dele podemos chegar a outras entrevistas, e referências, como uma apresentação da companhia de dança de Merce Cunningham no BAM Howard Gilman Opera House, e dela podemos seguir para mais inúmeras outras. Diante desse novo paradigma, Augusto de Campos criou um novo Tvgrama, que chamou de Erratum um tanto mais otimista7:

7

ah mallarmé | a poesia resiste | se a tv não te vê | o cybercéu te assiste | em

quicktime e flv | já pairas sobre os sul | tudo exite | para acabar em youtube

É verdade que o grosso da população continua assistindo aos fenômenos pop mercadológicos do momento, mas a mediação da mídia tradicional, que cortava como uma navalha o que deveria ou não ser exibido foi completamente relativizada. O fenômeno atual pode ser um astro coreano, ou alguns moleques que se reuniram para gravar um clipe, ou mesmo uma família cantando em frente a sua webcam. A simples disponibilidade de um grande acervo de vanguarda não significa que ele necessariamente vai ser consultado, mas pelo menos, podemos afirmar que agora a possibilidade existe. O som é compactado, o vídeo em baixa resolução, mas está lá, e estando lá pode estar também em todos os lugares. Como diria Walter Smetak, salve-se quem souber.

Bibliografia CAMPOS, Augusto de. Música de Invenção. São Paulo: Perpectiva, 2007 _______. Tvgrama 1, 1990 (tombeau de mallarmé). Disponível em: _______. Tvgrama Erratum. 2007. Disponível em: KLEINER, Dimitri e WYRICK, Brian. Infoenclosure 2.0. Mute - Culture and politics after the net, 2007. Disponível em: JONES, Christopher. Metallica Rips Napster. Revista Wired, 2000. Disponível em: HANSEN, Evan. Study: Napster users buy more music. Cnet News, 2000. Disponível em: KELLI N. e LYDIA S. P2P File Sharing History--A Social Revolution. 2009. disponível em: MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo, Cultrix, 1964

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