Sistemas emergenciais: breve análise de alguns pontos controvertidos

May 30, 2017 | Autor: M. Dante Fagundes... | Categoria: Estudo Sobre Direito Constitucional
Share Embed


Descrição do Produto

15/09/2016

Sistemas emergenciais: ­ Jus Navigandi

Este  texto  foi  publicado  no  site  Jus  Navigandi  no  endereço https://jus.com.br/artigos/5483 Para ver outras publicações como esta, acesse http://jus.com.br

Sistemas emergenciais breve análise de alguns pontos controvertidos Sistemas emergenciais: breve análise de alguns pontos controvertidos Maísa Cristina Dante da Silveira|

Sidinéa Faria Gonçalves da Silva

Publicado em 07/2004. Elaborado em 06/2004.

Sumário:1 INTRODUÇÃO; 2 Limites ao sistema constitucional das crises; 3 O terrorismo e a preservação dos direitos fundamentais; 4 CONCLUSÃO.

1 INTRODUÇÃO Os  sistemas  emergenciais,  ou  sistema  constitucional  das  crises,  são  um  conjunto  de  normas  excepcionais  aplicáveis  em  caso  de instabilidade institucional, conforme estatuem os art. 136 a 141 da Constituição Federal de 1988. Constituem­se de duas figuras jurídicas, previstas no Capítulo I do Título V da Lei Maior: o estado de defesa e o estado de sítio. Estando  presentes  as  hipóteses  definidas  na  Constituição  [1],  e  preenchidos  os  requisitos  ali  também  estabelecidos,  é  autorizada, sempre de forma provisória, a suspensão dos direitos constitucionalmente elencados. O  estado  de  defesa  e  o  de  sítio  são  instituídos  por  decreto  presidencial,  após  terem  sido  ouvidos  os  Conselhos  da  República  e  de Segurança Nacional e, no caso do estado de sítio, depois ter sido aprovado o ato pelo Congresso Nacional. O decreto instituidor do sistema emergencial deve fixar o prazo de vigência desse, a área a ser abrangida e as medidas coercitivas que poderão ser aplicadas [2], além de conter a nomeação dos executores, quando for o caso. Traçadas essas linhas gerais, cabe analisar outros aspectos, mais raramente discutidos, das medidas emergenciais.

2 LIMITES AO SISTEMA CONSTITUCIONAL DAS CRISES Raramente se discutem as limitações às medidas emergenciais. De  fato,  os  estados  de  sítio  e  de  defesa  não  podem  ser  decretados  pelo  Chefe  do  Poder  Executivo  Federal  com  total  e  irrestrita discricionariedade. Nesse  sentido,  Canotilho  ensina  que  "O  regime  das  situações  de  excepção  não  significa  suspensão  da  constituição  (excepção  da constituição),  mas  sim  um  regime  extraordinário  incorporado  na  Constituição  e  válido  para  situações  de  anormalidade constitucional." [3] Dessa forma, deve­se obedecer a princípios materiais que emanam da própria ordem constitucional. Ângelo Fernando Facciolli  [4] sugere os seguintes: a) do respeito e da dignidade à pessoa humana; b) da prevalência dos direitos humanos; c) da obediência ao princípio  máxime  da  legalidade;  d)  da  proporcionalidade,  quando  da  redução  dos  direitos  e  garantias  fundamentais;  e)  da precariedade  da  vigência  das  medidas  de  exceção;  f)  da  motivação­discricionária  (arbítrio  X  necessidade)  para  decretação  dos institutos; g) independente do "perigo" a ser enfrentado, adotar­se­á sempre a postura defensiva (animus defendi); h) os impactos causados devem buscar, em última instância, a ordem pública e a pacificação da sociedade. Além disso, em relação às garantias constitucionais restringíveis, Alexandre de Moraes afirma que "no sistema constitucional de crise jamais haverá, em concreto, a possibilidade de supressão de todos os direitos e garantias individuais, sob pena de total arbítrio e anarquia, pois não há como se suprimir, por exemplo, o direito à vida, à dignidade humana, à honra, ao acesso ao judiciário" [5]. Por fim, há as limitações que decorrem da própria regulamentação constitucional, como, por exemplo, a limitação territorial no caso do estado de defesa (art. 136, § 1º, CF). Assim, o Presidente da República, ao decretar a medida de exceção, deve se ater aos parâmetros aqui elencados. Caso contrário, responderá civil, penal [6] e administrativamente. A própria Constituição Federal, aliás, prevê, no seu art. 141, a responsabilidade dos executores e dos agentes das medidas.

[7]

https://jus.com.br/imprimir/5483/sistemas­emergenciais

1/3

15/09/2016

Sistemas emergenciais: ­ Jus Navigandi Ademais,  o  estado  de  defesa  ou  de  sítio  poderá  ser  suspenso  [7]  pelo  Congresso  Nacional,  que  estará  necessariamente  em funcionamento [8], durante toda a execução da medida. Há também previsão constitucional da criação de uma Comissão, pela Mesa do Congresso Nacional, para acompanhamento e fiscalização das medidas tomadas [9].

3 O TERRORISMO E A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Vimos que a utilização dos institutos ora estudados não é ilimitada. Surge,  então,  relevante  questão  diante  dos  tempos  atuais:  o  conceito  que  se  tem  hoje  das  medidas  de  emergência  permite  um enfrentamento  eficaz  do  terrorismo  em  suas  várias  formas?  Ou  ainda:  é  possível  garantir  a  incolumidade  dos  direitos  individuais apesar da necessidade de prevenir e combater atentados terroristas? A resposta que apresentaremos não representa entendimento pacífico da doutrina. De fato, toma vulto a corrente doutrinária que compreende os direitos fundamentais como relativos, que encontram seus limites nos demais direitos fundamentais postos. Alexandre de Moraes ensina que: Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar­se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar ou combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total  de  uns  em  relação  aos  outros,  realizando  uma  redução  proporcional  do  âmbito  de  alcance  de  cada  qual  (contradição  dos princípios),  sempre  em  busca  do  verdadeiro  significado  da  norma  e  da  harmonia  do  texto  constitucional  com  suas  finalidades precípuas. [10] Diante desse novo entendimento, cremos que o mais salutar, no caso, seria preservar os direitos individuais cujo exercício não impede o combate ao terrorismo, não se evitando mitigar aqueles cujo sacrifício seja necessário. Isso porque, se o direito à intimidade e ao sigilo  das  comunicações  telefônicas,  por  exemplo,  é  direito  individual  garantido  constitucionalmente,  também  o  são  os  direitos  à segurança e, sobretudo, à vida, ameaçadas constantemente naqueles locais sujeitos a atentados terroristas. Assim sendo, no conflito entre direitos fundamentais, deve ser preservado aquele mais essencial, e que, ao menos em tese, beneficia maior número de pessoas. Eis porque cremos ser possível, na luta contra o terrorismo, mitigar direitos individuais. Dessa forma, as medidas de emergência aqui estudadas devem ser utilizadas, estando presentes as hipóteses legais, diante de atos de terrorismo, podendo­se restringir todos os direitos necessários, sempre nos limites do estabelecido na Constituição Federal.

4 CONCLUSÃO Conforme  afirma  Facciolli,  "não  há  no  direito  constitucional  brasileiro,  em  verdade,  uma  tradição  histórica  de  gerenciamento jurídico de crises". [11] No  entanto,  nota­se  grande  diferença  entre  o  sistema  previsto  na  Constituição  atual  e  aquele  descrito  no  ordenamento  jurídico anterior. Nesse, o "estado de emergência" servia para defender a ideologia dominante da época, não permitindo insurreições contra o poder estabelecido. Hoje, o que se tem em mente é proteger a soberania do Estado e, em última análise, a paz social. Porém,  nota­se  que,  por  vezes,  é  necessário  adotar  uma  das  medidas  ora  analisadas.  Assim  ocorreu  no  presente  ano,  quando  a (crescente) criminalidade na cidade do Rio de Janeiro levou as autoridades a considerarem a decretação do estado de defesa. Acontece que o estado de defesa, bem como o estado de sítio e a intervenção federal, constitui uma das limitações circunstanciais ao poder constituinte derivado [12], de modo que, na sua vigência, não se pode sequer deliberar [13] sobre emendas à Constituição. Assim sendo, a utilização das medidas de urgência ora analisadas é, no mais das vezes, reduzida devido ao interesse político em se modificar a Lei Maior, o que impede a cessação do estado de exceção. Dessa forma, a própria concessão da norma constitucional, que visa a garantir a lisura do processo legislativo reformador, cerceia a atuação do Poder Público com a finalidade de manter a ordem pública e a paz social, finalidades últimas do Estado Democrático de Direito. Ou a mentalidade politiqueira do administrador público ou a norma constitucional: algo precisa ser reformado...

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1

 O estado de defesa á cabível para "preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz  social  ameaçadas  por  grave  e  iminente  instabilidade  institucional  ou  atingidas  por  calamidades  de  grandes  proporções  na natureza" (art. 136 da CF). Já o estado de sítio, para os casos de: "I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira". 2

 As medidas coercitivas que podem ser tomadas durante o estado de defesa estão elencadas no § 1º do art. 136 da Constituição. No estado  de  sítio,  de  outro  lado,  podem  ser  tomadas,  no  caso  de  declaração  de  estado  de  guerra  ou  resposta  a  agressão  armada estrangeira,  todas  as  medidas  necessárias,  desde  que  haja  previsão  no  decreto  instituidor.  Entretanto,  no  caso  de  estado  de  sítio decretado por outro motivo somente podem ser tomadas as medidas previstas no art. 139 da Constituição Federal. 3

 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 1146.

4

https://jus.com.br/imprimir/5483/sistemas­emergenciais

2/3

15/09/2016

Sistemas emergenciais: ­ Jus Navigandi 4

 FACCIOLLI, Ângelo Fernando. O Estado extraordinário: fundamentos, legitimidade e limites aos meios operativos, lacunas e o seu perfil  perante  o  atual  modelo  constitucional  de  crises.  Jus  Navigandi,  Teresina,  a.  6,  n.  58,  ago.  2002.  Disponível  em: . Acesso em: 06 mai. 2004 p. 16. 5

 MORAES, Alexandre de.  Constituição  do  Brasil  interpretada  e  legislação  constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1615. 6

 O art. 7º, n. 10 da Lei n. 1.079/50, por exemplo, prevê como crime de responsabilidade "tomar ou autorizar durante o estado de sítio medidas de repressão que excedam os limites da Constituição". 7

 Art. 49, inciso IV, Constituição Federal.

8

 Art. 136, § 6º, Constituição Federal.

9

 Art. 140, Constituição Federal.

10

 Id., Direitos humanos fundamentais. 2. ed. Coleção Temas Jurídicos. São Paulo: Atlas, 1998. p. 46.

11

 FACCIOLLI, op. cit., p. 4.

12

 Art. 60, §1º, Constituição Federal.

13

 Nesse sentido comenta Roberto B. Dias da Silva: "Sendo assim, com a decretação do estado de defesa, não se obsta somente o ato formal de promulgação das emendas à Constituição, mas também se impede a tramitação dos projetos de emenda, sob pena de se configurar  flagrante  inconstitucionalidade,  visto  que  é  durante  a  discussão  e  votação  que  são  concebidas  as  mudanças constitucionais". (DIAS DA SILVA, Roberto B. A decretação do estado de defesa e as emendas à Constituição. Ultima  instância, São Paulo, mai. 2004. Seção Colunas. Disponível em: . Acesso em 02 de maio de 2004.)

Autores Maísa Cristina Dante da Silveira advogada em Franca (SP), mestranda em Direito Público

Sidinéa Faria Gonçalves da Silva Bacharela em Direito, Mestranda em Direito Público

Informações sobre o texto Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT) SILVEIRA,  Maísa  Cristina  Dante  da;  SILVA,  Sidinéa  Faria  Gonçalves  da.  Sistemas  emergenciais:.  Revista  Jus  Navigandi, Teresina, ano 9, n. 379, 21 jul. 2004. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2016.

https://jus.com.br/imprimir/5483/sistemas­emergenciais

3/3

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.