SÍTIOS NATURAIS SAGRADOS NA CONFLUÊNCIA DE TERRAS INDÍGENAS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO - DESAFIOS E POTENCIALIDADES PARA O TURISMO

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SÍTIOS NATURAIS SAGRADOS NA CONFLUÊNCIA DE TERRAS INDÍGENAS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO - DESAFIOS E POTENCIALIDADES PARA O TURISMO Mesa-Redonda Érika Fernandes-Pinto1 e Marta de Azevedo Irving2

Resumo: Reconhece-se a existência de Povos Indígenas e comunidades locais em vários lugares do mundo, sociedades humanas que tem seus modos de vida adaptados a ambientes particulares e manejam os recursos para seu sustento e reprodução social e também detém profundos valores sagrados em relação à natureza, que freqüentemente estão centrados e arraigados em locais específicos, chamados de "sítios naturais sagrados" (SNS). Este artigo objetiva traçar um panorama geral acerca da discussão sobre SNS e a sobreposição de terras indígenas e áreas protegidas, avaliando a interface com a atividade turística, seus conflitos e potencialidades. Muitos SNS encontram-se ameaçados, por pressões internas e externas. Especialmente nas Áreas Protegidas as atividades turísticas que envolvem SNS podem ser uma fonte de ameaça e conflito com as comunidades locais. Na América do Sul o número de SNS registrados ainda é bastante incipiente e é necessário ampliar os esforços de reconhecimento. Dada a diversidade cultural brasileira e a diversidade de ambientes, o país mostra-se como um dos com maior potencial de ocorrência de SNS. Neste contexto, o turismo desponta como uma atividade potencialmente integradora e que pode catalisar o processo de aproximação e gestão compartilhada entre diferentes atores sociais envolvidos com os SNS, trazendo benefícios tanto para as comunidades indígenas quanto para a conservação dos sítios sagrados e das Áreas Protegidas como um todo. Palavras-chave: sítios naturais sagrados, unidades de conservação, turismo, povos indígenas.

1. Introdução Reconhece-se a existência de Povos Indígenas e comunidades locais em vários lugares do mundo. Estas sociedades humanas tem seus modos de vida adaptados a ambientes particulares e manejam os recursos para seu sustento e reprodução social. Neste ciclo, adquirem um profundo conhecimento sobre as espécies, suas relações, os ecossistemas e suas funções e aprendem a exercer suas práticas dentro de nichos ecológicos específicos. Mais do que base para a subsistência, a natureza é o fundamento para a identidade individual e coletiva e isso leva ao desenvolvimento de um forte "senso de lugar" ou de "pertencimento". Descrito comumente como "conhecimento ecológico tradicional", este conjunto de valores tem sido 1

Mestre em Ecologia, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social do Programa EICOS – Instituto de Psicologia (IP) da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ e Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio/MMA). [email protected] 2

Doutora e orientadora do Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social do Programa EICOS – Instituto de Psicologia (IP) da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. [email protected]

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transmitido ao longo de gerações por transmissão oral e aprendizagem prática, moldando modos de vida e visões de mundo, bem como aspectos psicológicos e espirituais (MAFFI, 2008). Estes grupos usualmente detém também profundos valores sagrados em relação à natureza, que freqüentemente estão centrados e arraigados em locais específicos, chamados na literatura científica de "sítios naturais sagrados". Define-se como sítio natural sagrado (SNS) "áreas de terra ou água que tem especial significado espiritual para os povos e comunidades". São considerados um subconjunto dos sítios sagrados - áreas de especial significado espiritual - categoria mais ampla e que abrange áreas naturais e também aquelas construídas por diferentes sociedades humanas ao longo da história (WILD & MCLEOD, 2008). Os SNS podem ser paisagens, montanhas, vulcões, rios, lagos, nascentes, ilhas, áreas marinhas ou florestas, entre outros, reconhecidos como sagrados por um determinado grupo social, bem como lugares de devoção para tradições, crenças e religiões institucionalizadas. Apresentam uma variedade de escalas - que vão desde uma só árvore ou formação rochosa até a extensão de toda uma cordilheira. Em alguns casos, paisagens inteiras podem ser tidas como sagradas, contendo em seu interior sítios específicos ainda mais especiais. As razões para a condição de sagrado de cada sítio podem ser muito variadas. Podem estar relacionados com a morada de deidades ou espíritos ancestrais, ser fonte de águas sagradas ou plantas medicinais, lugar de contato com reinos espirituais, lugares de revelação e transformação, cemitérios de ancestrais, rotas de peregrinação, entre outros (WILD & MC LEOD, op. cit.). Amiúde grande parte dos SNS serem muito antigos, seu reconhecimento e proteção oficiais em diferentes países do mundo é recente. Apesar de alguns sítios naturais sagrados estarem protegidos sob a Convenção do Patrimônio Mundial3, não existe uma legislação específica para SNS a nível mundial (WILD, 2008). Os sítios naturais sagrados são reconhecidos como as áreas protegidas mais antigas do planeta. Com freqüência abrigam uma valiosa biodiversidade e tendem a ter grande impacto positivo na conservação da biodiversidade (WILD, 2008 e WWF, 2005). Os SNS são centrais para muitas identidades étnicas e desempenham um papel chave nas culturas tradicionais e em seus modos de vida. Para muitas comunidades é difícil 3 Como exemplo de SNS em APs que são declarados Sítios do Patrimônio Mundial tem-se o Parque Nacional Montanhas Kii no Japão, o Monumento Natural (MN) Montanha Dourada do Altai na Rússia, o MN Montanha Athos na Grécia, o Vale Qadisha e os Bosques dos Cedros de Deus no Líbano e a Área de Santa Catalina Monte Sinai no Egito (VERSCHUUREN et al., 2007).

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separar as razões pelas quais protegem as conexões espirituais entre os povos e a terra, daquelas pelas quais conservam a biodiversidade de seus territórios. Alguns Povos Indígenas tem relações tão estreitas com seus sítios sagrados que a deterioração ou destruição dos mesmos ameaça a sua própria existência. Muitos SNS encontram-se ameaçados, por pressões internas e externas e aqueles relacionados com Povos Indígenas são geralmente mais vulneráveis e estão mais ameaçados que aqueles associados às religiões majoritárias (WILD & MCLEOD, op. cit.).

2. Objetivo e Metodologia Este artigo objetiva apresentar e traçar um panorama geral acerca da discussão sobre sítios naturais sagrados e a sobreposição de terras indígenas e áreas protegidas, avaliando especialmente a interface com a atividade turística, seus conflitos e potencialidades. Para tanto, utilizou-se como fonte principal a pesquisa bibliográfica sobre o tema e a análise documental de diferentes instrumentos políticos e legais.

3. Resultados e Discussão 3.1. Diversidade Biocultural A expressão "diversidade da vida" esteve associada ao conceito de "biodiversidade" desde que o mesmo surgiu, há cerca de duas décadas, refletindo a diversidade da natureza nos níveis genético, de espécies e de ecossistemas. Desde então, este conceito se expandiu do setor acadêmico e ambientalista para o meio político, a grande mídia e o público em geral. Mas, em anos recentes, um novo entendimento da noção de diversidade da vida, mais complexo e integrado, tem ganhado espaço, a "diversidade biocultural". Por esta perspectiva, a diversidade de sociedades, culturas e linguagens que se desenvolveram ao longo da história humana são outra expressão do potencial evolucionário da vida, sendo que biodiversidade e diversidade cultural são intimamente e intrinsecamente relacionadas. (MAFFI, 2008). Segundo PARAJULI (2006), é no âmbito da “diversidade biocultural” que se produzem e se reproduzem etnicidades ecológicas, entendidas como "qualquer grupo de pessoas que deriva seu sustento e sobrevivência - material ou cultural - da negociação cotidiana com o ambiente imediato". Povos indígenas e outras tradições de comunidades rurais que apresentam uma dependência direta do ambiente local representam a maior parte da diversidade cultural do 3

mundo. As estimativas da população envolvida nestes segmentos variam. BOULDING (1993) avaliou que, em termos globais, existiam ainda 10 mil grupos identificados com base na etnia, na lingüística e na religião, espalhados por mais de 168 estados-nações. Já BELTRÁN (2000) referiu-se à existência de entre cinco e seis mil Povos Indígenas. OVIEDO et. al. (2000) estimaram em cerca de 6.800 o número de línguas conhecidas no mundo atual. O Brasil, amplamente reconhecido pela sua megabiodiversidade, possui também uma diversidade sociocultural extremamente rica. A composição étnica da sociedade brasileira é resultado de uma confluência de populações de várias origens étnicas diferentes, desde os Povos Indígenas originais, colonizadores portugueses e escravos negros africanos, até ondas imigratórias de europeus, árabes e japoneses, além de outros povos asiáticos e de países sul-americanos. A partir da Constituição Federal de 1988 o país está passando por significativos processos de reconhecimento do seu caráter pluriétnico e multicultural e de direitos diferenciados de povos e comunidades tradicionais. Vários fatores tem contribuído para deflagrar um processo nacional de dar voz e face a grupos de pessoas, caracterizados por uma acentuada invisibilidade histórica - social e estatística - que apenas nos últimos anos começa a ser revelada (FERNANDES-PINTO et. al., 2007). Pesquisas recentes indicam a existência de um contingente de mais de 4,5 milhões de pessoas consideradas parte de grupos definidos como Povos ou Comunidades Tradicionais, ocupando pelo menos 25% do território brasileiro (ALMEIDA, 2006). Quanto aos Povos Indígenas, reconhece-se atualmente no país a existência de 235 etnias diferenciadas, falantes de cerca de 180 línguas. As Terras Indígenas totalizam 677 áreas e representam cerca de 12% do território nacional (ISA, 2011)4. A população indígena, de acordo com o último censo demográfico, somou 818 mil indivíduos, representando 0,4% da população brasileira (IBGE, 2010).

3.2 Áreas Protegidas, Povos e Comunidades Tradicionais e Sítios Naturais Sagrados As áreas protegidas são espaços territorialmente demarcados cuja principal função é a conservação e/ou a preservação de recursos, naturais e/ou culturais, a elas associados

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Somam-se a estas, 450 pedidos protocolados na FUNAI de reconhecimento de novas Terras Indígenas, mais de 80 pedidos de ampliação e 54 pedidos de revisão de limites (ISA, 2011).

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(MEDEIROS, 2003). Segundo a União Mundial para a Conservação da Natureza (UICN) 5, elas podem ser definidas como “uma área terrestre e/ou marinha especialmente dedicada à proteção e manutenção da diversidade biológica e dos recursos naturais e culturais associados, manejados através de instrumentos legais ou outros instrumentos efetivos” (UICN, 1994). Sua criação pode ser considerada importante estratégia de controle do território, já que estabelece limites e dinâmicas de uso e ocupação específicos. Este controle e os critérios de uso que normalmente a elas se aplicam são freqüentemente atribuídos em razão da valorização dos recursos naturais existentes ou, ainda, pela necessidade de resguardar biomas, ecossistemas e espécies raras ou ameaçadas de extinção (MEDEIROS, 2006). Estima-se que o movimento moderno de Áreas Protegidas (APs) tenha aproximadamente 148 anos, iniciando-se com o Parque Nacional de Yosemite em 1864, seguido por Yellowstone em 1872, nos Estados Unidos (IUCN, 1994 e STEVENS, 1997). As Áreas Protegidas no contexto mundial tiveram uma rápida expansão principalmente a partir da década de 1970, chegando a uma estimativa da existência de pelo menos 120 mil áreas formalmente reconhecidas pelos governos nacionais (CHAPE et al., 2003). No Brasil, a primeira Área Protegida criada foi o Parque Nacional do Itatiaia, em 1937, e existem atualmente 310 Unidades de Conservação Federais. Em grande parte dos países do mundo reconhece-se que, no movimento moderno de Áreas Protegidas, as terras designadas para "proteção" foram estabelecidas principalmente como áreas de natureza virgem, levando à exclusão dos povos nativos e a desconsideração do uso comunitário pré-existente. Identifica-se que durante o estabelecimento de muitas APs "oficiais" não ocorreram processos de consulta aos povos locais ou que estes processos foram mínimos ou inadequados (BÉLTRAN, 2002). Na visão de muitos autores, o movimento moderno de APs é tido como excludente, onde os povos nativos tem sido considerados hostis à conservação e, em muitos casos, retirados das áreas estabelecidas pelos governos (WEST & BRECHIN, 1991; ADAMS & MCSHANE, 1992 e STEVENS, 1997). MAC DONALD (2004) ressalta ainda que, na maioria dos países do mundo, o conceito e as legislações correlatas de Áreas Protegidas provém de uma cultura ocidental, científica, conservacionista e reducionista. 5

A IUCN - The International Union for Conservation of Nature and Natural Resources é uma organização de caráter internacional que tem tido um papel histórico protagonista na definição das bases e regras mundiais para a conservação da natureza. É tida como a maior e mais antiga organização ambiental mundial. Desde a sua fundação, em 1948, sua história e produção documental refletem uma série de processos e tendências nesta temática, com conseqüências e rebatimentos nas políticas internacionais e nacionais, nos discursos ambientalistas e na sociedade em geral.

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No âmbito mundial, dados da IUCN indicam que 70% das Áreas Protegidas do mundo envolvem populações tradicionais e que na América Latina esta porcentagem chega a 86%. No Brasil, estima-se que a grande maioria das Unidades de Conservação (UC) instituídas abranjam comunidades locais em seu interior e praticamente todas as incluam no seu entorno imediato. Mesmo nas categorias de Proteção Integral, onde o uso direto e a presença de moradores não é permitido, estima-se que cerca de 80% das UCs do sistema federal incluam as chamadas populações tradicionais. Além disso, dados recentes do ICMBio indicam que 25% das UCs Federais possuem algum grau de sobreposição com Terras Indígenas (em diferentes etapas do processo de reconhecimento e homologação) (ICMBIO, 2012). Nos últimos 50 anos, entretanto, várias iniciativas tem surgido, alternativas à este modelo de exclusão. Iniciou-se na Europa, com o estabelecimento de paisagens protegidas, que posteriormente ampliaram-se para outras regiões do mundo, com propostas de categorias mais inclusivas no que diz respeito às populações locais (BORRINI-FEYERABEND et al., 2004). Muito da discussão internacional sobre APs, especialmente nos últimos 25 anos, tem estado vinculada a esta mudança de modelo de proteção (WEST & BRECHIN, 1991; WELL & BRANDON, 1992; KEMPF, 1992; STEVENS, 1997). Culturas indígenas e tradicionais, com suas cosmovisões, criaram áreas protegidas muito antes do advento do primeiro Parque Nacional e do modelo de conservação utilizado atualmente na maioria dos países do mundo. Nas últimas décadas, centenas de sítios naturais sagrados têm sido incorporados em Áreas Protegidas oficiais declaradas pelos governos, na maioria das vezes sem reconhecimento dos valores que os Povos e Comunidades locais lhes atribuem. Se por um lado estas ações geram uma maior proteção de alguns sítios, em outras situações tem gerado conflitos devido a proibição ou restrição no uso e acesso aos locais, ou colocado na ilegalidade práticas culturais ancestrais. Com freqüência os SNS são subestimados e em alguns casos os guardiões destes sítios e os administradores de APs se encontram em conflito. Trabalhos recentes demonstram que SNS podem ser encontrados em todas as categorias de manejo de APs da IUCN6. DUDLEY et al. (2005) identificaram que uma quantidade importante de SNS têm sido reconhecidos em Parques Nacionais. Isso indica, por um lado, que "a proteção moderna reforça um mecanismo cultural pré-existente para 6

VERSCHUUREN et al. (2007) trabalhou com 19 exemplos de SNS em APs6. DUDLEY et al. (2005) apresentaram informações sobre 100 APs com SNS.

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minimizar o acesso mediante proibições relacionadas com os SNS" e, por outro, que "apesar das categorias de proteção poderem refletir uma redução das intervenções humanas nos ecossistemas, não são necessariamente um reflexo da ausência de manejo prévio nestas áreas". Os atributos culturais e tradicionais, mediados especificamente pelos SNS, tem sido em alguns casos responsáveis pela redução das perturbações humanas e são não só aplicáveis como altamente relevantes para as categorias de AP mais restritivas. O reconhecimento de que comunidades locais tem manejado áreas com propósitos de conservação durante longos períodos de tempo se deu pela primeira vez em âmbito mundial no Congresso de Parques de Durban, em 2003, onde o conceito de Áreas de Conservação Comunitárias (ACC) recebeu ampla aceitação como uma forma de governança (WILD & MCLEOD, 2008 e BORRINI-FEYERABEND et al., 2004). A necessidade de reconhecer e integrar valores intangíveis nas políticas de conservação em todos os tipos e sistemas de áreas protegidas se refletiu em todas as conclusões e recomendações deste Congresso. Isso tem sido importante para a formalização do reconhecimento internacional deste papel histórico que comunidades tem desempenhado no manejo da natureza. A partir deste evento, no âmbito da Comissão Mundial de Áreas Protegidas (CMAP) da IUCN foi formado um Grupo de Trabalho Especial em Valores Culturais e Espirituais das Áreas Protegidas (CSVPA). Como resultado do trabalho do grupo, em 2008 a IUCN publicou, em colaboração com o Programa Homem e Biosfera da UNESCO, o guia "Sítios Naturais Sagrados - Diretrizes para administradores de Áreas Protegidas". Várias reuniões organizadas pela UNESCO, UICN e outras instituições colaboradoras trabalharam com uma série de estudos de caso em várias regiões do mundo e embasaram a proposta. Estes eventos realizaram-se na Índia (2008), China e Sudáfrica (2003), México e Japão (2005), Espanha (2006), Mongólia, Grécia e Reino Unido (2007) 7. Reconhece-se que os sítios naturais sagrados são um fenômeno generalizado, encontrado em quase todos os países do mundo. Não existem estimativas sobre a quantidade total de SNS no mundo, entretanto, estima-se que globalmente o número supere 250 mil. Dentre os estudos de caso sobre SNS identificados, destaca-se que a maior parte dos lugares descritos estão localizados nos EUA, seguido pela Austrália e Canadá. Entretanto, nenhuma das reuniões e eventos realizados por estas iniciativas ocorreu em países da América do Sul. Apesar de alguns estudos de caso

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Sobre eles consultar Ramakrishnan et al. (1998); Harmon & Putney (2005); UNESCO (2003, 2006 e 2007), Pumarejo & Berges (2005); Mallarach & Papayannis (2007); Papayannis & Mallarach (2009).

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enfocarem SNS neste continente, o número de sítios ainda encontra-se bastante subestimado e há carência de estudos que aprofundem seu entendimento e papel nas Áreas Protegidas. Na análise bibliográfica feita a partir das referências destes eventos internacionais identificou-se apenas um sítio descritos localizado no Brasil - o complexo do Rio Xingu8. Além deste, a Cachoeira de Iauaretê foi registrada pelo IPHAN como Lugar Sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri, em São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro/Amazônia, representando o único bem imaterial ligado a um espaço geográfico registrado no país até agora9. No Brasil, existem poucos trabalhos que abordaram a relação entre Sítios Naturais Sagrados e Áreas Protegidas. Os existentes em geral tratam de uso público religioso e de conflitos relacionados com práticas rituais em Unidades de Conservação de Proteção Integral. Entretanto, esta dimensão potencialmente deve abranger um grande número de unidades e o mapeamento e reconhecimento destas áreas é importante e necessário.

3.3. Sítios Naturais Sagrados em Áreas Protegidas e a atividade turística O turismo representa atualmente umas das maiores atividades econômicas do mundo e a cada ano aumenta a demanda por visitação em lugares considerados "especiais" e o interesse pelas culturas tradicionais. Muitos SNS recebem um grande número de visitantes, às vezes excessivo e sem os cuidados apropriados. Alguns são ícones internacionais e atraem milhões de visitantes a cada ano. O impacto cultural, social, econômico e ambiental da visitação pode ser sutil ou profundo e é necessário tomar precauções. Outros locais, especialmente aqueles com atrativos de destaque ou com características geográficas apropriadas para certas atividades esportivas, podem ser também alvo de projetos de desenvolvimento turístico, nem sempre adequados aos interesses das comunidades locais. Especialmente nas Áreas Protegidas, normalmente áreas de grande beleza cênica e com objetivos de visitação pública, as atividades turísticas que envolvem SNS podem ser uma fonte de pressão, ameaça e conflito com as comunidades locais.

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Descrito no Projeto "Sacred Land Film", que registrou 101 sítios naturais sagrados no mundo, abrangendo 43 países em sete continentes. 9

A UNESCO define como Patrimônio Cultural Imaterial "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”.

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O guia da IUCN está organizado em 44 diretrizes agrupadas em seis princípios, que objetivam aumentar o reconhecimento e o manejo integral dos SNS em APs legalmente designadas e uma colaboração produtiva e respeitosa entre administradores de APs e guardiões tradicionais. Voltada para administradores de Áreas Protegidas, focaram principalmente nos SNS relacionados com comunidades locais e Povos Indígenas, sendo aplicáveis, entretanto, a SNS de todas as crenças. Envolvem desde o reconhecimento dos SNS inseridos em APs (Princípio 1) e a promoção de um melhor reconhecimento e compreensão dos mesmos (Princípio 4); a sua integração nos processos de planejamento e administração das APs (Princípio 2), a promoção da participação, consentimento, inclusão e colaboração dos atores interessados (Princípio 3); a proteção e um manejo adequado de acesso e uso (Princípio 5) e o respeito aos direitos dos guardiões dos SNS dentro de um marco apropriado de política nacional (Princípio 6) (WILD & MCLEOD, 2008). A aplicação destes princípios se encontram em progresso e as suas implicações para o manejo formal das APs estão evoluindo. Entretanto, na avaliação da IUCN, o manejo de sítios naturais sagrados dentro de áreas protegidas legalmente estabelecidas encontra-se ainda em estágios iniciais e estes temas demandam investigações e análises mais profundas (WILD & MCLEOD, op. cit.). Nas Diretrizes da IUCN para os SNS se reconhece que o turismo bem manejado e responsável tem o potencial de proporcionar benefícios econômicos para as comunidades indígenas, ao proporcionar uma fonte alternativa de renda e favorecer as práticas de conservação. O interesse dos visitantes por um SNS e a cultura associada pode também contribuir para reavivar o orgulho local e aumentar o prestígio do sítio. Mas as atividades devem ser culturalmente apropriadas, respeitosas e guiadas pelos sistemas de valores das comunidades. Deve-se compreender e manejar a pressão dos visitantes e desenvolver políticas apropriadas, regras, códigos de conduta, práticas e instalação de equipamentos apropriados para o acesso de visitantes nos sítios sagrados. Também as estratégias de comunicação e informação sobre os valores culturais, comportamento adequado dos visitantes (incluindo vestimenta) e respeito à restrições (por exemplo, para fotografar) são fundamentais para evitar o uso inapropriado dos SNS. Por suas características particulares, o ecoturismo oferece um modelo ideal para estes contextos, mas é fundamental que as comunidades tenham controle nas decisões sobre turismo em seus SNS e, sempre que possível, as atividades devem ser operadas diretamente pela população local. 9

4. Considerações Finais Amiúde o reconhecimento de que sítios naturais sagrados são áreas importantes para a conservação da biodiversidade, em geral seu papel na conservação tem sido ignorado e subvalorizado. Considerando a quantidade e extensão estimada e potencial dos sítios naturais sagrados no mundo, eles podem ter uma contribuição significativa para a meta global de redução da taxa de perda de biodiversidade. O fato do maior número de sítios naturais sagrados ser registrado em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália reflete muito mais os esforços dos pesquisadores em seus países do que a representatividade efetiva de sítios. Especialmente na América do Sul o número de sítios registrados ainda é bastante incipiente e é necessário ampliar os esforços mundiais de reconhecimento de SNS neste continente. Dada a diversidade cultural brasileira e a diversidade de biomas, ecossistemas e ambientes, o país mostra-se como um dos países do mundo com maior potencial de ocorrência de sítios naturais sagrados. Apesar dos diversos eventos que ocorreram nos últimos 30 anos a nível mundial para discutir o papel dos sítios naturais sagrados na conservação da diversidade, ressalta-se que poucos debates envolveram o empoderamento das comunidades locais e seu papel central na gestão destes sítios (MOUTINHO-DA-COSTA, 2008). Neste contexto, o turismo desponta como uma atividade potencialmente integradora e que pode catalisar o processo de aproximação e gestão compartilhada entre diferentes atores sociais envolvidos com os sítios naturais sagrados, trazendo benefícios tanto para as comunidades indígenas quanto para a conservação dos sítios sagrados e das Áreas Protegidas como um todo.

5. Referências Bibliográficas Adams, J. S. & Mc Shane, T. O.; 1992. The Myth of Wild Africa: conservation without illusion. London, UK. W. W. Norton and Co. Almeida, A. W. B.; 2006. Terras tradicionalmente ocupadas: processos de territorialização, movimentos sociais e uso comum. UFAM, Manaus/AM. 20 p. Béltran, J.; 2000. Indigenous and Traditional Peoples and Protected Areas: Principles, Guidelines and Case Studies. Best Practice. IUCN. Borrini-Feyerabend, G., Kothari, A. & Oviedo, G.; 2004. Indigenous and Local communities and Protected Areas: towards equity and enhanced Conservation. Guidance on policy and practice fo co-managed Protected Areas and Community Conserved Areas. Best Practice Protected Areas Guidelines Series No. 11. Gland, Suíça, IUCN. 10

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