#Sketches Virtuais: quadrinhos - arte e produto - na internet

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Descrição do Produto

#Sketches Virtuais Quadrinhos - arte e produto - na Internet

Ana Cecília de Paula

Andrea Wirkus

André Sollitto 1

Ana Cecília de Paula, André Sollitto e Andrea Wirkus

#Sketches Virtuais

Quadrinhos - arte e produto - na Internet

Livro digital apresentado à Seção de Graduação da Faculdade Cásper Líbero como Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo. Orientação: Prof. Gilberto Maringoni

SÃO PAULO 2011 2

3

Aos nossos parentes e amigos, que compreenderam e não reclamaram (muito) da instabilidade dos nossos humores e dos inúmeros compromissos desmarcados. Gostaríamos de agradecer especialmente aos professores Edgar Franco e Daniel Werneck, ao advogado Marcelo Bulgueroni e aos quadrinistas Luís Felipe Garrocho e Eduardo Damasceno, que não só contribuíram com ótimas entrevistas, como também nos ofereceram pronta ajuda em diversos momentos do trabalho.

4

5

SUMÁRIO

Perspectivas para o autor brasileiro

66

O mercado norte-americano: a trajetória dos irmãos Bá e Moon 67

Introdução 8

A Internet para os bem-aventurados

O começo 8

Professional blogging e publicidade 78

Uma nova era para as histórias em quadrinhos

10

81

Sobre a escolha do formato “tira” para realização deste trabalho 12

Crowdfunding 88

I) Mudança de suporte 17

Os quadrinhos na imprensa

Webcomics: da origem às divergências 18

A Internet e os direitos autorais

O suporte digital e os primeiros quadrinhos da Internet 18

A Lei no Brasil

As três gerações de “HQtrônicas” 21

Creative Commons 102

Afinal, ainda são histórias em quadrinhos?

Alguns casos

24

Os blogs

26

A expansão de temas dos quadrinhos Quadrinhos enquanto arte

98

102 106

Nawlz, uma HQ adaptada ao seu tempo e espaço 114

39

quadrinhos 44

Leitor e autor

116

O leitor-autor: “interatividade não-trivial”

II) Produção

Conclusão

54

Internet: distribuição democrática de quadrinhos? 63

122

StripGenerator 125

53

O mercado atual de quadrinhos

111

Animações e quadrinhos 112

33

Variações imprevistas: memes, rage comics e um novo jeito de fazer

As editoras e a Internet

94

III) A experiência do leitor

A nova safra dos quadrinhos 26

6

Merchandising, outro aliado

77

60

128

Referências bibliográficas 130

7

Introdução O começo

Em matéria de arte sequencial, as histórias em quadrinhos, ou bandas desenhadas,

não são propriamente o que se pode chamar de novidade... Desde a pré-história, o homem registra acontecimentos por meio de imagens. As pinturas rupestres, a escrita hieroglífica egípcia, os afrescos greco-romanos, as tapeçarias e vitrais medievais são alguns exemplos de narrativas pictóricas. Contudo, elas não detinham a característica fundamental que, hoje, qualifica a maior parte dos quadrinhos que conhecemos: a simbiose entre texto e imagem.

É consenso entre os pesquisadores que as HQ’s surgiram a partir do momento

em que se conseguiu enumerar uma série de “convenções reconhecíveis no conjunto

Propaganda do Yellow Kid, retirada de artigo sobre o jornal The NY World. Fonte: Roteiro Romanceado

das obras” (MENDO, 2008: p. 13). Combinando diagramação, desenhos inseridos em

8

requadros, balões, onomatopeias, sugestão de movimento a partir de imagens fixas



por meio de linhas cinéticas e personagens regulares, pode-se dizer que as primeiras

para as possibilidades comerciais do novo produto. Segundo o autor Álvaro de Moya

bandas desenhadas apareceram no final do século XIX e eram publicadas no formato

(1993: p. 17), isso em grande parte se deveu ao fato de que as histórias em quadrinhos

tira, em páginas ou suplementos de jornais.

conseguiram um feito até então impossível à literatura e à imprensa: alcançar as classes



menos letradas.

The Yellow Kid costuma ser apontada por pesquisadores como a primeira história

O sucesso das primeiras histórias despertou os grandes veículos impressos

em quadrinhos. Apesar de existirem iniciativas predecessoras, que dispunham os



No decorrer do século XX, os quadrinhos adeririam a uma série de tendências

textos nos rodapés das ilustrações sequenciais (como foi o caso de Histoire de M. Vieux

estilísticas e temáticas que consolidariam seu status de produto cultural e expressão

Bois, publicação de 1837 do caricaturista suíço Rodolphe Töpffer, e dos personagens

artística: das influências da art déco na década de 1920, passando pelos quadrinhos de

Nhô-Quin e Zé Caipora do cartunista ítalo-brasileiro Angelo Agostini, publicados

super-heróis, que ganharam popularidade à iminência da Segunda Guerra Mundial,

entre 1869 e 1883 em revistas brasileiras), o Garoto Amarelo foi a primeira história com

entre o final da década de 1930 e meados dos anos 40, até o existencialismo de Charlie

personagem publicado regularmente a mesclar texto em balões e imagens, conferindo

Brown e as obras de Pop Art inspiradas pelas HQ’s nos anos 50. A consolidação dos

novo dinamismo à narrativa. Desenhada por Richard Outcault, The Yellow Kid passou

quadrinhos underground, na década seguinte, incentiva o lançamento de grandes

a ser oficialmente publicada como suplemento dominical pelo jornal New York World,

álbuns de artistas europeus em meados dos anos 70; a partir de então, as HQ’s passam

de Joseph Pulitzer, em 1895.

a ser efetivamente reconhecidas e avaliadas como arte. 9

Uma nova era para as histórias em quadrinhos

dos quadrinhos, ou está descaracterizando a arte tradicional das HQ’s fazendo com que se aproximem do audiovisual? E como a experiência do leitor figura nesse cenário?



A Internet de fato o aproxima dos autores que lhe interessam?

século XX, no entanto, se restringiram à temática e ao estilo. A mudança de que este



projeto se propõe a falar é muito mais profunda: uma mudança estrutural ligada ao

vêm modificando a maneira de criar, ler, pensar e comercializar quadrinhos. Para isso,

desenvolvimento dos meios digitais e, sobretudo, da Internet. Seja no formato da

decidimos explorar o tema a partir de três perspectivas distintas: a primeira, “Mudança

mídia, na produção, ou na maneira como o objeto final chega ao consumidor, a relação

de suporte”, estudará as diferenças fundamentais entre os quadrinhos tradicionais e

primária entre autor-produto-audiência das histórias em quadrinhos sofreu abalos

aqueles feitos exclusivamente para um suporte digital em termos de estrutura física

inéditos.

e de percepção de leitura: o modo como a simples transposição de meios já afeta a

Este livro-reportagem pretende mostrar como as ferramentas digitais e a Internet

O computador, de acordo com o livro HQtrônicas: do suporte papel à rede Internet,

fruição e a apresentação costumeiras das histórias; de que maneira recursos da web

do professor e pesquisador Edgar Franco, passou a ser utilizado pelo quadrinista já

promovem um aumento não só da produção, mas também da variedade de formatos,

na segunda metade dos anos 80, quando apareceram os primeiros softwares próprios

estilos e temas levantando questões sobre o valor estético conferido a quadrinhos

para desenho com interfaces simplificadas, e não demorou até que substituísse

que, apesar de tecnicamente simples, fazem enorme sucesso na rede. Ainda nessa

permanentemente várias etapas do decurso de produção de quadrinhos – fato que

primeira parte, nos dedicamos a pautar dois fenômenos recorrentes na Internet que, à

possibilitou ao autor tomar parte em todos os processos de elaboração da obra, desde

sua maneira, também contam histórias sequenciais em um formato que se aproxima

o desenho até a arte final.

daquele convencionalmente atribuído aos quadrinhos: os memes, espécie de piadas



A partir dos anos 90, tiveram início alguns experimentos que visavam a tentar

formulaicas com personagens e tirinhas criadas e reproduzidas pelo internauta -

substituir o papel como suporte para as HQ’s: a distribuição de histórias em CD-

geralmente divulgados em sites de humor, nas plataformas blog ou tumblr - e as tiras em

ROM e, sobretudo, a publicação de quadrinhos em uma até então incipiente rede de

formato .gif, com quadrinhos que capturam determinado movimento do personagem

computadores viriam a modificar não apenas os aspectos técnicos e mercadológicos

ou do cenário e o repetem ininterruptamente.

relativos à produção de bandas desenhadas, como também o entendimento que leitores



e entusiastas têm do produto final.

editorial e, especialmente, os quadrinistas têm tido no meio digital. A partir de uma



A segunda parte, “Produção”, pretende abordar a experiência que o mercado

Afinal, como os quadrinistas aproveitam softwares cada vez mais complexos e a

contextualização do mercado nacional de quadrinhos, situamos casos de autores que

existência de uma rede mundial interligando computadores? A Internet e o computador

usam a Internet para promover seus trabalhos. Uma das perguntas fundamentais a

ainda são meras ferramentas ou o suporte digital pode se tornar definitivo para uma

que se pretende responder é como a indústria de quadrinhos atual efetivamente gera

obra? Há lucro para um autor que publica suas histórias em um meio essencialmente

algum lucro para os quadrinistas e qual o papel da Internet nesse processo. Outra

democrático e gratuito? De onde ele vem? Como são afetadas as relações tradicionais

questão pertinente a ser abordada é se existe de fato a possibilidade de um autor se

entre os envolvidos na produção e consumo dos quadrinhos? A disponibilização de

lançar no mercado pela web, de maneira independente, dispensando o suporte das

elementos de multimídia nos computadores tem dado origem a uma nova linguagem

editoras. Ou, no caminho inverso, de que modo as editoras aproveitam a rede para



10

As mudanças pelas quais as histórias em quadrinhos passaram no decorrer do

11

estender o alcance de divulgação e venda de publicações.





A última parte do livro é destinada a compreender a experiência do leitor

Luiz Cagnin, classifica, em seu livro Os Quadrinhos, a estrutura do formato: “a tira

diante dos novos formatos e dos quadrinhos digitais de maneira geral. A existência

apresenta o desenvolvimento de uma ação por meio de alguns momentos mais

de sites em que o internauta pode opinar sobre a continuidade da história, ou ainda

expressivos fixados em poucos quadrinhos. A estruturação dos seus elementos não

páginas em que ele mesmo pode dar sequência à narrativa com os próprios desenhos,

diverge muito. O elemento de desvio do signo é, geralmente, um quadrinho. O

configura um nível de interatividade inédito para as HQ’s, tema que será discutido

desenlace ou disjunção se dá no último.” (Cagnin, 1975: p. 180).

nesses capítulos finais. A interação entre fãs e quadrinistas, devido à aproximação



possibilitada pela rede, também será abordada, bem como a facilidade com que os

“1. Episódios completos em cada tira.

comentários dos leitores chegam aos autores e afetam seus trabalhos. Foram realizadas

2. Episódios com certa autonomia temática, de tal modo que cada tira forme uma só

pesquisas em fóruns e fansites visando a obter uma amostragem do que o público

historinha, mas conserve uma linha comum com as demais tiras da semana. É o caso

pensa dos quadrinhos feitos exclusivamente para a Internet, de modo a evitar uma

das histórias de Charlie Brown, de Schulz: por uma semana ou mais, Schulz apresenta

abordagem unilateral do assunto.

ações autônomas, porém ligadas por uma idéia comum com as demais.

O professor e pesquisador da Escola de Comunicação e Artes da USP, Antônio

Ainda segundo o autor, seriam três as modalidades formais de tiras:

3. Capítulos diários ou semanais em fragmentos e uma sequência em tiras de um a

Sobre a escolha do formato “tira” para realização deste trabalho

quatro quadrinhos. Raramente, estas tiras englobam uma sequência inteira. São os seriados, como os criados por Anthony Rogers em 1928, juntamente com as conhecidas



A proposta de analisar o mundo dos quadrinhos na esfera digital já é tecnicamente

fórmulas: ‘continua na próxima semana’, ‘não percam o próximo e eletrizante capítulo’.

impossível devido ao número massivo de material disponível em rede. Com o objetivo

O último quadrinho da tira deve apresentar, via de regra, o suspense como meio de

de direcionar a pesquisa, demos preferência ao formato dos quadrinhos em “tira” para

despertar o interesse e forçar a leitura do capítulo seguinte... e a maior vendagem do

ilustrar este o livro.

jornal.” (1975: p. 181).





Ainda que a quantidade de fontes encontradas continue imensa, existem

O que justifica, portanto, a escolha da tira é a sua universalidade, quando

diferenças fundamentais entre as tiras e as histórias seriadas mais longas - os chamados

comparada a outros modelos de histórias quadrinhos. Também a leitura rápida, que

romances gráficos (graphic novels) - que justificam a nossa preferência.

gratifica o leitor com um desfecho geralmente surpreendente no último quadrinho,



constitui um atrativo maior frente a séries longas, que demandam um ritmo de

As tiras possuem uma autonomia maior, pois encerram uma narrativa completa

intelecção bem menos dinâmico.

o leitor traga para a leitura um conhecimento prévio a respeito daqueles personagens



ou universos. Ainda que certos personagens de tira tenham traços reconhecíveis,

pesquisadores especialistas em histórias em quadrinhos, editores, autores e fãs da

o que contribui para o efeito humorístico da narrativa, esse tipo de bagagem não é

velha e da nova gerações, além de dialogar com a temática da linguagem multimídia

imprescindível para a apreciação da história. Em suma, as tiras, muito frequentemente,

dos computadores utilizando recursos como vídeos e gifs, #Sketches Virtuais - e vale

atraem leitores que não estão habituados a consumir HQ’s.

notar que a palavra sketch tem como significado “esboço”, um desenho rápido que

12

dentro de poucos quadrinhos, tornando limitada, ou mesmo nula a necessidade de que

Estruturado sobre matérias jornalísticas, que contarão com a opinião de

13

não tem a intenção de ser um produto final - se propõe a refletir sobre a questão dos quadrinhos digitais, mas de maneira alguma oferecer uma discussão conclusiva e fechada.

A proposta deste livro é oferecer uma perspectiva em relação às mudanças que têm

sido observadas no cenário do mercado, sobretudo, nacional de HQ’s, situando alguns de seus protagonistas. Atualmente, as histórias em quadrinhos estão vivendo o período de transformação que buscamos sinalizar com este trabalho e seria um equívoco tentar definir um futuro para elas, uma vez que o leque de possibilidades é extremamente amplo e o desenvolvimento de novas tecnologias continua a pleno vapor.

14

15

Mudança de suporte

16

17

Webcomics: da origem às divergências

Novas HQ’s apresentam interfaces animadas e sons, produzindo questionamentos sobre o conceito tradicional dos quadrinhos

A Internet tem sido um dos grandes catalisadores da convergência digital, fenômeno

caracterizado pela digitalização e integração de mídias em um único canal emissor. Os produtos originários da televisão (imagens), dos jornais (textos) e do rádio (áudio) já foram incorporados à web, de modo que o usuário não precisa mais migrar de um para outro para obter conteúdo As possibilidades oferecidas por esse diálogo permanente entre meios e mídias começam a despertar o interesse de pesquisadores para as experiências inovadoras realizadas com quadrinhos na Internet.

O termo webcomic designa qualquer quadrinho publicado exclusivamente na web.

Portanto, desde que veiculadas em sites, tanto as tirinhas ou graphic novels feitas à mão e posteriormente digitalizadas quanto aquelas desenvolvidas integralmente no computador, com ou sem adição de recursos audiovisuais, figuram na definição de webcomics.

O suporte digital e os primeiros quadrinhos da Internet



No entanto, até o início dos anos 90, o suporte para as histórias em quadrinhos

continuava a ser o papel. Elas podiam ser totalmente concebidas no computador, mas o resultado final ainda era o material impresso. O ilustrador italiano Marco Patrito foi um dos primeiros a encarar o meio digital como plataforma para veiculação de quadrinhos; em 1991, ele desenvolve Sinkha, uma história multimídia elaborada em computador com gráficos 3D, distribuída em CD-ROM para Estados Unidos, Japão e Europa.



No fim da década de 1980, a indústria das HQ’s encontrou no computador um

sintetizador de funções que, até então, ficavam a cargo de profissionais remunerados responsáveis pela diagramação, letramento, colorização e arte final das histórias. A digitalização dessas etapas representou não apenas um avanço tecnológico como também econômico: o computador otimizou o processo de produção de quadrinhos. Nesse sentido, tornou-se economicamente interessante investir na nova ferramenta.

Em 1984, aparece a primeira história gerada por computador. Ainda que a HQ

tenha sido colorizada pelo método tradicional, devido às limitações de armazenamento dos computadores da época, Shatter (imagem na página ao lado), dos norte-americanos Mike Saenz e Peter Gills, foi desenvolvida em preto e branco, num Apple Macintosh de 128 kbytes. Em 1986, Saenz dá continuidade à iniciativa e cria, com William Bates, a HQ Crash, esta sim feita inteiramente a partir de recursos do computador. 18

Uma das impressionantes imagens de Sinkha

19



Com capacidade para armazenar e transferir grandes quantidades de dados, o

CD representa um barateamento da produção, uma vez que comporta histórias inteiras e não implica gastos com colorização e impressão.

Depois de Patrito, vários outros autores se interessaram pelo potencial dos CDs

e começaram a criar histórias digitais. O sucesso de Reflux, história desenvolvida em 1995 pela empresa Inverse Ink, que fazia quadrinhos para CD-ROM, atraiu a atenção da DC Comics. Superman: The Mysterious Mr. Myst foi uma das adaptações de uma série de desenhos animados de super-heróis da década de 1960 lançada em CD pela DC em parceria com a Inverse Ink no ano de 1996.

Paralelamente às experiências feitas com CDs, alguns usuários conectados

em rede começaram a explorar o campo virtual como suporte para quadrinhos. O compartilhamento ágil de informações no meio virtual logo se mostrou uma alternativa mais eficiente diante das dificuldades de distribuição do CD, plataforma que, de certo modo, acabou sendo rejeitado tanto por aqueles leitores acostumados às revistas impressas quanto por aqueles que passaram a ler e veicular quadrinhos na Internet.

que várias publicações foram editadas em períodos muito próximos; Witches and Stitches,



do artista estadunidense Eric Monster Millikin, foi uma HQ de terror baseada na novela

à distribuição online de histórias em quadrinhos. Não se trata tanto da imaterialidade

infantil O Mágico de Oz, postada [o termo vem de post, nome dado ao conteúdo carregado

do produto, quanto da sua virtualidade: a tira, a graphic novel está lá, a um clique, só

em um site, blog ou fórum, seja em forma de texto ou qualquer outra mídia] em 1985 na

não chega até o leitor por meio de revistas, livros ou dispositivos de armazenamento

CompuServe, um dos primeiros serviços a oferecer conexão com a Internet. Em 1991, Hans

de dados.

Bjordahl posta na Usenet, também outra rede precursora da Internet, Where The Buffalo Roam, que se auto-intitula “a primeira tira da Internet com atualizações regulares”.

De acordo com o artigo Webcomics: da gênese aos agregadores, do pesquisador Rodrigo

Otávio dos Santos, até a invenção do navegador ou browser, os leitores eram obrigados a baixar as histórias; em 1993, com a criação do Mosaic, o primeiro browser, os usuários passaram a lê-las online. Doctor Fun, de David Farley, foi publicado pela primeira vez em setembro de 1993 e é considerado o primeiro webcomic, por utilizar o serviço World Wide Web (www) que configura a Internet comercial que conhecemos hoje. 20

Um dos primeiros cartuns de Doctor Fun. Sem personagens fixos, o webcomic ficou no ar até 2006

É difícil precisar um projeto pioneiro para os primeiros quadrinhos da Internet, já

A convergência para o formato digital foi um pequeno passo dado em direção

As três gerações de “HQtrônicas”

Em seu livro HQtrônicas: do suporte papel à rede Internet, o professor, pesquisador e

quadrinista Edgar Franco propõe o termo “HQtrônicas”, uma contração de “Histórias em Quadrinhos Eletrônicas”, para identificar o que ele caracteriza como “a nova forma híbrida de arte que une elementos da linguagem tradicional dos quadrinhos aos novos recursos de hipermídia”. Dessa maneira, a definição exclui HQ’s que são simplesmente digitalizadas e transportadas para a tela do computador. 21

Outra leitura: as “Telas Infinitas” de Scott McCloud O pesquisador e quadrinista estadunidense Scott McCloud afirma que todos os elementos de uma HQ mantêm uma relação espacial com os outros elementos, a todo o momento. “Espaço é igual a tempo nos quadrinhos”, de forma que as dimensões da página impressa por si só já quebram a continuidade da apresentação. Com a migração das primeiras histórias para o meio digital, McCloud infere que as limitações impostas pela paginação podem ser superadas; para tanto, ele propõe a criação de quadrinhos em telas infinitas, conceito segundo o qual o monitor do computador serve de janela para o leitor que navega por histórias capazes de aproveitar todas as dimensões e sentidos do plano da tela.

Franco mapeou três



gerações de “HQtrôni-

a maior parte das “HQtrônicas” está online, ou disponível para download. Franco

cas” desde que iniciou

elenca uma série de características que identificam esse formato de HQ: animações,

suas

diagramação dinâmica, trilha e efeitos sonoros, narrativas multilineares e

pesquisas,

em

1995: a primeira, que

Com a Internet, a necessidade de uma plataforma material diminuiu. Hoje,

interatividade. Observe, clicando no vídeo abaixo:

vai de 1991 a 2001, engloba a difusão de histórias em CD-ROMs e os primeiros experimentos realizados na Internet,

ainda

tecnologias

com

limitadas

devido aos problemas de conexão; a segunda geração é marcada pela popularização do software Flash, fator que

abriu novas possibilidades para as “HQtrônicas”, permitindo a utilização de mais recursos de hipermídia, favorecida também pelo aumento da velocidade de transmissão de dados com o surgimento da banda larga. Por fim, a terceira geração registra um refinamento nas histórias, acompanhado do domínio agudo dos recursos audiovisuais.

Nas primeiras experiências realizadas com CDs, a simples mudança de

suporte garantiu interfaces com as quais os usuários podiam interagir de maneira mais intuitiva. Sinkha, por exemplo, contava com cenas animadas e trilha sonora



para ambientar o leitor. Também Superman: The Mysterious Mr. Myst dispunha

sobretudo, animações têm conferido às histórias uma perspectiva inteiramente nova.

de animações, trilha sonora gravada exclusivamente para a história, além de

Muitas HQ’s se aproximam da linguagem de videogames e desenhos animados, sem

pequenas pastas que, conforme clicadas, abriam informações adicionais sobre a

que haja uma barreira bem delimitada entre um produto e outro.

Especialmente as novas noções de diagramação, junto da inserção de sons e,

trama. 22

23

Afinal, ainda são histórias em quadrinhos?

perda de prestígio do suporte antigo. O diretor da Editora Conrad, Rogério de Campos, acredita que, no momento, “o quadrinho só vai ser interessante [na Internet], só vai

Atualmente, surgem na web cada vez mais autores dispostos a introduzir efeitos

se transformar em alguma coisa na medida em que ficar como quadrinho de papel”.

sonoros e animações nos quadrinhos, fato que suscita uma discussão sem precedentes

Assim como Vergueiro, ele concorda que, a partir do momento em que o quadrinho

sobre o conceito das HQ’s. Afinal, se as imagens estáticas dão lugar ao movimento em

apresenta sons e animações, o que se tem é outro produto que não concorre com as

si e se as falas dos personagens, mesmo as onomatopeias, são facilmente substituídas

HQ’s tradicionais.

por conversas, ruídos e explosões audíveis, que tipo de produto cultural o leitor tem



em mãos? Ainda são histórias em quadrinhos?

quadrinhos. Se um derivado ou um objeto completamente distinto, talvez seja muito



De acordo com o professor e coordenador do Observatório de Histórias em

cedo para precisar o resultado. As ferramentas cada vez mais arrojadas de que o autor

Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da USP, Waldomiro Vergueiro, “HQ é

dispõe, com o desenvolvimento constante dos programas de computador e da Internet,

imagem fixa e texto. Colocou movimento, som, já é outra coisa”. No entanto, há quem

criam uma gama infinita de variáveis e convidam a refletir sobre a necessidade de

defenda o contrário: Franco, por exemplo, acredita que o que ocorre com as HQ’s na

delimitar fronteiras conceituais para as variadas mídias. Talvez fosse mais interessante

Internet é uma “hibridização de linguagens”, o que não desqualifica o produto, apenas

pensá-las como potenciais de comunicação do que propriamente como produtos.



Ainda não é possível situar as “HQtrônicas” na trajetória das histórias em

gera um derivado.

Anselmo Gimenez Mendo, mestre em artes visuais e autor do livro História em

quadrinhos: impresso vs. WEB, corrobora a opinião de Franco quando afirma que “os quadrinhos podem incorporar elementos novos até um limite que não transborde para outra linguagem. A maioria do que vemos hoje na rede, que se denomina quadrinhos (eletrônicos, digitais, ou seja lá o nome que for dado), não desvirtua o suficiente da linguagem, mesmo quando incorporam som e animação, para constituir algo novo que mereça outro nome ou que possa ser identificado como nova arte”.

O problema é que, se originalmente alguns dos elementos que caracterizam

as HQ’s são a produção industrializada e a distribuição em larga escala, a mera digitalização e disposição de conteúdo em websites já reconfigura a percepção que, até antes do advento da Internet, tínhamos com relação às histórias em quadrinhos.

Como já vimos, a rede agigantou a produção independente e viabilizou uma

distribuição de quadrinhos global, rápida e barata, inclusive com a prática do scan (a digitalização de revistas inteiras liberadas para leitura ou download gratuito). 24

A utilização de um suporte novo, no entanto, não necessariamente implica a 25

de conteúdos, de modo que qualquer pessoa, mesmo com conhecimentos limitados de

A nova safra dos quadrinhos As tirinhas publicadas na Internet passaram por uma série de mudanças e influências. Falaremos de alguns exemplos práticos

informática, poderia criar sua própria página na Internet. A partir de então, o modelo “explodiu”, aponta Ramos, citando uma estatística apresentada no livro Gênero textual, agência e tecnologia, da norte-americana Carolyn Miller, que indica que a quantidade de blogs nos Estados Unidos subiu seis vezes no curso dos dois anos seguintes.



ao lugar que ocupam dentro do universo das histórias em quadrinhos, por outro, o formato tradicional nunca foi tão reproduzido quanto na Internet.

A eficiência da rede pode ser facilmente medida pelo número de ocorrências

registradas numa simples pesquisa feita através do diretório de buscas Google: o termo “comics” respondia, em maio deste ano (2011), por 384 milhões de ocorrências; em outubro, cinco meses depois, esse número subiu para 537 milhões.

A quantidade de recursos e serviços gratuitos disponibilizados na rede, com

interfaces cada vez mais simples e dinâmicas, permite que os internautas publiquem e compartilhem seus próprios quadrinhos, independentemente de qualidade técnica e bom senso. Fáceis de produzir e publicar, devido ao tamanho reduzido e à rapidez com que podem ser feitas, as tiras especificamente constituem o tipo de quadrinho que mais se popularizou entre aspirantes a quadrinistas na web.

Os blogs

Segundo o artigo O Impacto dos Blogs para a Produção de Tiras no Brasil, do

pesquisador e jornalista Paulo Ramos, no final de 2005 houve uma grande ampliação no volume de quadrinhos em formato tradicional circulando na Internet. “Antes dessa data”, escreve, “o que havia eram poucas experiências feitas por programadores, os únicos que, até então, dominavam os labirintos técnicos necessários para a criação de uma página virtual”.

Foi nesse ano que o modelo do que hoje conhecemos como blog sofreu alterações

capazes de lhe conferir uma interface que simplificava os processos de criação e edição 26

Ver Figura 1

Se por um lado as “HQtrônicas” ainda geram dúvidas e incômodos em relação

O número dos quadrinhos em tira, no entanto, só aumentaria alguns anos mais

tarde. De acordo com Daniel Werneck, professor, quadrinista e organizador da Feira Internacional de Quadrinhos (FIQ), “houve, na segunda metade da década inicial deste século, um aumento sensível no número de páginas dedicadas a essa forma de produção de história em quadrinhos”.

Para ele, o formato curto, fixo e de leitura rápida das tiras cômicas as torna algo

próprio da Internet. Por conta do ritmo naturalmente acelerado do meio virtual, as tiras se tornaram o gênero mais explorado dentro dele. “Na transição que a Internet impôs ao mercado de quadrinhos brasileiro, o casamento entre tiras e blogs parece ter sido o mais bem-sucedido”, conclui.

Werneck também observa que o maior volume de tiras no Brasil, no fim da

primeira década dos anos 2000, estava na Internet e não mais nas páginas dos jornais. “Isso é algo revolucionário no tocante ao processo de produção e de circulação de tiras no país, que tira do jornal a quase exclusividade sobre o tema”, analisa. “O uso do meio virtual já pauta parte das séries lidas nos jornais e reproduz outras, já circuladas nos cadernos de cultura dos diários jornalísticos. Além disso, os blogs permitem aos quadrinistas a oportunidade de publicar suas séries sem depender dos espaços tradicionais dos jornais, muitas com boa repercussão”.

Entre outras vantagens do blog como veículo para o autor de HQ’s, há a

possibilidade de comunicação que se estabelece entre leitor e autor por meio do espaço disponibilizado para comentários, a instantaneidade de publicação e a capacidade de armazenamento de trabalhos anteriores. 27

Figura 1

28

29



Rogério de Campos aponta que o leitor de quadrinhos tem uma relação melhor com



A divulgação “boca-a-ouvido” entre usuários é uma parte extremamente importante

a linguagem da web e que a popularidade dos quadrinhos no meio virtual está também

para tornar conhecido o trabalho de um autor. O quadrinista Mauro A. – que publica sob

vinculada a uma capacidade menor de concentração por parte dos internautas. Isso faz

esse pseudônimo e não revela o sobrenome em entrevistas – diz ter começado seu blog de

com que a linguagem dos quadrinhos, sobretudo das tiras – a associação de imagens

tiras Wagner & Beethoven por ser o jeito mais fácil de publicar e divulgar quadrinhos. “Não

chamativas a textos curtos – represente uma leitura mais satisfatória para esse perfil de

houve nenhuma grande estratégia quando fiz essa escolha, porque eu não sabia se iria ter

leitor do que a literatura. Ainda mais se pensarmos no formato objetivo e rápido da tirinha.

fôlego para manter o blog por muito tempo. Minha primeira iniciativa de divulgação foi



cadastrar o blog num site de webcomics, mas ele só começou a receber uma grande visitação

Outro fator que incentiva a postagem de tiras por autores donos de blogs é a

facilidade com que podem ser compartilhadas no formato original. Por terem, geralmente,

depois que outros quadrinistas linkaram o W&B em seus blogs”.

o tamanho de uma fotografia comum, usuários de redes sociais, como o Facebook,

Ver Figura 2

podem postá-las nos campos de foto de suas páginas pessoais, ou disponibilizá-las em álbuns virtuais de imagens como o Flickr. Esse tipo de disseminação é mais difícil de acompanhar no caso de graphic novels completas.



Como é possível observar na Figura 2, esse tipo de divulgação funciona. Dos dez

links que aparecem na primeira página de uma pesquisa sobre Wagner & Beethoven no Google, seis são de sites falando a respeito do quadrinho ou do autor.

As

páginas

virtuais

são,

portanto, excelentes vitrines gratuitas para o trabalho de um profissional. Sem dinheiro, muitos quadrinistas são estimulados a alimentar e divulgar portfólios online.

Um exemplo impressionante é

o caso de João Montanaro, talentoso quadrinista que, com apenas 13 anos, passou a publicar pelo jornal Folha de São Paulo, que descobriu sua página na Internet. Atualmente, com 15 anos, Montanaro reveza com autores A facilidade de publicação e visualização faz com que o o Flickr e o Tumblr sejam duas opções muito populares para a postagem de imagens. Acima, um perfil divulga as tiras do site Monalisa de Pijamas

30

de prestígio o cobiçado espaço de charges políticas da publicação.

O blog de Montanaro o levou a publicar em um jornal de grande circulação junto de quadrinistas como Adão Iturrusgarai

31



Figura 2

Alguns programadores, observando esse crescente apelo que os quadrinhos,

especificamente as tiras, vêm tendo junto aos internautas, começaram a desenvolver plataformas específicas para publicação de webcomics. O ComicPress é um publicador próprio para quadrinhos elaborado pelo WordPress, suporte para criação de blogs. O ComicPress traz um tipo de diagramação interessante para blogueiros que, além de produzir textos e outros conteúdos, desejam destacar seus quadrinhos: ele exibe a tira acima do cabeçalho da página, enquanto os posts ficam dispostos abaixo. O programa também organiza o histórico de quadrinhos por categoria ou data, algo que facilita a leitura e a navegação.

O quadrinista pré-Internet, analisa Werneck, encontrava bastante dificuldade

em produzir e divulgar uma tirinha. “Hoje, com os blogs de webcomics, qualquer um pode fazer isso, e colorido ainda por cima. Isso estimula a produção, e arrisco dizer que nunca tivemos tantos quadrinistas iniciantes quanto hoje em dia. A divulgação facilitada e o contato direto com os leitores dá muito mais motivação ao quadrinista estreante, e isso ajuda as editoras a sentirem quais artistas estão conseguindo atrair um público leitor”.

O quadrinista na Internet tem, portanto, uma facilidade maior para publicar suas

tiras, uma vez que não depende dos meios de produção de terceiros. Esse fato implica uma maior liberdade para publicar, como veremos a seguir.

A expansão de temas dos quadrinhos

Henrique Magalhães, dono da editora independente Marca de Fantasia, enxerga

semelhanças entre a criação de quadrinhos no meio virtual e a produção independente de fanzines no Brasil, devido ao controle criativo que o autor detém em ambos os casos, uma vez desvinculados do crivo de editoras. A liberdade temática conquistada pelo autor na Internet não é, portanto, novidade, mas o alcance dessa produção, sim. Ao procurar por Wagner & Beethoven no Google, é possível encontrar diversas páginas com menções às tiras e entrevistas com o autor

32



O fanzine é uma publicação artesanal feita por fãs (o próprio nome é uma junção

das palavras em inglês fanatic e magazine) com o objetivo de divulgar um trabalho. 33



De acordo com o texto Quarenta anos de fanzine no Brasil: o pioneirismo de Edson



A revista começou com uma tiragem de 3000 exemplares – um número fenomenal

Rontani, da professora do Curso de Comunicação Social do Centro Universitário

para o gênero –, mas, acompanhando as tendências de mercado dos quadrinhos

Regional de Espírito Santo do Pinhal, Ana Camilla Negri, o termo “fanzine” começou

em banca, precisou reduzi-la drasticamente: as edições finais chegaram a pífios 100

a ser usado na década de 1930 nos Estados Unidos para designar publicações caseiras

exemplares.Sobre sua trajetória com fanzines, Oscar afirmou ao Universo HQ, em 2007,

que circulavam via correio, com o intuito de estabelecer uma troca de informações

que “a maior satisfação foi ver o trabalho ser apreciado; e a maior frustração foi ver

entre fãs a respeito de determinado assunto. No Brasil, o que foi considerado o primeiro

que uma tiragem de apenas 100 exemplares leva um ano para ser vendida e só assim

fanzine só apareceria em 1965, fundado pelo artista piracicabano Edson Rontani.

possibilita outra edição”.



Além da publicação de ficção científica, Alex Raymond, Rontani fundou um



O editor Rogério de Campos reitera que o grande problema da produção

boletim que visava a suscitar discussões entre os amantes de quadrinhos, o Ficção.

independente reside justamente na parte de distribuição e venda, que “oneram

O portal online Gibindex – conhecido também como “a enciclopédia brasileira dos

demasiadamente o preço da publicação”, enquanto os vendedores e distribuidores

gibis” – descreve que o meio de produção mais barato à época era o mimeógrafo, um

valorizam as produções de editoras comerciais. Por isso, ele conclui que não há

instrumento utilizado para fazer cópias de papel escrito em grandes quantidades a

realmente um mercado para os produtos independentes, mas iniciativas isoladas, para

partir de álcool e de um tipo de papel chamado estêncil. Rontani usou o instrumento

as quais restam limitadas opções. Uma delas, diz ele, é a negociação individual com

para fazer os 300 exemplares de 32 páginas desenhadas à mão da primeira edição

os livreiros, que nunca investem nessas publicações, aceitando apenas o sistema de

da revista. O processo não era tão difícil, mas a tiragem dos fanzines, por serem

consignação – no qual o empresário recebe determinada quantidade de produtos, com

artesanais, sempre foi bastante reduzida. Segundo artigo publicado em janeiro de 2008

margem de lucro previamente definida com o fornecedor, em uma data combinada

no portal Universo HQ, um dos maiores fanzines já publicados por aqui foi o longevo

para o acerto entre as partes. Nesse sistema, o risco é do fornecedor e, por esse motivo,

Historieta, cujo primeiro número foi lançado pelo quadrinista Oscar Kern, em 1972,

o empresário tende a focar menos na venda dos produtos consignados.

e cuja produção se estendeu por quase três décadas, tendo a última edição saído em



2003.

pequenas: não há canal de acesso a um público mais amplo. Na Editora Marca de

Por essas razões, as tiragens das publicações impressas independentes são sempre

Fantasia de Henrique Magalhães, por exemplo, são feitas 200 capas de cada publicação e o miolo é feito em pequenas tiragens, à medida que há demanda.

O meio digital elimina os problemas de custo de produção, além de, como

mencionado, ter um alcance bem maior, uma vez que o quadrinista não tem um limite de exemplares disponíveis para distribuição, mas um endereço virtual que lhe fornece ferramentas gratuitas para tentar atrair leitores.

O pesquisador Daniel Werneck diz que é difícil fazer uma comparação:

“antigamente a gente tinha menos acesso à informação, então o fanzine servia muito As capas do Ficção e do Historieta

34

como veículo de divulgação também”, conta. “Hoje em dia todo mundo tem blogs e 35

coisas do tipo, então o fanzine mesmo, em seu formato tradicional, de papel dobrado,

do título, uma garotinha carrancuda e um tanto sombria. Essas características se devem

perdeu um pouco a necessidade de existir. Quem ainda faz é porque curte mesmo,

aos abusos sexuais recorrentes que o pai inflige à menina, mote de todos os episódios.

mas perdeu-se aquela urgência de comunicação. Acho que o fanzine contemporâneo é mais pessoal, mais criativo, menos informativo. Mais artístico e menos utilitário”.

Tendo editado vários fanzines, muitos dos quais não superaram os cinco

números, Werneck conta que produzir um fanzine exigia recursos financeiros de que, muitas vezes, os fanzineiros não dispunham – muito menos para as edições seguintes. Eram, portanto, lançados entre um e três volumes até que se desistisse da empreitada. “Quantas e quantas vezes para fazer um fanzine tive que fazer acordos com as gráficas? Certa vez cheguei a trabalhar dois meses cortando, refilando e colando livros, sem ganhar um centavo”, relata. “Mas aquilo me deixava em êxtase, pois sabia que dali iria para os barzinhos, faculdades e centros culturais divulgar meu jornal, livreto, folheto, enfim, fanzines com ideias minhas e de outros autores. Era muito gostoso o intercâmbio, as expressões das pessoas, as repercussões. Por isso identifico nos blogs atuais os descendentes diretos dos fanzines dos anos 80-90”.

Ele analisa que o “blogar”, que começou de maneira despretensiosa, com a

manutenção de diários pessoais na web, se profissionalizou e hoje muitos autores e editores mantêm e se preocupam com suas páginas. Werneck destaca como o aspecto mais interessante desse fenômeno a autonomia do quadrinista, que deixa de precisar do aval de editoras e da grande mídia ou de patrocínios ou verbas públicas.

Essa liberdade, como já estabelecemos, pode muitas vezes se manifestar na escolha

do tema de um quadrinho por parte do autor. No meio editorial existe muita preocupação com a sensibilidade do público e a rentabilidade do material produzido. Como na web o custo de produção praticamente inexiste, é deixada de lado essa preocupação monetária e o autor ganha liberdade para trabalhar com temas, desenhos e enredos que poderiam ser considerados polêmicos, desagradáveis ou mesmo amorais e repulsivos pelo grande público.

Um exemplo prático de sucesso improvável no meio impresso e praticável na

web é a HQ Clarissa, do norte-americano Jason Yungbluth. As histórias, algumas de apenas uma página, outras se estendendo por até oito, giram em torno da protagonista 36

37

Um quadrinho como Clarissa seria difícil de “vender“ para um editor, mas, na

“Não esperava que fosse fazer sucesso, porque é só olhar pra tirinha, né?”, diz Madeira.

web, o alcance e a repercussão são grandes. A história é citada em fóruns virtuais de

“Fiz só pra mostrar pra uns amigos mais próximos, que eu sabia que entenderiam a

discussão e já esteve na primeira página do Reddit (site de publicações sociais no qual

piada. Postei uns 15 logo no primeiro dia, e fui nesse ritmo acelerado por muito tempo.

os usuários podem postar links para conteúdo na web) pelo menos três vezes.

Se eu tivesse pretensão de divulgar a coisa, iria postando aos poucos. Acho que a coisa





No Brasil, outro exemplo de liberdade temática e estética nos webcomics é o blog

se espalhou naquele esquema de pessoas mostrando a ‘bizarrice do dia’ umas para as

Cersibon, cuja publicação o autor, Rafael Madeira, diz já ter encerrado. As tiras são

outras”.

desenhadas no programa MS Paint, com traços rústicos e escrita em linguagem típica



de Internet, cheia de abreviações e erros de português. Decepcionado com a baixa

muito mais efetivo do que a venda de revistas em bares e faculdades praticada pelos

qualidade de alguns webcomics, ele diz que decidiu criar a pior tirinha do mundo.

fanzineiros das décadas anteriores – e com a vantagem de que o autor pode conservar

Atualmente, o compartilhamento de simples links é um tipo de divulgação

a mesma liberdade temática.

Esse desimpedimento temático também pode se manifestar no desenho do autor.

Afinal, é possível encontrar muitos quadrinhos mal desenhados e bem sucedidos na Internet. Basta observar os exemplos abaixo.

Quadrinhos enquanto arte



Você sabe diferenciar os personagens acima? As figuras representadas nas tiras

Doutor Pepper, Cyanide and Happiness (ou a versão em português, Cianeto e Felicidade) O humor quase ininteligível de Cersibon: nas 1ª e 2ª tiras, um garçom transforma a sopa do freguês em pássaro e se passa por médico; na 3ª, uma mãe acaba com a pipoca que tinha feito para o filho

38

e Euricéfalo têm em comum os traços, digamos, genéricos dos chamados “bonecospalito” e o fato de que todos obtiveram, em variados graus, sucesso no meio virtual. 39



As técnicas de desenho são bastante simples; mais ainda se comparadas às de

grandes desenhistas como um Eisner ou Moebius.

em quadrinhos foi o movimento da Pop Art, da década de 1950, que aproximou arte e cultura de massa.

Imagens retiradas, respectivamente, das séries O Edifício, de Eisner, e Arzach, de Moebius. Compare os desenhos aos do GIF da página anterior



Mesmo com toda a rusticidade, esses quadrinhos que “podem ser feitos por

qualquer um” encontraram seu nicho na Internet e, no caso de Cyanide and Happiness, com tão estrondoso sucesso que o webcomic pôde migrar para o meio impresso.

40

Tanto Eurico, autor das Tiras do Euricéfalo, quanto um dos co-autores de Cyanide,

A Pop Art utilizava elementos da cultura de massa para discuti-la. Nas obras do nova-iorquino Roy Lichtenstein, os quadrinhos compunham cenas desvinculadas do contexto de uma história oferecendo uma reflexão sobre o que pode ou não ser considerado arte. Acima, o quadro de 1975, M-maybe he became ill



No contexto do debate da oposição entre as noções de alta e baixa cultura, houve

o irlandês Dave McElfatrick, admitem que optaram pelo formato palito por conta,

uma quebra de valores: elementos ordinários do cotidiano, como o eram as HQ’s,

pura e simplesmente, da falta de tempo para produzir um desenho mais detalhado. A

passaram a ocupar espaço em exposições nas principais galerias de arte dos Estados

ideia de que esse tipo de quadrinho pode se popularizar na Internet levanta a questão:

Unidos e da Europa.

é preciso saber desenhar para ser quadrinista? E o que dizer sobre esses quadrinhos



facilmente copiados por qualquer pessoa? Eles constituem obras de arte?

HQtrônicas enquanto manifestação de arte contemporânea, afirma que ela funciona dentro



Historicamente, levou um tempo até que as histórias em quadrinhos fossem

de um sistema que a legitima; existem sinais e processos sociais para que se possa

consideradas produções artísticas. De acordo com o artigo A produção de histórias

identificar que tipo de objeto pode ser reconhecido como arte. A questão é que esse

em quadrinhos no ensino de arte na contemporaneidade, do mestre em artes visuais João

processo de sinalização sofreu um impacto significativo com a informatização em

Marcos Parreira Mendonça, a baixa qualidade dos meios de impressão e personagens

escala global. As novas possibilidades de produção artística fazem com que boa parte

que atendiam prioritariamente a interesses comerciais em detrimento dos artísticos

destes sinais estejam ultrapassados.

contribuíam para que as HQ’s ficassem longe do status de arte.





espaço não-físico em que se pode constituir uma inteligência coletiva e processos

Um dos divisores de águas que alteraram a percepção que se tinha das histórias

No que diz respeito à arte contemporânea, Gil Vieira Costa, em seu artigo

O ciberespaço – que compreende mais do que apenas a Internet – oferece um 41

de criação comunitários e interativos que, muitas vezes, superam a necessidade de mediação financeira ou simbólica, como o reconhecimento de valor artístico por parte de curadores ou críticos.

Vieira ressalta, no entanto, que não se pode pensar que o ciberespaço irá

reconfigurar a noção de arte. Ele cita a autora Anne Cauquelin, dizendo que estética é “um emaranhado temático de vozes que discursam acerca da arte e estipulam os seus limites”, ou seja: um produto precisa corresponder a uma série de critérios para que assuma o status de obra de arte, mesmo em um meio como a Internet, que visa a democratizar a produção e a disseminação de conteúdos.

O pesquisador de quadrinhos Edgar Franco ressalta um ponto importante na

discussão a respeito dos quadrinhos de desenhos simples, tomando como exemplo as tiras de humor extremamente ácido dos Malvados, de autoria do carioca André Dahmer, cujos traços simples não impediram que fossem publicadas no meio impresso. “As editoras talvez nunca publicassem esses trabalhos se eles não tivessem público. O desenho do Dahmer é muito simples, mas quando as editoras veem que, mesmo com toda essa simplicidade, ele tem público e elas podem vender aquele trabalho, elas aceitam. É bem provável que esses caras só conseguiram uma demanda de editoras para o trabalho deles, mesmo com um traço tão inexpressivo, porque eles provaram, através da Internet, que o trabalho deles tem uma qualidade intrínseca”. E qual seria essa qualidade intrínseca? O que efetivamente torna um quadrinista um bom quadrinista?

Rogério de Campos diz que os desenhos mais simples podem ser extremamente

expressivos e, para provar essa afirmação, invoca o exemplo do cartunista Henfil. Mesmo assim, ele acha válido questionar se muitos novos autores, de fato, estariam deixando de saber desenhar. “Existia mais treinamento para as pessoas desenharem antigamente. Talvez o virtuosismo esteja sofrendo mesmo”, diz. “Eu acho que existe uma crise do figurativismo já quando surge a fotografia. Com todo o impacto da fotografia no início do século XX, o figurativismo, não só dos quadrinhos, sofreu muito. E o surgimento do abstracionismo também influi no resultado”. 42

Charge de Henfil: o desenho é simples, mas expressivo



Mauro A., do Wagner & Beethoven, que conta com tiras feitas a partir de imagens

de outros quadrinhos – ou encontradas em sites de busca – coladas e editadas em um programa de computador, assumidamente não é um grande desenhista, mas diz que o desenho não é a habilidade principal de um quadrinista: “não é preciso saber desenhar. É possível fazer bons quadrinhos usando fotomontagens ou atuando somente como roteirista – ou mesmo sendo um mau desenhista, como nas várias HQ’s de homenspalito que existem por aí. Mas é claro que o ideal é dominar o texto e o desenho, como o Laerte”, conclui.

Uma das razões para que os quadrinhos na Internet sejam extremamente simples

é o fato de serem um projeto paralelo mantido nas horas vagas pelos autores e não algo a que eles se dedicam completamente. Autores como Eurico e o quarteto de Cyanide & Happiness certamente corroboram essa teoria, ao dizer que, de fato, adotaram a forma mais prática de desenho por falta de tempo – ainda que no caso de Cyanide, os quadrinhos tenham se tornado a principal ocupação dos autores, depois que o formato personagens-palito se popularizou e se tornou a fórmula estética do quadrinho.

Daniel Werneck também é da opinião de que nunca foi imprescindível saber

desenhar para ser quadrinista. “Já li vários quadrinhos com desenhos maravilhosos, mas que eram simplesmente um saco. Histórias em quadrinhos são, antes de mais nada, 43

histórias, e os quadrinhos movimentam a narrativa. Os desenhos são importantes,

na forma de texto, vídeo, som, desenho ou mesmo quadrinho. Os canais de divulgação

obviamente, mas se a história em si for cativante o suficiente, é isso que importa. Não

podem ser redes sociais, e-mail ou mesmo websites próprios para a reprodução deste

acho que o Cersibon seria melhor com imagens do Alex Ross, e espero que O Pintinho

tipo de conteúdo como os sites e blogs de humor citados acima.

continue com seu estilo Paintbrush de ser. Em time que está ganhando não se mexe”.



Desenhos simples podem, portanto, ter valor artístico. Basta o autor ter um roteiro

replicam de maneira muito rápida, ganhando autenticidade e status mítico, conforme

bom e saber usar os traços rústicos como um recurso expressivo.

a familiaridade [com eles] aumenta”.

Variações imprevistas: memes, rage comics e um novo jeito de fazer quadrinhos



Ainda de acordo com o artigo do The Guardian, “os melhores memes da Internet se

Outra curiosidade a respeito dos memes de humor da Internet é que podem

permanecer os mesmos ou evoluir à medida que os internautas mudam, recontextualizam

Um fenômeno em quadrinhos de enorme sucesso na web que é feito, literalmente,

e divulgam aquele conteúdo. A título de exemplo, pegamos uma piada que ganhou

por qualquer internauta, abraçando a rusticidade do desenho como um fator de

bastante popularidade no final de 2011, nos sites dedicados a memes, e que gerou uma

comicidade, são as tiras rage, que constituem um meme de Internet. Explicaremos as

série de piadas derivadas, o Scumbag Steve (“Steve Canalha”, em tradução livre).

tiras rage em alguns parágrafos, mas antes é preciso discorrer um pouco sobre os memes.

No meme, frases a respeito de comportamentos hedonistas envolvendo drogas,

Quem perde horas em sites como 9gag, Memebase ou em blogs como Capinaremos

álcool, festas ou outros contextos são inseridos sobre a imagem de um rapaz parado





e Nãointendo sabe exatamente o que são essas piadas virtuais divulgadas de maneira

em frente a um corredor, usando um boné de lado.

normalmente “viral” – quando um usuário divulga para outros, que, por sua vez,



divulgam para mais pessoas e assim por diante, em um processo análogo ao de uma

imagens com frases similares sobre comportamentos “canalhas” e o adjetivo “scumbag”

epidemia.

atribuído ao objeto da foto. É possível ver essa evolução ilustrada abaixo:



Nas piadas derivadas, o conhecido boné de Steve é colocado sobre outras

Para os que não conhecem, comecemos do início: o termo meme foi cunhado

em 1976, no livro O gene egoísta, de autoria do cientista britânico Richard Dawkins. Simplificando a teoria, o meme desempenharia, em relação à memória, um papel semelhante ao gene na genética: o de unidade mínima de informação. O meme circularia entre cérebros ou entre outras unidades de armazenamento de informação como livros ou a própria Internet.

Dawkins considerava os memes uma forma de evolução cultural que seria capaz

de se auto-propagar. Em um artigo de 10 de agosto de 2000, intitulado It’s all in the memes (“Está tudo nos memes”), o jornal inglês The Guardian mostra que essa definição poderia ser aplicada a qualquer produto cultural que se replica – de ritos religiosos a modas passageiras. Um meme de Internet é, portanto, uma ideia que pode ser reproduzida pela rede 44

Para quem entende a piada: o Scumbag Steve original, em piada que critica o movimento Occupy Wall Street; o Scumbag Brain - uma variação do meme, que culpa o cérebro humano por certos atos e atitudes involuntários; e o Scumbag Steve Jobs, que critica algumas gafes da Apple

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É importante ressaltar que esse tipo de meme curto e imagético não é o único a

sob medida para conteúdos específicos, intitulado FFFFFFFUUUUUUUU, interjeição

ser produzido e reproduzido pelos internautas, no entanto, como o artigo The Internet

usada para expressar raiva pelo rage face original – trata-se da primeira sílaba de um

and memetics, de Garry Marshall, apropriadamente ressalta, já foi debatido que a alta

palavrão. O subreddit permitia que os usuários publicassem seus próprios quadrinhos

velocidade de transmissão de dados, que ocasiona uma enxurrada de memes circulando

rage, o que levou à criação de outros personagens.

pela Internet, dificulta a distinção entre memes simples e mais complexos.







Geralmente, os memes mais curtos e de maior impacto instantâneo têm maior

Outros sites, como o Quickmeme e o Memebase posteriormente adotaram seus

geradores de tiras, como se pode observar no vídeo abaixo:

popularidade em relação a textos longos. O fator da virabilidade assume importância maior que outros atributos e torna esse tipo de meme mais duradouro e conhecido - o que explica porque as tiras e charges fazem bons memes.

As chamadas tiras rage são um bom exemplo de tirinha-meme e são bastante

populares, pelo menos até o momento em que este texto estava sendo escrito (é preciso lembrar que este fenômeno é extremamente fluido e memes podem desaparecer tão rapidamente quanto começam).

A palavra rage significa “ira” em inglês e o website Know Your Meme, dedicado a

explicar a origem destas piadas de Internet, estabelece a relação entre o nome e o tipo de tirinha. Em tradução livre: “Os Rage Comics são uma série de webcomics [...] que são geralmente criados por meio de softwares de desenho simples, como o MS Paint. Os quadrinhos são geralmente usados para contar histórias de experiências cotidianas, que teminam em uma piada”.

Os personagens desse tipo de quadrinho geralmente retratam estados de espírito Com geradores e diversos sites dedicados à divulgação desse modelo de memes

como conformidade, incredulidade ou raiva através de expressões faciais comicamente



exageradas, e as histórias são geralmente contadas em uma média de quatro quadrinhos.

em quadrinhos, criou-se uma autoria coletiva em grande escala, em que o mesmo tipo

Know Your Meme traça a origem desses quadrinhos até o fórum virtual /b/, no site

de quadrinho é lido e criado por pessoas de diferentes nacionalidades. Tanto é que

4chan, em um post de 2008. Como o próprio nome sugere, a primeira história mostrava

passaram a existir sites e blogs brasileiros de humor – como os já citados Capinaremos

um personagem passando por uma situação que provocava raiva – daí o nome rage.

e Nãointendo – que também dedicam parte de suas postagens a memes e rage comics.

A gama de personagens aumentou, assim como os sentimentos retratados, mas são



todos agrupados sob o nome rage face.

certo grau de homogeneização cultural pela Internet, uma vez que (novamente, em

46

Em janeiro de 2009, o site Reddit lançou um subreddit, um sub-fórum do site feito

Retomando o artigo de Garry Marshall, o fenômeno é interessante porque mostra

tradução livre) “um grupo diverso de pessoas, talvez de várias partes do mundo e 47

Anteriormente, explicamos que os memes podem ser modificados aos poucos e

unidas por nada além de um interesse comum, tem necessidade de construir sua própria



cultura. A rede facilita a comunicação e a propagação de memes. Mas, em comparação

contamos com mais um exemplo: o quadrinho que acabou conhecido como X, grab my

com o mundo real, os memes [virtuais] são espalhados de modo rápido e certeiro. Isso

Y (“X, agarre meu Y”), em que “X” e “Y” funcionam como espaços em branco a serem

faz com que comunidades virtuais desenvolvam culturas que são estreitas, muitas

preenchidos com objetos cambiáveis de história para história.

vezes extremistas e, por consequência, bastante precárias”.



Explicando melhor, o meme começou, de acordo com o verbete em Know your

Além dos rage comics, outras manifestações de quadrinhos meme são os panels

Meme, com o quadrinho abaixo, postado pelas norte-americanas Angela Dunn e

em que fotos com cenas de filme são tiradas do contexto original e organizadas em

Caroline Sharpe na comunidade virtual artística DeviantART em 23 de janeiro de 2009.



forma de tiras verticais – às vezes intercaladas com outras imagens – às quais são acrescentadas falas que dão à cena um sentido humorístico. O Cheezburger, uma rede especializada em piadas meméticas, possui um site dedicado a esse tipo de quadrinho, o Comixed. Como exemplo deste tipo de piada, pegamos uma das cenas de filme mais populares: o momento em que Mark Zuckerberg recebe um bilhete, em A Rede Social. A graça das tiras com essa cena específica é mudar o remetente e a mensagem contida no bilhete, de forma humorística:



As derivações do quadrinho trazem personagens diferentes, mas mantêm

a mesma fórmula: um pede ao outro que agarre uma parte de seu corpo e os dois decolam em direção ao céu deixando, geralmente, um arco-íris como rastro e uma palavra aparecendo no fundo.

Cinco dias depois de postada a tira original, a primeira derivação foi publicada,

ainda no DeviantArt, por outro usuário do site, com o nickname Shadren4ever.

Outras versões do quadrinho começaram então a surgir na plataforma de blogging

Tumblr e no Reddit, se espalhando pela Internet e adquirindo status de meme. Muitos dos quadrinhos derivados adaptavam a piada de modo a fazer referência a filmes, jogos etc., como é possível observar a seguir: 48

49

não ter problemas com o fato de as pessoas modificarem seu trabalho sem autorização: “foi daquelas coisas que nós fizemos em cinco minutos, por diversão. Me surpreendeu mais que qualquer outra coisa! Mas [as variações] são muito benfeitas!”.

Quanto à ideia dos memes como um tipo de quadrinho, Caroline diz ter sentimentos

conflitantes a respeito: “acho que são uma forma nova de se fazer quadrinhos, mas não têm muito valor artístico. Os rage comics, por exemplo, são bonecos-palito que qualquer um pode fazer”, diz. “Se você adicionar ao quadrinho alguma coisa sua e redesenhar, eu aplaudo”.

Já Angela vê esse tipo de quadrinho como “algo feito para dar às pessoas uma

risada rápida. A maior parte de quadrinhos como os rage são coisas que todos já sentimos, vimos ou fizemos, mas nunca nos demos conta de que outras pessoas fazem também. Por isso, quando eles são feitos de uma maneira que nós imediatamente nos sentimos conectados aos personagens, os quadrinhos fizeram um bom trabalho!”.

Por serem objetos de autoria coletiva, os memes podem não ser os quadrinhos

mais originais e artísticos que existem, mas são “brincadeiras” que unem uma cultura independentemente de nacionalidade ou geografia e constituem, definitivamente, um novo jeito de fazer quadrinhos.

Os quadrinhos acima fazem referência aos filmes Star Wars e O Rei Leão, à série de livros de Harry Potter, de autoria da escritora inglesa J. K. Rowling, e à falta de originalidade do próprio meme



Quando questionadas a respeito de seu quadrinho ter se tornado um hit de

uma hora para outra, Caroline diz que as duas “viam ocasionalmente [variações do quadrinho], mas só quando amigos começaram a mandar links ao longo de 2010, perceberam a dimensão da coisa”. 50

Angela acrescenta que ambas ficaram bastante animadas com o sucesso e diz 51

Produção

52

53



O mercado atual de quadrinhos

A migração das HQ’s das bancas para as livrarias e a segmentação do mercado valorizaram as histórias em quadrinhos

Nas décadas de 1930 e 40 – a chamada Era de Ouro dos quadrinhos –, os gibis

vendiam muito. As tiragens eram enormes e revistas como Action Comics e Detective Comics, nas quais eram publicadas as aventuras do Superman e do Batman, chegavam aos milhões de exemplares. Em mais de uma ocasião, a venda de gibis superou a procura por revistas como a Time. Entretanto, esse tempo áureo das bandas desenhadas passou.

Hoje, o mercado vive um momento peculiar: nas bancas brasileiras, apenas as

revistas da Turma da Mônica e os mangás continuam gerando um retorno financeiro positivo. Os gibis de super-heróis são cada vez menos procurados. Os principais lançamentos, as graphic novels mais interessantes e comentadas, têm chegado agora às livrarias, tendência observada no mundo inteiro, inclusive no Brasil.

Sidney Gusman, editor-chefe do site Universo HQ e chefe do Departamento de

Planejamento Editorial da Mauricio de Sousa Produções, tem uma explicação simples para essa mudança: “os quadrinhos voltaram a ser cult”.

Esta não é a primeira vez que os quadrinhos passam por um momento de

valorização. No começo dos anos 90, afirma Gusman, isso aconteceu com as revistas vendidas em banca; agora, está acontecendo nas livrarias.

Essa mudança no local de comercialização dos quadrinhos não é um fenômeno

completamente novo, no entanto: a França e a Bélgica, dois dos maiores mercados consumidores de quadrinhos do mundo, lançam HQ’s em livrarias há algum tempo. No Brasil, a pioneira dessas edições mais luxuosas é a Editora Conrad, responsável por lançar a série Sandman, de Neil Gaiman, e importantes mangás, como Gen Pés Descalços, de Keiji Nakazawa, para colecionadores mais exigentes. O editor Rogério de Campos compara a situação atual com o mercado de décadas anteriores: “na década de 1940, gibis vendiam cerca de 50 milhões de exemplares. A venda da Editora Shonen Jump, no Japão, até os anos 80, girava em torno dos 180 milhões de exemplares por semana. Agora, o que está acontecendo? As HQ’s deixaram de ser um segmento que tinha características muito industriais e se tornaram algo mais próximo da literatura”.

A valorização das bandas desenhadas se deve, principalmente, à quantidade de

boas HQ’s autorais sendo lançadas. “O quadrinho de autor está uma euforia. A coisa não está mais centrada em personagens, mas em autores” - diz Campos. Antes, as revistas eram compradas de acordo com o personagem na capa: o Wolverine, o HomemAranha ou o Batman. Agora, não importa tanto quem protagoniza a história, mas quem assina o roteiro. É uma mudança que começou na segunda metade da década de 1980, com o lançamento de Cavaleiro das trevas, de Frank Miller. Desde então, os autores passaram a ser cada vez mais valorizados dentro do mercado de quadrinhos; estão no mesmo patamar dos romancistas. Um exemplo claro é a FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty. Desde 2008, autores como Gilbert Shelton, Robert Crumb (ambos famosos por seus quadrinhos underground publicados nas décadas de 1960 e 70), Neil Tira de Raphael Salimena publicada no Portal UOL

54

Gaiman e até os brasileiros Gabriel Bá, Fábio Moon, Rafael Coutinho e Rafael Grampá 55

já fizeram palestras sobre

HQ’s

na

histórica cidade carioca, ao lado de escritores como Ferreira Gullar, Gay Talese

e

Antonio

Lobo Antunes.

As

histórias

em quadrinhos também

passaram

a

ser vistas como um poderoso aliado do ensino escolar. Para além do texto, os desenhos

despertam

o interesse dos estudante, que recorrem às adaptações em quadrinhos de clássicos da literatura. Recentemente, o governo brasileiro entendeu que esse era um recurso válido para incentivar os jovens a ler e passou a adotar adaptações e outras HQ’s 56

As versões em quadrinhos de clássicos da literatura ganham as bibliotecas escolares Impor a leitura de obras clássicas da literatura para alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio sempre foi uma decisão do governo que causou controvérsias. Embora a intenção seja formar jovens com uma boa bagagem cultural, o simples ato de tornar a apreciação do livro apenas uma obrigação para se sair bem em uma prova afasta os estudantes da leitura de maneira irreversível. Uma solução que o governo brasileiro encontrou para contornar essa dificuldade foi a adoção de adaptações em quadrinhos de obras como O guarani, de José de Alencar, ou Os sertões, de Euclides da Cunha, nos currículos das escolas públicas, como parte de um projeto chamado PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola). “Eles são um jeito fácil, legal e divertido de envolver os alunos e apresentar clássicos”, diz André Conti, editor do selo de quadrinhos da Editora Companhia das Letras. Quando o governo decide adotar uma obra, os pedidos chegam a quase 60 mil exemplares – um valor muito superior às próprias tiragens médias da maioria dessas obras, que costumam ficar entre 2 e 4 mil exemplares. Portanto, é um negócio extremamente lucrativo para as editoras, que garantem a venda de seus livros. Apenas em 2011, foram escolhidas 36 HQ’s para o PNBE. Dessas, 11 eram adaptações. Com esses programas, o gênero de quadrinhos que mais cresceu no Brasil nos últimos tempos foi justamente o das adaptações literárias. Os irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá, que adaptaram O Alienista, de Machado de Assis, contam que o apelo visual atrai o interesse dos jovens de hoje. Mas não só os jovens. A possibilidade de garantir a venda de algumas dezenas de milhares de unidades para o governo motivou muitas editoras a apostar nas adaptações. Os resultados são variados: algumas são muito boas (como as versões de Frankenstein e A ilha do tesouro, lançadas pela Salamandra, e A divina comédia, de Dante Aligheri, feita por Seymour Chwast, e publicada no Brasil pela Quadrinhos na Cia.), outras de caráter duvidoso.

como parte do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), desenvolvido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. “Isso mostra um reconhecimento por parte de algumas áreas influentes da sociedade, como professores e universidades, que passam a ver os quadrinhos de outra forma”, diz Waldomiro Vergueiro, pesquisador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP.

A oferta de boas histórias em quadrinhos de gêneros variados também aumentou.

É um processo que Gusman chama de “horizontalização”: “lá para 2007, começo de 2008, o mercado passou a ter títulos de vários gêneros, só que ele estava crescendo para o lado. Não existiam grandes campeões de vendas, o que significa que existia público para todos esses gêneros, mas faltava formar novos leitores. De lá para cá, o pessoal começou a consumir mais quadrinhos”. Hoje você consegue encontrar as famosas HQ’s de super-heróis, mas também existem relatos autobiográficos, histórias de amor, de terror, de suspense, retratos da vida em favelas ou diários de viagem. Nenhum deles chega a ser considerado best-seller, mas todos são consumidos por públicos específicos.

A procura por quadrinhos cresceu tanto que motivou grandes editoras brasileiras

(e também estrangeiras) a investir em arte sequencial. Em 2008, a Companhia das Letras, uma das maiores editoras do país, lançou seu selo de quadrinhos. “Já publicávamos HQ’s, mas queríamos aproveitar a variedade das histórias atuais. Criamos, então, um selo para ter livros juvenis, adultos, de tudo”, afirma André Conti, editor da Quadrinhos na Cia, responsável pela publicação de graphic novels nacionais, como Cachalote, de Rafael Coutinho e do escritor Daniel Galera, e estrangeiras, como a americana Retalhos, de Craig Thompson. A criação do selo fez com que outras editoras, até então afastadas do mercado de HQ’s, passassem a lançar bandas desenhadas. Um exemplo é a Barba Negra, selo da Leya, que já lançou histórias importantes, como Cicatrizes, de David Small. Outras editoras, como a Record, mesmo sem uma linha específica voltada para HQ’s, se preocupam em lançar graphic novels e adaptações literárias com alguma regularidade. 57

O público feminino passou a consumir mais HQ’s graças aos mangás e à Turma da Mônica Jovem, que oferecem uma opção às revistas de heróis

As editoras têm investido em graphic novels cujos roteiros se aproximam da literatura. Feitas para leitores que não têm tanta intimidade com HQ’s, atraem um público que frequenta livrarias



Embora a venda em livrarias tenha trazido vantagens para os quadrinhos, como um

acabamento mais caprichado das edições e o ingresso de editoras menores no mercado, que não teriam condições de bancar as grandes tiragens exigidas pelas bancas de jornal, ela tem seus pontos negativos. O principal é justamente a redução das tiragens, fator que eleva o preço das HQ’s. Enquanto em países europeus, tal como a França, a tiragem média de um livro é de 10 mil exemplares, grande parte das tiragens brasileiras médias são de 2, 3 mil exemplares. Campos ainda diz que a velocidade das vendas acaba sendo muito reduzida. Quando um gibi vai para a banca, ele é vendido rapidamente, pois o leitor acompanha uma série e se acostuma a comprar a revista todos os meses; no caso das livrarias, não existe essa rotatividade: as graphic novels são vendidas como livros, geralmente com narrativas que se encerram numa única edição. Os álbuns ficam expostos até que alguém compre.

Outro problema é a elitização dos quadrinhos. As bancas conseguem ser

democráticas de uma maneira que as livrarias não conseguem ser. “A classe C não vai à livraria”, diz Gusman. “É preciso incentivar de alguma forma a ida desse público às livrarias, ou fazer com que os trabalhos cheguem a eles de outro modo”. 58

Até o começo dos anos 90, meninos e meninas brasileiras de até 14 anos liam gibis da Turma da Mônica. Quando deixavam a infância para trás, os meninos passavam a ler histórias de super-heróis, mas as meninas não tinham opção. “Foi aí que os mangás começaram a ganhar mais espaço”, diz Sidney Gusman. “Elas encontraram nos mangás um quadrinho que falava diretamente com elas. Mas nem só meninas passaram a comprar as HQ’s japonesas. Todos aqueles que não queriam estudar 50 anos de cronologia dos personagens para poder entender o que se passava em um gibi do Superman comprado em uma banca aderiram à febre dos mangás. Contadas como novelas, ou seja, com um início, meio e fim bem definidos, e com um apelo emocional maior, as histórias japonesas conquistaram com facilidade o jovem recém-saído da infância. Mauricio de Sousa, em uma ousada tentativa de recuperar leitores que cresciam e abandonavam os gibis da Mônica, lançou, em julho de 2008, a série Turma da Mônica Jovem. Apresentando os personagens clássicos em versões adolescentes, desenhados com traços de mangá, a revista é uma das mais bem-sucedidas da Mauricio de Sousa Produções e foi o quadrinho mais vendido no mundo em 2011. A DC anunciou que Justice League #1, que havia vendido 200 mil exemplares, era o gibi mais vendido do ano. Mas a edição #34 da Turma da Mônica Jovem, em que Cebolinha e Mônica se beijam, vendeu 500 mil exemplares. A diferença entre a venda das duas revistas foi debatida pelo jornalista americano Rich Johnston em seu blog, Bleeding Cool. “Eu acho que a gente vai enxergar, daqui alguns anos, que, além de ter recuperado o leitor para suas revistas, o Mauricio manteve o jovem lendo quadrinhos, porque é muito mais fácil você migrar para outro gênero de HQ quando você lê até os 14, 15 anos do que quando você para aos 10”, diz Gusman. Waldomiro Vergueiro reforça a relevância de Mauricio de Sousa no mercado nacional, afirmando que, apesar de o leitor brasileiro estar muito voltado para os quadrinhos importados, o público infantil tem uma grande ligação com a produção brasileira por meio da Turma da Mônica. De acordo com ele, “85% da produção é Mauricio de Sousa”. Os gibis da Turma da Mônica continuam sendo os grandes vendedores em bancas de revistas. É um ponto fora da curva em um mercado de bancas que está em franco declínio. Em volume de revistas vendidas, Vergueiro compara a produção da Mauricio de Sousa Produções à das gigantes Marvel e DC Comics, nos Estados Unidos. “O Brasil nunca teve uma crise nos quadrinhos se você considerar que Mauricio de Sousa é quadrinhos. O país sempre vendeu muito quadrinho” – acrescenta Conti, da Quadrinhos na Cia. 59

Internet: distribuição democrática de quadrinhos?

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Economia da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, em 2005, “a distribuição dos livros no Brasil é feita de duas maneiras: vendas diretas das editoras ao governo e vendas diretas às livrarias em geral com a intermediação de empresas distribuidoras”. Ainda segundo o estudo, “os

Além disso, é geralmente mais fácil encontrar histórias clássicas em sites ilegais do que em lojas, especialmente no Brasil. Se a língua inglesa não for um impedimento, a oferta de histórias aumenta consideravelmente: com alguns cliques é possível baixar conteúdo da Espanha, França, Itália, Bélgica ou Argentina, apenas para ficar nos exemplos mais comuns.

distribuidores operam com uma margem de lucro de 10 a 15% do preço de capa, o que torna inviável remeter pequenas quantias para pontos distantes dos centros editoriais”.

Waldomiro Vergueiro, da ECA-USP, diz que a produção de quadrinhos

destinados às bancas está embasada em poucas editoras e ainda menos distribuidoras – apenas a Dinap e a Fernando Chinaglia (que, juntas, integram o grupo Treelog de logística e distribuição) com a adição de algumas distribuidoras menores, de atuação limitada. “Então, ou você faz uma produção muito grande para todo o país, que vai gerar um encalhe depois significativo, por volta de 70%, ou você faz um número menor e distribui em algumas pequenas praças selecionadas, de modo que você acaba concentrando a distribuição de quadrinhos no Rio de Janeiro, em São Paulo... muito mais na região Sudeste do país, onde você tem uma boa distribuição. No restante do país, a distribuição vai ficando muito capenga”.

Nesse contexto, a Internet veio ocupar a posição de uma grande distribuidora de

Página com link para download no website Avax Home, onde o internauta pode facilmente encontrar e baixar números antiquíssimos de clássicos das histórias em quadrinhos

histórias em quadrinhos, que independe de fronteiras e distâncias. Seja por vias legais ou ilegais, a rede já é o principal meio pelo qual os quadrinhos estão chegando às pessoas. A via legal são os sites e blogs de editoras e autores, que disponibilizam tiras e histórias para leitura online ou download. A gigante DC Comics, que lança as histórias de Batman e Superman, entre outros, zerou a contagem de suas revistas em setembro. Agora, todas as edições são lançadas no mesmo dia, em bancas, no iPad e na Internet. A Marvel desenvolveu um aplicativo para o navegador Chrome, do Google, em que é possível comprar e ler revistas digitais.

Já a via ilegal são os populares scans, o equivalente ao download ilegal de filmes e

músicas. As histórias da DC, vendidas oficialmente na Internet, podem ser encontradas em sites de pirataria, traduzidas para o português, poucas horas após o lançamento. 60



Gusman, em uma palestra ministrada em uma das últimas edições do Festival

Internacional de Quadrinhos (FIQ), evento gratuito que acontece em Belo Horizonte, disse que o fato de muitos fãs de quadrinhos terem aderido à prática do scan é uma “realidade irreversível”, que só pode ser minimizada por ações das editoras. As revistas de heróis, por exemplo, chegam ao Brasil com atraso de alguns meses. Se o leitor já conhece a história, talvez não sinta necessidade de comprar a edição em papel, que invariavelmente vem acompanhada de outras aventuras que ele não tem vontade de ler. Gusman sugere uma redução considerável no preço de gibis, sobretudo daqueles vendidos pela Internet, de modo a fazer com que o leitor monte as próprias revistas com as histórias que preferir. Ele também defende a criação de HQ’s para smartphones 61

e tablets (o que já vem sendo feito: o aplicativo Comixology oferece quadrinhos de grandes editoras, como DC, Marvel, Image e Dynamite, e de editoras menores, para serem lidas em tablets e celulares). “Está começando a surgir um mercado novo. Isso vai acabar sendo uma renda alternativa para as editoras que continuarem publicando em papel”, afirma Gusman. No Brasil, algumas histórias já foram lançadas para iPad: a primeira foi Sábado dos meus amores, de Marcello Quintanilha, digitalizada pela Conrad. A Mauricio de Sousa Produções também já tem planos de fazer jogos e aplicativos que se adaptam à linguagem dos tablets.

Ainda pouco explorados, sobretudo pelo mercado nacional, os tablets como o

iPad possuem vários recursos que possibilitam construir e contar histórias de maneiras inovadoras. O aparelho é sensível ao movimento, possui gravador de voz, bússola, câmeras, sensor de posicionamento global, entre outros. Contudo, são poucas as HQ’s feitas para o iPad e menos ainda aquelas que exploram o potencial do aparelho. Em geral, a interação máxima permitida é dar um zoom na página ou em uma cena específica, com a leitura feita quadro a quadro.

Além dos recursos de interface, os tablets oferecem vantagens de ordem prática

em relação às coleções tradicionais de quadrinhos: séries completas podem ser compostas por dezenas, às vezes centenas de exemplares. Reuni-las exige um grande espaço físico; nos tablets, é possível carregar todas essas coleções facilmente: cada edição avulsa ocupa, em média, de 20 a 40 megabytes. Edições e álbuns especiais, que reúnem arcos completos de histórias, chegam a 120 megabytes. Em um iPad de 64

As editoras e a Internet

No Brasil, o meio digital ainda é encarado com certo distanciamento, de maneira

que a publicação de quadrinhos continua a se orientar pelo papel. O objeto físico livro, que os leitores podem pegar na mão e folhear, legitima o trabalho tanto do artista quanto da editora. “Na web, a coisa está no éter; todo mundo vê, todo mundo gosta, mas é legal ver no papel”, diz Gusman. Campos concorda, afirmando que as pessoas só dão valor para algum quadrinho depois que ele ganha uma versão impressa.

Entretanto, a entrada das grandes editoras no mercado digital mostra que elas

estão descobrindo, aos poucos, como a Internet e as novas tecnologias de maneira geral podem ser um espaço lucrativo de publicação. Até o momento, tem sido um diálogo tímido: alguns editores começam a ver a rede como fonte de trabalhos de qualidade.

Gusman cita o exemplo de Caeto. O cartunista paulistano publicava seus

quadrinhos e ilustrações em um blog na Internet até ser convidado a lançar um álbum, o Memória de Elefante, pela Quadrinhos na Cia. O mineiro Orlandeli lançou a série de tiras (SIC), publicada originalmente em seu blog, pela Conrad.

Também Will Leite, do blog Will Tirando (em que publica tiras, cartuns e pequenas

HQ’s), Estevão Ribeiro de Os Passarinhos e Eduardo Medeiros do Sopa de Salsicha foram alguns dos quadrinistas convidados por Gusman a participar do MSP 50, publicação da Mauricio de Sousa Produções que já conta três edições e apresenta coletâneas de histórias da Turma da Mônica no traço de 50 autores diferentes.

gigabytes, é possível guardar milhares de edições.

O maior desafio das HQ’s em tablet é ter que competir diretamente com as edições em

papel. Elas ainda atraem muitos colecionadores, em especial os mais antigos, que gostam de passar horas em sebos procurando por edições raras. A transição dos colecionadores de revistas em papel para os colecionadores de revistas digitais ainda está no começo, mas está acontecendo. “As editoras precisam provar para os aficionados que existem vantagens em guardar muitos megabytes de histórias em tablets” – afirma Youssef Mourad, presidente da Digital Pages, empresa especializada em transpor conteúdo impresso para tablets. 62

Tira do Mr. Kubo, publicada no blog do quadrinista Biratan, que também participou do MSP 50

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Gusman ressalta a importância da Internet para o mercado editorial contando

tiras, usando o exemplo específico do livro de Sica, é sempre um risco para a editora:

uma história que ilustra bem o momento pelo qual passa a produção de webcomics:

“em uma editora como a nossa, o Sica seria poesia, no sentido de que a gente publica

“me fizeram uma pergunta muito interessante: ‘você conseguiria fazer três MSP 50

menos poesia, porque poesia vende menos. A gente sabe que o Ordinário ia vender

há dez anos?’. Não, eu não conseguiria, porque eu não conheceria tanta gente do

menos que uma graphic novel, mas é algo controlado. E é importante para o selo abrigar

mercado nacional, porque eu li tudo na Internet!”.

toda essa variedade de produção”.



Há algum tempo, era muito complicado fazer o trabalho de um autor chegar

às mãos de um editor. O artista precisava visitar redações no país inteiro, gastar com passagens, hospedagem, ficar esperando pela boa vontade do editor em agendar um horário e realmente olhar seus desenhos. Era muito difícil conseguir ser publicado por uma editora. Hoje, a situação mudou muito: o portfólio dele fica disponível para o mundo inteiro e os próprios editores passam um tempo analisando novos autores. “Acho que todas as editoras de quadrinhos estão atentas à Internet. Eu tenho uma hora no meu dia para ficar rodando blogs de quadrinistas, ver o que os quadrinistas estão lendo – porque quadrinista lê muito quadrinista. É preciso ficar ligado”, diz André Conti.

A publicação dos quadrinhos de um blog popular, com público já estabelecido, é

uma aposta que compensa para as editoras. E, como já foi visto, a rede é especialmente favorável para quem trabalha com tirinhas. Rogério de Campos afirma que a Internet é o espaço por excelência da HQ cômica: “a maior parte do quadrinho da Internet é de humor, são tiras. E esse não é um formato que funciona muito bem em livro”. Conti concorda e explica: “é muito mais fácil vender graphic novels do que coletâneas de tiras. Como você transforma um negócio que está tão disperso, em um blog que a pessoa entra de graça, em um objeto que tem sequência e vale a pena ser lido?”. O editor da Quadrinhos na Cia. afirma que é preciso oferecer algo ao leitor para que ele sinta vontade de comprar um material que já está disponível em um blog ou na seção de tirinhas de um jornal. Não adianta apenas reunir toda a produção em ordem cronológica de publicação. O editor cita dois exemplos de coletâneas de tiras que deram certo: Rê Bordosa do Começo ao Fim, de Angeli, e Ordinário, de Rafael Sica, que reúne 110 tiras das 850 publicadas em seu blog. Conti ainda diz que a publicação de 64

65



Perspectivas para o autor brasileiro

Dos mercados estrangeiros aos sites de crowdfunding, nossos cartunistas têm encontrado cada vez mais maneiras de driblar dificuldades e se profissionalizar

Em entrevista cedida há alguns anos ao site Pop Balões, os gêmeos quadrinistas

Gabriel Bá e Fábio Moon disseram que “todo mundo é independente no Brasil, até quem publica em editora”.

Para editoras que publicam quadrinhos em banca, o dinheiro vem, na verdade,

da força da marca: “o gibi de super-herói em si não tem grande importância econômica; ele vale como potencial de licenciamento. Para a Warner, a DC Comics vale porque tem a marca Batman, a marca Super-Homem”, diz Rogério de Campos. Em relação à Mauricio de Sousa Produções, a editora que mais vende quadrinhos no Brasil, apenas 40% dos lucros são obtidos com a venda de gibis. Segundo Gusman, o resto vem do merchandising – produtos como bonecos de pelúcia, álbuns de figurinhas, jogos etc.;

Em alguns casos, ele recebe da editora um adiantamento, quando, por exemplo,

é chamado para trabalhar em um projeto novo. Esse adiantamento chega à metade do valor total que ele obteria com a venda da primeira tiragem, de forma que, se são impressas 4 mil cópias, ele só passa a ganhar por exemplar a partir do 2001º livro.

Um cenário desses valoriza os quadrinhos, mas significa um revés para os

quadrinistas, especialmente para aqueles interessados em trabalhar com gêneros que difiram de mangás, super-heróis e infantis.

As tiragens são pequenas, a infra-estrutura de distribuição, salvo exceções,

é problemática e o retorno da venda dos álbuns é mínimo, de modo que a vontade de produzir e de alcançar o maior número de leitores ainda se sustenta, basicamente, sozinha.

Nesse contexto, os quadrinistas brasileiros têm feito o que podem, contornando

as adversidades impostas pelo mercado, seja produzindo para o exterior, seja usando a Internet para divulgar e publicar material.

O mercado norte-americano: a trajetória dos irmãos Bá e Moon

recentemente, começaram a ser vendidos também pequenos bonecos, os Gogo’s, que os leitores da Turma podem colecionar e trocar. Nesse caso, roteiristas, desenhistas e



arte-finalistas recebem, geralmente, um salário fixo acordado com os estúdios.

começaram a fazer os primeiros quadrinhos na adolescência, copiando os estilos de



Já para os álbuns de livrarias, que, em princípio, não estão vinculados a nenhuma

desenho de revistas como a MAD e a Chiclete com Banana, publicação de quadrinhos

marca, o autor recebe por cada exemplar vendido: um valor que varia de 8 a 12% do

independente dos anos 80/90 que ajudou a projetar nomes como os de Laerte, Glauco e

preço de capa.

Angeli. Distantes das sagas de super-heróis e influenciados por séries de roteiros mais

Os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá nasceram em São Paulo, no ano de 1976, e

elaborados, a exemplo de Watchmen, e pela perspectiva de que as bandas desenhadas podem adotar tramas densas, os irmãos decidiram investir profissionalmente nos quadrinhos. Formados em Artes Plásticas, hoje, Bá e Moon são reconhecidos internacionalmente e têm histórias publicadas no Brasil, Estados Unidos, França, Espanha e Itália, além de uma coleção admirável de prêmios, dentre eles quatro Eisner Awards nos Estados Unidos (algo como o Oscar das HQ’s) e doze HQ Mix, troféu que premia publicações e trabalhos gráficos no Brasil. A tabela acima traz o percentual do preço de capa que compete a cada envolvido na produção e distribuição de um livro no Brasil. O autor fica com aproximadamente 10% do valor arrecadado na venda de cada exemplar. Fonte: A Economia do Livro: A Crise Atual e uma Proposta de Política (UFRJ, 2005)

66



Como eles conseguiram? O sucesso da dupla foi resultado de uma longa jornada

de trabalho, que teve início com a produção de fanzines, ainda nos tempos de colégio. 67

Moon conta que era difícil encontrar no

O 10 Pãezinhos contava já umas 15 edições

mercado nacional quadrinistas que fizessem

quando os gêmeos começaram a deixar

um trabalho diferente: “nos anos 90, fora a

cópias na Devir, que, àquela época,

Mônica, fora super-heróis, não tinha nada

funcionava apenas como uma loja e

sendo publicado em termos de quadrinho

distribuidora de quadrinhos, de forma que

brasileiro. Não tinha nenhuma editora

a tiragem do fanzine aumentou para 200

publicando, não havia espaço para artistas

exemplares, porque 100 eram deixados na

brasileiros; a gente não conseguia mostrar

atual editora. A ideia era dividir em partes

para as pessoas o que a gente queria fazer,

o enredo de O Girassol e a Lua, trama que

então fomos fazer fanzine porque era fácil:

os dois vinham bolando para o fanzine:

era só tirar xerox, grampear, dobrar”.

“a gente foi lá e disse ‘olha, a gente vai



O mais bem sucedido fanzine dos

fazer essa história em 7 partes, vocês não

irmãos foi o 10 Pãezinhos, que eles vendiam

querem distribuir?’ Então a gente deixava

aos amigos e colegas de faculdade e de

consignado lá e eles distribuíam”. Não

trabalho. “A gente fazia uma tiragem de

demorou muito até que eles começassem a

uns 100 exemplares por semana, com umas

receber cartas de todo o Brasil... Os donos

quatro páginas de miolo cada. A ideia era

de lojas especializadas em HQ’s iam pegar

produzir toda semana para que as pessoas

as revistas importadas na Devir e acabavam

se acostumassem a ler toda semana uma história nova. Cada exemplar custava 40

dando uma olhada no fanzine. Um deles

centavos para fazer e a gente vendia por 50, para ser barato. Se não vendesse os 100,

foi o Jotapê Martins, fundador da editora paulista Via Lettera, uma das primeiras a

vendia 80 que era o que precisava vender para pagar o custo” - explica Moon.

introduzir no Brasil quadrinhos de enredos mais sérios, voltados para um público

Daytripper, HQ dos irmãos Bá e Moon lançada nos EUA pela Vertigo e pela Editora Panini Comics no Brasil, foi o primeiro título brasileiro a ganhar um Eisner Award de “Melhor Série Limitada”



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Fanzines: uma prática necessária Bá e Moon admitem não ser grandes fãs de webcomics. O negócio deles é quadrinho impresso e eles acham que os novos quadrinistas não deveriam, de maneira alguma, se restringir ao espaço de suas páginas virtuais. A produção de fanzines, nesse sentido, é uma prática muito recomendada pelos irmãos: essas revistas são ótimas ferramentas de aperfeiçoamento de estilo e roteiro. Além do lado técnico, o processo contribui para criar uma visão comercial em relação à obra e à prática de publicação, pois leva o quadrinista a adquirir experiência com paginação, design, impressão, divulgação e venda.

Acima, edição comemorativa de O Girassol e a Lua, lançada em 2007 pela Via Lettera. O 10 Pãezinhos teve 40 números e valeu aos irmãos a publicação de mais alguns livros



que frequenta livrarias. Em 1997, Jotapê convidou Bá e Moon a juntar os capítulos de



O Girassol e a Lua e publicar. O livro em si, de 96 páginas, só saiu no ano 2000, mas os



irmãos souberam administrar o espaço conquistado dentro do mercado nacional de



quadrinhos: continuaram a publicar o 10 Pãezinhos, que lhes rendeu o prêmio HQ Mix



de “Melhor Fanzine” em 1999 – junto com o de “Desenhista Revelação”, ou, no caso, DesenhistaS – enquanto investiam em projetos paralelos.

Desde o início, os gêmeos se preocuparam em fazer com que as suas histórias

tivessem o maior alcance possível, por isso não se restringiram ao território nacional. 69

A primeira oportunidade de trabalhar em um projeto estrangeiro foi fruto de um

com que eles percebessem quão maior e mais amplo é o mercado norte-americano

contato feito numa viagem de férias aos Estados Unidos, ainda em 1996. Shane Amaya

independente perto do brasileiro: “a gente viu que tem bem mais tipos de quadrinhos

era estudante de Letras e havia desenvolvido um roteiro como trabalho de graduação:

e bem mais autores do que o que chegava aqui e que não era só super-herói, o que

tratava-se de uma adaptação de The Song of Roland ou A Canção de Rolando, poema épico

abriu nosso olho para possibilidades diferentes nos quadrinhos”.

medieval sobre uma batalha entre Carlos Magno e os mouros. “Um gostou do trabalho do



outro e a gente decidiu fazer o que acabou virando o Roland. Foi nosso primeiro trabalho

fora, os irmãos passaram 10 anos, entre 1997 e 2007, mantendo segundos empregos e

publicado nos EUA, que foi auto-publicado, porque nós ganhamos um incentivo de uma

pegando freelas: faziam ilustrações, storyboards, davam aulas de arte e trabalhavam como

fundação que patrocina quadrinhos independentes, mas a gente teve que pagar, digamos,

monitores em exposições. Enquanto saíam novos números do 10 Pãezinhos no Brasil, o

três terços. Mas o prêmio da fundação é bom, porque ele colocou duas propagandas na

que culminou na publicação do livro Meu Coração, Não Sei Por Que pela Via Lettera, em

Wizard [revista mensal norte-americana sobre o mercado de quadrinhos] e em outros

2001, Bá e Moon começavam a fazer os primeiros grandes contatos no exterior: “e aí

lugares, o que deu uma divulgada boa no trabalho” - lembra Bá.

surge um convite para a gente fazer uma historinha, colocar numa antologia, o que foi

No esforço de investir nos próprios projetos e publicar tanto aqui quanto lá

abrindo espaço para fazer histórias com outros autores, algo que podia também ampliar o nosso público”. A antologia Autobiographix apresenta histórias de grandes nomes das HQ’s, como Frank Miller e Will Eisner, e foi publicada em 2003 pela Dark Horse Comics, uma das editoras que mais publicam quadrinhos independentes nos Estados Unidos.

Roland – Days of Wrath, uma HQ de 4 partes publicada pela Terra Major com incentivo da Xeric Foundation, que premia projetos independentes. A saga ganhou tradução e foi lançada no Brasil, em forma de livro, pela Via Lettera, em 2006



2003: Bá e Moon conhecem Frank Miller e outros quadrinistas de peso; o lançamento de Autobiographix abre portas para novas parcerias. A foto foi retirada do blog dos irmãos

A partir de 1997, os gêmeos começaram a viajar para os Estados Unidos anualmente,

Con, realizada em San Diego, Califórnia. Além dos fanzines, levavam projetos e outros

sobre isso no blog 10 Pãezinhos: “em 2003, fizemos contato. Conhecemos o Frank Miller,

trabalhos independentes para apresentar ao público, a editores e outros quadrinistas

Neil Gaiman, sentamos na mesa da Dark Horse no Eisner Awards e fomos à festa de

durante os dias de convenção. Bá conta que essas idas frequentes a San Diego fizeram

encerramento da Convenção pela primeira vez. Em 2004, tínhamos nossa história no

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com intuito de participar da feira internacional de histórias em quadrinhos, a Comic

Depois da antologia, a carreira dos irmãos decolou nos EUA. Gabriel Bá escreve

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Autobiographix, o ROCK’N’ROLL [nova história do 10 Pãezinhos, publicada no Brasil

propriamente fontes fixas de renda.

pela Via Lettera], e publicamos o Ursula [adaptação de Meu Coração, Não Sei Por Que]



pela AiT/Planet Lar, onde começamos a conhecer uma nova geração de quadrinhistas,

Unidos. O Casanova eu nem recebia para desenhar... Mas, assim, era publicado pela

incluindo Matt Fraction, Brian Woods e Becky Cloonan. Em 2005, conhecemos o

Image, então ia ser o primeiro gibi com mais atenção, pois era um gibi mensal e foi o

pessoal do Flight [antologia que procurava destacar o trabalho de novos autores, com

que deu mais trabalho. Foi a primeira vez que a gente fez um gibi com esse ritmo de

a qual os irmãos colaboraram], Ursula foi publicada em italiano, o ROCK’N’ROLL pela

produção: fazer tantas páginas por mês, e aí no mês seguinte, no mês seguinte... Foi um

Image Comics [EUA], o Fábio publicou o Smoke and Guns [história feita com a roteirista

dos anos em que a gente mais trabalhou, 2006. A gente ainda estava fazendo ilustração.

Kirsten Baldock] e lançamos o Gunned Down numa nova parceria com o Shane e a

Mas, depois disso, veio o Umbrella Academy, o Sugarshock. E aí a gente começou a receber

Terra Major”. Já em 2006, enquanto produziam a adaptação de O Alienista no Brasil,

pelos trabalhos, deu uma aliviada; a gente parou de pegar ilustração para poder focar

os irmãos assinaram um contrato com a Dark Horse para publicar uma coletânea

nos quadrinhos” – conta Bá.

de pequenas histórias, De: Tales, e Bá se juntou ao roteirista Matt Fraction para fazer



Casanova, série originalmente publicada pela Image Comics e relançada em 2010 pela

Way, vocalista da banda My Chemical Romance, ganharam um Eisner Award pela série

Icon Comics, selo da Marvel.

The Umbrella Academy: Apocalypse Suite; Fábio Moon e Joss Whedon por Sugarshock, na

“A coisa foi mudar em 2007, quando a gente passou a trabalhar para os Estados

Em 2008, enfim, vieram os primeiros prêmios internacionais: Gabriel Bá e Gerard

categoria “Melhor HQ Digital” e, juntos, os irmãos ganharam um terceiro Eisner: o de “Melhor Antologia”, com o 5, feito em parceria com Becky Cloonan, Vasilis Lolos e o também brasileiro Rafael Grampá. O reconhecimento veio com o aumento gradativo das vendas: se De: Tales vendeu cerca de 5 mil exemplares ao todo, as histórias do primeiro arco de Casanova registraram uma saída de, em média, 5 mil exemplares por mês, e só a primeira revista de Umbrella Academy vendeu mais de 66 mil cópias.

Trabalhando, normalmente, com séries mensais, as grandes editoras norte-

americanas acabam exigindo que o quadrinista se dedique quase que exclusivamente à produção das sequências. Enquanto De: Tales, Ursula e as antologias eram histórias que seguiam prontas para as editoras, Casanova e os trabalhos seguintes – The Umbrella À esquerda, Bá segura a edição italiana de Ursula (foto retirada novamente do blog 10 Pãezinhos). À direita, capa do 1° número de Casanova



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Até então, Bá e Moon recebiam pouco, ou mesmo nada pelos trabalhos publicados.

Academy, a HQ digital Sugarshock e Daytripper, a primeira narrativa longa a contar com roteiro e arte dos irmãos –, além de terem sido publicadas por editoras maiores, foram histórias seriadas, cujos números saíam mensalmente, algo que não acontece no Brasil,

Tomar parte em antologias, relançar nos Estados Unidos e na Europa revistas do 10

onde o mercado menor acaba dando preferência ao formato livro/coletânea.

Pãezinhos e outras publicações independentes, ou firmar parcerias com roteiristas eram



mais maneiras de continuar no mercado e de chamar atenção para trabalhos do que

que crescem e se sustentam, no Brasil há leitores para tipos de mercado e segmentos

Bá e Moon explicam que, enquanto nos Estados Unidos há nichos de mercado

73

diferentes, mas não em grande quantidade. O brasileiro que lê, lê diversas coisas, dentre



elas histórias em quadrinhos. Seguindo esse raciocínio, Bá infere que a novidade no

HQ, uma figura que só agora começa a aparecer no cenário nacional e que, segundo

Brasil não é o quadrinista em si ou o estilo dele, mas o próprio quadrinho: “tem muita

Bá, “ainda não tem o mesmo envolvimento que os editores americanos têm (...) Quanto

gente que conhece nosso trabalho aqui por causa da tira, não leu nossos livros. Tem

mais trabalho editorial tiver, na parte gráfica, na história, no envolvimento do autor na

muita gente que lê a tira na Internet, nem sabe que sai na Folha, então isso é a única

produção da história antes de ela ficar pronta, melhor. Se o autor não tem auto-crítica

coisa que tem aqui: tem público de tira, tem público de quadrinho de banca e tem o

o suficiente, o editor tem que ter”.

público mais... aleatório, que é o que acaba comprando na livraria”.



Também o editor é muito importante para o processo de produção de uma boa

Nesse quesito, André Conti, editor de quadrinhos da Companhia das Letras,

discorda dos irmãos em um depoimento que vale a pena ler na íntegra: O Bá e o Moon estão nessa há mais de dez anos... Eles não estão acostumados com a editora a favor... Eles estão acostumados a, primeiro, pagar para publicar; depois, publicar por editoras sem receber adiantamento; depois não ter controle do processo editorial: não participar, não ver o livro pronto, não ver o papel, não participar da impressão, não estão acostumados com isso, porque, de fato, o mercado brasileiro começou a absorver o quadrinho independente nos últimos quinze anos, então no começo era mesmo complicado. Os caras foram meio heróis mesmo; [fazer quadrinho independente] era um investimento de risco, porque era uma coisa que não tinha público, então eu entendo a posição deles, esse negócio de ter as editoras jogando contra os quadrinistas... Ao mesmo tempo, e o que eles Quase Nada é o título da tira que os gêmeos publicam no blog e no jornal Folha de S. Paulo

não falam, é que, por exemplo, houve uma vez em que estávamos os três e eu discutindo com o Rafa Coutinho a capa do Cachalote. O Rafa estava enchendo o saco, porque

O investimento contínuo que editoras como a DC Comics, a Marvel, a Dark Horse

eu tinha recusado pela quinta vez a capa e ai o Bá olhou para mim e falou ‘cara, você

fazem no quadrinista contribui para sua profissionalização e é uma das diferenças

recusou uma capa?! Eu nunca tive uma capa recusada’, e disse isso como se fosse uma

mais sensíveis que os irmãos apontam entre os mercados nacional e o norte-americano.

coisa negativa. Ele nunca teve um editor que dissesse para ele ‘isso aqui está ruim, faça

Para fazer Daytripper, por exemplo, Moon conta que foram dois anos de produção

outra’. O editor recebia a capa, falava ‘vai, está ótimo, toca’. Então... As editoras estão

remunerada, fora o tempo que os irmãos passaram trocando e-mails com Bob Schreck,

mudando. Não dá para falar que o Lobo [da editora Barba Negra] não é um bom editor;

editor da Vertigo, antes de fechar contrato: “a gente teve o tempo que precisava para

o Lobo é um baita editor: tem a maior noção do livro, do objeto, de como vender, de como

ter material suficiente pronto para não atrasar e acho que isso só aconteceu porque a

chegar na imprensa, ele é um puta editor de quadrinhos. Talvez não existisse uma figura

gente estava na Vertigo. Eles davam essa base: ‘vai trabalhando, a gente está investindo,

como ele há 10 anos. Tinha o Toninho Mendes, que era um visionário, vendia 100 mil

uma hora começa a produzir’.”.

quadrinhos e fazia revistas e sabia se meter com a Dinap, com distribuidora... Não acho



74

75

que todo quadrinista seja independente. Eu leio todos os roteiros dos meus quadrinistas

A Internet para os bem-aventurados

200 vezes se precisar; a Cachalote eu lia no estúdio; o Memória de Elefante, eu ficava tardes lendo com o Caeto o roteiro em voz alta, acertando, mudando coisa de ordem...



Assim, o que o quadrinista brasileiro tem que fazer e faz muito bem é isso: o Bá e o

distribuir quadrinhos. Se mesmo quem já tem nome consolidado no mercado a utiliza para

Moon viveram dez anos, vamos dizer, independentes, criando público; eles cultivaram

divulgar novos projetos e aumentar o contato de internautas com trabalhos já publicados,

esse público e falam diretamente com esse público pelo Twitter e pelo blog, então o que

a exemplo do que fazem Laerte, Angeli e outros cartunistas, os autores que começam a

eles fazem é continuar isso: é não depender de editora para vender os próprios livros. Eu

produzir atualmente não o fazem sem manter, pelo menos, um “depositário” virtual.

admiro, acho do caralho que eles façam isso, mas eles têm muito preconceito com editor



e editora... Agora é que tá passando um pouco.

download pago; não é a maneira mais profícua de ganhar algum dinheiro a partir

A custo zero, a web se mostrou uma ferramenta economicamente eficaz para

Existem autores independentes que disponibilizam HQ’s no formato pdf. para

de histórias com as quais o público ainda não tem muita intimidade. Além disso, a

Da mesma maneira que os gêmeos, outros quadrinistas ganham a vida trabalhando

quantidade de scans e de quadrinhos publicados gratuitamente em sites tem mais apelo

para mercados estrangeiros. Marcello Quintanilha, que, recentemente, lançou pela

junto aos leitores do que as páginas pagas de um gibi desconhecido... A realidade é

Editora Conrad os álbuns Sábado dos meus amores e Almas públicas, mora na Espanha

essa: a Internet é o reduto do conteúdo gratuito.

desde o começo dos anos 2000 e faz desenhos e tiras para vários jornais europeus, além



de publicar pela editora belga Le Lombard. Outro exemplo é o desenhista freelancer

publicar textos e quadrinhos em 2001. Com o tempo, ele registrou o domínio malvados.

Ibraim Robersom, que mora no Paraná e trabalha com arte e ilustração para a DC

com.br e passou a utilizá-lo para postar as tiras Os Malvados. As tiras atraíram uma

Comics e a Marvel.

legião de fãs que deram visibilidade ao trabalho de Dahmer. Para surpresa do autor,



Nesse sentido, a Internet veio facilitar a comunicação entre editores, artistas e

que não acreditava que elas pudessem agradar ao público fora da rede, logo surgiram

mesmo leitores de diferentes nacionalidades. O primeiro trabalho de Quintanilha para

convites para publicar em importantes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, além

a Lombard, o álbum La Promesse (A Promessa) que integra os sete álbuns da série Sept

de revistas e grandes portais de acesso na Internet. Em 2005, foi lançada pela Editora

Balles Pour Oxford (Sete Balas Para Oxford), foi feito inteiramente no Brasil entre 2002 e

Gênese a primeira antologia, Malvados, sendo que a iniciativa partiu da editora.

2003. Com a Internet, ele trocava e-mails e sketches com a editora e os dois outros co-



autores da história, os roteiristas argentino Jorge Zentner e o espanhol Montecarlo.

o sucesso para investir em algumas carreiras paralelas: se arriscou como escritor,

Robersom faz a mesma coisa, assim como os irmãos Bá e Moon, que não abdicam da

fotógrafo, pintor e foi dar aulas de desenho. Além disso, ele também administra a

ideia de continuar vivendo em São Paulo.

MalvadosCorp, loja virtual onde o leitor encontra à venda desde camisetas, fotografias,



pinturas, desenhos originais até cinzeiros dos Malvados.

76

Além de uma facilitadora, a rede também tem sido ela própria um espaço de

O carioca André Dahmer, já mencionado aqui, começou a usar a Internet para

Dono de uma das maiores audiências da Internet no Brasil, Dahmer aproveitou

publicação. Muitos webcomics começam a atrair e formar verdadeiras multidões de



leitores, algo que torna as páginas virtuais um investimento cada vez mais interessante

os quadrinhos como uma atividade que daria vazão a algumas reflexões - bem

para os quadrinistas.

amargas, por sinal. Formado em Desenho Industrial, ele aplicou a fórmula a tiras de,

Dahmer, no entanto, nunca pretendeu virar um quadrinista; ele sempre entendeu

77

geralmente, três quadros e personagens que pudessem ser desenhados com rapidez. Os

A maior parte do lucro gerado por essas páginas vem da publicidade. No geral, são

Malvados viraram propriamente um trabalho quando começaram a dar algum retorno:

três os principais tipos de anúncios online que podem gerar receita para os blogueiros

publicar as tiras, as antologias, o livro de poemas, vender produtos relacionados aos

profissionais, ou “probloggers”:

quadrinhos, ceder espaço para anúncios no site, expor em galerias, abrir cursos de

1) pay-per-click, também conhecido como “custo por clique” (CPC): o anunciante paga

desenho foram todas alternativas naturais, frutos de um negócio que inesperadamente

ao blogueiro toda vez que alguém clica no anúncio;

cresceu e que, como em boa parte dos casos que tivemos a oportunidade acompanhar,

2) pay-per-impression, conhecido no Brasil como “custo por mil impressões” ou “custo

ainda representa uma grande incerteza para produtores de conteúdo online no geral.

por mil” (CPM): o anunciante paga ao blogueiro pelo número de vezes que o anúncio aparece no blog, seja ele clicado ou não. Geralmente, é estipulado um valor a ser pago por mil visualizações. 3) pay-per-action, ou “custo por ação” (CPA): o anunciante paga ao blogueiro toda vez que alguém clica no anúncio e executa alguma tarefa, por exemplo uma busca.

Para atrair leitores e, consequentemente, mais visualizações e cliques, esses

blogueiros não só atualizam uma ou mais páginas regularmente, como também efetuam amplas pesquisas de mercado atrás de nichos de conteúdo relevantes e preferencialmente originais. Eles se especializam no monitoramento de acessos e incrementação de blogs: Abrir um blog e ganhar dinheiro a partir do conteúdo veiculado nele são pontos

estudam técnicas de otimização de mecanismos de buscas (conhecidas como “SEO” -

diametralmente opostos numa mesma escala. Se há profissionais que conseguem

Search Engine Optimization) e sistemas de patrocínio; fazem um trabalho de divulgação

viver de posts, a exemplo do que acontece com brasileiros como Carlos Cardoso do

com ajuda de redes sociais e procuram ser linkados por sites grandes.



Contraditorium, Andersson Quegi do Anderssauro e Edney Souza do Interney, também alguns quadrinistas têm começado a investir nas suas páginas virtuais com intuito de realmente faturar alguma grana em cima delas e não apenas alimentar um hobbie, um portfólio – e, se for o caso de alguma editora se interessar, tanto melhor.

Professional blogging e publicidade

O “professional blogging” ou “problogging”, nome dado à prática de trabalhar

profissionalmente com a atualização de blogs, é uma atividade cada vez mais recorrente na Internet e, apesar de não implicar necessariamente uma renda, é comum o termo vir associado a quem ganha dinheiro por meio da gestão de um ou mais sites. 78

79

O PVP é um webcomic voltado para um público que curte videogames. Criada em 1998 pelo estadunidense Scott R. Kurtz, a tira fez sucesso e Kurtz aproveitou para ir incrementando o site: se, inicialmente, ele postava apenas quadrinhos, hoje em dia o PVP é um portal com tiras, textos, vídeos e, claro, anúncios publicitários direcionados. Quando alguém acessa o site de um computador do Brasil, por exemplo, além de pelo menos metade dos banners e links aparecer em português, os anúncios trazem ofertas de eletro-eletrônicos, celulares e consoles de videogame.

Merchandising, outro aliado

Em geral, os quadrinistas levam mais tempo para produzir quadrinhos do que os

blogueiros usuais levam para subir conteúdo em texto ou vídeo em seus sites, por isso, Na página anterior, a tabela de valores para anunciantes do site Anderssauro; acima, os valores cobrados por Dahmer para veicular banners à página dos Malvados

Publicidade contextual Numa era em que a Internet constitui um portal para infinitos assuntos e interesses, as agências de publicidade e marketing de web têm investido no desenvolvimento de ferramentas capazes de direcionar os internautas para propagandas que se aproximem dos interesses deles, de forma que os blogs passam a contar com anúncios relacionados aos posts da página. Um dos programas mais populares é o Google AdSense; gratuito, ele permite que o blogueiro inscreva seu site e comece a vincular links patrocinados por anunciantes cadastrados no Google. Esses links são selecionados, geralmente, por meio de análises de conteúdo e palavras-chaves e o pagamento é feito com base em cliques ou no número de visualizações. Outro programa bastante indicado por blogueiros brasileiros é o HotWords. A dinâmica de funcionamento é basicamente a mesma do AdSense, só que com uma pequena diferença de display: as palavras-chaves do site são destacadas e, quando o usuário passa o mouse sobre elas, aparecem anúncios. Cadu Simões, quadrinista criador da página do Homem Grilo e usuário do AdSense, chama atenção, em seu blog, para um pequeno inconveniente: “o sistema dele [do AdSense] é muito bom em analisar textos, mas não imagens, como é o caso de uma hq. Uma forma de contornar esse problema é colocando palavras-chaves na tag “alt” da sua imagem [um código HTML utilizado para inserir um texto que identifica a imagem e faz com que seja encontrada pelos buscadores] para que o AdSense possa entender sobre o que ela é, mas a eficiência disso não é tão grande quanto num texto puro”. 80

a não ser que o autor se entusiasme a ponto de trabalhar outros assuntos e formatos na página, a exemplo de Kurtz, continua sensivelmente menor o número de autores de quadrinhos com blogs otimizados. Além do mais, não só alguns autores ainda alimentam certos preconceitos com relação à veiculação de publicidade, como também a procura por entretenimento e informação na forma de textos e vídeos ainda é mais visada pelo público do que HQ’s, de modo que os quadrinistas de web que desejam prosperar acabam investindo em merchandising – a divulgação e venda de produtos licenciados pelas “marcas” criadas a partir de suas sagas e personagens digitais.

Os estadunidenses Matt Melvin, Rob DenBleyker, Kris Wilson e o irlandês Dave

McElfatrick criaram o site explosm.net em 2004 e começaram a postar as tiras do Cyanide and Happiness em 2005. Com personagens-palito e um humor nonsense, a série virou febre mundial na Internet (só em 2006, a página registrava mais de um milhão de acessos diários). O sucesso foi tanto que começaram a aparecer na rede sites dedicados a traduzir as tiras - tal como o já citado Cianeto e Felicidade.

Apesar de desenvolverem constantemente propagandas para a televisão e de

terem esgotado o estoque dos dois livros já publicados pela Editora HarperCollins, Dave McElfatrick diz que o lucro em si vem do website: “imprimir está ficando cada vez menos importante hoje em dia, com a influência da Internet – merchan é 81

definitivamente o caminho a seguir. A maior parte do nosso dinheiro vem disso e dos

do cartunista: “nunca levei elas [as tiras] profissionalmente a sério, colocava no ar

anúncios publicitários do site. É uma bênção”. A loja virtual do Cyanide and Happiness

por esporte; acabou que, semana após semana, a visitação começou a aumentar e não

conta com camisetas, pôsteres, bichinhos de pelúcia e aplicativos para iPhone e iPad.

parou mais”.



Quando algumas tiras foram publicadas no blog de entretenimento Jacaré

Banguela, as visitas ao Sábado Qualquer subiram de 50 para 700 diárias. Ruas, então, percebeu que poderia levar o blog mais a sério: “após ter colocado anúncios e ter uma média de 30 mil visitas diárias, os leitores começaram a pedir o Deus de pelúcia. Fiz uma enquete para ver quem realmente compraria, mais de 2 mil disseram que sim. Então resolvi arriscar, peguei dinheiro emprestado e apostei tudo! Deu certo! É claro “Bulimia: duas vezes o gosto, nenhuma caloria”: estampa de camiseta do C&H, vendida a U$ 17,95



Boa parte da prática do merchandising envolve parcerias. A Content House,

empresa especializada em criar conteúdos de entretenimento com objetivo de fazer propaganda de marcas e serviços, desenvolve os aplicativos do Cyanide and Happiness e os disponibiliza a U$ 0,99 no iTunes. Geralmente, 30% da receita gerada pelos downloads pagos fica com a Apple e o resto vai para o desenvolvedor; no caso, os autores e a Content House acordam os valores que cada um irá receber.

Aqui no Brasil, além do Dahmer, que, em entrevista ao site especializado em

quadrinhos Bigorna, alegou ficar com 65% do custo dos produtos que vende, outro quadrinista de web que se destaca na tentativa de sobreviver às custas da própria página e de produtos licenciados é o designer Carlos Ruas, criador das tiras simpáticas do Um Sábado Qualquer. Inicialmente, o blog simplesmente dava vazão a um hobbie 82

que eu não ia parar por aí, fui fazendo os outros produtos com o lucro do anterior, uma coisa foi levando a outra”.

Para fazer o Deus de pelúcia, Ruas fez parcerias com empresas e fornecedores,

um investimento de mais de 10 mil reais: “por ser fábrica [ele não especificou qual], tem que ser em grande quantidade; na primeira leva de Deus de pelúcia, foram feitas 1200 unidades. Consegui um custo de 18 reais por unidade. Mas é preciso ter dinheiro: ou vai guardando com o tempo, ou convence alguém com grana a investir em você, como foi o meu caso”.

Apesar de ainda pegar “uns trabalhos por fora”, Ruas garante que o negócio Um

Sábado Qualquer tem crescido e que o objetivo dele é viver exclusivamente da renda do blog: “acredito que mais um ano e eu alcanço essa meta (...) os quadrinhos pegam a maior parte do tempo; passo quase toda a manhã tendo ideiais, à tarde passo a desenhálas. A loja tem sido um grande problema pois também está pegando metade do meu 83

dia. Como não quero perder tempo de criação, estou para contratar um estagiário”.

realiza impressões sob demanda a baixos custos e parte do conceito de self-publishing,



Recentemente, Ruas publicou sua primeira coletânea. Com 200 tiras mais um

uma prática em que o autor é responsável pelo lançamento do próprio livro. “Não

especial de 20 páginas, o livro foi lançado pela Editora Devir na última Bienal do Rio

procurei editora alguma. Sou péssima gerenciadora do meu trabalho, entrei para o

de Janeiro.

concurso porque eles bancariam a impressão” – conta Clara.

Para quem não tem editora e quer publicar: concursos online e outros “facilitadores”

O concurso, que já está na segunda edição, premia o vencedor de cada categoria

com o Registro Oficial do Livro na Biblioteca Nacional (ISBN); distribuição do livro nas principais livrarias online do país; divulgação na imprensa; eventos de lançamento



Publicar livro ainda é uma

e royalties nas vendas. A antologia Bichinhos de Jardim conta com mais de 200 tiras em

espécie fetiche entre quadrinistas.

124 páginas: são 20 páginas em cor, o resto em preto e branco, fator que barateia a

“O livro é a materialização do

impressão.

trabalho, um sonho de infância,



uma peça para colecionar” –

encontra dificuldades para divulgar o seu gibi e distribui-lo. É nesse contexto que

explica a também designer Clara

entram em cena alguns “facilitadores”, termo que o Sidney Gusman usa para definir,

Gomes, autora das tiras Bichinhos

no caso, grupos de autores independentes que buscam ajudar uns aos outros com a

de Jardim.

divulgação, distribuição e impressão de revistas.

Além dos custos para imprimir, o autor que se auto-publica frequentemente

Ela já publicava os Bichinhos

O Coletivo Quarto Mundo tomou forma em 2007, quando alguns autores

no jornal carioca Tribuna de

independentes se reuniram para discutir maneiras de ganhar visibilidade no mercado

Petrópolis desde 2001, quando, em

nacional. Munido da vontade de participar dos principais eventos de quadrinhos do

2006, decidiu expandir o trabalho

país e de fazer com que suas revistas chegassem a mais pontos de venda, o grupo foi



e criar um portfólio na rede; começou passando para algumas pessoas e fazendo

se articulando, sobretudo pela Internet, e ganhando cada vez mais integrantes.

contato com outros blogueiros, mas “tudo de maneira bem amadora”, confessa.





O site foi crescendo, ela abriu uma loja virtual, começou a comercializar pelúcias

no que diz respeito a diretrizes que de fato tornam os quadrinhos independentes mais

e colaborar em outras publicações, no entanto a oportunidade de ver uma coletânea

acessíveis; o grupo agrega cinquenta e dois cartunistas e outros tantos colaboradores

das tiras impressa só apareceu em 2009, quando ela cadastrou o Bichinhos no BlogBooks,

em todo o Brasil, que se organizam em núcleos de atuação específicos, de forma a

um concurso virtual que premia os melhores blogs do país em 12 categorias, dentre

gerir da maneira mais eficiente possível as etapas de publicação e venda das revistas:

elas “quadrinhos”.

desde a divulgação – embasada na manutenção do blog, produção de informativos e

O BlogBooks é um selo criado pela Singular Digital, segmento de tecnologia

releases que apresentem o trabalho do grupo para a mídia e para os internautas – até

do Grupo Ediouro Publicações. De acordo com o site da iniciativa, eles assumem o

a distribuição efetiva dos quadrinhos. “O Quarto Mundo tem o seu próprio esquema

compromisso de “conectar o mercado editorial à rica blogosfera nacional”. A Singular

de distribuição, fugindo do cartel formado pelas poucas distribuidoras que existem.

84

Atualmente, o Quarto Mundo é considerado uma das iniciativas de maior destaque

85

A ideia é que cada cidade tenha o seu membro-distribuidor. Ele receberá material do

é garantir e preencher estandes com toda a sorte de quadrinhos independentes.

grupo e deixará em consignação diretamente nas bancas e comic shops de sua cidade”



– é o que explicam os quadrinistas Edu Mendes e Leonardo Melo, num dos primeiros

como Ângelo Agostini, DB Artes, Bigorna e HQ Mix, Gusman afirma que o coletivo deu

posts a esquematizar o sistema de ação do coletivo.

uma retraída no último ano, por conta da saída de alguns membros. Daniel Esteves,

Apesar de já ter recebido alguns prêmios importantes desde a sua fundação,

integrante ativo do Quarto Mundo, explica em entrevista cedida ao site da Feira Internacional de Quadrinhos (FIQ) de 2011: “o grupo sempre foi uma entidade viva e sujeita a mudanças. O modelo criado no início, de troca de revistas entre participantes do coletivo, foi abandonado pouco tempo depois pela tentativa de montagem de uma distribuição nacional dos títulos entre artistas que participam do grupo. E esse é um momento em que o Quarto Mundo passa por certo marasmo, vindo principalmente de grande parcela dos seus membros que não enxergam a necessidade de pró-atividade para fazer o grupo andar. Se as pessoas simplesmente esperarem que os outros façam por elas o grupo está destinado à extinção, como até muitos quadrinistas chegam a vaticinar, sem entender que o Quarto Mundo é uma iniciativa que pode se manter paralela a outras atividades de cada um. O que se discute muito no momento é uma tentativa de simplificar o grupo, visto que não conseguimos alcançar certos objetivos por conta da dedicação de apenas pequena parcela dos membros”.

Em um projeto da magnitude do Quarto Mundo, é difícil administrar as ideias e

o compromisso de todos os integrantes, algo que, inevitavelmente, provoca rupturas. Algumas revistas recebem maior destaque no grupo, porque reuniram colaboradores de fora e se transformaram em investidas totalmente paralelas. É o caso, por exemplo, da publicação Café Espacial, que está na 10ª edição e já conta com site e estratégias de produção, divulgação e distribuição próprias.

São mais de 60 publicações sob o selo Quarto Mundo, sendo que o preço da



A prioridade de algumas iniciativas em detrimento de outras é uma trajetória

maior parte das revistas varia de R$ 1,00 a R$ 7,00. Devido ao caráter diletante das

natural dentro de um grupo cujo envolvimento dos participantes difere em vários

produções, que não seguem qualquer tipo de critério editorial, a periodicidade e até

graus. Para os quadrinistas que têm um trabalho mais bem elaborado, no entanto,

mesmo a qualidade dos lançamentos ficam meio comprometidas. O grupo se esforça

ainda pode ser mais interessante tentar usar a Internet para divulgá-lo e encontrar

para reunir e publicar o maior número possível de materiais novos antes de grandes

alternativas para financiá-lo.

convenções de quadrinhos, mas não está lá para julgar se são bons ou ruins: o objetivo 86

87

Crowdfunding

mas não houve retorno, de modo que os dois passaram a pensar em alternativas de publicação que não interferissem na qualidade do material. Foi quando eles decidiram

Os mineiros Luís Felipe Garrocho, formado em História, e Eduardo

cadastrar o Achados e Perdidos no Catarse, uma plataforma de financiamento colaborativo:

Damasceno, ilustrador, sempre gostaram de HQ’s. Em setembro de 2010,

“feitos os orçamentos, a soma impressão do livro + CDs deu 25 mil reais [23 mil destinados

decidiram arriscar e abriram o blog Quadrinhos Rasos, cujo mote é fazer quadrinhos

aos livros e 2 mil, à gravação dos CDs] para mil edições. 25 reais por edição, que é o

a partir de letras de músicas. Com menos de 4 meses de existência e um trabalho

preço que cobramos por ela no Catarse (...) Qualquer um pode ir lá, colocar um projeto e

de divulgação que se restringia a links compartilhados entre amigos no Twitter

pedir investimentos de amigos e desconhecidos para que seu sonho tome forma. Caso o

e no Facebook, o site alcançou um total de mais de 10 mil visitas. Os dois, no

projeto não atinja a quantia necessária, o dinheiro é devolvido para aqueles que deram”.

entanto, ainda não têm planos concretos para otimizar a página: “anúncios não



são muito o nosso estilo, pois estragaria a leitura do site com muita informação

de R$ 30.834,00 em caixa. Para tanto, os dois investiram muito na divulgação do blog

visual.Produtos como pôsteres e camisas estão sempre sendo pensados, mas

e do projeto via mídias sociais: além de possuírem eles próprios Twitter e Facebook,

acabam não saindo muito do papel. Eu acredito que um dia ainda existirá uma

abriram perfis com o selo Quadrinhos Rasos e se empenharam em conseguir links de

loja do Quadrinhos Rasos que venderá algumas coisas que acharmos interessantes,

quadrinistas, músicos, editores, professores e sites especializados em quadrinhos com

mas isso deve demorar um bocado ainda” – explica Garrocho.

grande número de leitores/seguidores.



Felizmente, 573 pessoas colaboraram e a história foi financiada com um total

Ver Figuras 3, 4 e 5



Além do blog, os dois amigos vêm trabalhando num projeto intitulado

Achados e Perdidos, a história de um garoto que, um dia, acorda com um buraco negro na barriga. Norteados pelo sucesso da combinação de quadrinhos e música, eles decidiram que a narrativa contaria com uma trilha sonora própria e, por isso, convidaram o músico Bruno Ito a gravar um CD especialmente para ela.

Garrocho diz que o plano sempre foi fazer um álbum em cores. “A ideia de

fazer o Achados e Perdidos em papel vem da lógica de tentar atingir o maior número de pessoas que pudermos. Nós queremos que não só os leitores, mas seus filhos, pais, avós e vizinhos possam pegar o livro emprestado e ler, e o CD e ouvirem, se quiserem. Claro que, para que esse acesso seja completo, nós vamos sim lançar uma versão digital, porém ela deve demorar um pouco”. 88

O projeto chegou a ser enviado para editoras e concursos, no exterior e no Brasil, 89

Figuras 3, 4 e 5 (ler na vertical)

Figura 3 90

Figura 4

Figura 5 91



Apesar de estar mudando gradualmente, o Brasil ainda apresenta um

mercado incipiente de histórias em quadrinhos: pequeno, segmentado, com poucas editoras e poucos lançamentos. As soluções encontradas por estes e outros autores são dignas de notabilidade: é preciso muita vontade e trabalho árduo. Gabriel Bá insiste que o mais importante é a dedicação pessoal do artista: “tem que ter um esforço pessoal. Não é só ‘ah, eu quero desenhar quadrinhos, quero ganhar dinheiro fazendo quadrinho’. É ‘eu quero fazer quadrinho de qualquer jeito, tenho que fazer funcionar, só depende de mim. O que eu faço para funcionar?’”.

Nesse sentido, a mídia tem um papel fundamental na divulgação de novas

publicações e quadrinistas. A questão não é simplesmente pautar lançamentos de prestígio e diversificar o conteúdo das páginas dos cadernos culturais; é, sobretudo, inserir definitivamente as HQ’s no cotidiano dos leitores, ampliando o contato deles, se possível, com a produção nacional.

92

93

uma nota que eu coloquei no Universo HQ. 40 exemplares não é quase nada, mas para

Os quadrinhos na imprensa

Com a valorização dos quadrinhos e uma quantidade maior de lançamentos, a imprensa passou a acompanhar mais de perto o mercado de HQ’s

Há apenas alguns anos, o único espaço destinado aos quadrinhos em um grande

jornal era a página das tiras. Não havia nenhuma tradição de resenhar lançamentos, analisar obras ou acompanhar o que acontecia no mercado. Agora, uma grande mudança começou a se instalar na imprensa cultural: com a quantidade de títulos lançados pelas editoras, o capricho nas edições, o espaço cada vez maior que as HQ’s ocupam em livrarias e a onda de produções cinematográficas baseadas em quadrinhos, as resenhas de graphic novels passaram a dividir o espaço destinado às resenhas literárias nas páginas dos jornais.

“Hoje qualquer quadrinho que sai tem resenha no jornal. Antes não era tão assim”, diz

André Conti, editor do selo Quadrinhos na Cia. “O quadrinho está se tornando uma coisa mais natural para o leitor, para o livreiro, para o editor e para o jornalista”, afirma Conti.

É possível notar que a cobertura de notícias relacionadas à banda desenhada

ainda está em um momento de transição. A cobertura feita na Internet é muito melhor do que aquela feita pelas mídias impressas tradicionais. Novos jornalistas e críticos passaram a assinar reportagens, enquanto jornalistas mais velhos estão se adaptando à linguagem e arriscando algumas análises, mas a abordagem ainda é feita de maneira semelhante à de obras literárias.

Essa diferença na qualidade da cobertura acontece porque já há sites e blogs

ele são 40 exemplares sem sair de casa!“, afirma Gusman.

Outras referências importantes são o Blog dos Quadrinhos, mantido pelo jornalista

Paulo Ramos, e o site de entretenimento Omelete, que, apesar de especializado em séries de TV e cinema, reserva um espaço considerável para notícias sobre quadrinhos. O jornalista André Forastieri também costumava postar informações sobre HQ’s em sua coluna no portal R7, mas a frequência dos textos diminuiu bastante em 2011.

Enquanto isso, sites menores, como o HQM, o Pipoca e Nanquim, o Melhores do

Mundo, falam de quadrinhos com uma voz mais divertida e descontraída, sem o peso da cobertura jornalística séria. São espaços produzidos por fãs para fãs.

Toda essa cobertura jamais teria sido possível sem a Internet. De um lado, ela

facilitou a criação de espaços dedicados especificamente ao tema; o Universo HQ não teria existido se fosse um jornal ou uma revista, pois os custos de gráfica, diagramação e distribuição, além da obrigação de vender bem nas bancas para continuar existindo inibiriam o projeto de Naliato e Gusman. De outro, fez com que os grandes jornais notassem uma demanda por informações relacionadas às HQ’s.

Para além da cobertura jornalística, alguns portais de grande audiência na

Internet já começam a reservar espaços para a publicação de quadrinhos - tiras de humor, na maioria das vezes, tal como nos jornais impressos. O G1, portal de notícias da Globo, por exemplo, atualiza semanalmente a editoria de Pop & Arte com tiras dos cariocas André Dahmer e Arnaldo Branco.

voltados especificamente para HQ’s, acompanhando o que acontece no mercado há um bom tempo. Antes, eram vistos como publicações de nicho, voltadas para um público bastante específico. É o caso do Universo HQ, site criado no ano 2000 por Samir Naliato e Sidney Gusman e que, hoje, onze anos depois, conta com uma equipe de colaboradores e é a principal referência sobre quadrinhos, tanto para leitores quanto para a própria imprensa. Eles publicam notícias diárias, resenhas semanais e colunas sem periodicidade definida sobre novidades e assuntos relevantes relacionados às HQ’s. “Às vezes, vem quadrinista me dizer que vendeu 40 exemplares por causa de 94

Tirinha do Mundinho Animal, série de autoria do quadrinista Arnaldo Branco, publicada no G1

95

O IG Jovem, por sua vez, apresenta uma das iniciativas mais interessantes



Mesmo com a efervescência dos webcomics, o espaço destinado às tirinhas nos

relacionadas ao tema. Em uma das subhomes da editoria, é possível acompanhar séries

jornais não deixou de existir. Pelo contrário: está mais prestigiado. Os grandes jornais

criadas por Eduardo Medeiros, Rafael Albuquerque, Rafael Coutinho, Rafael Sica e

bancam trabalhos de autores consagrados, como Angeli, e de novos, como Dahmer,

Raphael Salimena feitas exclusivamente para o IG.

os irmãos Bá e Moon e o argentino Ricardo Liniers. A Folha de S. Paulo, que publica o Laerte desde os anos 80, manteve o espaço do cartunista mesmo quando ele abandonou o humor que lhe era característico para enveredar por uma linha mais experimental. “A Folha é de uma paciência a toda prova comigo e com outros autores, o que é bom para a gente e para o jornal também”, afirma o autor.

Jornais menores e revistas de entretenimento, além de manter tirinhas, também

têm absorvido o trabalho de novos autores. As tirinhas da Amely, por exemplo, cuja protagonista é uma boneca inflável que brinca com a visão que os homens têm sobre as mulheres, começaram a ser publicadas em 2005 no blog priscila-freeakomics antes de migrarem para as páginas do jornal gratuito Metro. Hoje, as tiras saem no caderno Equilíbrio, da Folha. A Piauí dedica seções da revista - e também do site - a cartuns de artistas nacionais e estrangeiros; a Playboy publica os quadrinhos politicamente incorretos do portoalegrense Allan Sieber, além dos textos do jornalista Edson Aran, responsável pela coluna O Estado da Nação, cujos cartuns e tiras ilustrativos ele mesmo faz, a exemplo Cartum do Rafael Sica publicado no portal IG Jovem

do que o cronista Luís Fernando Veríssimo faz no jornal O Estado de São Paulo.



Essas tentativas de dar maior cobertura para os lançamentos de quadrinhos

“A Internet não pode ser reduzida a espaço de experimentação, como se fosse

e divulgar autores e histórias, algumas de maior sucesso, outras de pouco impacto,

um quintal de edificação da mídia impressa. Ela é também um espaço que possibilita

mostram que a arte sequencial está cada vez mais presente na pauta cultural da imprensa.

e pede trabalhos com personalidade própria”, diz Laerte, que publica suas tiras tanto no Manual do Minotauro quanto no jornal Folha de S. Paulo. A iniciativa do IG Jovem mostra justamente uma tentativa de criar um cenário de produção e divulgação de trabalhos inéditos. O portal inclusive chamou o quadrinista Rafael Grampá para atuar como colunista da página. Toda semana ele escreve a respeito de algum assunto relacionado ao universo das HQ’s: mercado; eventos; premiações; experiências pessoais trabalhando para as editoras estadunidenses DC e Marvel. 96

97

A Internet e os direitos autorais

Como quadrinistas protegem suas criações - e se apropriam das dos outros - na Internet

Já há alguns anos a indústria fonográfica tenta encontrar alternativas para a

venda de álbuns de música, que registrou uma queda vertiginosa com a popularização dos downloads na Internet.

De acordo com o jornal inglês The Times of London, a indústria da música nos

Estados Unidos já moveu dezenas de milhares de processos pessoais contra indivíduos que baixam músicas ilegalmente. Mesmo assim, a prática não cessou.

Algumas gravadoras já perceberam que o fenômeno pode ser explorado em vez

de combatido. A NMPA (Nacional Music Publishers Association), por exemplo, um grupo que representa um grande número de artistas e produtores musicais, entrou em acordo com o site de vídeos YouTube e, a partir de agora, os músicos receberão royalties de direitos autorais para cada vídeo postado no site – o que vale tanto para

Muitos internautas fãs de quadrinhos têm o costume de ler páginas escaneadas online, evitando os preços elevados dos impressos. Abaixo, uma página de The Walking Dead, disponibilizada no fansite da HQ

clipes oficiais quanto para vídeos feitos com trilha sonora não autorizada. O dinheiro



vem da publicidade veiculada antes da exibição dos vídeos.

de 2010 pelo website Observatório da Imprensa, a evolução das técnicas de captação,



Idealmente, a existência de direitos sobre a propriedade intelectual

reprodução e disseminação de imagens e sons incidiu diretamente sobre as noções

envolve tanto bom senso quanto economia: o retorno financeiro é um incentivo

de autor e propriedade. “Autores como Walter Benjamin, Gilles Lipovetsky e Néstor

para o trabalho do artista. Novas maneiras de explorar esses direitos têm, no

García Canclini apontam para uma perda gradativa da importância da ideia de autoria

entanto, surgido para satisfazer as necessidades da geração da Web 2.0. Um exemplo

e de ‘autenticidade’ a partir do uso de novas tecnologias de reprodução”, analisa.

é o site Sellaband, que oferece downloads gratuitos de música e encoraja os usuários a

“A era digital amplifica os potenciais de uso, apropriação e modificações de obras

apoiar artistas aspirantes comprando uma porcentagem de seus empreendimentos.

autorais, de forma a gerar imensas dificuldades para o controle dessas obras por parte

Tanto músicos quanto usuários ganham a partir dos anúncios do site, um modelo

dos autores e dos titulares de direitos de propriedade intelectual”.

de negócios tão estruturado – e que se apóia tanto nos direitos autorais – quanto



qualquer editora.

em fevereiro de 2008 na revista digital DataGramaZero, os pesquisadores Mariângela Pisoni



Da mesma forma que a música e outras formatos de mídia, as HQ’s estão

Zanaga e Hans Kurt Liesenberg afirmam que a história dos direitos nasceu vinculada a essas

passando por um problema semelhante no tocante aos direitos do autor: a questão

tecnologias de reprodução, citadas por Belas, que permitiam a feitura de cópias a partir de um

das páginas de quadrinhos impressos digitalizadas e colocadas à disposição do

original para venda. Em outras palavras, tudo começou com o desenvolvimento da imprensa.

internauta para download ou leitura online já foi brevemente mencionada aqui.



98

Segundo a socióloga Carla Belas, em entrevista publicada no mês de fevereiro

No artigo Autoria e compartilhamento social: a criação de conteúdos na internet, publicado

Quando a imprensa era uma tecnologia recente, autor e editor debatiam quem 99

teria maior direito sobre os lucros e a obra: se o criador em si ou se o dono dos meios

em cima do trabalho alheio, como é o caso da Internet.

de produção. Os direitos autorais passaram a garantir ao autor o controle sobre o uso



de sua propriedade criativa.

defensor da cultura livre, para enumerar razões pelas quais vale a pena adotar o



O primeiro país a reconhecer a propriedade intelectual foi a Inglaterra, por meio

modelo de conteúdo aberto: a existência de autores emergentes e de pessoas comuns

do Copyright Act, que restringia a publicação, reimpressão ou comércio de trabalhos

que desejam divulgar seus trabalhos; a redução do custo de reprodução e disseminação

sem o consentimento expresso do autor. Esse direito era, no entanto, limitado a alguns

pelo sistema de compartilhamento de arquivos em rede; a existência de monopólios

anos, depois dos quais a obra passava a integrar domínio público.

muito seletivos para a disseminação de criações culturais reforçariam a ideia de que a



Internet não deveria sustentar políticas de direitos autorais.

“Autor” passou a ser um ofício restrito a poucos indivíduos, que detinham total

O artigo de Pisoni e Liesenberg ainda cita o autor Lawrence Liang, grande

autoridade sobre o que produziam, sendo estritamente proibido ao leitor o acréscimo



de qualquer informação às produções.

flexibilidade às licenças de uso concedidas pelo próprio autor. Elas foram criadas como



Já os franceses tinham uma visão mais voltada para a perspectiva da obra de

uma alternativa viável à lei vigente de propriedade intelectual com objetivo de atender às

um autor como algo de interesse público e, segundo o artigo de Pisoni e Leisenberg,

necessidades dos usuários sem bater de frente com os direitos do autor. Como dito, esse

pensavam que “as ideias pertenciam a todos e os direitos autorais instituíam o

foi também o motivo principal pelo qual se orientou a criação dos direitos autorais que,

monopólio de um indivíduo sobre o saber que deveria ser um bem comum. Para não

com o passar do tempo, “passaram a pertencer a grandes companhias em detrimento de

se tornar algo injusto, deveria então haver limite de tempo para os direitos de um

autores/criadores, a abranger outros tipos de conteúdos e tiveram seu prazo de vigência

autor sobre sua criação e este limite deveria atender ao interesse público”.

aumentado”.





A Internet pode ser encarada como a exponenciação desse ponto de vista

Os conteúdos abertos, por sua vez, continuam Pisoni e Liesenberg, devem sua

Enquanto o copyright se baseia na ideia de que todos os direitos de propriedade são

que prima pela qualidade pública da informação. Em princípio, a intenção ao se

reservados e é preciso solicitar a autorização de seus detentores para reprodução total

disponibilizar uma obra em rede não é tirar do autor os direitos sobre ela, mas tornar

ou parcial de um conteúdo, o autor pode optar por diferentes licenças para flexibilizar

um conteúdo acessível – ainda que continue a existir uma barreira socioeconômica

essa regulamentação de uso.

que priva boa parte da população do acesso à web.





O professor da Universidade estadunidense de Stanford – e idealizador do

e reprodução de obras derivadas, entendendo-se por obra derivada a transformação e

Creative Commons, que discutiremos mais adiante –, Lawrence Lessig, enxerga na

a adequação da obra original a um novo contexto de uso; a distribuição de cópias ou

estrutura livre proporcionada pela Internet um caminho que permite o exercício

gravações da obra; a distribuição de cópias ou gravações de obras derivadas, sempre

de algum controle sobre a propriedade intelectual sem, no entanto, bloquear o

sendo obrigatória a menção ao seu autor/criador original. Pode-se, inclusive, abrir mão

aproveitamento do meio digital: uma análise caso a caso deve ser feita de maneira

de todos os direitos, o que significa dar à criação a condição de domínio público, que,

a deixar determinados conteúdos mais restritos e outros, mais liberados. Para o

no entanto, não é aplicável no Brasil, pois a legislação brasileira não permite que autores

pesquisador, é preciso incentivar a “cultura livre”, termo empregado para descrever

abdiquem dos direitos morais sobre sua criação”.

Ainda de acordo com o artigo, “pode-se permitir: a reprodução da obra; a criação

um ambiente de conteúdos abertos, em que é possível não apenas divulgar, mas criar 100

101

A Lei no Brasil

O advogado e especialista em Direito Internacional Privado e Implicações dos meios

eletrônicos no Direito, Marcelo Bulgueroni, explica que, no Brasil, existe uma diferença entre os direitos comerciais e morais do autor: “os direitos comerciais”, ele explica, “se referem apenas à reprodução da obra, enquanto os direitos morais são intransferíveis e estão ligados

Diversos sites funcionam como depositários para autores que trabalham com essas licenças. Um deles, o Wikimedia Commons, funciona como uma rede em que os autores podem escolher as licenças que desejam e fazer o upload da obra licenciada no site. Para quem quiser colocar um trabalho online, o Wikimedia ensina de maneira bastante didática no que implicam as licenças e quais as suas especificidades.

ao direito do autor de ser reconhecido como criador da obra”.

Ver Figura 6

Também as questões do domínio público - que determina que os trabalhos de um

autor só podem ser utilizados 70 anos após a morte do autor - e a do registro de autoria



- que estabelece que, se alguém puder comprovar a autoria de uma obra, ela não precisa

No texto Copyright Infringement: the Dark Side of Web 2.0, escrito para o site de conteúdo

ser registrada para que o autor seja reconhecido como tal - são importantes dentro da

voltado para tecnologia e Internet About.com, o jornalista Daniel Nations faz uma ressalva

lei vigente de direitos autorais no Brasil. Neste segundo caso, uma vez reconhecida a

ao dizer que “ainda que seja uma ótima solução, o Creative Commons não resolve todas as

autoria, tecnicamente o público não pode fazer nada com o trabalho, sem o consentimento

questões de copyright na Web 2.0. Muitas pessoas ainda não usam ou entendem o Creative

explícito do criador; “nem mesmo reproduzi-lo sem fins lucrativos”, afirma Bulgueroni. É

Commons”.

necessário que o autor autorize expressamente qualquer pessoa que deseje fazer uso da obra



tendo em vista quaisquer fins.

lei dos direitos autorais, é colocar um link que redirecione o internauta para o local de origem

Uma opção que se tem de reafirmar os direitos do autor, que não consta exatamente na

O sistema de Creative Commons, exemplifica Bulgueroni, foi uma maneira encontrada

daquele conteúdo. Afinal, quando se publica conteúdo na Internet, o número de visualizações

de facilitar a vida para o autor que deseja liberar o uso da obra sem ter que autorizar cada

é extremamente importante e ter um trabalho divulgado e linkado em outros lugares é uma

interessado.

excelente maneira de atrair novos e potenciais consumidores para uma página. Dessa forma, a

“O Creative Commons funciona como um conjunto de pacotes de licenças em que o

reprodução do trabalho pode se tornar do interesse do autor.

autor pode escolher o quanto quer permitir que os outros utilizem seu trabalho”, explica o



advogado. “O autor pode permitir desde apenas a reprodução até a alteração do trabalho,

muitas pessoas colocam seus trabalhos na Internet contando com a repostagem e a relinkagem

dependendo da licença escolhida”.

de outros internautas. O problema é que isso não garante que o usuário vá creditar o criador



Bulgueroni concorda que, apesar da legislação e sem conhecer os Creative Commons,

sempre que disponibilizar uma obra em seu próprio site ou redes sociais, de forma que as

Creative Commons

pessoas que virem aquele conteúdo não serão redirecionadas para a página do verdadeiro autor.

O sistema, desenvolvido pelo já citado professor Lawrence Lessig, se articula como uma



organização não governamental sem fins lucrativos voltada para a divulgação e

André Dahmer dos Malvados, por exemplo, passou a inserir o endereço de sua página no

a expansão de obras.

próprio quadrinho.

102

Por conta disso, continua o advogado, alguns quadrinistas estão se tornando criativos.

103

Figura 6

Uma das tirinhas do Malvados, com o link do site de Dahmer



Carla Belas, em sua entrevista ao Observatório da Imprensa, reforça essa ideia

de que, por mais que a evolução tecnológica da computação e a rede tenham gerado conflitos entre os direitos do autor e o acesso a obras, foram criadas também novas oportunidades para negociar e divulgar materiais.

“Os autores não dependem mais exclusivamente de um contrato com

uma grande gravadora ou editora para difundir as suas produções. Com alguns equipamentos simples – um computador, um gravador e uma câmera digital – é possível gravar músicas e fazer vídeos para em seguida difundi-los para milhares de consumidores na Internet”, afirma. “Os contratos de Creative Commons atestam essa maior autonomia do autor no que diz respeito ao exercício de seus direitos autorais sem a necessidade da mediação de uma gravadora ou editora”.

Eduardo Damasceno, um dos autores do blog Quadrinhos Rasos e da HQ Achados

e Perdidos, é partidário dessa ideia: “todo material que produzimos é Creative Commons, então se alguém quiser escanear o livro inteiro e colocar na Internet tudo bem, mas não vemos sentido nisso se podemos disponibilizar uma versão digital em alta qualidade também”.

Ele também afirma, contrariando expectativas, que, mesmo deixando todo o seu

conteúdo à disposição na web, a produção da versão impressa de um projeto vale As instruções do Wikimedia: são permitidas apenas imagens de autoria própria, que passam a poder ser utilizadas por outros usuários ou trabalhos de outros autores que façam parte de domínio público ou estejam autorizados

104

a pena, pois “atinge também um público que se tivéssemos só a versão digital, não atingiríamos”. 105

O Puny Parker foi uma excelente maneira que o artista encontrou de mostrar seu

Alguns casos

trabalho, algo que lhe rendeu bons frutos: em 2009, por exemplo, ele foi convidado por

As histórias que Damasceno publica em parceria com Luís Felipe Garrocho trazem

Sidney Gusman a integrar o grupo de 50 quadrinistas que contribuíram com a primeira

adaptações desenhadas de trechos de músicas conhecidas, outra questão que pode ser

edição do MSP 50.

pensada sob a ótica dos direitos autorais.





Se antes o autor dependia de editor para publicar um trabalho, e este podia barrar apropriações

impresso, a negativa de Cafaggi é veemente: “não, não penso em lançar uma coletânea do

indevidas de obras alheias, na Internet o quadrinista dispõe de plena liberdade para pegar conteúdo

Puny Parker. Até porque é um personagem da Marvel e eu teria problema com direitos

alheio e adaptá-lo de maneiras diferentes.

autorais”. Por outro lado, ele mesmo pretende entregar um encadernado de tirinhas do



Sobre o mote do Quadrinhos Rasos, Damasceno diz não estar infringindo lei alguma: “estamos

Quando perguntado sobre a possibilidade de publicar algo do Puny Parker no meio

personagem, em inglês, para o editor da Marvel durante a FIQ deste ano. “Vamos ver o que

nos apropriando de um trecho da letra de uma forma que, acredito, seria caracterizada na lei como

acontece”, diz.

uma paródia e não estaríamos sujeitos a qualquer processo por conta disso”, afirma, categórico.





Outros quadrinistas, que também fizeram sucesso na rede, já não podem dizer o

com razão, se lembrarmos do que o advogado Marcelo Bulgueroni disse a respeito das

mesmo. O autor Vitor Cafaggi, por exemplo, começou a chamar atenção com o blog Puny

leis de direitos autorais no Brasil - com a questão do copyright do personagem. Ele fala

Parker (traduzido como “Pequeno Parker”), em que publicava tiras estreladas pela versão

que tentou contatar a Marvel por carta e por e-mail, sem obter resposta. Depois disso,

criança de Peter Parker, o Homem-Aranha da Marvel Comics.

afirma ter desistido: “pelo menos, eles foram avisados”, comenta o quadrinista.

Mesmo publicando quadrinhos sem fins lucrativos, Cafaggi se preocupava – e

Outro autor que também revolve esse limbo dos direitos autorais é Mauro A.,

do Wagner & Beethoven, que publica, para além das tirinhas estreladas pelos músicos clássicos do título, a história Conan, o repórter investigativo, em que quadrinhos das antigas páginas da HQ Conan, o Bárbaro são recontextualizados e as falas dos personagens, modificadas.

Ao contrário de Cafaggi, Mauro não se restringiu às fronteiras da web: suas tiras

chegaram a ser publicadas na revista Playboy e ele recebeu uma remuneração por isso. “Não tenho autorização e nunca tive nenhum problema por conta disso. O único caso em que acho possível algum questionamento é mesmo o do Conan, já que do Wagner e do Beethoven eu só uso imagens de domínio público ou de divulgação”, diz ele quando perguntado sobre possíveis problemas com relação aos direitos autorais. “E, ainda assim, acho que eu só receberia algum tipo de reclamação se os detentores dos direitos de imagem do Conan fossem extremamente implicantes, já Os personagens Peter Parker e Mary Jane Watson em Puny Parker (esq.) e na capa do gibi The Amazing Spider Man #638

106

que as imagens são usadas apenas como pano de fundo para minhas histórias, e não 107

como a inspiração original delas, e o dinheiro que eu já ganhei com isso foi quase simbólico”, afirma.

A questão da propriedade intelectual continua bastante delicada em todos os aspec-

tos: tanto no âmbito do controle que um quadrinista pode ter sobre o uso da obra, quanto em relação a como ele próprio pode modificar o material de outros artistas.

Marcelo Bulgueroni pesa os prós e contras da questão com dois exemplos: “a Apple

queria ser a proprietária única e exclusiva daquele comando [que aparecem em tablets e smartphones] de dar zoom na tela com um toque”, começa com um exemplo que parece um tanto derivativo. “A tecnologia viraria, então, monopólio de uma única empresa e outras pessoas seriam impedidas de inovar e até aprimorar isso”.

Se, por um lado, Bulgueroni dá a entender que os direitos autorais podem brecar a

criatividade das pessoas e mesmo alguns avanços tecnológicos, ele também diz que “não dá para dizer que direitos autorais são ‘ruins’. Imagine que um autor cria um personagem X e vem alguém que desenha super bem, faz uma versão desse personagem e fecha contrato com a Folha de S. Paulo. É preciso proteger essas pessoas também”.

Um dos maiores problemas da questão, ele conclui, ainda é o fato de que o sistema

legal trabalha lentamente: se demorou anos para que as leis nacionais se adaptassem à igualdade entre os sexos, é difícil prever em quanto tempo elas começarão a caminhar de acordo com as mudanças que estão acontecendo na Internet.

“Um dos maiores problemas”, Bulgueroni avalia, “é que boa parte dos juízes

e advogados trabalhando hoje entendem e estudam muito pouco sobre tecnologia e cibercultura”.

A situação, portanto, ainda é imprevisível e transitória.

Série Conan, repórter investigativo, tira do Mauro A. publicada na revista Playboy

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A experiência do leitor

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quadrinhos? Ou é apenas um jeito barato de fazer animações?”.

Animações e quadrinhos

No tocante às inovações possíveis no meio digital, os leitores ainda encaram as “HQtrônicas” com certa resistência, em especial histórias que aplicam recursos de animação

A rede afeta as histórias em quadrinhos de diferentes maneiras: do processo de criação

ao consumo enquanto produto cultural. Até aqui, falamos bastante do autor e de todas as mudanças que ele vivencia, mas muito pouco foi dito a respeito da experiência do leitor no meio virtual.

Seguindo ainda, em grande parte, o padrão impresso, os webcomics sem animação,

sons ou possibilidade de interação ainda são muito mais populares do que as versões cheias de recursos que se apropriam efetivamente do meio digital.

Isso acontece por dois motivos: o primeiro se refere ao caráter ainda bastante

experimental de boa parte das “HQtrônicas”. Em geral, o roteiro serve apenas como base para



O desenhista John Cassaday participou da adaptação da série Astonishing X-Men

para o formato e, a princípio, se mostrou reticente: “tinha visto alguns motion comics antes e os resultados eram variados. Quando eles vieram até mim, hesitei”. No fim, Cassaday topou participar e ficou satisfeito com o resultado, mas sua hesitação mostra como existe descrença em relação ao formato.

Os próprios leitores manifestam seu descontentamento no site Digital Motion

Comics. Cada animação lançada é postada na página com um trailer e um espaço para avaliação dos usuários. É possível dar uma nota de 0 a 10 em quesitos como roteiro, arte, som, animações, relação custo-benefício e fazer uma resenha dos lançamentos. Em geral, o quesito com as menores notas é justamente animação. A série Astonishing X-Men, de Cassaday, recebeu uma nota 5 em animação. O usuário identificado como Starman escreveu, em sua resenha, que “a pior parte é justamente a animação, algo que a Marvel tem errado em suas motion comics”.

justificar o uso dos recursos, o que invariavelmente deixa a narrativa em segundo plano. Essa situação vem mudando aos poucos. O professor Edgar Franco toma a “HQtrônica” Nalwz como um exemplo categórico de “HQtrônica” de 3ª geração, a primeira a apresentar uma história realmente sólida: “antes dela, as ‘HQtrônicas’ eram muito experimentais. Agora, já têm alguns códigos que estão se cristalizando”.

O segundo motivo é que formatos de arte sequencial que incluem sons e imagens

acabam ficando aquém da expectativa dos leitores. É o caso de histórias que combinam requadros fixos e requadros com animações, mistura que quebra o ritmo de leitura da página. Outro exemplo são as motion comics, uma espécie de híbrido de animação e quadrinhos que surgiu na década de 1970 e se popularizou nos anos 2000 com a série Broken Saints. Em geral, os lançamentos são adaptações simples das versões em papel. Por isso, ainda são vistos com desconfiança tanto por fãs quanto pelos próprios quadrinistas. Em 2009, o site americano Comics Worth Reading publicou um artigo questionando a existência desse novo formato de animação: “quando você acrescenta

Trailer da mistura de animação e quadrinhos Broken Saints

truques de câmera e trilha sonora a uma HQ, ela ainda é considerada uma história em 112

113

Nawlz, uma HQ adaptada ao seu tempo e espaço

conteúdo muito bom. E não venha me dizer que isso é animação. Não é. É ‘HQtrônica’ mesmo. É uma forma nova de narrativa”. Atualmente, a série está na segunda temporada.



Criada em 2008 pelo ilustrador e designer australiano Stuart Campbell, conhecido



O funcionamento da maior parte dos recursos audiovisuais inseridos nos

como Sutu, Nawlz é uma trama de ficção científica que aproveita de maneira inédita as

novos webcomics depende da interação do leitor com a narrativa: animações e efeitos

possibilidades digitais. Nesse mundo futurista, a tecnologia é tão avançada que a realidade

sonoros são geralmente acionados à medida que o usuário navega pela história e

é aumentada por meio de experiências interativas multi-sensoriais. O protagonista da

utiliza o mouse para clicar em “sinalizadores” de ação. Essa predisposição que o

narrativa é Harley Chambers, um cyber-grafiteiro que pretende criar um “real” (uma

internauta apresenta para interagir com diferentes interfaces na Internet levanta

alucinação tecnológica que se sobrepõe à realidade e permite que qualquer pessoa possa

questões a respeito do papel que ele exerce dentro do processo tradicional emissor

experimentá-la) capaz de cobrir a cidade inteira.

-> mensagem -> receptor e da proximidade que leitor e autor adquiriram no meio



virtual.

A grande novidade da série é a maneira como ela deve ser lida. O leitor decide

quando seguir clicando em pontos específicos da tela. A ação se desenrola da esquerda para a direita e é possível avançar ou retroceder na história. Todos os episódios contam com trilha sonora e várias animações que respondem ao clique do mouse.

Desde o lançamento, Nalwz tem acumulado elogios e participações em festivais. Scott

McCloud, em seu site, classificou-a como o webcomic experimental por excelência: “estranha, dissonante e incansavelmente inventiva”. Em 2010, a HQ venceu o Webby Awards, conhecido como o Oscar da Internet, na categoria “Net art”.

114

Franco considera a história o primeiro clássico das “HQtrônicas”: “a Nawlz tem um

115

inesgotável, de forma que é necessário que o leitor interaja com o conteúdo e selecione

Leitor e autor

Na Internet, as fronteiras entre as funções de produtor e consumidor de conteúdo são frequentemente superadas, e a proximidade entre leitor e autor aumenta

Historicamente, aponta o francês Roger Chartier, especialista em história da lei-

tura, na obra A aventura do livro, a expressão material do texto sempre exerceu influência sobre a relação entre quem o escreve e quem o lê. Um exemplo concreto desse fenômeno, fornecido pelo autor, é o texto escrito em papiro: uma folha era colada a outra, de modo a formar fitas de até 12 metros, que eram então enroladas em bastonetes. O manuseio de um texto neste formato exigia as duas mãos – uma para desenrolar as folhas seguintes, outra para enrolar as anteriores – e a leitura era contínua, o que exigia que o leitor tivesse memória, ainda mais com a inexistência do recurso da paginação, que atualmente facilita a localização do ponto em que a leitura foi interrompida. No meio virtual, essa relação entre leitor, texto e autor passa, logicamente, por uma série de mudanças.

as páginas virtuais que lhe forem mais interessantes.

Como apontado no artigo O autor e o leitor no hipertexto, da jornalista Fabiana

Komesu, uma ferramenta exclusiva da Internet que permite ao leitor selecionar o que gostaria de ler – e que contribuiu para incitar certa resistência à supremacia da figura do autor – é o hipertexto.

Para reforçar seu argumento, Komesu cita dois pesquisadores do texto no suporte

eletrônico – George Landow e Jay D. Bolter – que colocam o público leitor na posição de co-autor no universo hipertextual. De acordo com ambos, caberia aos leitores a decisão sobre os hiperlinks que organizam a leitura: a partir dos links, afirma Komesu, o internauta pode seguir por caminhos diferentes dos originalmente concebidos pelo autor e estabelecer diferentes ligações entre o texto original e conteúdos externos.

Em seu livro O que é o virtual?, Pierre Lévy atenta para o caráter ativo da leitura

hipertextual, analisando que “o leitor em tela é mais ‘ativo’ que o leitor em papel: ler em tela é, antes mesmo de interpretar, enviar um comando a um computador para

No livro Sociedade da informação: globalização, identidade cultural e conteúdos, o

que projete esta ou aquela realização parcial do texto sobre uma pequena superfície

pesquisador Antonio Miranda discorre sobre uma delas: as diferentes possibilidades

luminosa” e que, em rede, “o leitor é livre de estabelecer sozinho a ordem do discurso

que o leitor tem de interagir não apenas com o autor, mas também com o conteúdo.

ou de se perder na desordem dos fragmentos”.





O hipertexto não é a única via pela qual o leitor sobreleva a condição de mero

“Uma das contribuições mais extraordinárias da Internet é permitir que qualquer usuário,

receptor. A velocidade da comunicação na Internet permite também que se estabeleça

em caráter individual ou institucional, possa vir a ser produtor, intermediário e usuário de

uma colaboração autor-leitor e leitor-leitor, o que resulta em textos multi-autorais.

conteúdos. E o alcance dos conteúdos é universal, resguardadas as barreiras linguísticas



e tecnológicas do processo de difusão. É por meio da operação de redes de conteúdos de

na internet, Mariângela Pisoni e Hans Kurt Edmund Liesenberg, argumentam que a

forma generalizada que a sociedade atual vai mover-se para a Sociedade da Informação”.

tela do computador é um espaço “animado, visualmente complexo e maleável para

(Miranda, 2000: p. 81)

o escritor e o leitor”, ou seja, fluido e em constante estado de mudança, de acordo

Os autores do já citado artigo Autoria e compartilhamento social: a criação de conteúdos

com sugestões do leitor e assentimento do autor. Enquanto isso, no meio impresso, o Ou seja, o internauta não é um receptor passivo de informação: ele se torna um

texto é estável, fixo e as cópias produzidas são idênticas e imutáveis. Dessa forma, o

usuário ativo, que escolhe e interage com diferentes informações e produtos culturais.

controle sobre o texto impresso pertence exclusivamente ao autor, de modo que sua

Ele é capaz de selecionar o conteúdo virtual. A Internet possui um acervo de informações

figura tem muito mais força nesse meio do que no virtual.



116

117



Nesse contexto, é bastante pertinente a ideia de Chartier de que o ambiente



Também as tiras Adventure de Angela Dunn e Caroline Sharpe, que abordamos no

virtual permitiria a criação de “publicações controladas”, tal como o livro eletrônico,

capítulo sobre memes, constituem um exemplo desse tipo de aproximação no universo

que estreita as relações entre autor e leitor: os leitores são ‘[...] transformados em co-

dos webcomics. Os leitores da tira estabelecem uma espécie de diálogo com as autoras:

autores de um livro nunca acabado mas sim continuado por meio de seus comentários

ao modificar o quadrinho original e alterar seus personagens, viram co-autores.

e suas intervenções [...]’. Eles são, portanto, capazes de influenciar e, dependendo do



caso, até mesmo modificar o produto final.

mais voz na produção de conteúdos online é apontado pelo professor da ECA-USP,



Waldomiro Vergueiro: “as editoras podem usar a Internet como meio de comunicação

Um exemplo de como isso se manifesta nos quadrinhos: basta observar o

Outro fenômeno que ilustra o quanto a Internet permite que o leitor tenha

atualmente parado, mas não encerrado, blog Irmãos Brain, cujas histórias giravam em

com os leitores e receber feedback. Muito autores estão fazendo isso”, diz.

torno das desventuras dos irmãos Ego, Superego e Id. Geraldo Neto, dono da página,



ocasionalmente colocava no site tiras em que cabia ao leitor, por meio de votação em

Folhetim: uma história, a crítica literária Marlyse Meyer faz uma recapitulação histórica

pesquisa, escolher o final da história, postado algumas horas ou dias depois.

da interferência do leitor em textos literários:

Essa influência do leitor em uma obra, é claro, não é completamente nova. Em

“Em 1836, Émile de Girardin lança o romance folhetim, que consistia na publicação de romances em capítulos diários no rodapé do jornal, espaço que já tinha a designação de folhetim. Aprimora-se, então, a questão da profissionalização do escritor, que trabalha sob encomenda e é pago pela quantidade escrita. Para manter-se no mercado, deve conquistar seu público; portanto, é necessário atender seus gostos e suas preferências, desenvolvendo-se assim o diálogo entre o autor e o leitor. Acompanhando diariamente as peripécias das personagens, o público deseja interferir no seu destino e, para isso, envia cartas aos autores fazendo-lhes sugestões ou exigências: coloca-se para o autor uma certa necessidade na elaboração do romance que vai tecendo, impelido por várias e imprevistas determinações. Agradar ao público continua, evidentemente, sendo uma delas. Mas agradar aceitando sua colaboração, seguindo suas sugestões, que lhe chegam por via de cartas”. (Meyer, 2005: p. 76)

Os quadrinistas do meio digital passam hoje por uma situação semelhante. En-

quanto diversos autores veem esse constante e ágil contato com os fãs com bons olhos, Geraldo Neto não apenas interagia com os leitores consultando-os quanto ao final que daria à tira por meio de uma pesquisa, como também dava a oportunidade para que o leitor desse sua opinião a respeito do resultado nos comentários

118

Mauro A., do Wagner & Beethoven, o faz com algumas ressalvas: “é claro que [o feedback imediato] só interessa para quem liga para a opinião dos leitores, e eu ligo. A desvantagem é que esse feedback invariavelmente contamina sua impressão inicial do que você 119

acabou de ver, seja uma HQ, texto ou vídeo”, analisa. “Se eu acho algo engraçado, vejo

histórias, que sempre pode ser estopim de polêmica, acrescenta: “o ruim é que sempre

nos comentários alguém fazendo uma crítica idiota ou pedindo uma explicação sobre a

tem uns fundamentalistas que acham que irei arder no inferno, mas são minoria”.

piada e pronto – a graça daquilo desapareceu pra mim. Isso acontece até com elogios”.





A opinião de Mauro descreve um movimento recorrente nas páginas virtuais

desde sugestões (boas e ruins) de tirinhas até pedidos para aparecer nas histórias;

em que leitores podem interagir entre si e influenciar, com imediatismo, a leitura e a

ele também recebe muitas solicitações de parcerias de donos de blogs, que dizem ter

opinião de outros leitores a respeito do produto final.

baseado suas páginas virtuais na do Euricéfalo.





Outros autores concordam que o leitor está mais próximo na Internet e que este

Eurico, das Tiras do Euricéfalo, diz receber diariamente e-mails de leitores fazendo

“O problema de ter um feedback tão aberto é que algumas pessoas acham que eu

fato agrega mais vantagens do que desvantagens. Foi a seção de comentários do site

sou obrigado a ouvi-las, obrigado a aceitar o que eles dizem”, diz Eurico, que ilustra o

de Laerte, por exemplo, que permitiu aos autores deste livro estabelecer um primeiro

fato com uma história tragicômica: “teve um cara que estava desejando minha morte

contato com o cartunista.

nos comentários, eu simplesmente deletava, e ele ficava bravo com isso, pois ele se achava no direito de desejar minha morte nos comentários”.

Segundo o artigo Hipertexto: o desempenho do leitor, contribuição da pesquisadora

Valéria Cristina Bezerra para a revista digital Hipertextus, com o desenvolvimento da web, o leitor passou a contar com um espaço em que os cerceamentos e as restrições com relação à sua interferência nos textos foram drasticamente reduzidos. Sob a perspectiva da comunicação, tecnologias como programas de troca de mensagem instantânea (como o MSN, ou chats do Google Mail e do Facebook), e-mails, fóruns, listas de discussão e as salas de bate-papo facilitaram o livre debate e a cooperação, apesar da distância geográfica que separa os interlocutores.

A Internet engendrou modificações profundas no processo de comunicação:

baseada em redes interativas e cooperativas em lugar da fórmula centralizada e unidirecional da comunicação de massa, ela relativiza as funções tradicionais de A seção de comentários do site de Laerte – o quadrinista sempre procura responder aos fãs



Para Laerte, não há dúvida quanto ao fato de que “a rede aumentou muito

o contato com leitores. Eles estão de fato bem mais próximos nisso de manter uma correspondência, de ter uma possibilidade de intercâmbio com o autor”.

Já o criador de Um Sábado Qualquer, Carlos Ruas, diz que o retorno que consegue

dos fãs “é muito gratificante. É o reconhecimento de um trabalho bem feito, isso acaba sendo meu combustível de criação”. Em referência à temática religiosa de suas 120

emissor e receptor. Em oposição à informação que parte de um emissor para muitos receptores, como comumente se dá com os meios de comunicação de massa, na rede ela migra de usuários para usuários.

O organizador da Feira Internacional de Quadrinhos, Daniel Werneck, afirma

que essa troca constante de informação entre autor e público tem também outro lado: “a Internet está ajudando os leitores a entenderem melhor os quadrinhos e a valorizar mais os artistas”. Ele continua: “é comum ver quadrinistas postando layouts, esboços, 121

Em seu artigo NAWLZ: uma HQtrônica de terceira geração, o pesquisador Edgar

estudos. O público gosta de ver as engrenagens funcionando nos bastidores, e isso



valoriza o trabalho do artista perante os olhos do mercado como um todo. O contato

Franco descreve três variantes possíveis de interatividade para as trocas de informação

direto entre artista e público também cria um novo respeito entre as duas partes, que

estabelecidas no meio digital e, sobretudo, na web: “esses níveis podem ir desde o

antes era bem mais estrito e demorado”.

mais básico (passivo), onde o receptor tem como única opção os comandos avançar e retornar, repetindo o padrão do suporte papel, passando pelo nível intermediário (reativo) que envolve sites e CD-ROMs onde o receptor pode optar entre caminhos diversos já pré-establecidos, ou ainda pode acionar animações, efeitos sonoros e links que o levam a caminhos paralelos à narrativa; chegando finalmente ao nível mais avançado de interatividade, que seria classificado como ‘interatividade não-trivial’ onde o leitor não é apenas convidado a navegar pela história que apresenta múltiplos caminhos, como também tem a possibilidade de contribuir com a narrativa criando uma das páginas e participando efetivamente como co-criador de uma obra coletiva”.

Esboços retirados do blog do quadrinista Pablo Mayer



Ao contrário do que acontecia no início do desenvolvimento da crítica literária,

o leitor na Internet não pode mais ser ignorado. Agora, a opinião que ele tem acerca de produtos culturais, como atestam Liesenberg e Pisoni, pode ser amplamente divulgada e adquire um peso maior: “se antes esse tipo de história e crítica era plenamente

A “interatividade não-trivial”, conceito desenvolvido pelo teórico britânico Roy

Ascott, está relacionada a sistemas abertos a um número ilimitado de ações por parte do receptor: ele pode alterar uma cadeia de eventos ou adicionar informações novas, transformando completamente as possibilidades de um conteúdo. A seguir, ilustramos em um vídeo o mecanismo de uma página da Internet que permite que os leitores participem ativamente da construção de infinitas narrativas.

intelectualizada e acadêmica, agora tem a possibilidade de ser construída pelo público comum, que, como foi comprovado, participa ativamente de todas as categorias pertinentes ao texto literário: elaboração, circulação e análise”.

O leitor na Internet é mais que um espectador no processo da produção de uma

HQ. Os recursos disponíveis lhe fornecem a possibilidade de ser uma engrenagem ativa em muitas frentes.

O leitor-autor: “interatividade não-trivial”

No que diz respeito aos webcomics, o termo interatividade está ligado, sobremaneira, à

interação criativa passível de existir entre usuários dentro de um mesmo ambiente virtual. 122



A questão não é saber desenhar, nem ter uma ideia original: é abrir caminhos.

A rede oferece, como nenhum outro meio, recursos para conectar pessoas de todos os 123

lugares e tornar possível a criação compartilhada de universos ficcionais, enciclopédias,



Seguindo ainda essa linha de dispositivos criados para internautas, surgem

bancos de dados e – por que não? – histórias em quadrinhos.

na web cada vez mais geradores de tiras, sites direcionados especialmente para



O consumo cada vez maior de HQ’s na Internet engendrou o desenvolvimento

aqueles usuários que curtem bolar os próprios quadrinhos, mas ou não dominam

de programas voltados para a leitura de scans. É o caso do ComicRack, um visualizador

técnicas de desenho, ou têm preguiça de desenhar. Semelhantes aos geradores de memes,

elaborado especificamente para quem lê quadrinhos no computador: o internauta baixa

essas plataformas disponibilizam determinado número de personagens, requadros e

uma HQ em um formato compatível com o do programa e escolhe dentre vários modos

balões de fala que o autor preenche da maneira que quiser sem, no entanto, partir de

de exibição de página e leitura. O programa, além de trazer algumas ferramentas como

figuras com conotações pré-estabelecidas, tal como acontece com os memes.

lupa e ajuste de cores para os gibis, também serve como um organizador de HQ’s digitais: possui recursos de agrupamento, classificação e busca para que o leitor possa percorrer e encontrar o que procura dentro da sua coleção.

StripGenerator O Stripgenerator é um dos geradores de tiras mais moderninhos que o quadrinista em potencial encontrará na web. Criado pela dupla de eslovenos iga Alja e Martin Glavač, o site funciona como uma comunidade virtual e é mantido pelo ThirdFrameStudios (3fs), uma agência eslovena que desenvolve aplicativos

Exemplo de interface do ComicRack, com biblioteca organizada por títulos, séries e gêneros. Imagem retirada do blog Info

124

A interface extremamente simples e ampla variedade de personagens e configurações de páginas fazem do Stripgenerator um dos generadores mais simpáticos da web

125

multimídia para toda a Europa. O internauta cria uma conta no gerador, monta



tiras e publica na página do seu perfil, sendo que qualquer membro do grupo pode

usuários podem discutir problemas relativos à interface e ao funcionamento do site e

visitá-la e deixar comentários.

dar sugestões que variam desde concursos e novos serviços até pacotes temáticos de



Andraz Logar, diretor executivo do 3fs, explica que o StripGenerator é um tipo

O gerador também suporta um fórum, em que, além de trocar ideias e tiras, os

personagens.

de projeto hobbie em que eles investem, porque, além de contar com ótimo feedback



Apesar de inteiramente gratuito, o StripGenerator requer que o usuário tenha

dos usuários – já são mais de 100 mil perfis e quase 600 mil tiras publicadas –, o

instalado o Flash Player, plug-in especial para a criação de animações interativas, de

gerador serve de plataforma de testes para os aplicativos desenvolvidos no estúdio.

modo que, dependendo da conexão e da capacidade do computador, o serviço pode

“O StripGenerator não gera lucro, apesar de nós já termos vendido algumas licenças

demorar para carregar ou mesmo travar.

de uso a várias companhias, sendo a mais famosa a Ericsson da Suécia. Nós também



vendemos algumas licenças para a CME [Central European Media Enterprise,

in e conta com uma versão em português. Assim como o ThirdFrameStudios vende

companhia de mídia e entretenimento, dona de várias estações de televisão no Centro

licenças para empresas, o Pixton também desenvolve pacotes especiais para escolas,

e no Leste Europeus] como uma ferramenta multimídia de marketing político para

com ferramentas que permitem que os quadrinhos feitos pelos alunos sejam impressos

eleições - o que significa que os usuários poderiam fazer quadrinhos com figuras

e o conteúdo dos projetos monitorado pelos professores. Tanto no Pixton quanto no

políticas. Mas é claro que o StripGenerator gera bastante publicidade para o 3fs”.

StripGenerator, alguns serviços só são liberados mediante pagamento; enquanto no

Há geradores de tiras mais simples como o Pixton, que não necessita do plug-

primeiro o usuário paga, por exemplo, para poder diagramar livremente os seus quadrinhos, no segundo, ele paga para liberar novos pacotes de personagens. A Máquina de Quadrinhos da Turma da Mônica é outro gerador de tiras, só que comprometido com a divulgação do trabalho dos Estúdios Mauricio de Sousa. Destinado a um público mais infantil, os usuários são convidados a montar tiras ou páginas utilizando os personagens da Turma da Mônica, desde que concordem em obedecer a algumas restrições temáticas: “histórias e comentários que envolvam diferenças raciais, álcool e drogas, sexo, religião, política ou outros temas do gênero não são adequados para o Portal. A Máquina de Quadrinhos se reserva no direito de retirar do Portal histórias e comentários que envolvam esses assuntos”.

Os recursos digitais têm reconfigurado certos aspectos dos quadrinhos, ao

menos na Internet. Se, antes, bons desenhos e protagonistas eram elementos essenciais para sustentar boas histórias, hoje, além da ampla variedade de temáticas, que não No tópico Future ideas and tips (em tradução livre, “Ideias para o futuro e sugestões”), o usuário mark mahem sugere que o gerador adote uma seção de gêneros, para que os leitores possam acessar facilmente as tiras com as temáticas que mais lhes interessarem

126

necessariamente se prendem a personagens centrais e constantes, a Internet também revela “estilos” que prescindem do talento técnico dos autores. Logar entende que isso 127

não altera o propósito das histórias em quadrinhos: “no final das contas, um conteúdo de qualidade (comercial ou não) irá prevalecer independentemente da mídia ou da ‘classificação’ artística. O formato quadrinho é apenas outro formato de veiculação de conteúdo, nada mais. Ele sempre serviu ao seu propósito de expressar histórias, talento artístico e ainda hoje é assim. E vai continuar a ser no futuro, mas o formato pode vir a mudar; as ferramentas vão evoluir e nós veremos cada vez mais híbridos de formas de arte”.

128

129

Conclusão

A melhor maneira de concluir este trabalho é resgatar um aspecto dele bastante

peculiar: o #Sketches Virtuais se baseou quase que inteiramente em dados, artigos, notícias e resenhas da Internet; o texto é resultado direto de pouco mais de um ano de intenso acompanhamento de blogs, sites, redes sociais, fóruns e, claro, webcomics.

Por se tratar de um tema cuja bibliografia, que já não é extensa, toma comumente

extremamente prolífica, interessante tanto para os quadrinistas quanto para fãs e pesquisadores da área.

Este trabalho pretendeu mostrar, partindo inclusive da maneira como foi

feito, que a Internet é um caminho sem volta em se tratando da criação e da troca de produtos culturais e que, enquanto ela se mantiver como uma ferramenta em constante desenvolvimento, capaz de agregar proficiência técnica e criativa, muitos protocolos e conceitos serão superados.

por foco os quadrinhos impressos, não houve a quem recorrer, senão à própria web. Sites como o Universo HQ e o Bigorna (que, recentemente, declarou ter encerrado suas atividades) talvez tenham sido as fontes de informação mais completas de que dispusemos ao longo do processo de desenvolvimento do trabalho, fato, no mínimo, curioso em relação a dois pontos. O primeiro deles se refere ao número surpreendente de pessoas que parece estar consumindo (e publicando) quadrinhos online, sejam eles tiras, scans, “HQtrônicas” ou memes. O segundo volve a questão da Internet como um meio perfeitamente capaz de, ao mesmo tempo, revelar uma demanda e abastecê-la de informações em um nível bastante satisfatório.

O perfil do leitor de histórias em quadrinhos - quiçá do leitor em geral - mudou.

Essa mudança fica, sobremaneira, visível na segmentação do mercado, mas tem raízes mais complexas, que implicam dizer que os quadrinhos têm atraído novos leitores, boa parte dos quais não tinha, até bem pouco tempo atrás, qualquer familiaridade com a arte sequencial. A Internet favoreceu esse processo na medida em que não só aumentou o contato dos internautas com os quadrinhos, como também criou um tipo único de protagonismo em relação a eles – e a produtos culturais de modo geral –, permitindo, através de interfaces interativas, que a fruição das histórias se desse não apenas na leitura, mas na autoria, afrouxando os nós que amarravam as HQ’s tradicionais às antigas fórmulas “imagem fixa + texto” e “autor -> conteúdo -> receptor”.

É graças a essa propriedade democratizante da Internet, que disponibiliza

programas e serviços gratuitos capazes de dar suporte à comunicação entre usuários e à criação simultânea de conteúdo, que hoje os webcomics constituem uma produção 130

131

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