SOARES, F. 2013. As fortificações catarinenses litorâneas na perspectiva arqueológica: levantamento das pesquisas realizadas. In: LINO, J. e FUNARI, P. (orgs.). Arqueologia da Guerra e do Conflito. 1ed. Erechim: Habilis, p.129-162.

June 22, 2017 | Autor: Fernanda Codevilla | Categoria: Arqueología histórica, Fortificacões
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AS FORTIFICAÇÕES CATARINENSES LITORÂNEAS NA PERSPECTIVA ARQUEOLÓGICA: LEVANTAMENTO DAS PESQUISAS REALIZADAS

Fernanda Codevilla Soares

INTRODUÇÃO

As edificações militares catarinenses começaram a ser construídas a partir de 1739, por José da Silva Paes, engenheiro militar e primeiro governador de Santa Catarina. Os principais motivos para a edificação das fortificações foram demarcar o domínio português no Brasil Meridional, buscando impedir a invasão espanhola no sul do país; proteger a Colônia de Sacramento fundada em 1680 e garantir o acesso de Portugal à região do Rio da Prata, almejada em função das trocas comerciais lícitas e ilícitas realizadas naquele espaço. As condições favoráveis enquanto porto natural e situada estrategicamente - a meio caminho entre Rio de Janeiro e Buenos Aires – da Ilha de Santa Catarina e imediações, constituíram fatores para a instalação destas edificações. Foram dez1 as edificações, constituída, incluindo fortalezas, fortes e bateriais2, com as seguintes denominações: Santa Cruz do Anhatomirim, São José da Ponta Grossa, Santo Antônio de Ratones, Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, São Francisco Xavier, Santana, São Caetano, São Luís e Santa Barbara. Duas delas, as fortificações São Francisco Xavier e São Luís, foram totalmente destruídas, as outras oito foram restauradas e revitalizadas, quatro são gerenciadas pela UFSC e transformadas em um dos principais pontos de atração turística da região.

Tonera e Oliveira (2011: 29) afirma que “o litoral catarinense chegou a possuir mais de duas dezenas de fortificações”, levando em conta estruturas de menor porte que não deixaram vestígios; como por exemplo: Forte do Pontal do Rio Ratones, Bateria do José Mendes, Bateria da Praia de Fora, Estacada da Praia da Vila, Estacada Leste da Praia de Fora, Estacada Oeste da Praia de Fora, Forte do Cacupé, Forte do Ribeirão da Ilha, Trincheiras de Santo Antônio, Trincheira da Agronômica, Trincheira da Foz do Rio Ratones, Trincheira da Ponta do Estreito, Trincheira das Três Pontes, Trincheira do Caminho dos Açores, Trincheira do Lessa, Trincheiras da Praia de Fora, Trincheiras de São Luís, Forte Marechal Moura de Naufragados. 2 Fortaleza caracteriza-se por uma denominação atribuídas as fortificações que contém duas ou mais baterias de artilharia, instaladas em obras independentes. Forte caracteriza-se por uma fortificação constituída de uma ou duas baterias, instaladas na mesma obra. Bateria caracteriza-se por uma obra de fortificação existente no interior de um forte ou de uma fortaleza, ou isoladamente, onde são alocadas peças de artilharia. E a palavra fortificação abrange, de modo geral, as três categorias descritas acima, podendo ser caracterizada como obras para defesa militar (Barreto, 1958 apud Caldas, 1992: 145). 1

A Fortaleza Santa Cruz do Anhatomirim, São José da Ponta Grossa, Santo Antônio de Ratones, Santana e Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba foram submetidas a pesquisas arqueológicas. O artigo em tela prevê a caracterização dos trabalhos arqueológicos realizados nessas fortificações, tendo com ponto de partida a documentação existente no Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral da Universidade Federal de Santa Catarina (MARquE - UFSC) e relatórios de pesquisas arquivados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de Santa Catarina. As principais fontes analisadas foram documentos produzidos a partir das referidas pesquisas (relatórios, diários de campo, croquis/plantas das escavações, fichas de escavação e de laboratório), bem como, monografias, dissertações e teses disponíveis na Biblioteca Central da UFSC, publicações científicas (artigos e livros) e sites especializados da internet. Nesse artigo, incialmente é realizada a contextualização destes sítios arqueológicos na perspectiva da história da Região Platina, e, posteriormente, é feita uma análise das pesquisas arqueológicas, descrevendo os principais trabalhos desenvolvidos, os responsáveis pela intervenção, a metodologia utilizada e os resultados obtidos. As

pesquisas

arqueológicas

destas

fortificações

proporcionaram

importantes

informações sobre o cotidiano das populações que estavam a serviço do sistema militar defensivo português em terras catarinenses. Apesar disso, os trabalhos realizados não desenvolveram análises de caráter interpretativo, deste modo, pretende-se diagnosticar os estudos já realizados e apresentar subsídios para novas pesquisas que venham a ser desenvolvidas.

O ESPAÇO PLATINO, CONFLITOS TERRITORIAIS E AS FORTIFICAÇÕES CATARINENSES LITORÂNEAS: “OBRAS DE FACHADA” OU “MONSTROS DO MAR”?

A edificação das fortificações catarinenses insere-se em um contexto belicoso que marcou a história da região Sul no Brasil. Nesse contexto, a luta por mercados e território junto ao rio da Prata foi o principal ponto de interesse de Portugal e Espanha por essa região. Interesses que motivaram diversos conflitos e tornaram evidente a necessidade de fortificar e colonizar esse espaço antes que outro país o fizesse.

A colonização do espaço platino iniciou-se por volta do século XV, quando Portugal e Espanha tomaram conhecimento da existência de novas terras a Oeste do Atlântico e se preocuparam em desenvolver uma política de tratados que reconhecesse a posse dessas áreas (Reichel e Gutfreind, 1996). No século XV foram assinados alguns acordos e obtidas algumas bulas papais visando à divisão territorial das novas terras, entre elas: a Bula Romanus Pontifex (1454), o Tratado de Alcáçovas (1493), a Bula Inter Caetera (1493) e o Tratado de Tordesilhas (1494). Esse último tornou-se o “ponto crucial das disputas ibéricas pela posse do espaço platino” (Reichel e Gutfreind, 1996: 63). O Tratado de Tordesilhas determinou que uma linha imaginária, distante cerca de 370 léguas das Ilhas de Cabo Verde, dividiria as novas possessões ultramarinas; ao lado oriental dessa linha, seriam posses portuguesas e ao lado ocidental, posses espanholas. O futuro espaço platino tornou-se, então, domínio espanhol, bem como, o atual Estado do Rio Grande do Sul e a parte oeste do atual Estado de Santa Catarina. Segundo Reichel e Gutfreind (1996), no século XVI, o espaço platino permaneceu praticamente

inexplorado,

marcado,

sobretudo,

por

algumas

expedições

de

reconhecimento e pelas duas fundações de Buenos Aires, visto a primeira ter sido atacada por indígenas nativos que viviam na região. No século XVII, contudo, intensificou-se a ocupação sistemática dessa área e novos tratados foram assinados. Desse período, cabe destacar a Bula assinada pelo Papa Inocêncio XI, em 1676, que estendeu até o Rio da Prata a jurisdição do bispado do Rio de Janeiro. Como reflexo imediato dessa bula, Portugal fundou, em 1680, a Colônia de Sacramento, na margem esquerda do rio Uruguai, em frente à Buenos Aires e no lado oriental do Rio da Prata. É importante lembrar que o Tratado de Tordesilhas havia determinado que o espaço platino era possessão espanhola e que as terras portuguesas terminavam pelas imediações de Laguna em Santa Catarina, logo, a fundação da Colônia de Sacramento tão ao Sul do Continente era, de fato, um afronte à Espanha e aos criollos 3 que viviam na região. Do ponto de vista português, entretanto, a fundação da Colônia de Sacramento era uma ação necessária para dar continuidade ao comércio de mercadores portugueses com sede no Brasil e em Buenos Aires, que tinha se iniciado no período da União Ibérica (1580 – 1640). A Coroa portuguesa acreditava que a “instalação da Colônia um elemento 3

Descendentes brancos de espanhóis nascidos na América. Alguns podiam ser proprietários de terras, de minas ou comerciantes; apesar de possuir poder econômico, não possuíam poder político.

importante de seu programa de reformas e de reativação econômica motivado pela crise do açúcar brasileiro” (Reichel e Gutfreind, 1996: 67). Era uma iniciativa que visava, sobretudo, estimular trocas comerciais com a área platina e obter lucros com os metais preciosos das colônias espanholas4. Conforme afirmam Reichel e Gutfreind (1996: 69), iniciou-se “uma luta por mercados e territórios junto ao rio da Prata que se prolongou por quase todo o século XVIII e, na qual, entraram em conflitos os interesses das duas metrópoles”. Diante dessa situação, os criollos que viviam em Buenos Aires atacaram por diversas vezes a Colônia de Sacramento, na maior parte das vezes tiveram vantagens, visto a superioridade bélica e a retaguarda guarnecida por Buenos Aires. Quando esses ataques ocorriam, as nações europeias tentavam resolver a situação pela via diplomática e Portugal acabava vencendo. Segundo Reichel e Gutfreind (1996: 69) “as vitórias de Portugal ocorreram, primordialmente, no campo da diplomacia, enquanto que as da Espanha se deram no campo das armas”. Em 1735 a Colônia de Sacramento foi cercada pelos espanhóis mais uma vez, contudo, dessa vez, Gomes Freire de Andrade (general governador do Rio de Janeiro e de todo o Sul do Brasil) enviou socorro comandado pelo brigadeiro José da Silva Paes, que tinha como missão, além de auxiliar Sacramento, tomar Montevidéu5. Silva Paes fez escala em Santa Catarina no seu caminho ao espaço platino e apesar de não atingir seu objetivo (visto que os portugueses perderam Montevidéu e Sacramento), 4

O comércio realizado pelos portugueses, a partir da Colônia de Sacramento e da rota de Santa Fé, driblava os entrepostos tributários espanhóis, diminuindo os custos das mercadorias vendidas (principalmente artigos manufaturados e escravos) e dando acesso aos metais preciosos das minas do Peru, Chile e Tucumã, sem os altos tributos espanhóis. Além disso, um fator agravante nessas disputas foi a exploração do gado selvagem ou chimarrão que se criava espontaneamente no Pampa e os campos de criação existentes, principalmente, na região da Banda Oriental, desejados por colonos, criollos, indígenas, jesuítas, portugueses e espanhóis. 5 A primeira invasão à Colônia de Sacramento ocorreu tão logo a sua fundação, a mesma resistiu por 23 dias e acabou sendo tomada pelos espanhóis, foi restituída aos portugueses em 1683, através de acordos diplomáticos na Europa. Em 1684, percebendo a necessidade de fornecer apoio militar para a Colônia de Sacramento, os portugueses fundaram Laguna, em Santa Catarina. Contudo, no ano de 1704, indiferente à fundação de Laguna, Sacramento foi novamente atacada, resistiu por cinco meses e acabou sendo mais uma vez tomada pelos espanhóis. A partir do Tratado de Utrecht (1713) foi novamente restituída aos portugueses. Visando guarnecer mais uma vez aos colonos de Sacramento, foi fundada, em 1723, a cidade de Montevidéu na Banda Oriental, porém, meses depois, os portugueses acabaram a abandonando e os espanhóis a conquistaram. A Colônia de Sacramento permaneceu sob o domínio espanhol até a assinatura do Tratado de Madri em 1750, onde foi determinado que Sacramento passasse à Espanha e os Sete Povos das Missões ao domínio português. Portugal entregou a Colônia aos espanhóis, porém, teve dificuldades em tomar posse das Missões, diante da deflagração da Guerra Guaranítica. O tratado foi desfeito, a Colônia voltou para posses portuguesas e os Sete Povos para Espanha. A situação só foi resolvida com a assinatura do Tratado de Santo Idelfonso, em 1777, segundo o qual, Sacramento foi entregue aos espanhóis em troca dos Povos das Missões e da Ilha de Santa Catarina, que, na época, estava sob o domínio espanhol.

fundou o Forte Jesus Maria José e a povoação de Rio Grande de São Pedro na Lagoa dos Patos, dando origem ao atual Estado do Rio Grande do Sul (Abadie Aicard e Almeida, 1990; UFSC, 1989 e Machado, 1994). Silva Paes percebeu que o principal problema para a posse portuguesa na Colônia de Sacramento era o isolamento da região e concluiu ser de fundamental importância conservar a Ilha de Santa Catarina, militarmente, enquanto ponto estratégico nas rotas marítimas portuguesas, haja vista as condições naturais potencialmente favoráveis da localidade enquanto porto natural e os sucessivos desembarques de piratas, corsários e demais viajantes estrangeiros na região. Assim, em 1737, Gomes Freire de Andrade enviou uma carta ao rei Dom João V “demonstrando a conveniência de se dar um comando único a toda a costa sul-brasileira, até a Colônia de Sacramento e se fortificar a Ilha de Santa Catarina” (Cabral, 1972: 11). Em 1738 o rei expediu uma Carta Régia determinando que o “Brigadeiro José da Silva Paes passe logo a Ilha de Santa Catarina para a sua defensa, procurando evitar nela tudo quanto lhe possível a maior despesa” (Mafra, 1890 apud Cabral, 1972: 11). Nesse período, Santa Catarina foi elevada a condição de Capitania (1738) e Silva Paes enquanto primeiro governador da nova capitania – instalou-se na pequena vila de Desterro para dar início às obras relacionadas à construção do forte. Todavia, chegando à Ilha, o brigadeiro teve a certeza de que uma fortificação não seria suficiente, visto que “toda a costa da sua capitania era portadora de muitos portos” (Piazza, Grillo e Colaço, 1983: 2). Logo, foi necessário um plano para a defesa da área, iniciou-se então a construção de quatro fortalezas e não uma, conforme determinado pela Carta Régia. Cabral (1972) acredita que esta ação não teria sido possível sem o consentimento da Coroa, especialmente devido às recomendações iniciais de poucos gastos. Em anos posteriores, como novos governadores e comandantes, novas fortificações foram edificadas no litoral catarinense. No quadro 01, de modo esquemático, constam informações sobre as fortificações (localização, período e usos). A partir dele é possível notar que existem divergências com relação às datas de edificação de algumas fortificações; isso ocorreu, de modo geral, porque na documentação analisada, especialmente em mapas antigos elaborados por viajantes estrangeiros, não há clareza se a bateria, o forte ou a fortaleza representada já existia no período em que o mapa foi elaborado ou se tratavam de indicações de locais aonde as fortificações iriam ser construídas.

Fortaleza/Forte/Bateria

Santa Cruz Anhatomirim

São José Grossa

da

de

Ponta

QUADRO 01 - HISTÓRICO E USOS DAS FORTIFICAÇÕES CATARINENSES Localização Ano de construção / Fontes Histórico de usos Foram feitos reparos em 1762, 1835, 1849 a 1851 (Cabral, 1971). Passou por reformas e novas construções ao longo do século XVIII e XIX (Almeida e Aicard, 1990; Souza, 1991; Uchôa, 1992; Machado, 1994). Passou por um processo de abandono lento, roubos e saques até 1893 (Souza, 1983). Foi posto de quarentena em 1884 (Caldas, 1992). Abrigou convalescentes brasileiros e prisioneiros paraguaios durante a Guerra do Paraguai de 1864-1870 e foi “depósito de loucos” (Caldas, 1992). Foi prisão militar em 1894 (Souza, 1991; Machado, 1994). Foi utilizada para o fuzilamento de federalistas em 1894 (Souza, 1991, Caldas, 1992; Machado, 1994). Passou do Ministério da Guerra para o Ministério da Marinha 1739 (Cabral, 1972; Souza, em 1907 (Caldas, 1992; Machado, 1994). Foi cárcere de líderes da Revolução 1981, 1983, 1991; Veiga, Constitucionalista em 1932 (Uchôa, 1992; Machado, 1994). De 1893 até 1940 foi Ilha de Anhatomirim, 1988; UFSC, 1989; Almeida e ocupada por militares, cerca de 30 marinheiros com suas famílias que prestavam Município: Governador Aicard, 1990; Caldas, 1992; serviço e viviam na fortaleza (Uchôa, 1992). Foi tombada pelo IPHAN em 1938 Celso Ramos Uchôa, 1992; Machado, 1994; (Souza, 1983; Machado, 1994). Foi desarmada (desguarnecida) em 1940 (Souza, Corrêa, 2005 e Tonera e 1983; Uchôa, 1992). A saída das tropas militares que viviam na fortaleza ocorreu Oliveira, 2011). em 1948 (Uchôa, 1992). Algumas famílias sustentadas pela Capitania dos Portos habitaram a Ilha até 1952 (cerca de três famílias de marinheiros) (Uchôa, 1992; Machado, 1994). Foi totalmente abandonada pelos militares e alvo de pilhagem a partir de 1960 (Uchôa, 1992; Machado, 1994). Em 1970 seus edifícios receberam as primeiras intervenções de restauração promovidas pelo IPHAN (Tonera e Oliveira, 2011). Em 1979 a restauração se acelerou, tendo sido adotado e gerenciado pela UFSC desde então (Tonera e Oliveira, 2011). Foi aberta a visitação turística em 1984 (Tonera e Oliveira, 2011) Entre 1988 e 1990, no âmbito do Projeto Fortalezas, os seus últimos edifícios foram restaurados (Tonera e Oliveira, 2011). Foi abandonada e não recebeu reparos desde a invasão espanhola de 1777 (Machado, 1994; Souza, 1991; Caldas, 1992; Uchôa, 1992). Famílias habitavam o 1740 (Cabral, 1972; Veiga, entorno imediato da fortaleza desde o século XIX, tendo a situação de reocupação 1988; UFSC, 1989; Souza, se agravado no século XX (Machado, 1994). Ao longo do tempo ocorreu a Praia do Forte, 1981, 1991; Almeida e Aicard, invasão de posseiros na área da fortaleza e o cercamento, com arame farpado, de Município: Florianópolis 1990; Caldas, 1992; Uchôa, algumas partes internas do mesmo, tendo existido, inclusive, agricultura e criação 1992; Machado, 1994 e de animais junto a algumas edificações (PROJETO IPUF, 1981). Serviu muitas Tonera e Oliveira, 2011). vezes como prisão (Almeida e Aicard, 1990). Foi desarmada em 1833 (Almeida e Aicard, 1990). Foi tombada pelo IPHAN em 1938 (Machado, 1994). Em 1976

Santo Antônio Ratones

de

Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba

Ilha Ratones Grande, Município: Florianópolis

1740 (Cabral, 1972; Veiga, 1988; UFSC, 1989; Almeida e Aicard, 1990; Souza, 1981, 1991; Caldas, 1992; Uchôa, 1992; Machado, 1994 e Tonera e Oliveira, 2011).

Ilha de Araçatuba, Município: Palhoça

1741 (Caldas, 1992) ou 1742 (Cabral, 1972; Souza, 1981, 1991; UFSC, 1789; Almeida e Aicard, 1990; Uchôa, 1992; Machado, 1994 e Tonera e Oliveira, 2011).

recebeu as primeiras intervenções de limpeza e consolidação emergencial de seus edifícios (Tonera e Oliveira, 2011). Sua restauração efetiva ocorreu no âmbito do Projeto Fortalezas a partir de 1992 (Tonera e Oliveira, 2011). Após a restauração, rendeiras da comunidade passaram a realizar exposições e comercializar produtos artesanais na área do Quartel da Tropa. E atualmente, na Casa do Comandante, encontra-se uma exposição dos artefatos recolhidos na intervenção arqueológica realizada no sítio (Tonera e Oliveira, 2011). As suas construções foram utilizadas para a instalação de um Lazareto para variolosos na segunda metade do século XIX (Almeida e Aicard, 1990; Caldas, 1992; Machado, 1994). Foi desarmada em 1859 (Almeida e Aicard, 1990). Foi autorizado o estabelecimento de uma enfermaria em 1881 (Machado, 1994). Foi remodelada para servir de posto quarentenário em 1883 (Almeida e Aicard, 1990). Entre 1893 e 1894 foi ocupada e artilhada com equipamentos mais modernos pelos rebeldes da Revolução Federalista e da Revolta Armada (Tonera e Oliveira, 2011). Foi utilizada para depósito de carvão para abastecimento dos navios da armada nacional em 1879 (Almeida e Aicard, 1990, Tonera e Oliveira, 2011) ou 1907 (Machado, 1994). Passou do Ministério da Guerra para o da Marinha em 1907 (Machado, 1994). Foi tombado pelo IPHAN em 1938. Em 1983 e 1984 foi alvo de um mutirão de limpeza da vegetação, promovido por voluntários da comunidade (Tonera e Oliveira, 2011). A restauração efetiva ocorreu em 1990 e a partir de 1991 a UFSC assumiu o seu gerenciamento (Tonera e Oliveira, 2011). Passou por algumas reformas no século XVIII e XIX (Souza, 1991 e Amaral, 2003). Em 1894 recebeu a denominação Forte de Araçatuba por determinação ministerial (Caldas, 1992). Em 1887 serviu como depósito para pólvora que foi retirada de Anhatomirim (Amaral, 2003). Serviu de prisão militar, especialmente no início do período republicano (Almeida e Aicard, 1990; Machado, 1994) e na década de 1930 (Souza, 1991). Foi alvo para exercício de tiro (Machado, 1994). Foi desarmada em 1921 (Machado, 1994). Em 1954 foi colocada fora de serviço (Barreto, 1958 apud Amaral, 2003). Foi tombada pelo IPHAN em 1984. Em 1987 foi realizado, pelo IPHAN, um levantamento gráfico cadastral de seus edifícios (Tonera e Oliveira, 2011). Em 1991 recebeu ações voltadas para o escoramento e consolidação de seus edifícios no âmbito do Projeto Fortalezas (Tonera e Oliveira, 2011). Entre 2001 e 2003 teve sua tutela, temporariamente, nas mãos da UFSC, porém, como a restauração não foi realizada, o imóvel retornou para a jurisdição do exército (Tonera e Oliveira, 2011).

São Francisco Xavier

Santana

São Caetano

São Luís

Bairro Centro, Município: Florianópolis

1761/1765 (Cabral, 1972; Almeida e Aicard, 1990) ou 1761 (Veiga, 1988; Uchôa, 1992 e Machado, 1994) ou 1763 (Caldas, 1992 e Tonera e Oliveira, 2011).

Bairro Estreito, Município: Florianópolis

1761/1765 (Cabral, 1972; Souza, 1981, 1991; Veiga, 1988; Almeida e Aicard, 1990 e Corrêa, 2005) ou 1761 (Uchôa, 1992 e Machado, 1994) ou 1763 (Caldas, 1992 e Tonera e Oliveira, 2011).

Praia do Forte, Município: Florianópolis

1765 (Cabral, 1972; Veiga, 1988; Souza, 1981, 1991; Almeida e Aicard, 1990; Caldas, 1992; Uchôa, 1992; Machado, 1994 e Tonera e Oliveira, 2011).

Praia de Fora, Município: Florianópolis

1770 (Souza, 1981, 1991; Caldas, 1992) ou 1771 (Cabral, 1972; Veiga, 1988; Almeida e Aicard, 1990; Uchôa, 1992; Machado, 1994; Corrêa, 2005 e Tonera e

Foi vendida em hasta pública em 1841 para ser demolida (Souza, 1991; Almeida e Aicard, 1990). O terreno da marinha passou à Câmara Municipal, que, atendendo a uma reivindicação comunitária, ergueu, em 1862, no local dos escombros da bateria, uma praça, atualmente denominada Praça Esteves Júnior (Tonera e Oliveira, 2011). Sofreu uma série de reparos no século XIX e XX (Souza, 1991; Caldas 1992). Era utilizado para as comemorações de “gala nacional” (Almeida e Aicard, 1990). Foi utilizado para aquartelamento provisório da Escola de Aprendizes Marinheiros da Província de Santa Catarina em 1857 (Caldas, 1992; Machado, 1994; Comerlato, 2000; Tonera e Oliveira, 2011) e para a Companhia dos Inválidos em 1876 (Tonera e Oliveira, 2011). Foi ocupado pelo serviço de polícia do Porto em 1880 (Caldas, 1992; Machado, 1994; Comerlato, 2000). Em 1893 foi utilizado como guarnição de Desterro no combate da Revolução Federalista (Comerlato, 2000). Foi desativado em 1907 (Tonera e Oliveira, 2011). Foi instalada uma estação meteorológica do Ministério da Agricultura em 1912 (Caldas, 1992; Tonera e Oliveira, 2011). Foi tombado pelo IPHAN em 1938. Em 1969 iniciou-se a restauração arquitetônica do edifício (Tonera e Oliveira, 2011). Desde 1975 abriga o Museu de Armas Lara Ribas da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina (Veiga, 1988; Souza, 1991). Atualmente, encontra-se dentro da poligonal de tombamento que compreende o entorno insular e continental da Ponte Hercílio Luz, definido e tombado pelo IPHAN em 1997 (Comerlato, 2000). É administrado pela Polícia Militar de Santa Catarina (Tonera e Oliveira, 2011). Encontrava-se abandonada desde 1777, quando ocorreu a invasão espanhola na Ilha (Caldas, 1992). Foi dividida e parte de suas muralhas destruídas durante a construção do acesso a Fortaleza São José da Ponta Grossa em data não estimada (Machado, 1994). Partes de suas construções foram utilizadas como piso de um banheiro improvisado para pessoas que acampavam no local no ano de 1990 e 1991 (Machado, 1994). Atualmente, encontra-se revitalizada e aberta a visitação turística (Tonera e Oliveira, 2011). Assim como a bateria de São Francisco Xavier, essa fortificação foi vendida em hasta pública em 1841 para ser demolida (Souza, 1991; Almeida e Aicard, 1990). Atualmente, não existem vestígios da mesma, tendo sido totalmente destruída quando da abertura da Avenida Rubens de Arruda Ramos, estando localizada no largo fronteiro ao monumento a Lauro Müller (Veiga, 1988). Seu terreno é utilizado pela Prefeitura de Florianópolis para feira-livre (Machado, 1994).

Santa Barbara

Bairro Centro, Município: Florianópolis

Nossa Senhora Conceição da Lagoa

Praia da Barra da Lagoa ou Lagoa da Conceição ou Praia da Galheta ou Ilha das Aranhas Município: Florianópolis

São João

da

Oliveira, 2011). Antes de 1774 (Tonera e Oliveira, 2011) Antes de 1786 (Cabral, 1972; Almeida e Aicard, 1990; Uchôa, 1992 e Machado, 1994) ou Posterior a 1786 (Veiga, 1988) ou 1785 (Veiga, 2010) ou 1786 (Corrêa, 2005) ou 1793(Caldas, 1992) ou Fim do XVIII (Souza, 1981, 1991). 1775 (Caldas, 1992 e Tonera e Oliveira, 2011) ou 1776 (Machado, 1994 e Souza, 1981) ou Antes de 1786 (Cabral, 1972; Almeida e Aicard, 1990 e Uchôa, 1992) ou 1786 (Veiga, 1998).

Foi sendo descaracterizado ao longo dos tempos (Veiga, 1988). Foi utilizado como Lazareto (Machado, 1994) e para Hospital Militar da cidade de Desterro no ano de 1840 (Caldas, 1992, Machado, 1994). No ano de 1851 já se encontrava desativado e desarmado (Veiga, 2010). Foi remodelado para servir de sede da Capitania dos Portos em 1875, tendo sofrido algumas demolições e novas construções (Souza, 1991; Caldas, 1992). Serviu também como sede do governo do Estado durante a Revolução Federalista, em 1893 (Veiga, 2010). Foi tombado pelo IPHAN em 1984, quando as discussões para sua demolição acentuaram-se (Machado, 1994; Veiga, 2010). Em 1999 a fortificação foi cedida da Marinha do Brasil ao município de Florianópolis (Tonera e Oliveira, 2011). Atualmente, desde 2001, é ocupado pela Fundação Franklin Cascaes, que se caracteriza pela Fundação de Cultura do Município de Florianópolis (Veiga, 2010).

É possível que tenha desaparecido ou tenha sido destruída ainda no século XVIII, visto que em mapas do século XIX não é mais retratada (Tonera e Oliveira, 2011).

Em 1837 encontrava-se “inteiramente arruinada” (Souza, 1991). Em 1860 foi demolida e abandonada, com a justificativa de construir um Forte no local, o que Bairro Estreito, no não ocorreu (Souza, 1991). A partir de 1922, quando ocorreu a construção da Continente, Ponte Hercílio Luz; o que restava da bateria ficou sob um das cabeceiras da ponte Município: Florianópolis (Souza, 1991). Atualmente existem apenas vestígios de um túnel (Veiga, 1988) que foi fechado com tijolos pela prefeitura de Florianópolis em 1975 para que moradores de rua não se alojassem no local (Souza, 1991). Quadro 01: Quadro sínteses sobre as fortificações catarinenses, com informações sobre localização, período de construção e histórico de usos. 1793 (Cabral, 1972; Souza, 1981, 1991; Almeida e Aicard, 1990; Caldas, 1992; Uchôa, 1992; Machado, 1994 e Tonera e Oliveira, 2011) ou 1797 (Corrêa, 2005).

A partir do estudo realizado para construção do quadro 01 é possível afirmar que existem divergências entre os autores quanto à existência da Fortaleza Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, Forte Ponta das Almas, Forte do Lessa e outros. Os principais desacordos giram em torno do local onde teriam sido construídos, quando teria ocorrido e se, de fato, existiram. Ainda não existem registros materiais que comprovem ou refutem a existência dos mesmos, bem como, não há documentos históricos que informem claramente dados sobre eles. Nota-se que alguns autores mencionam a possível existência dos mesmos e outros os ignoram. A partir do quadro 01 pode-se perceber a multiplicidade de usos atribuídos a essas fortificações ao longo dos tempos. É possível notar que o caráter bélico e militar, que inicialmente determinou a construção desses monumentos militares, é apenas uma face desse patrimônio, o qual é marcado por uma série de reapropriações no decorrer dos séculos, muitas delas relacionadas a aspectos cotidianos e corriqueiros de Desterro nos séculos XVIII, XIX e XX. Tais reapropriações são de fundamental importância para compreender os significados desses patrimônios junto à população nos dias atuais e para interpretar os vestígios arqueológicos recuperados nesses sítios, visto que muitos deles remetem à período no qual o caráter bélico não era o principal uso atribuído à fortificação. A maior parte dos historiadores analisados dividem opiniões quanto à eficácia ou não do sistema defensivo catarinense. Pode-se dizer que um dos principais debates da historiografia catarinense sobre as fortificações é o fato de elas terem sido bem ou mal elaboradoras e não terem sido úteis quando ocorreu a invasão espanhola em 1777, visto que a Ilha foi entregue aos espanhóis sem nenhuma tentativa de defesa. Segundo a bibliografia pesquisada, o episódio da invasão espanhola procedeu-se da seguinte forma: a esquadra espanhola, que invadiu a Ilha de Santa Catarina, partiu de Cádiz em 13 de Novembro de 1776, o comandante era Dom Pedro de Cevallos, experiente militar e conhecedor da costa da América Meridional. Cevallos já havia enfrentado os portugueses em algumas campanhas no Sul do Brasil e já havia sido governador de Buenos Aires entre 1756 e 1763. O ataque às terras portuguesas havia sido cuidadosamente planejado pela Coroa espanhola, os navios eram bem organizados com o total de “121 unidades de guerra e de transporte” (Flores, 2004: 14) e “11.524 homens, subordinados a uma rígida estrutura militar” (Flores, 2004: 15). Em contrapartida, a Ilha de Santa Catarina encontrava-se desfalcada em termos de armamento e efetivos; os quais somavam “4.160 homens”, sendo que a maioria eram

“soldados-cidadãos”, os quais se dedicavam ao cultivo, a criação e ao comércio na maior parte do ano, só prestando serviços militares em épocas de perigo (Flores, 2004: 30). Quando os espanhóis desembarcaram no porto de Canasvieiras no dia 23 de Fevereiro de 1777, não houve qualquer reação por parte da bateria de São Caetano, ao contrário, seu chefe - um tenente do Rio de Janeiro - passou para o lado espanhol e a guarnição "bateu em retirada" para a Fortaleza São José da Ponta Grossa. O comandante da Fortaleza de São José da Ponta Grossa enviou comunicado a Antônio Carlos Furtado de Mendonça - encarregado do comando de defesa da Ilha - informando o ocorrido e aguardando ordens de como preceder, porém, diante da demora na resposta, acabou abandonando a fortaleza junto com sua guarnição. No dia 24 de fevereiro a bandeira espanhola foi hasteada em Ponta Grossa. No dia 25 a mira dos espanhóis voltou-se para a Fortaleza de Santa Cruz do Anhatomirim, lá encontraram o comandante Leão e apenas sete soldados (“dois brancos e cinco pretos”, conforme afirma Flores, 2004: 51). Todos foram considerados prisioneiros de guerra pelos espanhóis e a bandeira espanhola foi novamente hasteada. Em seguida, deu-se o ataque a Fortaleza de Santo Antônio, que já se achava completamente abandonada. Por fim, os espanhóis atacaram a Fortaleza de Nossa Senhora de Araçatuba, que capitulou, arraiando a bandeira e a entregando ao inimigo. O fato das fortalezas terem sido entregues aos espanhóis sem nenhuma tentativa de defesa levou ao debate sobre a eficácia e utilidade do complexo defensivo. Alguns autores acreditam que as fortificações foram “obras de fachada”, mal pensadas e inúteis, já que quando testadas, não obtiveram êxito; outros acreditam que eram “monstros do mar”, cuja função era intimidar o inimigo e demarcar território pela grandiosidade de suas edificações; logo, enquanto monumentos de afirmação de poder, teriam impressionado aos corsários, piratas e demais viajantes que passavam pela Ilha. Os críticos afirmam que o complexo defensivo era ineficaz porque as fortalezas não possuíam uma adequada estratégia de defesa (Moneron, 1785; Soares Coimbra, 1799; Souza, 1981; Veiga, 1988). De acordo com essa linha de pensamento, o planejado “sistema de fogo das três fortalezas da barra norte não se cruzavam e as edificações em Anhatomirim estariam sob a mira de qualquer inimigo” (Veiga, 1988: 47). Assim, os navios das forças inimigas poderiam passar entre as três fortalezas sem sofrer qualquer tiro de canhão ou artilharia e, diante da visibilidade das edificações de algumas fortalezas, era fácil planejar seu ataque, visto que muitas se encontravam sobre a mira dos navios inimigos.

Outra parte dos autores acredita que, na verdade, um conjunto de fatores deve ser elencado como as causas do sucesso da invasão espanhola, entre eles, o fato das fortificações estarem “mal guarnecidas, com a tropa sem fardamento e sem armas, com pouca artilharia e sem artilheiros” (Souza, 1991: 16), além da existência de animosidades entre Lavradio (Vice-rei do Brasil), Lobo de Saldanha (governador de Santa Catarina) e o Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria (mandado pelo Rei de Portugal para comandar a defesa da Ilha) (Cabral, 1972; Abadie-Aicard e Almeida, 1990; Souza, 1991; Caldas, 1992; Machado, 1994; Flores, 2004). Souza (2011) afirma que:

(...) não foi em nenhum momento, sua pretensão, cruzar fogos entre as três fortificações mas sim, manter fogo em três direções para evitar ataque na entrada da baía norte da Ilha de Santa Catarina (...) Se realmente as fortificações de Silva Paes tivessem sido mal planejadas, os espanhóis teriam passado por elas, o que não fizeram, preferindo desembarcar em ponto aquém do alcance do tiro [Canasvieiras] (...). Deve-se levar em conta que barcos a vela, conforme o vento, não podem entrar pela baía em linha reta. Assim, para qualquer lado que bordejassem, sempre estariam ao alcance do tiro de umas das três fortificações (...). No caso de ataque por mar, qualquer fortificação teria sua fragilidade sendo posta à prova, sem uma ação combinada com uma força naval de apoio, isso vários militares, além do próprio Pombal, disseram à época. (...) Qualquer navio que, de alguma forma, tentasse atacar a fortaleza, ao fazê-lo, já estaria ao alcance de seus tiros, uma vez que os canhões navais da época, além de possuírem menor calibre e alcance, possuíam limites de elevação (...) Assim, não é porque um edifício está localizado em local elevado, que esteja ao fácil alcance de tiro (...) (Souza, 2011: 31 e 32).

A problemática levantada ainda não foi encerrada, existem opiniões contrárias e favoráveis ao complexo defensivo catarinense. Logo, um estudo voltado para identificar as condições materiais da vida dos “soldados-cidadãos” (conforme propõe Flores, 2004) que habitaram as fortalezas na época do ataque espanhol, a partir da cultura material recuperada nesses sítios arqueológicos, e a análise do armamento militar, remanescente entre os vestígios de metais recuperados nas escavações, pode contribuir com esse debate histórico e apresentar novas perspectivas de estudo. Pode-se dizer que tais edificações representam aspectos importantes sobre a história catarinense, seja na sua faceta militar, bélica ou cotidiana. Enquanto patrimônios culturais locais, muitos deles foram recuperados e outros abandonados e destruídos. Assim, torna-se de grande importância recuperar o estudo arqueológico desses bens culturais com um enfoque voltado para a análise da cultura material recuperada nos sítios e o estudo do dia a dia nos fortes e fortalezas locais.

AS

PESQUISAS

ARQUEOLÓGICAS

NAS

FORTIFICAÇÕES

CATARINENSES: REVISÃO DOS TRABALHOS REALIZADOS

Segundo Symanski (2009) as pesquisas arqueológicas em fortificações ocorreram em um período no qual a arqueologia histórica estava passando por um processo de consolidação no Brasil, décadas de 1980 e 1990. Nesse momento, houve um despertar para o trabalho em sítios monumentais, “como fortes, igrejas e palácios”, que passaram a ser contemplados “principalmente em estudos que acompanhavam projetos de restauração” (Symanski 2009: 3).

Alguns desses trabalhos buscaram explorar o potencial informativo do registro arqueológico em termos de dinâmica social, seja prosseguindo as discussões sobre o contato interétnico e processos de aculturação das populações indígenas (Albuquerque, 1984; Kern, 1989b; Ribeiro, 1985), seja introduzindo novas abordagens, como o estudo da variabilidade socioeconômica de unidades domésticas ocupadas por grupos sociais diferenciados (Lima et al, 1989a; Zanettinni, 1986), e o estudo dos padrões de assentamento de grupos quilombolas, considerando as estratégias empregadas para evitar ou dificultar o acesso dos caçadores de escravos aos seus locais de habitação (Guimarães e Lanna, 1980). Porém, conforme observa Lima (1993:229), a maioria dos trabalhos manteve o caráter descritivo das décadas anteriores, geralmente seguindo o mesmo modelo de publicação, contendo a descrição geográfica da região na qual o sítio estava inserido, a pesquisa histórica sobre o sítio e a região, a descrição do trabalho de campo, e a descrição do material arqueológico (Symanski, 2009: 3).

De um modo geral, os trabalhos arqueológicos realizados nas fortificações catarinenses inserem-se na conjuntura apresentada por Symanski (2009), tendo sido realizados nas décadas de 1980, 1990 e 2000 (momento de consolidação da arqueologia histórica no Brasil); e tendo sido motivados por intervenções de restauração arquitetônica nos monumentos fortificados. Pode-se afirmar, contudo, que essa não foi uma realidade exclusiva dos sítios militares de Florianópolis, mas da maioria dos sítios arqueológicos históricos locais, os quais não foram objeto de um trabalho científico do ponto de vista acadêmico; a maioria (com algumas exceções) foram intervenções realizadas para atender obras de restauro arquitetônico ou antevendo alguma obra de engenharia (arqueologia preventiva) (Soares, 2011: 48). A seguir é apresentado um resumo dos principais trabalhos arqueológicos desenvolvidos nas fortificações catarinenses, onde são informados os pesquisadores

responsáveis, as motivações, a metodologia e os resultados obtidos com a intervenção. A Fortaleza São José da Ponta Grossa foi a primeira a ser pesquisada, com atividades de campo realizadas nos anos de 1887, 1889 e 1990. A primeira pesquisa desenvolvida no sítio ocorreu no período de 15 de Maio a 06 de Junho de 1887, sob a responsabilidade do arqueólogo Rossano Lopes Bastos e assistência do arqueólogo Rodrigo Lavina. Bastos (1887: 3) afirma que os trabalhos tiveram por objetivo “visualizar não só as estruturas encontradas, mostrando a conformação original dos mesmos, mas também tentando surpreender a vida humana, ou seja, detalhes culturais dos homens que construíram e habitaram esta Fortaleza por mais de um século”. No entanto, conforme consta no relatório, os objetivos pretendidos não puderam ser alcançados e foram prejudicados diante da extrema perturbação do sítio, da falta de mão-de-obra qualificada para realizar os trabalhos de campo e do clima chuvoso predominante no período da pesquisa. Na área I, localizada na base dos canhões existentes no 2º terrapleno da fortaleza, foi identificado uma tijoleira e um piso de pedras irregulares “tipo piso de pedras portuguesas” (Bastos, 1987: 4), que mede cerca de 3 x 4 metros. Bastos (1987) afirma que a área teve sua estratigrafia perturbada em função das plantações de feijão, milho e mandioca. Na área II, localizada no 1º terrapleno, a 12 m do muro da canhoneira, foi encontrado um amontoado de tijolos caídos das construções do 3º terrapleno, possivelmente provenientes da casa do comandante. Bastos (1887) afirma que a camada arqueológica da Área II se estende de 15 a 20 cm de profundidade e, semelhante às constatações percebidas na Área I, apresenta muitas evidências de perturbações, como por exemplo, a presença de materiais contemporâneos, entre eles: tampinhas de garrafa, latinhas de cerveja e bolinhas de gude. As atividades realizadas em campo nessa etapa compreenderam a medição das áreas de escavação, a elaboração de plantas do sítio, coletas de superfície e a escavação de pequenas áreas externas às estruturas localizadas na fortaleza. Os materiais coletados foram: botões de fardas, projéteis de armas, talheres, fragmentos de cerâmica, fragmentos de porcelana, cravos de ferro, fragmentos de balas de canhão, botões de farda de cobre, bala de mosquete de chumbo, restos alimentares de ossos de mamíferos, artefatos em ossos (como cabos de talheres e espátula) e 1 tijolo com molde de chave. O relatório analisado expõe os trabalhos desenvolvidos em cada dia da escavação, informando as áreas que sofreram intervenção, os materiais encontrados e as plantas

elaboradas sobre o sítio. Não apresenta classificações e interpretações dos sítios e das estruturas escavadas. A segunda e a terceira etapa dos trabalhos arqueológicos nesse sítio ocorreram de agosto a setembro de 1989 e em novembro de 1990, estando sob a responsabilidade da arqueóloga Teresa Domitila Fossari e equipe composta por: Maria Soledad E. Arruda Gomes, Ana Maria Martins Coelho Correia, Eliane Veras da Veiga, Dione da Rocha Bandeira, Maria Madalena Velho do Amaral, Rodrigo Lavina, Deise Lucy Montardo, Maria de Lourdes Pinheiro, Yvone Maria Veras da Veiga, Jorge Coelho e dos estagiários Isabel Cristina Knoll e Osvaldo Paulino da Silva. As áreas pesquisadas em 1989 foram o Quartel da Tropa e Cozinha (denominada de área I), Comua (denominada de área II) e a Casa do Comandante e Paiol da Pólvora (denominada de área III). Foram escavadas as partes internas e externas dessas estruturas, bem como, seus entornos (figura 03, croqui nº1). Em 1990 as atividades arqueológicas foram direcionadas para o Quartel da Tropa e Cozinha (Área I, que compreendeu intervenções nas canhoneiras, denominados de setor C e D; e na Comua, ao lado da Cozinha, denominado setor L); na Palamenta (Área II, setor E); na Casa do Comandante e no Paiol da Pólvora (Área III, que compreendeu intervenções no interior da Casa do Comandante, denominado de setor G; no interior do Paiol da Pólvora, denominado de setor F; nos fundos da Casa do Comandante, denominado de setor H1 e setor H2; e na frente da Casa do Comandante ou Lateral da Capela, denominado de Setor I) e; na Portada e nos Recintos Laterais da entrada da fortaleza (Área IV, que compreendeu atividades nos recintos laterais, denominado de setores J1 e J2; e no Fosso, denominado de setor K) (figura 03, croqui nº2). A metodologia utilizada envolveu a realização de poços-testes, trincheiras e escavação de amplas superfícies na parte interna das edificações, com o objetivo de evidenciar pisos, divisórias, aberturas e tipo de revestimento das paredes. Nos entornos das edificações foram realizadas sondagens e trincheiras, que eram ampliadas em áreas de escavação de acordo com a necessidade. O rebaixamento do solo era realizado por níveis naturais. Todo o trabalho foi documentado através de diários de campo, croquis e registros fotográficos. Além disso, foi realizada pesquisa histórica documental no Arquivo Público de Florianópolis e consultas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina existente na Biblioteca Central da UFSC, visando o confronto entre as informações documentais e os registros materiais.

Figura 1: Croquis das áreas escavadas na Fortaleza São José da Ponta Grossa: croqui nº01 - áreas da escavação de 1989; croqui nº02 - áreas da escavação de 1990. Fonte: Arquivo Marque/UFSC.

A seguir é possível analisar, de modo resumido, os principais resultados das intervenções arqueológicas: Casa do Comandante - situada no 3º terrapleno, denominada de Área III no Croqui, destinada aos aposentos do comandante. Já havia sofrido intervenções arquitetônicas, ou seja, já havia sido restaurada em etapas anteriores, em função disso, o piso original de tijoleira estava aparente em determinados pontos da estrutura. Diante desta situação, os trabalhos arqueológicos voltaram-se para evidenciar o plano do piso por inteiro; o qual demonstrou desenhos de tijolos cuidadosamente trabalhados e indicativos de divisões internas (figura 4, número 1). Foram coletados “alguns ossos de peixe e ave, cacos de louça, cerâmica e pregos (...) Evidenciou-se também, restos de contrapiso e a alguns elementos estruturais, a fundação da base de uma escada e a fundação de uma provável parede divisória” (Fossari et al, 1990a: 7). A partir dos vestígios materiais, pode-se comprovar a existência de uma escada, inicialmente sugerida nos negativos da parede do Paiol da Pólvora, estrutura adjacente à Casa do Comandante. Na parte externa da Casa do Comandante, nos fundos da edificação, foi identificado um fogão retangular “delineado pelo piso de tijoleiras circundante na parte interna, cuja base apresentava uma camada de vestígios de carvão misturados com cacos de cerâmica carbonizada”

(Fossari et al, 1989: 10). Ampliando a escavação na parte externa foi constatado que essa área situava-se em um nível mais abaixo da porta; o material coletado apresentou grande quantidade de “restos faunísticos, cerâmica, louça, ferro, vidro (...) dedal e crucifixo” (Fossari et al, 1989: 10). Durante as escavações dos fundos da Casa do Comandante (Setor H2) foi evidenciada um canaleta que “atravessa o trecho do pátio dos fundos, iniciando com um pequeno declive junto à parede da Casa do Comandante e finalizando junto ao muro que contorna o pátio” (Fossari et al, 1990a: 7), a arqueóloga responsável acredita que essa canaleta se tratava de uma estrutura de escoamento de um sistema de esgoto primário, possivelmente relacionado à Comua (latrina) da Casa do Comandante, localizada próximo ao muro da fortaleza, nos fundos da estrutura (figura 4, número 2).

Lateral da Capela

Casa do Comandante

Cloaca

Canaleta de escoamento

Paiol 1

2

3

Figura 2: Estruturas escavadas na Fortaleza São José da Ponta Grossa: 1- casa do comandante (aproximadamente 6 x 9m) e paiol da pólvora (aproximadamente 6 x 4 m); 2 - canaleta de escoamento da comua da casa do comandante (aproximadamente 10 x 3m); 3 - lateral da capela (aproximadamente 3 x 7m). Fonte: Adaptado de Fossari et al (1992: 83, 82, 84).

Lateral da Capela e em frente a Casa do Comandante - as atividades realizadas nessa área tiveram por objetivo identificar a existência de um provável cemitério de soldados da fortaleza. Apesar de existir um uma casa contemporânea edificada nesse setor, que dificultou a ampliação de toda a área da escavação, o trabalho desenvolvido descartou a possibilidade de existirem enterramentos. Durante as intervenções foi identificado um alinhamento de pedras “que corre em toda a extensão da lateral da Igreja, a 1,73 m da sua parede, medindo 6 m de comprimento, por 0,20 m de largura” (Fossari et al, 1990a: 9). Próximo a este alinhamento foi identificado um piso de pedras irregulares com restos de argamassa (figura 4, número 3). Fossari et al (1990a: 9) afirma que nenhuma

dessas estruturas tem suas funções definidas, porém, a autora acredita que se tratam de construções antigas que foram demolidas e “acomodadas” naquele espaço. Paiol da Pólvora - situada no 3º terrapleno, denominada de Área III no Croqui, localizase de modo contíguo à Casa do Comandante. Caracteriza-se por um local destinado ao “depósito de pólvora, munições e outros petrechos de guerra” ou ainda “depósito de mantimentos” (Tonera e Oliveira, 2011: 215). Contém dois recintos internos divididos por uma parede. Devido à presença de um depósito de telhas no seu interior, não pôde ser totalmente escavado. Foi evidenciado a soleira da porta de entrada, “formada por 2 blocos de lioz (retangulares, dispostos longitudinalmente) e a soleira da porta de comunicação interna, que apresentava ter sido de tijoleiras” (Fossari et al, 1989: 9). Fazendo a ligação entre o Paiol da Pólvora e Casa do Comandante, Fossari et al (1989: 9) acredita que existisse uma escada, conforme é sugerida “por marcas de reboco na parede lateral”, suposição confirmada nas escavações realizada no interior da Casa do Comandante. A intervenção realizada nos dois recintos internos da estrutura tornou visível uma fileira de tijolos que representava o contrapiso e um piso de tijoleiras (Fossari et al, 1990a). Quartel da Tropa - destinada a “alojar soldados (...) onde está aquartelado um regimento, batalhão ou destacamento” (Tonera e Oliveira, 2011: 217). Encontra-se localizada no 2º terrapleno da fortaleza, denominada de Área I no Croqui. O trabalho arqueológico nessa edificação teve por objetivo “encontrar o piso original, comprovar a existência ou não de paredes divisórias (...), bem como precisar que tipo de revestimento cobria, originalmente, as paredes internas” (Fossari et al, 1989: 4). A pesquisa revelou fundações de paredes divisórias que não podiam ser percebidas na superfície do sítio (3 fundamentos de paredes que dividiam a estrutura em 4 compartimentos no sentido longitudinal) e pisos de tijoleiras em determinados pontos da estrutura (2 compartimentos apresentavam tijoleiras e 2 compartimentos apresentavam piso de chão batido) (figura 5, número 1). Foram recuperados materiais arqueológicos como: “cacos de cerâmica (lisa, pintada, decorada em relevo, etc.), sugerindo vários usos utilitários (pratos, copos, tigelas, xícaras, etc), cacos de vidro, materiais metálicos (balas de projéteis de vários tamanhos, pregos, botões, etc) e restos faunísticos (ossos de peixes e mamíferos e restos malacológicos)” (Fossari et al, 1989: 5). Do Quartel da Tropa à Cozinha (estruturas contíguas) revelou-se a presença de um piso formado por pedras irregulares. Fossari et al (1989) afirma que junto às aberturas dos fundos do Quartel da Tropa foi identificada uma das maiores quantidade de materiais

arqueológicos do sítio, composto de vestígios de cerâmica (branca e pintada), louça, carvão, restos faunísticos e ferro. Junto às aberturas definidas como janelas dos fundos, foi encontrada uma grande quantidade de bolas de ferro. Na trincheira externa, feita próximo as janelas traseiras da estrutura, foi coletado “material arqueológico relacionado a restos de cozinha (carvão, ossos, cacos de cerâmica, vidro e louça, ferro, etc), bem mais abundante próximo às paredes da edificação” (Fossari et al, 1989: 6).

Quartel da Tropa

Fogão

Palamenta

Cozinha

Soleira Canaleta de escoamento

1

2

3

Figura 3: Estruturas escavadas na Fortaleza São José da Ponta Grossa: 1 - quartel da Tropa (aproximadamente 6 x 11m), 2 - cozinha (aproximadamente 6 x 8 m) e 3 - palamenta (aproximadamente 3 x 4m). Fonte: Adaptado de Fossari et al (1992: 85, 86, 87).

Cozinha - situada no 2º terrapleno, denominada de Área I no Croqui, localizada de modo adjacente ao Quartel da Tropa. Após a limpeza da área interna da cozinha (que possuía uma elevada camada de entulho construtivo, com 1,5 m metros de profundidade) e a realização de um poço-teste no seu interior, foi posto à mostra uma parede de tijolos, que consistia em uma plataforma de balcão associado a um fogão (figura 5, número 2). No piso contíguo ao balcão foram identificados apoios de ferro, possivelmente relacionado a uma trempe, além de restos faunísticos, fragmentos de louças, ferros e carvão. O piso original da estrutura era de chão batido. Casa da Palamenta - situada no 1º terrapleno, denominada de Área II no Croqui, localiza-se junto à muralha leste do Forte. Pode ser definida como o local onde são guardados acessórios de “aparelhos e apetrechos utilizados para fazer funcionar uma peça de artilharia, como a cochorra, o saca-trapo, a lanada, o morrão, baldes, etc.” (Tonera e Oliveira, 2011: 215). Na parte interna da edificação foi identificada uma grande camada de entulho formada por reboco, tijolos e telhas. Abaixo dessa camada,

foi observado uma camada de telhas quebradas que se estendiam por todo o piso da estrutura. Sob as telhas quebradas, foi identificada uma camada húmica que comportava “alguns artefatos, tais como: fragmentos de ferro, uma bala de canhão, uma fechadura (tranca), alguns cacos de cerâmica, louças e vidros. Nesta camada foram encontrados também, alguns fragmentos de ossos de peixe” (Fossari et al, 1989: 12). Abaixo desse estrato, identificou-se o piso original de tijoleira (figura 5-3). Tal constatação, somada ao fato de não ter sido encontrado nenhum sistema de escoamento de esgoto e a análise de plantas antigas da fortificação, levaram os pesquisadores a concluir que se tratava da Palamenta da fortaleza e não da Comua, conforme inicialmente havia sido suposto. Canhoneiras - localizadas próximo ao Quartel da Tropa, na Área I no Croqui. Fossari et al (1990a) afirma que nesse local estavam localizadas duas canhoneiras, de modo que uma estava voltada para a Fortaleza de Santo Antônio de Ratones e a outra para a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim. Em uma das canhoneiras (Setor C) foi identificado um piso “argamassado com pedras brutas de pequenas dimensões, intercaladas por pedaços de telhas e cascalho. Há vestígios de uma acabamento em argamassa alisada” (Fossari et al, 1990a: 10). Na escavação da Canhoneira II (no setor D ) foi identificado um piso de pedras a 10 cm de profundidade. Comua - situada no 1º terrapleno, denominada de Área II no Croqui, localizada em uma muralha lateral que circunda o Quartel da Tropa. Comua pode ser definhada como uma “latrina” (Tonera e Oliveira, 2011: 208). As atividades iniciaram-se com a sua limpeza, visto que estavam presentes muitos entulhos recentes oriundos do lixo de moradores que haviam construído uma casa no 3º terrapleno (a casa já havia sido demolida na época da intervenção arqueológica). Apesar de não afirmar a exitência da Comua, Fossari et al (1992: 32) descreve que foi identificado “um rebaixamento em cima da muralha” com pedras “inclinando-se para o exterior”, o que poderia sugerir “o local de uma comua”. Portada e recintos laterais da entrada - situados no 1º terrapleno, denominado de Área II no Croqui. As atividades desenvolvidos no recintos laterais da entrada da fortaleza permitem afirmar que os mesmos possuem um piso interno de chão batido, situado no nível da soleira da porta e uma calçada com bloco de pedra “do tipo lajes capistranas” (Fossari et al, 1990a:15). No Setor K, correspondente ao possível fosso da fortaleza, foi aberta uma trincheira, que confimou a existência do mesmo:

A situação evidenciada neste local fortaleceu a hipótese do fosso, inclusive porque a dimensão vertical da porta, desde a sua base até o seu topo, coincidiu com a largura do fosso. Este fato poderia estar indicando que a porta poderia ter desempenhado, no passado, a função de ponte, quando devidamente abaixada (...). Cabe também chamar a atenção para a existência de uma pedra com um formato peculiar (chanfro curvilíneo), situada junto à base da soleira da Portada, que segundo opinião de arquitetos, poderia ser um testemunho da base de algum sistema de roldanas. Ou seja, servir como um eixo para a porta absculante (Fossari et al, 1990a: 16).

Os relatórios analisados sobre a segunda e terceira etapa de pesquisas na Fortaleza São José da Ponta Grossa (escavação realizada em 1989 e 1990) são bastante detalhados quanto aos procedimentos de campo e claro quanto às escolhas dos pesquisadores com relação à metodologia utilizada. Existe uma preocupação em atribuir funcionalidade as estruturas e contextualizar, espacialmente, os materiais recolhidos. No relatório final elaborado em Julho de 1991 (Fossari et al, 1991) e publicado no Anais do Museu de Antropologia da UFSC em 1992 (Fossari et al, 1992), tem-se acesso à novas informações sobre as atividades desenvolvidas no sítio, acrescidas de “classificações preliminares” (Fossari, 1992: 41). No relatório final se percebe ressignificações atribuídas a certas estruturas da escavação, as quais teriam sido reinterpretadas diante do confronto entre os dados arqueológicos, históricos e arquitetônicos. Fossari et al (1992) afirma que as atividades desenvolvidas na Fortaleza São José da Ponta Grossa faziam parte de um empreendimento maior, no caso, do “Projeto Fortalezas da Ilha de Santa Catarina - 250 anos da história brasileira”; o qual previa que a intervenção arqueológica no sítio forneceria “subsídios para direcionar o processo de preservação e revitalização do conjunto das fortalezas” (Fossar et al, 1992: 11). Apesar de ser uma atividade motivada pela restauração, a autora afirma que:

(...) nosso trabalho no Forte São José da Ponta Grossa não teve como preocupação apenas a descrição dos elementos estruturais subsistentes às ruínas, nem tão pouco a mera descrição dos restos de cultura material, os artefatos e os ecofatos. Nossa preocupação esteve voltada, também, para resgatar os aspectos culturais refletidos nestes elementos. Procuramos, desta forma, entender o sítio sob a perspectiva de sua função miltar e pelos aspectos de seu cotidiano, enquanto marco de um assentamento humano (Fossari et al, 1992: 54).

A Fortaleza Santa Cruz do Anhatomirim foi pesquisada entre dezembro de 1989 e janeiro de 1990, sob a coordenação da arqueóloga Teresa Domitila Fossari e equipe formada por Maria Soledad E. Arruda Gomes, Ana Maria Martins Coelho Correa,

Eliana Veras Veiga, Dione da Rocha Bandeira, Maria Madalena Velho do Amaral, Deise Lucy Oliveira Montardo e Maria de Lourdes Pinheiro. Fossari et al (1990b) afirma que as atividades desenvolvidas na Fortaleza Santa Cruz do Anhatomirim também faziam parte do “Projeto Fortalezas da Ilha de Santa Catarina 250 anos da história brasileira”, sendo que motivação principal para a pesquisa era subsidiar o processo de resgate desse monumento histórico. As áreas planejadas para serem escavadas foram: as ruínas do Armazém da Praia, estrutura localizada próxima ao ancardouro, também denominada como Casa do Trapiche (Área I), Paiol da Farinha (Área II) e Antiga Capela (também denominada como Nova Casa do Comandante). No entanto, a Antiga Capela ou Nova Casa do Comandante não chegou a ser escavada. A metodologia utilizada compreendeu a realização de poços-teste iniciais que orientaram para a abertura de escavações dos planos internos das estruturas e a realização de trincheiras nas áreas externas. Todo o trabalho desenvolvido foi documentado através de anatações da campo, croquis e registros fotográficos. Além das atividades de campo, foi realizada pesquisa histórica documental no Arquivo Público de Florianópolis e consultas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina existente na Biblioteca Central da UFSC. A seguir é possível analisar, de modo resumido, os principais resultados das intervenções: Armazém da Praia ou Casa do Trapiche - localizada no ancoradouro da fortaleza, denominada de Área I, possui a extensão de 13 x 4,25 m de comprimento. Segundo Fossari et al (1990b: 4) “paralelamente a parede lateral Sul, foi evidenciado um piso de tijoleira, que corria na direção Leste-Oeste (fundos-frente) formado por 4 fileiras de tijolos cozidos e maciços”. Na superífcie contínua a estes tijolos foi identificada outra estrutura de tijolos, possivelmente relacionadas à uma parede caída. Tendo em vista que os trabalhos nessa área não puderam ser concluídos e que o piso não pode ser evidenciado por inteiro, a autora firma que não pôde precisar a origem dessa parede caída, bem como, a função orginal da estrutura. Foram recuperados: “alguns cacos de louças (brancas e coloridas), cacos de cerâmica, fragmentos de vidro (provavelmente de vidraças), carvão, ferro (pregos), reboco de parede (alguns com decoração floral)” (Fossari et al 1989: 4). Na parte externa da estrutura foram feitas intervenções defronte as 2 aberturas inicialmente definidas como janelas. A escavação abaixo da janela frontal demonstrou que a mesma tratava-se, em realidade, de uma porta, visto o aparecimento

de uma calçada de cimento (possivelmente mais recente que a edificação) e de uma soleira de lioz. Além disso, foram identificadas marcas de argamassa em uma metade da superfície de lioz, indicando a existência de um degrau que daria acesso a estrutura. Após a evidenciação desse degrau e da constatação de que o reboco da parede aprofundava-se a quase 40 cm abaixo do nível da calçada, concluiu-se que o piso externo dessa estrutura estaria pelo menos 30 cm abaixo do atual. Na outra janela foi adotado o mesmo procedimento, porém, essa abertura não apresentou vestígios de soleira, apesar de indicar uma abertura maior, possivelmente de porta. Demais intervenções na parte externa do Armazém da Praia foram realizadas, tais atividades identificaram 1 parede caída relacionada a empena lateral da estrutura, um aterro oriundo do deslizamente de um barranco próximo à edificação, um calçamento de cimento no lado leste da edificação situado abaixo do aterro do barranco, um apêndice da edificação apresentando vestígios de muro, um tanque e uma calçada mais estreira. Paiol da Farinha - caracteriza-se por um local destinado ao “depósito de pólvora, munições e outros petrechos de guerra” ou ainda “depósito de mantimentos” (Tonera e Oliveira, 2011: 215). Na parte interna foram identificadas uma sucessão de pisos: o primeiro formado por uma cobertura de cimento; o segundo formado por outra cobertura de cimento, o terceiro formado por uma camada de tijolos de menor tamanho e o quarto formado por uma camada de tijolos mais antigos e maiores. Esses últimos, provavelmente, constituiem-se o piso original da edificação. O piso original não é homogêneo e pode ser dividido em: piso de tijoleira I, piso de tijoleira II, piso de tijoleira III e a soleira da porta. O piso de tijoleira I situa-se na metade sul da edificação e abrange aproximadamente 50% da área total da estrutura. Foram identificadas algumas interrupções na tijoleira que sugerem encaixes de parede, porém, é possível que sejam paredes construídas posteriormente, visto que as interrupções no piso eram irregulares e não apresentavam vestígios de fundação. O piso da tijoleira II é contíguo ao piso da tijoleira I, porém, de tamanho menor, esse piso comporta na superfície 4 ferros equidistantes, dispostos verticalmente, cuja função não foi esclarecida. O piso da tijoleira III, contígo ao anterior, caracteriza-se por uma corredor de tijolos que termina na parede norte. A área da soleira da porta revelou piso original formado por 3 blocos de lioz e 2 fileiras de tijolos. Na parte externa da edificação foi identificado um calçamento de pedras irregulares que se encontra em um nível abaixo da soleira. O relatório analisado sobre a pesquisa na Fortaleza Santa Cruz do Anhatomirim aparentemente não encontra-se concluído e não apresenta imagens para ilustrar as

escavações. Conforme consta em várias partes do documento, as atividades nesse sítio foram interrompidas. Logo, o mesmo não apresenta uma discussão maior com relação as funções e significados das estruturas escavadas e dos materiais recuperados em campo. A Fortaleza Santo Antônio de Ratones foi escavado no ano de 1989, estando sob a responsabilidade do arqueólogo Helio Viana, conforme consta na ficha de registro de sítios arqueológicos existente no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (CNSA/IPHAN)6. Porém, junto às informações levantadas para a elaboração desse artigo, não foi possível verificar o local da guarda do material e nem ter acesso aos relatórios dessas pesquisas. O Forte Santana foi alvo de intervenções arqueológicas no ano de 1999 sob a responsabilidade da arqueóloga Fabiana Comerlato. A atividade realizada nesse sítio caracteriza-se por um trabalho assistemático e emergencial, tendo em vista a situação eminente de destruição que estava sujeito. Segundo Comerlato (2000: 5) durante uma visita realizada na área do sítio no dia 11 de Julho de 1999 foi constatado que “na prainha abaixo da edificação estavam espalhados centenas de fragmentos cerâmicos em sua maioria faiança fina, (...) porcelana e cerâmica vidrada”, além de um fragmento de cerâmica guarani, que foi imediatamente recolhido. No dia 17 de Julho de 1999 a situação foi novamente observada, realizou-se o recolhimento imediato do material de superfície, bem como, o comunicado da situação ao IPHAN. De acordo com Comerlato (1999: 3) o afloramento do material em superfície ocorreu devido a ação das marés, especialmente após a construção de um trapiche para os bombeiros em área próxima ao forte, o qual levou a erosão de parte do terreno que circunda a edificação e no afloramento de diversos fragmentos arqueológicos pela praia. Segundo Comerlato (1999, 2000) é possível perceber linhas de acumação de artefatos de acordo com o retrabalhamento do mar no local. As atividades de campo nesse sítio ocorreram nos dias 04, 26 e 31 de Agosto de 1999 e nos dias 04 e 18 de Setembro de 1999, caracterizando-se por uma coleta superficial assistemática. Tendo em vista que os materiais estavam aparecendo com a ação das marés, não era necessário nenhuma intervenção no solo, além disso, já haviam sido

6

Site da ficha do sítio arqueológico Fortaleza Santo Antônio de http://www.iphan.gov.br/sgpa/cnsa_detalhes.php?13129. Acessado em 07 de Agosto de 2012.

Ratones:

intensamento perturbados em termos contextuais, logo, uma ação sistemática na área seria desnecessária diante da destruição do sítio. A arqueóloga acredita que a grande quantidade de material recolhido indica que essa prainha funcionasse como uma grande lixeira, onde os materiais que não eram orgânicos, eram enterrados. Comerlato (1999, 2000) afirma que vários materiais recuperados em campo apresentam marcas de queima, logo, é provável que a o lixo tenha sido queimado antes de ser enterrado na praia. O material coletado caracteriza-se por “bordas, fundos e alças de faiança fina, porcelana fina e cerâmica vidrada (colonial), fragmentos de vidro, de procedência nacional e estrangeira, além de um fragmento de cerâmica guarani” (Comerlato, 2000: 7). O trabalho analisado descreve os procedimentos realizados em campo e apresenta algumas tentativas de análises preliminares, arriscando algumas indicações de padrões e estilos decorativas de louças e de procedência de determinadas peças a partir de selos de fabricação. No entanto, conforme propõe a autora, tratam-se de análises preliminares e não conclusivas sobre o assunto. A Fortaleza Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba foi escavada em 2000 e 2001, sob a coordenação da arqueóloga Maria Madalena Velho do Amaral e equipe composta por Guilherme Gustavo Simões de Castro, Gunnar da Cruz Lima Gerlach, José Umberto Teixeira, Luciana Sentana Ribeiro, Luciene Rossi, Vania Lenadro de Souza, Mara Rosane Dalsotto da Silva, João Neis e Gustavao Marangoni. O objetivo das pesquisas foi compreender a fortificação:

(...) não só como fruto de uma obra de engenharia militar com seus elementos construtivos, mas como parte de uma processo que envolveu assentamentos humanos, através dos quais vários grupos culturamente diferentes se encontraram – os luso-brasileiros; os açorianos-madeirenses; os índios Guarani e os afro-brasileiros (AMARAL, 2003, p.1).

As estruturas pesquisadas foram Palamenta, Paiol da Pólvora, Fonte, Cisterna, Quartel da Tropa e Cozinha. A metodologia utilizada compreendeu pesquisa em fontes documentais (especialmente no Arquivo Público Estadual de Santa Catarina e no Laboratório de Imigração da UFSC), levantamento fotográfico do sítio - a fim de documentar o estado de conservação da fortificação - e escavações nas partes internas e externas das estruturas (AMARAL, 2003). A intervenção arqueológica foi sistematizada em quadrículas de 1 x 1m e em níveis artificiais de 10 em 10cm, porém, nos casos em que se percebia estratificação

diferenciada dos sedimentos, se procedia a escavação por níveis naturais, além disso, ocorreu a variação do tamanho das quadrículas de acordo com as características internas da edificação. O controle das informações de campo foi realizado por meio de fichas e croquis; o nivelamento das camadas era realizado através do “nível de mão”, linha e ponto “zero”; todo o material recolhido foi peneirado (AMARAL, 2003). Em campo foi realizado uma triagem do material a fim de separar vestígios de origem orgânica (ossos e conchas) e inorgânica (metal, vidro e cerâmica). Todos os artefatos recolhidos foram acondionadas em sacos plásticos e identificados quanto a sua procedência no sítio. Em laboratório, o material foi limpo, separado de acordo com a sua natureza (lítico, cerâmico, vítreo, metálico, restos faunísticos e restos minerais), dessalinizado e acondicionados em caixas próprias (AMARAL, 2003). A seguir é possível analisar, de modo resumido, os principais resultados das intervenções:

Figura 4: Estruturas escavadas na Fortaleza Nossa Senhora da Conceição de Arçatuba: 1 – Portada, Rampa, Palamenta e Bateria Principal; 2 – Parte interna da Palamenta e detalhe do piso de tijoleira. Fonte: Amaral (2003: 72 e 73).

Palamenta – situa-se junto à rampa de acesso à bateria principal e apresenta suas paredes arredondadas (figura 4 – 1). A escavação na parte interna da estrutura iniciou-se pela retirada da camada de entulho superficial, formada por: “garrafas plásticas e de vidro, latas, restos de fogueiras, papéis, roupas velhas e restos de alimentação (ossos e conchas)”. Em seguida, foi identificada uma camada compactada, com cerca de 20 a 40 cm, com presença de “fragmentos de tijolos, telhas, reboco e argamassa de ferro”. Sob essa camada encontra-se o piso de tijoleira, nível no qual foram coletados “fragmentos de ferro, cerâmica, vidros, restos de alimentação e carvão” (Amaral, 2003: 25). O piso é formado por tijolos de tamanho 15 x 28 cm, colocados em forma de “espinha de peixe”

(figura 4-2). A soleira apresenta formato irregular, mede 1,49 x 0,80 m, composta de alvenaria de tijolos revestidos com argamassa. Na parte externa da edificação foi identificado um degrau junto a porta de entrada formado por pedras revestidas por argamassa e um canal de escoamento de água, composto por um piso de tijolos e telhas picadas, revestidas com argamassa, extensão aproximada de 7 m.

Figura 5: Estruturas escavadas na Fortaleza Nossa Senhora da Conceição de Arçatuba: 1 – Parte interna do Paiol da Pólvora, detalhe do baldrame da estrutura; 2 – Corredor frontal do Paiol Pólvora, detalhe dos potes cerâmicos sobrepostos. Fonte: Amaral (2003: 76 e 79).

Novo Paiol da Pólvora – construído de frente para baía, é fomado por um “edifício principal e por um muro externo de proteção”, denominado de contra-fogo, o qual forma um corredor a céu aberto no entorno da edificação (Amaral, 2003: 27). A parte interna da edificação mede cerca de 11m2, a camada superficial era formada por muito lixo contemporâneo, a segunda camada apresentava fragmentos da própria construção, tais como “tijolos, telhas, reboco, argamassa”, misturados com “plásticos, latas, vidros, anzol, linhas de nylon, tampas de garrafas, tecidos e outros” (Amaral, 2003: 28). Abaixo dessa camada foi evidenciado uma grande quantidade de grandes blocos de rochas, com fragmentos de tijolos e telhas, misturados com conchas e osso de mamíferos, formando um aterro para a camada superficial. Abaixo dessa camada foi identificado um estrato de areia de praia muito fina, com muitos fragmentos de conchas e um piso de terra compactada, no qual foram encontrados alguns fragmentos de carvão. Nesse estrato “foram coletados fragmentos de louça, cerâmica, vidros, restos de alimentação e carvão” (Armaral, 2003: 28).O baldrame da edificação a divide em duas partes e é contruído com pedras (figura 5-1). Abaixo do nível do piso foram identificadas aberturas para ventilação e escoamento de água. A soleira da porta é composta de alvenaria de tijolos revestidos com argamassa. Os corredores, formados pelo muro

contra-fogo, foram integralmente escavados, na maior parte deles foram identificado fragmentos de cerâmicas, denominadas pela autora como neobrasileira, inclusive, no corredor frontal “foi evidenciado um grande bloco de reboco e abaixo deste, um conjunto de recipientes cerâmicos inteiros” (figura 5-2). Na parte externa da edificação foi evidenciado o piso, a escada e o patamar da guarita. Fonte – as escavações concentraram-se na parte externa da edificação e revelaram, na parte frontal, um calçamento (composto por lajes que se estende por toda a frente da estrutura) e um degrau de blocos de rochas, situado acima do calçamento de lajes. No lado esquerdo, na parte externa da fonte, foi evidenciado um piso de calçamento de pedras, que se estende em toda lateral sua lateral. Nos fundo foi evidenciado um degrau de pedras, composto por pedras pequenas dispostas uma do lado da outra “semelhante ao calçamento da lateral esquerda” (Amaral, 2003: 36).

Figura 6: Estruturas escavadas na Fortaleza Nossa Senhora da Conceição de Arçatuba: 1 – Quartel da Tropa e recintos internos; 2 – Cozinha. Fonte: Amaral (2003: 102 e 95).

Quartel da tropa – construção contígua a casa do comandante, possui 3 compartimentos: cozinha, pátio (ambos situados entre o quartel da tropa e a casa do comandante) e o interior do quartel da tropa propriamente dito. O nível de ocupação da cozinha é formado de alvenaria revestida com argamassa e um piso de chão batido; o fogão encontra-se junto a uma bancada de alvenaria revestida, com cerca de 80 cm de altura e comprimento de 1,34 x 0,94m de largura (figura 6-2). Na área do fogão foram encontradas evidências que “correspondem ao preparo de alimentos – artefatos (ferros e cerâmicas mais rústicas) misturados com restos de alimentação (conchas, ossos) e muito carvão” (Amaral, 2003: 37). No pátio interno foi evidenciado um piso compacto, uma estrutura de pedras e tijolos (que separa a cozinha do pátio interno), a soleira da porta de entrada do quartel e uma pequena parte de um contra-piso (conjunto de pedras unidos

com uma argamassa amarelada). O quartel da tropa é dividido em 7 recintos (figura 61), neles foram coletados: botão, ferro, concha, cerâmica, louça, dedal, vidros (no recinto 06 foram identificados vários recipientes de remédios, perfumes e tinteiros inteiros), restos de alimentação, moeda e fivelas. Na parte externa da edificação foi identificado um sistema de drenagem, usado possivelmente para captação de água, distribui-se por toda extensão dos fundos do quartel, composto por telhas do tipo “capacanal uma em cima da outra formando um cano” (Amaral, 2003: 43). Um outra estrutra de escoamento foi identificada na parte externa, na área lateral, situada mais abaixo da descrita anteriormente, composta de alvenaria de tijolos, que medem 84 cm de comprimento, 28 cm de largura e 0,8 cm de diâmetro. E na parte externa, na frente do quartel, foram revelados mais 3 sistemas de escoamento feitos de alvenaria de tijolos. Cisterna – foram feitas intervenções na parte interna e externa, internamente foram coletados muitos artefatos, tais como “ferro (pregos, alças, ferrolos, argolas, fragmentos de bala de canhão), vidros de janelas e recipientes inteiros, cerâmica e louça.

A

escavação foi perjudicada visto que, devido a profundidade da intervenção arqueológica, a água aflorou encobrindo a última camada, rica em artefatos e terra preta. O relatório analisado é minuncioso quanto aos procedimentos realizado em campo e em laboratório. As informações quanto às técnicas e materiais construtivos são substanciais, incluindo dados sobre pisos, contra-pisos, soleiras, baldrames e aberturas de ventilação – relacionados as partes internas das edificações - e escadas, calçamentos e canais de escoamento – relacionados as partes externas de algumas estruturas. Com relação à cultura material recuperada, são apresentadas algumas classificação, porém, conforme afirma a autora, a etapa de análise e curadoria não pôde ser concluída devido a falta de verbas. Segundo AMARAL (2003, p.48) “a curadoria está sendo desenvolvida com verbas adquiridas em outros projetos executados pelo Setor de Arqueologia” da UFSC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho desenvolvido pretendeu realizar uma revisão das principais pesquisas sobre as fortificações catarinenses, partindo de uma análise da bibliografia histórica e arqueológica do assunto e fornecendo elementos que venham subsidiar novas pesquisas sobre a cultura material recuperada nesses sítios.

A partir da revisão bibliográfica foi possível perceber que tônica central do debate dos historiadores sobre as fortificações gira em torno da utilidade do complexo defensivo catarinense, tendo em vista que quando o mesmo foi testado, no caso quando ocorreu a invasão espanhola em 1777, a Ilha foi entregue aos invasores sem qualquer resistência. Diversas causas são apontadas para justificar esse fato histórico, existindo opiniões contrárias e favoráveis sobre o assunto. A problemática levantada, apesar de intensamente debatida pelos historiadores, pode receber contribuições importantes na perspectiva da cultura material recuperada nessas fortificações. A análise dos vestígios ósseos (restos alimentares), dos fragmentos de vidro, louça e cerâmica (relacionados às práticas alimentares) e dos vestígios de vestimenta e adornos, entre outros, podem trazer à tona informações sobre as condições de vida dos diferentes grupos sociais que habitavam as fortificações (como, por exemplo, os comandantes, soldados, escravos, indígenas, religiosos, viajantes, mulheres e outros). Além disso, analisando os metais, especialmente os vestígios de armamento, é possível levantar pistas sobre o poder bélico existentes na Ilha na época da invasão espanhola. Esses fatores (efetivo e armamento), normalmente, são caracterizados como precários nos documentos e bibliografia histórica e, em função disso, apontados como uma das causas facilitadoras do sucesso da investida espanhola. A análise da cultura material e confronto entre os dados materiais e escritos, pode trazer luz acerca desse debate. Outra observação constada é que as fortificações passaram por uma série de transformações, reformas e usos ao longo dos tempos. Tais reapropriações estão representadas nos vestígios arqueológicos recolhidos em campo, os quais, a partir de uma análise inicial, apresentam materiais de diversos períodos, especialmente do século XIX. Nesse sentido, é importante destacar que o acesso aos bens do consumo no mercado mundial tornou-se mais facilitado na segunda metade do século XIX no Brasil, quando ocorreu um incremento no comércio de bens duráveis, semiduráveis, supérfluos e outros, entre o país e o exterior diante do fim do tráfico de escravos (Alencastro, 1997). Nesse período, houve uma disseminação e apropriação de novos hábitos e práticas culturais em todo o país, as quais foram adaptadas à realidade cultural de cada região. Logo, a análise da cultura material das fortificações catarinenses pode contribuir com estudos sobre o comportamento de consumo de Desterro no século XIX, apresentando informações sobre custos, procedências, tipos e significados dos materiais

utilizados pelos habitantes das fortificações em momentos nos quais a característica militar, possivelmente, não era o principal uso atribuído a essas edificações. A revisão bibliográfica sobre as pesquisas desenvolvidas nas Fortalezas São José da Ponta Grossa e Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, especialmente, demonstrou que apesar da motivação arquitetônica ter sido o estopim das pesquisas arqueológicas, as atividades desenvolvidas não se resumiram a descrever estruturas e materiais construtivos. Nota-se que esses elementos estão contemplados nos relatórios analisados, contudo, houve uma preocupação em analisar os vestígios arqueológicos enquanto testemunhos do comportamento dos diferentes grupos sociais que o ocuparam, em atribuir funcionalidade as estruturas que eram descobertas e não apenas informar o número de portas, janelas, compartimentos e tipo de piso, tijolo ou telhas. O material arqueológico coletado foi submetido a classificações iniciais e as estruturas arquitetônicas foram reconstruídas a partir das observações levantadas durante as escavações. Porém, análises de caráter interpretativo não foram realizadas e os trabalhos de laboratório com o material arqueológico coletado limitaram-se a ordenação dos dados produzidos em campo, de modo a disponibilizá-lo para pesquisas futuras mais aprofundadas. Percebe-se que quando são feitas menções aos vestígios arqueológicos, os mesmos são descritos e relacionados ao local de onde foram coletados, algumas vezes, são submetidos a classificações preliminares, porém, ainda não foram alvos de estudos sistemáticos e interpretativos. Dessa forma, torna-se um campo de estudo profícuo complementar os trabalhos arqueológicos já realizados nas fortificações catarinenses litorâneas, analisando os artefatos representativos das práticas cotidianas dos diferentes grupos sociais que viveram nesses sítios militares ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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