Sob o olhar construtivista de Ródtchenko - O legado revolucionário para o fotojornalismo

July 4, 2017 | Autor: Juliane Guez | Categoria: Fotografia, Fotojornalismo, Construtivismo, Vanguarda, Aleksander Ródtchenko
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE JORNALISMO

JULIANE TAISA DE ÁVILA GUEZ

SOB O OLHAR CONSTRUTIVISTA DE RÓDTCHENKO O legado revolucionário para o fotojornalismo

Porto Alegre 2014

JULIANE TAISA DE ÁVILA GUEZ

SOB O OLHAR CONSTRUTIVISTA DE RÓDTCHENKO: O legado revolucionário para o fotojornalismo

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado à Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.

Orientador: Me. Elson Sempé Pedroso

Porto Alegre 2014

JULIANE TAISA DE ÁVILA GUEZ

SOB O OLHAR CONSTRUTIVISTA DE RÓDTCHENKO: O legado revolucionário para o fotojornalismo

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado à Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.

Aprovada em _____ de ___________________ de ________. BANCA EXAMINADORA:

Prof. Me. Elson Sempé Pedroso - PUCRS __________________________________

Prof. Celso Augusto Schroder - PUCRS __________________________________

Prof. Me. Flávia Campos de Quadros - PUCRS

__________________________________

Porto Alegre 2014

Dedico este trabalho aos meus pais, José Ricardo Guez e Mariza de Ávila, à minha irmã, Viviane Guez, ao meu cunhado, Leonardo Lenskij, e aos meus melhores amigos por toda a força e incentivo para dar o meu melhor.

AGRADECIMENTOS

Aos meus mestres de vida que me ouviram, apoiaram e ensinaram durante a vida inteira e, principalmente, nesta etapa acadêmica. Minha mãe e minha irmã por terem me passado a garra e a determinação de lutar por meus objetivos e sonhos. Meu pai por ter me ensinado a ter mais tranquilidade e liberdade na hora de decidir minhas escolhas. Minha avó Honorina por ter me motivado a estudar sempre, ainda em vida. Meu cunhado e mestre por ter me ensinado o valor de saber além do ISO, velocidade do obturador e abertura do diafragma. Minha irmã mais velha de coração, Mara Bianchetti, por ter me passado o amor pelo Jornalismo e por ser meu grande exemplo na profissão. Por terem me confortado e me apoiado em todos os momentos da minha trajetória na faculdade, aos meus grandes amigos e amigas: Mariana Toni, Georgia Rohde, Stephanie Paiva, Nycollas Sutil, Silvia Brites, Isabelle Reynoso, Thiago Kropp, Gustavo Monte Blanco e Isabele Sonda. Agradeço por todos os dias que me fizeram sorrir mesmo com todas as minhas aflições. Ao Leonardo Contin, por todas as palavras de incentivo e de inspiração e por todos os abraços de conforto e de paz. A Clara Salvadori, Francielly Brites, Giana Milani e Anelise Fruett, por terem feito da Famecos um lugar de amizades verdadeiras. Clara, por ter me ajudado a ver que o equilíbrio da vida está em nós mesmos. Francielly, por ter me motivado todos os dias a correr atrás do meu sonho no Jornalismo. Giana e Anelise, por terem me ouvido reclamar de falta de tempo em diversas noites e por me transmitirem confiança. E aos colegas e amigos que também dividiram as minhas angústias e os meus momentos de pânico desses quatro anos, mas me fizeram também chorar de rir. A professora Flávia Campos de Quadros por ter me ajudado com boas dicas de materiais e por ter esclarecido diversas dúvidas durante o percurso. Ao meu orientador Elson Sempé Pedroso, pela compreensão nos meus momentos dramáticos, pelos ensinamentos, pelos momentos “terapia” antes da aula, por me acalmar e por todo o apoio.

“Quando a arte fala pela imagem, transcendendo a fala da/na imagem, provoca uma espécie de abertura de perspectivas que abrem espaço ao diálogo de forças diferentes – leitor e fotografado”.

Paulo Bernardo Vaz

RESUMO

Este trabalho se constitui em uma pesquisa sobre as características da linguagem visual utilizada nas imagens do fotógrafo russo Aleksander Ródtchenko (1891- 1956) como influência para alguns fotógrafos atuais. Com a análise de algumas fotografias, fotomontagens e trabalhos gráficos de Ródtchenko e de outros fotógrafos da Vanguarda Artística, pretende-se ressaltar as principais qualidades utilizadas pelos vanguardistas. Composição, estética e narrativa foram os três conceitos para o embasamento. A inspiração dos artistas analisados foi o Construtivismo, pois os fotógrafos exaltaram a tecnologia através de elementos estruturais e geométricos e utilizaram determinadas técnicas como ângulos inusitados. Os protestos e as guerras influenciaram esse movimento de renovação artística. A sociedade russa do século XX exigia inovação em tudo, inclusive na arte. O conteúdo estético da fotografia soviética supriu a necessidade de mostrar a realidade. Essa concepção desenvolveu um novo papel para a arte e para o fotógrafo, e, sem dúvida, para a fotografia em si, ou seja, a imagem ganhou uma função social, política e cultural.

Palavras-chave: Fotografia.

Aleksander

Ródtchenko.

Vanguarda.

Construtivismo.

ABSTRACT

This work constitutes an investigation about the characteristics of the visual language used in images of Russian photographer Aleksander Ródtchenko (18911956) as influence for some photographers today. With the analysis of some photos, photomontages and graphics jobs of Ródtchenko and others photographers of the Artistic Vanguard, it is intended to emphasize the main qualities used by early adopters. Composition, aesthetics and narrative were the three concepts for the theoretical base. The inspiration of artists analyzed was the Constructivism, because the photographers have exalted the technology through structural elements and geometric and they used certain techniques such as unusual angles. The protests and the wars have influenced this movement of artistic renewal. The Russian society of the 20th century demanded innovation in everything, including art. The aesthetic content of Soviet photography supplied the need to show the reality. That conception developed a new paper for the art and for the photographer, and, without a doubt, for the picture in itself, in other words, the image won a social function, politics and cultural.

Key words: Aleksander Ródtchenko. Vanguard. Constructivism. Photography.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Câmara Escura..................................................................................16 Figura 2 - Primeira foto reconhecida, de Nicéphore Niépce..............................16 Figura 3 - Uma das fotos da cobertura de Fenton na Crimeia em 1855...........18 Figura 4 - Inovação da revista La Vie au Grand air com fotomontagem...........19 Figura 5 - Museu Hermitage, registrada por Ignatovich em 1930.....................22 Figura 6 - Eletrificação em todo o país, arte feita por Klutsis, na década de 20.......................................................................................................................23 Figura 7 - Quebre os brancos, com a cunha vermelha.....................................24 Figura 8 - Capa da revista Mir Iskússtva...........................................................26 Figura 9 - Capa da revista Mir Iskússtva...........................................................26 Figura 10 - Capa da revista Mir Iskússtva.........................................................27 Figura 11 - Página da revista Kino-fot, em 1922, contendo colagens de Ródtchenko........................................................................................................29 Figura 12 - Capa da LEF, em 1929...................................................................30 Figura 13 - Retrato de sua mãe, em 1924.........................................................34 Figura 14 - Apartamento de Maiakóvski e dos Brik, 1926.................................34 Figura 15 - Repórter fotográfico Vadim Kovríguin, em 1948.............................35 Figura 16 - Pioneiro com corneta, em 1930.......................................................37 Figura 17 - Vladímir Maiakóvski com Skotik Púchkino, em 1924......................38 Figura 18 - Moça com uma Leica, em 1934......................................................39 Figura 19 - Varvara Stiepânova, em 1937........................................................39 Figura 20 - Volantes em uma esteira, em 1929................................................40 Figura 21 - Tábuas sobrepostas na Serraria de Vakhtan, em 1930.................40

Figura 22 - Escada de incêndio, em 1925........................................................41 Figura 23 - Reunião para uma manifestação, em 1928....................................42 Figura 24 - Barcos, em 1926.............................................................................43 Figura 25 - Vendedora de cigarros, em 1926....................................................45 Figura 26 - Garoto ao ouvir o rádio, publicada na revista Radiosluchátel, em 1929...................................................................................................................49 Figura 27 - Manifestação na Miasnítzkaia, banda de metais, em 1932............50 Figura 28 - Músicos tocam ao lado de trabalhadores, em 1933........................51 Figura 29 - Manifestação pelo metrô, em 1932.................................................52 Figura 30 - Construção do canal entre o Báltico e o mar Branco, em 1933.....54 Figura 31 - Soldado do Exército Vermelho, em 1924........................................55 Figura 32 - Trabalhadores com faixas escritas “Forneça água!”, em 1933.......56 Figura 33 - Construção do canal entre o Báltico e o mar Branco, em 1933.....58

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO .................................................................................................. 11

2

O FENÔMENO DA VANGUARDA ARTÍSTICA ............................................... 14

2.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA SOVIÉTICA E MUNDIAL ....... 14 2.2 OS FOTÓGRAFOS VANGUARDISTAS ........................................................... 20 2.3 A REVOLUÇÃO DE RÓDTCHENKO ................................................................ 24 3

A EXPANSÃO DOS CONCEITOS NA IMAGEM ............................................. 31

3.1 COMPOSIÇÃO.................................................................................................. 32 3.2 ESTÉTICA ......................................................................................................... 43 4

O LEGADO AO FOTOJORNALISMO .............................................................. 46

4.1 NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS ...................................................................... 47

5

CONCLUSÃO ................................................................................................... 58

REFERÊNCIAS ................................................................................................. 61 ANEXOS ........................................................................................................... 65

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1 INTRODUÇÃO

A pesquisa retoma as rupturas cultural, social e política ocorridas durante o período da União Soviética no século XX. O fervor criativo visto nessa época com as vanguardas artísticas influenciou os trabalhos do artista russo Aleksander Ródtchenko (1891- 1956). A escolha do tema desta monografia surgiu a partir de uma busca de conhecimento sobre a cultura russa, deste modo, a descoberta das obras de Ródtchenko fez aumentar ainda mais a paixão por esse país. Ródtchenko revolucionou a linguagem visual não somente na fotografia, mas também na pintura, no design gráfico e no cinema.

A união de qualidades em

diferentes áreas da arte reunidas num só profissional é encantador e fascinante. Se não bastasse o talento para essas áreas, Ródtchenko também foi um dos introdutores do conceito construtivista e desenvolveu técnicas e instrumentos para aplicá-lo. O caráter inovador do fotógrafo russo, mesmo quase 100 anos depois, inspira um grupo de profissionais do fotojornalismo. Segundo diversos autores, as obras de Ródtchenko ainda mantêm a sua frescura, vanguardismo e relevância. Além do estilo original em fotografar por ângulos inusitados, formas geométricas em evidência e a utilização de figuras do dia a dia. O próprio artista exalta a importância de perceber imagens diferentes de tudo já visto. Quero fazer fotos incríveis, nunca feitas, da própria vida, absolutamente reais, fotografias simples e complexas ao mesmo tempo, que espantarão e arrebatarão as pessoas. Preciso realmente fazer isso. (RÓDTCHENKO, 1934, p.9)

Na época, o construtivismo desenvolveu novas concepções para o papel da arte e do fotógrafo, e, sem dúvida, da fotografia em si. As preocupações documentais com a política deram uma função social à arte da imagem, assim como ao fotojornalismo. O olhar além do acontecimento, mas de uma maneira mais humana e profunda é inspirador para qualquer iniciante na área. Assim, para Jacques Aumont (1993), a fotografia reproduz as aparências visíveis ao registrar o traço de uma impressão luminosa: este é o princípio de sua invenção.

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O aparecimento de contrastes nas características da fotografia destacou as tensões que surgiram na visão histórica do fotojornalismo. O valor da notícia se difundia na arte de fotografar registrando os fatos com apenas uma foto para representar o instante decisivo. As fotografias também podem ajudar na construção do sujeito social, principalmente para a sociedade que buscava compreender e encontrar a sua própria identidade. Essa noção de informação garante que o fotojornalista possa narrar os acontecimentos fortalecendo as representações das realidades. A relação do espectador com a imagem e com a câmera projetou um comportamento de reconhecimento do registro factual e espontâneo do cotidiano. É incrível perceber o porquê determinada fotografia toca tanto pela sensibilidade e emoção. Cada corte, enquadramento, iluminação definidas são como as palavras escolhidas para um poema. Ródtchenko destinou seu tempo a descobrir ângulos e técnicas com a contribuição de elementos da arte e da publicidade, como a regra dos terços, explorando a iluminação e a composição do quadro. O uso de diagonais e de geometria foram aspectos muito marcantes nos seus trabalhos de design gráfico, mas uma combinação que enriqueceu suas fotorreportagens. A presente pesquisa objetiva, ao final, identificar os traços da influência de Ródtchenko em um grupo de fotógrafos. Os conceitos escolhidos para serem explorados são composição, estética e narrativa. A partir de coleta de imagens e informação, será realizada a análise de conteúdo dando prosseguimento ao desenvolvimento da pesquisa. Além disso, pesquisa bibliográfica, materiais como livros, revistas e páginas na internet serão fontes para a busca de dados a ser analisados. Conforme a seleção das leituras analíticas e reflexivas das imagens, a conclusão será feita a partir do conteúdo visual e teórico encontrado a respeito do fotojornalismo e do artista. A pesquisa, dividida em três capítulos, introdução e conclusão, terá como sustentação os conceitos de Jorge Pedro Souza, Annateresa Fabris, Lucia Santaella e Winfried Nöth, Paulo Bernardo Vaz e Jacques Aumont. O segundo capítulo trata sobre uma retomada do processo da fotografia, o contexto histórico da União Soviética e o fenômeno da vanguarda russa, destacando o trabalho de alguns fotógrafos e artistas como Boris Ignatovich, El Lissitsky e Gustav Klutsis, mas principalmente de Aleksander Ródtchenko e o conceito de construtivismo. A

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sustentação deste capítulo será por meio dos conceitos de Annateresa Fabris, Lucia Santaella e Winfried Nöth, mas principalmente de Jorge Pedro Sousa. O autor defende que O realismo fotográfico soviético trata-se, assim, de um realismo decepado, que dissimula as contradições da sociedade, que não representa o outro lado da ‘pátria do socialismo’. [...] A fotografia é grandiosa, mas ‘vazia’ em termos de conteúdo. (SOUSA, 2004, p. 67)

O terceiro capítulo se refere ao processo de construção da fotografia de Ródtchenko ressaltando os conceitos de composição e estética. Os elementos geométricos utilizados nas imagens do artista destacaram a exaltação da tecnologia defendida pelo construtivismo. Terá o embasamento teórico com os autores: Martin Keene, Ellen Lupton, Jennifer Cole Phillips, Henri Cartier-Bresson, François Soulages, Charlotte Cotton e Jacques Aumont. Aumont desenvolve teorias a respeito da multiplicidade de sentidos e pontos de vistas da imagem. Aliando a arte à fotografia, Cotton agrega os pensamentos aos motivos que levam à produção artística. Percorre trabalhos que, por mais distintos, se assemelham pela inspiração e pelo olhar além da realidade.

O cuidado com a

composição da foto é ressaltado pela autora. O poder informativo que a fotografia alcança conforme a veracidade da narrativa registrada pelo fotógrafo é referida no quarto capítulo. Trata-se do uso dos elementos de composição e estética para compor as narrativas fotográficas de Ródtchenko. Essa união de aspecto informativo e estético é que fez o artista contribuir para o fotojornalismo de maneira diferenciada. Terá como sustentação teórica Boris Kossoy, Martine Joly, Edgar Morin, Rudolf Arnheim e Paulo Bernardo Vaz. Segundo Kossoy (2000), desde o surgimento até os dias de hoje, a fotografia tem sido aceita e utilizada como prova definitiva, “testemunho da verdade” do fato. Desse modo, a imagem tem potencial para diferentes significados de interpretação conforme o impacto da decifração.

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2. O FENÔMENO DA VANGUARDA ARTÍSTICA A existência desta alma revolucionária aparecerá de forma evidente toda vez que um verdadeiro artista de vanguarda encontrar com suas próprias raízes um terreno histórico novamente propício, ou seja, capaz de proporcionar renovada confiança no fato de que a única salvação não está na evasão, mas na presença ativa dentro da realidade. Mario de Micheli (1991)

A vanguarda artística surgiu como uma ruptura dos valores estéticos do século XIX. Os protestos e as guerras ao redor do mundo influenciaram um fenômeno revolucionário na produção literária, artística, filosófica e política. Segundo Mario de Micheli (1991), a clareza, a evidência e o empenho constituíram o caráter fundamental em que a arte em sua tendência geral devia se inspirar. Essa criação artística começa muito antes do registro efetivamente. As ideias aparecem a partir do momento histórico, dos hábitos e dos costumes compartilhados pelos artistas em determinadas épocas.

Contudo, este capítulo tem ênfase na

fotografia nas vanguardas artísticas.

2.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DA FOTOGRAFIA SOVIÉTICA E MUNDIAL Nascida num ambiente positivista, a fotografia já foi encarada quase unicamente como o registro visual da verdade, tendo nessa condição sido adotada pela imprensa. Jorge Pedro Souza (2004)

A câmara escura foi o princípio da câmera fotográfica juntamente com o fenômeno de escurecimento da prata pela luz. Outra observação que foi muito importante para o embasamento da câmara foi a pesquisa do filósofo Aristóteles (384-322 a.c.). O pensador observou o eclipse solar e pode notar que as folhas das árvores eram projetadas no chão. Esse conceito pode ser visto na câmara escura, como mostra a figura 1. Há um orifício por onde os raios de luz passam e projetam uma imagem invertida do objeto no anteparo fotossensível na parede paralela ao orifício.

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Figura 1: Câmara Escura (Fonte: www.fotografiacampinas.com.br)

O resultado do desenvolvimento dessas técnicas foi o primeiro registro fotográfico reconhecido pela história (figura 2) por Joseph Nicéphore Niépce. Em parceira com Louis Jacques Mandé Daguerre, foi possível capturar imagens, embora com pouca durabilidade devido às qualidades dos materiais utilizados. Apesar disso, foi um avanço tecnológico para a época.

Figura

2:

Primeira

foto

reconhecida,

de

Nicéphore

Niépce

(Fonte:

photography.nationalgeographic.com)

Após o desenvolvimento da câmera, a fotografia provocou uma crise de readaptação no universo da arte. Algumas características da pintura foram exploradas pelos fotógrafos inicialmente como, por exemplo, a preocupação com a

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luz e os cenários, até então, utilizados nos quadros artísticos. Já que muitos deles eram pintores também, os estúdios foram muito usados como cenários.

Os

pictorialistas defendiam que as imagens para serem reconhecidas como fotografias deveriam explorar fotograficamente os recursos da natureza como, por exemplo, a nuvem e o crepúsculo. Uma das primeiras fotografias que registrou um acontecimento foi a partir de um daguerreótipo, realizada por Carl Fiedrich Stelzner. O fato ocorreu em um bairro em Hamburgo, 1842, quando um incêndio destruiu o local. Para ser reproduzida, a revista semanal The Illustrated London News usou uma imagem desenhada que foi inspirada na fotografia original. Entretanto, a autora Gisèle Freund (1995, p. 107) afirma que “com o alargamento do olhar o mundo encolhe-se.”. Ela defende que a imagem fotográfica é um reflexo concreto do mundo no qual cada um vive, mas também manifesta. Dessa maneira, os ideiais dos processos revolucionários que ocorriam na arte puderam ser divulgados. A evolução da fotografia desencadeou um novo discurso: o fotojornalismo. Segundo Jorge Pedro Sousa (2002), fotojornalismo é uma atividade singular que usa a fotografia como um veículo de observação, de informação, de análise e de opinião sobre a vida humana e as consequências que ela traz ao planeta. A fotografia jornalística mostra, revela, expõe, denuncia, opina. De qualquer modo, como nos restantes tipos de jornalismo, a finalidade primeira do fotojornalismo, entendido de uma forma lata, é informar. (SOUSA, 2002, p.5)

Assim como a pintura, o fotojornalismo foi uma ferramenta para registrar os fatos cotidianos. O primeiro capítulo do fotojornalismo foi a Guerra da Crimeia (18531856). O pioneiro na cobertura com enfoque jornalístico foi Roger Fenton (18191869). Ele foi enviado pelo governo inglês para fazer o registro daqueles acontecimentos. Dessa maneira, o caráter ilustrativo e decorativo da fotografia passou a ser informativo também.

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Figura 3: Uma das fotos da cobertura de Fenton na Crimeia em 1855 (Fonte: www.allworldwars.com)

Os artistas começaram a produzir fotografias de caráter documental em locais como África e Oriente. Jorge Pedro Sousa destaca que eles estavam visando dar o testemunho do que viam, encobertos pela capa do realismo fotográfico. O público passou a exigir mais conteúdo nas imagens, então, a conquista desse movimento “fotodocumentaristas-viajantes” foi uma resposta à importância do conhecimento do que estava ocorrendo pelo mundo. Entretanto, os editores de jornais não pensavam da mesma forma. Eles foram resistentes à utilização de fotografias como informação também. A criação do primeiro tabloide fotográfico, denominado Daily Mirror, foi um marco para a fotografia ter credibilidade tanto quanto a escrita. Hickes (1952) defende que essa mudança promoveu a competição fotojornalística e a necessidade de rapidez que originou também a cobertura baseada em uma única foto. A articulação de texto e imagem ganhou força nas revistas ilustradas da Alemanha após a Primeira Guerra entre os anos vinte e trinta do século XX. As histórias contadas por esses dois discursos determinaram alguns aspectos para o crescimento do trabalho fotográfico. Segundo Sousa, podem ser citados cinco destes aspectos: aparição de novos flashes e comercialização das câmaras de 35mm, formação de repórteres fotográficos, colaboração intensa entre fotojornalistas

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e editores das revistas ilustradas, interesse na vida das pessoas e ambiente cultural e suporte econômico. A pequena sofisticação do fotojornalismo neste período já contribuiu também para o campo gráfico. No final do século XIX, surgiram recursos como a fotomontagem na pioneira revista francesa La Vie au Grand air (1898), conforme figura 4. A introdução do realismo nas fotografias deu mais espaço na imprensa. Contudo, o fotojornalismo encontra um dos grandes desafios para a época: a cobertura de guerra.

Figura 4: Inovação da revista La Vie au Grand air com fotomontagem (Fonte: www.histoirepour-tous.fr)

Na União Soviética, em 1930, foi criada a revista USSR im Bild e editada por Maxim Gorki, Michael Kolzow e outros até o início da Segunda Guerra Mundial. As conquistas da agricultura, da indústria e da construção civil soviética eram publicadas em quatro línguas: inglês, francês, alemão e espanhol. Já o layout e a fotografia ficaram sob responsabilidade de El Lissitsky e Aleksander Ródtchenko. O uso de cores e fotomontagens ficou em destaque. Os fotógrafos desse grupo utilizaram essas características para representar uma nova identidade da sociedade soviética de maneira mais realista. O pioneiro, na época, foi Boris Ignatovich e após vieram outros como o próprio Ródtchenko, Petrusov, Dimitri Baltermans, Anatol Garanin e Evgueni Khadeï.

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2.2 OS FOTÓGRAFOS VANGUARDISTAS Pode-se dizer que a primeira grande revolução que aconteceu na Rússia não foi especificamente política, mas sim aquela voltada especialmente para a arte. Assim como ocorreu na Alemanha no início do século XX, desenvolveu-se na Rússia, no mesmo período, um terreno fortemente criativo e experimental nas artes. Vanessa Beatriz Bortulucce (2008)

As primeiras décadas do século XX foram marcadas para os russos como um dos clímaces do desenvolvimento da arte. Devido à derrota da Guerra Russojaponesa (1904-1905) e à Revolução de Outubro (1905), chamada de “Domingo Sangrento”, houve uma hesitação da população pelo realismo. Os episódios foram marcos para as mudanças sociais, políticas e artísticas que ocorreram na Rússia no período após 1905. Em consequência a esses fatos revolucionários, em torno de 1910, o abstracionismo foi reconhecido como movimento artístico. Este se refere à busca pelos artistas de uma nova realidade utilizando elementos estruturais e geométricos. Na Rússia, houve três grandes vertentes: o racionismo, o suprematismo e o construtivismo. O destaque desta pesquisa segue para os construtivistas. O pioneiro dessa vertente foi Vladimir Tátlin (1885-1956) que desenvolveu esculturas com formas geométricas e abstratas com materiais industriais, também denominadas de “contra-relevos”. Os movimentos de vanguarda com a fotomontagem conseguiram reintroduzir a iconicidade na representação plástica, sem voltar a usar velhas técnicas artísticas, segundo Annateresa Fabris (2011). A autora ressalta ainda que Gustav Klutsis, Ródtchenko e El Lissitsky utilizaram a arte como propaganda, como tomada de posição e alinhamento com as exigências do contexto histórico que o país vivia. Os artistas da União Soviética tinham como lema nas suas fotografias a seguinte ideia: “a utilização do instantâneo fotográfico como um meio visual”. Segundo Annateresa (2011), a importância conferida à natureza factual da fotografia é um dos destaques disso como instrumento de construção de uma visualidade comprometida com a causa revolucionária. Ródtchenko relacionou essa totalidade independente e completa e o valor documentário da fotografia, assim representando uma “informação precisa” sobre o tempo e o lugar das imagens. O “realismo” visto

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nas obras da vanguarda construtivista russa representa, por meio da arte, a consciência do objeto autêntico, autônomo em termos de forma e conteúdo segundo Tarabukin. Esse objeto não é uma reprodução das coisas do mundo exterior; mas é construído, de ponta a ponta, pelo artista fora das linhas de projeção que poderiam vinculá-lo à realidade. (TARABUKIN, 1922, p.40)

O momento revolucionário motivou a sociedade a exigir uma arte que mostrasse o que o país estava vivendo. O povo não queria mais a arte abstrata e dispersa em significados ambíguos. As pessoas gostariam de ver a arte que expressasse o que elas estavam pensando e sentindo. Dessa maneira, o papel do artista mudou, pois agora a arte teria um significado social e útil. A fotografia vanguardista tentou suprir essa necessidade de representar o momento presente do mundo. O reflexo da realidade levou ao surgimento de diferentes vertentes: fotografia direta e nova objetividade. Contudo, todas destacam o processo de modernização da sociedade, posicionamento contra o pictorialismo, busca pela especificidade, exaltação pela tecnologia e o uso de técnicas como ângulos

inusitados,

geometrização,

nitidez,

entre

outras.

O

marco

do

reconhecimento internacional de todas elas como apenas uma “vanguarda” foi a exposição “Film und Foto”, em 1929. O estranhamento ao olhar é inevitável às obras da vanguarda russa. As imagens,

incluindo

fotomontagens,

expressavam

o

desenvolvimento

do

construtivismo, a inserção da arte em atividades do dia a dia, a arte como construção de fato e a transformação da identidade.

Além disso, a imagem

fotográfica passou a ser um meio de reafirmar histórias de personagens da época sob a influência de Stalin. Foi uma ferramenta de propaganda das ideologias dos governos no período. O realismo fotográfico soviético trata-se, assim, de um realismo decepado, que dissimula as contradições da sociedade, que não representa o outro lado da ‘pátria do socialismo’. [...] A fotografia é grandiosa, mas ‘vazia’ em termos de conteúdos. (SOUSA, 2002, p. 67)

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O fotógrafo Boris Ignatovich (1899-1976) foi o percursor da nova configuração visual devido ao modelo de sociedade que a União Soviética ocasionou. Apesar de ter iniciado a carreira como jornalista em 1918, doze anos depois foi reconhecido como fotógrafo com o documentário dos moradores da atual cidade da Rússia, Ramenskoye.

Ignatovich inovou na fotografia documental utilizando novas

perspectivas de ângulos muito baixos ou muito altos transformando o quadro em uma composição (veja na figura 5).

Figura 5: Museu Hermitage, registrada por Ignatovich em 1930 (Fonte: www.pictify.com)

Outro representante importante foi Gustav Klutsis (1895-1944) explorando conceitos de recortes do cubismo para fazer as suas fotomontagens. O artista alinhava as geometrias dos materiais utilizados e criava formas que destacava a influência da revolução na construção da identidade social e visual dos acontecimentos. Klutsis usava, frequentemente, uma forma esférica no centro da imagem, assim projetava uma diagonal. Na figura 6, a colocação dos círculos envolve o leitor numa composição rotatória. Segundo Fabris (2011), o elemento que unifica a composição engloba também a ideia de construção de um mundo novo graças ao socialismo. Já que

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Lênin é o personagem principal da imagem, sugere uma leitura de progresso pela industrialização e modernização.

Figura 6: Eletrificação em todo o país, arte feita por Klutsis, na década de 20 (Fonte: www..cargocollective.com)

Segundo Lucia Santaella e Winfried Nöth (2012), ao observar um símbolo não se olha para ele como o próprio objeto que é sempre um objeto do mundo exterior no amplo sentido da palavra, mas como representante daquilo que ele sugere. Dessa maneira, a ambição pelo crescimento está nas mãos de Lênin na imagem, ele segura uma maquete. O olhar do protagonista remete ao futuro que almeja para aquela civilização. A tarefa do artista, de acordo com o manifesto, está próxima àquela do engenheiro: produzir objetos utilitários, racionais e eficazes, explorando os materiais da civilização moderna industrial, criando

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assim obras que expressam o aspecto dinâmico da vida cotidiana. (BORTULUCCE, 2008, p. 80)

A série, denominada como “Proun”, identificou o trabalho de El Lissitsky (1890 – 1947). O artista buscou, por meio de elementos em formas geométricas, mostrar relações ópticas e multidimensionais. A arte abstrata das suas obras manifestava o caráter político que a Rússia vivia, inclusive o uso de cores, como mostra a figura 7 (Quebre os brancos, com a cunha vermelha). Assim, os vanguardistas construíram suas próprias realidades. O conteúdo estético das imagens deu um fim útil à fotografia e à fotomontagem através da combinação e da narrativa dos recortes fotográficos.

Figura 7: Quebre os brancos, com a cunha vermelha (Fonte: www.revistacliche.com.br)

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2.3 A REVOLUÇÃO DE RÓDTCHENKO A arte do futuro não será a agradável decoração de apartamentos de família. Será, sim, tão indispensável como arranhacéus de 48 andares, pontes gigantescas, telégrafo sem fio, a aviação, submarinos e outras tecnologias. Aleksander Ródtchenko (1921)

Com o slogan “nosso dever é experimentar”, Aleksander Ródtchenko (18911956) firmou a estética dos seus trabalhos na fotografia, na pintura, no design gráfico e no cinema.

Um dos líderes do construtivismo russo conquistou o

reconhecimento das suas fotografias após os retratos de sua mãe e de Vladímir Maiakóvski, do Pioneiro com corneta, Escadas, Moça com uma Leica, Mergulho do Alto, Corridas de cavalos, imagens de esportes e circo e da cidade de Moscou de 1920. “Não cheguei à fotografia vindo de ‘um lugar qualquer’. Cheguei a ela já como um experiente pintor, artista gráfico e designer de arte decorativa”, o artista definiu, em 1935, o início da sua carreira como fotógrafo que perdurou trinta anos, de 1924 a 1954. Ródtchenko ainda destacou as influências do contato com a arte desde pequeno: Cada caminho artístico é uma soma de impressões: infância, juventude, ambientes e ilusões juvenis. [...] Nasci em cima de um palco de teatro, onde meu pai, após passar por agruras, trabalhava como aderecista. A vida do teatro, ou seja, palco e bastidores, era a vida verdadeira, e o que estava lá fora – eu não tinha ideia. (RÓDTCHENKO, 1935, p.205)

No Clube Russo, na avenida Niévski, em São Petersburgo, pode ter sido os primórdios artísticos na infância do designer. O palco onde o seu pai trabalhava deixou memórias dramáticas, por exemplo, a procura por doces ao final de cada espetáculo. Se não bastasse isso, Ródtchenko não ganhava brinquedos, mas foi dessa forma que pode ter desenvolvido a sua imaginação. Esse exercício de criatividade levou o jovem artista a entrar na Escola de Artes de Kazan, em 1912. Embora a instituição fosse especializada em teatro, Ródtchenko aproveitava o

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material da biblioteca da cidade para se inspirar, por exemplo, nas revistas Mir Iskússtva (figuras 8, 9 e 10) e Zolotóe Runó.

Figura 8: Capa da revista Mir Iskússtva (Fonte: www.arthistoryarchive.com)

Figura 9: Capa da revista Mir Iskússtva (Fonte: www.johncoulthart.com)

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Figura 10: Capa da revista Mir Iskússtva (Fonte: www.johncoulthart.com)

Em 1913, Ródtchenko teve uma simples oportunidade que marcou o início de sua carreira. Advogados o convidaram a pintar um apartamento vazio. O diferencial foi a pintura futurista realizada por ele que o fez se considerar adepto a esse movimento. Já, no ano seguinte, outro fato importante que mudou o rumo de sua vida foi o encontro com Varvara Stiepânova, sua futura esposa na época e modelo fotográfica frequente. O encontro com o precursor do construtivismo, Tátlin, ocorreu na exposição futurista “A Loja”, em 1916, organizada pelo próprio pioneiro no Salão Mikháilova. Ródtchenko demonstrou, através das suas obras, as qualificações do movimento com as colagens feitas de papel e suas pinturas futuristas. Dois anos depois,

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Ródtchenko afirmou no catálogo da X Exposição Estatal que era inventor de novas descobertas na pintura. A composição das pinturas e das imagens de Ródtchenko passou de planos para formas geométricas arredondadas. Círculos, arcos e anéis foram elementos marcantes nesse momento da carreira do artista. O discurso entre as combinações formou, por exemplo: construções tridimensionais feitas de anéis concêntricos (1920), esferas luminosas no design de um aparelho de chá (1922), e círculos parecidos com uma mola na capa da revista Radiosluchátel (1929). Na fotografia não foi diferente, Ródtchenko explorou a geometria de vasos, bolas, aros, engrenagens e faróis de carro sensibilizando aquele que olha para a imagem a ver além daquela realidade dentro do quadro como ressalta Aumont. “As imagens são portanto objetos visuais muito paradoxais: têm duas dimensões mas permitem que nelas se vejam objetos em três dimensões (esse caráter paradoxal está ligado, é claro, ao fato de que as imagens mostram objetos ausentes, dos quais elas são uma espécie de símbolo: a capacidade de reagir às imagens é um passo em direção ao simbólico)” (AUMONT, 2000, p. 66)

No período de 1918 a 1922, o artista fez combinações com recortes de jornais, cartão-postal e selos. Foram consideradas reflexões da vida contemporânea do teatro e da crítica. As publicações desse trabalho, conforme figura 11, na revista Kino-fot por Aleksei Gan foram intituladas como “Material impresso para os críticos, arranjo do construtivista Ródtchenko”. Além disso, as colagens se compõem em diagonal e em leitura de ziguezague. As camadas servem como plano de fundo para determinados cenários criados por Ródtchenko. Segundo Lavréntiev, etiquetas e retângulos negros ou coloridos, posicionados de modo perpendicular, criavam um esquema construtivo fixo, unindo o heterogêneo e o variado em termos de materiais impressos texturais.

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Figura 11: Página da revista Kino-fot, em 1922, contendo colagens de Ródtchenko (Fonte: Livro Revolução na Fotografia)

Devido à sequência de materiais feitos por Ródtchenko e publicados, a fotomontagem se tornou muito popular por volta de 1920. O artista Vladímir Maiakóvski comentou sobre a influência dessas composições na revista LEF (Frente Esquerdista das Artes) que a imprensa fotográfica recebeu uma ordem assinada pelo diretor para que toda impressão fosse feita na forma de montagens ou ilustrações

à

maneira

de

Ródtchenko.

Os

desenhos

que

eram

usados

frequentemente em cartazes e revistas de caráter político e social passaram a ser trocados por fotografias e fotomontagens. Os temas de Ródtchenko foram apresentados de maneiras diferenciadas, porém em algumas imagens ficou evidente que o artista transformou a foto documental em arte. A fotorreportagem ganhou novas perspectivas dando ênfase à profundidade e desenvolvendo princípios de fotografias de ângulos muito altos e muito baixos. Na Rússia, esses pontos de vista são conhecidos como “ângulos de

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Ródtchenko” segundo Aleksander Lavréntiev. Pode ser visto como precursor da fotografia modernista soviética. Para alguns, é considerado um gênio inventivo. A referência como construtivista levou Ródtchenko a ser professor na LEF. Ele projetou algumas páginas internas e todas as capas da LEF. As primeiras capas passaram a mensagem do grupo de maneira agressiva e clara. A capa precursora da LEF tinha dois bebês nus com jornais velhos destacando o nascimento dessa corrente. Já a segunda tinha três elementos: um avião, escrito LEF em russo, uma caneta que caía do aeromóvel cruzando um homem pré-histórico com uma flecha na mão (figura 12).

Figura 12: Capa da LEF, em 1929 (Fonte: Livro Revolução na Fotografia)

Os

primeiros

registros

significativos

de

fotografia

para

Ródtchenko

aconteceram após ter adquirido a sua primeira câmera em meados de 1924. Os associados da LEF e seus amigos foram seus modelos ressaltando a presença do Maiakóvski. Os retratos de sua mãe, Olga Levdokímovna, mostraram como as

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imagens do artista expressavam a personalidade e algumas características do personagem. A exibição das suas fotografias proporcionou encomendas de séries por jornais, revistas e editores de fotoálbuns, por exemplo, o jornal Vetchérnaia Moskvá (Moscou vespertina) e as revistas Ogoniok, Daioch!, Smiena e SSSR na stróike. A apresentação da editoria e do setor gráfico do jornal Gudok para a revista Trídsat Dniei (30 dias) foi a primeira fotorreportagem longa publicada por Ródtchenko. Cenas como essa retratada do dia a dia de Moscou foram procuradas pelo fotógrafo para expressar os pensamentos da nova sociedade que estava sendo construída. Essas

abordagens

permitiram

a

Ródtchenko

fazer

imagens

expressivas, que pareciam obras de arte rematadas, autossuficientes e integrais. Todas, em alguma medida, lembram cartões-postais, e cada uma pode existir independentemente das outras como um esboço à parte, um fato ou um episódio da vida urbana. (LAVRÉNTIEV, 2010, p. 211)

O artista defendia constantemente que era necessário buscar novas possibilidades na arte. A ousadia de Ródtchenko perdurou até a sua morte em 1956 devido a um derrame. Na época, ele trabalhava no projeto gráfico do poema Khoroshó, do Maiakóvski para a Editora Literária Estatal. Postumamente, Ródtchenko conquistou a sua primeira exposição artística individual em 1957 na Casa dos Jornalistas de Moscou. Foram apresentados anúncios e cartazes para filmes de Eisenstein e Viértov, trajes de teatro e designs de palco para a peça O percevejo, de Maiakóvski, capa de livros, fotomontagens, desenhos, fotoálbuns e mais de 50 imagens publicadas. Ele foi visto não só como inovador na fotografia, mas também na arte moderna em geral.

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3. A EXPANSÃO DOS CONCEITOS NA IMAGEM Esta abordagem significa que o ato de criação artística começa muito tempo antes de a câmera ser efetivamente fixada na posição adequada e de a imagem ser registrada, uma vez que se inicia como o planejamento da ideia criativa. Charlotte Cotton (2010)

A experimentação de técnicas, introduzindo uma nova linguagem fotográfica, caracterizou as imagens de Ródtchenko. O artista explorou a geometria utilizada em suas fotomontagens e trabalhos gráficos. Como Santaella e Nöth (2012) defendem que as formas visuais são unidades de percepção independentes da linguagem. Além disso, os autores acrescentam que, no campo visual, as figuras são percebidas, em sua totalidade, como formas. O processo de construção da imagem exige do artista diferentes elementos da fotografia: enquadramento, estética, composição, contrastes com a luz e a forma, a profundidade, a relação do objeto com o ambiente, narratividade, planos, movimento, iluminação. Neste capítulo, o objetivo é desenvolver dois conceitos que se destacaram nas fotografias de Ródtchenko: composição e estética. A partir das qualidades do fotógrafo, pode-se notar um recorte magnífico da realidade ressaltando a definição de boa fotografia de Henri Cartier-Bresson (2004): “o reconhecimento simultâneo, numa mesma fração de segundo, por um lado, da significação de um fato, e, por outro, de uma organização rigorosa das formas percebidas visualmente que exprimem o fato”. Nessa perspectiva Ródtchenko conferiu uma função social à arte por meio da sua revolução no olhar para a sociedade da época em meio às expressões de ideologias diárias nas ruas. Dessa maneira, deu um sentido conotativo à fotografia se assemelhando ao fotojornalismo, pois as imagens representaram um momento histórico da Rússia.

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3.1 COMPOSIÇÃO A composição deve ser uma de nossas preocupações constantes, até nos encontrarmos prestes a tirar uma fotografia... e, então, devemos ceder lugar à sensibilidade. Henri Cartier-Bresson (2004)

A capacidade de disposição de cada objeto na fotografia depende do ponto de vista do fotógrafo. A personalidade da imagem é dada pela composição unindo elementos para dar sentido ao que se quer representar. As escolhas de quais objetos devem ficar em evidência, as linhas, o posicionamento, os tons e as cores, ou seja, quais os detalhes ressaltados para que haja compreensão do leitor da imagem. A fotografia como linguagem depende da tendência de cada momento histórico, porém são esses elementos que fazem a diferença na hora de fotografar. Para Martin Keene (2002), composição é uma palavra com conotações emocionais para os fotógrafos de imprensa, mas são simplesmente algumas linhas orientadoras sobre aquilo que – para além do conteúdo – transforma uma fotografia medíocre numa boa imagem de revista ou jornal. Como maneira de orientação, antes de conferir os elementos que dão sentido para a mensagem fotojornalística das imagens de Ródtchenko, é importante conhecer esses elementos da composição. Podem-se exemplificar alguns desses elementos como: objeto, espaço, planos, volumes, foco, tonalidade do ambiente, escala do objeto, iluminação, movimento, perspectiva, ponto de vista, padrões, molduras e, principalmente, a regra dos terços. Conforme esses aspectos conversam entre si podem compor diferentes fotografias de um mesmo momento. Nessas imagens é que se pode perceber a sensibilidade do fotógrafo em relação ao objeto fotografado. Os resultados dessas estruturas podem ser vistos em algumas das obras de Ródtchenko. Seguem duas fotografias que destacam o objeto (figura 13) e o espaço contextualizado (figura 14).

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Figura 13: Retrato de sua mãe, em 1924 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

Figura 14: Apartamento de Maiakóvski e dos Brik, 1926 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

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A relação dos detalhes da figura 13 remete aos pensamentos do espectador sobre as qualidades da mãe de Ródtchenko. Já, na figura 14, o ambiente informal lembra uma ação repetitiva do cotidiano das pessoas retratadas, além de diferenciar cada uma delas por suas vestimentas e gestos espontâneos. É importante ressaltar a contextualização pelo espaço do discurso representativo da imagem. Neste caso, outro detalhe relevante são as composições de planos para distribuir os elementos na fotografia, como mostra a figura 15, registrada também por Ródtchenko.

Figura 15: Repórter fotográfico Vadim Kovríguin, em 1948 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

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Na fotografia, a menina e o repórter fotográfico são o plano principal e o fundo é o plano secundário, aparentemente, um parque com monumento e árvores. Como Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips (2008) afirmam que o ângulo pelo qual os elementos recuam reflete a posição do observador. O centro de interesse focalizado em alguns objetos em primeiro plano ressalta a profundidade do quadro. No caso da figura 15, são os personagens: o repórter fotográfico e a menina ao seu lado. Já o segundo plano são os outros objetos que, embora não estejam em destaque, passam a contextualização do ambiente. Contudo, existem mais tipos de planos, tanto que a organização da imagem pode ser feita de diferentes maneiras como, por exemplo, grande plano geral, plano geral, plano médio e plano detalhe. Conforme as características principais são definidas as classificações do plano que está em destaque. Cada um tem uma função diferente como o plano geral destaca o ambiente que envolve a ação, o plano médio ressalta a integração do sujeito com o ambiente, ou seja, a prática do sujeito. Já o primeiro plano permite que se observe com maior detalhamento da expressão do sujeito no movimento. O volume é o elemento que é referência do design gráfico, pois o ponto, a linha e o plano são os alicerces dessa área como destacam Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips (2008). Por a linha ser uma série de infinita de pontos, é a conexão que dá o contorno dos objetos na imagem dando o volume e possibilitando que se veja melhor o objeto na bidimensionalidade. Neste caso, o plano tem outro sentido uma vez que se refere à planta do desenho. Lembrando que as linhas podem ser retas ou curvas. Essas características da geometria foram usadas frequentemente por Ródtchenko. As linhas podem gerar limites imaginários, porém, se há um corte, como mostra a figura 16, registrada por Ródtchenko, o espectador a termina inconscientemente. Então, o objeto visual pode representar também a sua tridimensionalidade através do volume com altura, largura e profundidade dadas pelas linhas. O desenho, formado pelas linhas, pode introduzir ritmo em uma foto que, sem ele, parecia caótica. Assim, as linhas e as formas podem criar imagens abstratas ou ser o destaque da fotografia desviando o assunto principal.

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Figura 16: Pioneiro com corneta, em 1930 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

Outro recurso que pode ser utilizado para destacar uma cena numa fotografia é o foco através da abertura ou do fechamento do diafragma que controla a quantidade de luz que entra no orifício da câmera. A localização do foco enfatiza melhor um elemento sobre os demais. Isso fortalece o poder da mensagem. Além disso, quanto mais aberto o diafragma, menor é a profundidade de campo que faz o elemento principal da fotografia ficar ainda mais em destaque. Esse recurso é muito utilizado no fotojornalismo, como na figura 17 que mostra o perfil do Vladímir Maiakóvski com seu cachorro Skotik Púchkino, registrada por Ródtchenko.

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Segundo Jorge Pedro Sousa (2002), o fotojornalista deve, deste modo, privilegiar sempre uma zona da imagem que funcione claramente como foco de atenção, e que deve ser, obviamente, o motivo principal. Dessa maneira, a realidade do fato pode ser retratada de modo que pareça mais brutal devido à nitidez ou, ao contrário, com menos foco demonstrando a suavidade dos traços.

Figura 17: Vladímir Maiakóvski com Skotik Púchkino, em 1924 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

Conforme a tonalidade e a iluminação natural do ambiente, o drama da cena adquire maior visibilidade. Ródtchenko soube explorar a natureza a seu favor como mostra a figura 18, uma de suas fotos mais famosas “a moça com uma Leica”, e a figura 19 também. A entrada de pequenos feixes de luz transformou a cena em outra se não tivesse essa luz sombria vinda pelas frestas da janela. Além disso, os cortes no rosto da personagem e no restante do ambiente deu uma textura à imagem.

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Segundo Charlotte Cotton, cria uma tensão entre a aparência e a substância de um momento simples, capturado pela fotografia, e seu processo propriamente dito, que consiste em preconceber e construir a cena.

Figura 18: Moça com uma Leica, em 1934 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

Figura 19: Varvara Stiepânova, em 1937 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

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O olhar do espectador das obras de Ródtchenko se depara, frequentemente, com a repetição de linhas e contornos ao redor da imagem. Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips (2008) ressaltam que o ritmo é um padrão forte, constante e repetitivo: o toque dos tambores, o cair da chuva, os passos no chão. Do mesmo modo, isso ocorre na fotografia com padrões de formas na mesma imagem, como está registrado nas figuras 20 e 21. Esse é muito utilizado no design gráfico também, outra influência nas fotografias do artista. A repetição contínua dos movimentos pontua a simetria do discurso empregando equilíbrio e ritmo.

Figura 20: Volantes em uma esteira, em 1929 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

Figura 21: Tábuas sobrepostas na Serraria de Vakhtan, em 1930 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

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O movimento construtivista empregou a tendência revolucionária nas artes. A arte deveria superar limites para que pudesse atingir os objetivos sociais e a construção de uma estética que realmente expressasse o contexto político da sociedade. Ródtchenko apresentou novas perspectivas que representaram as mudanças de estilo de vida e visão de mundo. Os seus enquadramentos em pontos altos e baixos, além de ficarem conhecidos como “ângulos de Ródtchenko”, enfatizaram o seu gênio inventivo, como mostra a figura 22.

Figura 22: Escada de incêndio, em 1925 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

A nova visão que a sociedade russa buscava nos seus artistas fez Ródtchenko seguir seu próprio slogan: “nosso dever é experimentar” (figura 23). O enquadramento determina que aparato fotográfico possua a capacidade de

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descobrir e isolar o que poderíamos chamar de escritura permanente de símbolos eróticos do próprio mundo, seu automatismo incessante (Krauss, 2002).

Figura 23: Reunião para uma manifestação, em 1928 (Fonte: Reprodução do livro Revolução da Fotografia)

A escala do objeto se torna diferente conforme o ponto de vista fotografado, assim o sentido da imagem muda e inclusive suas dimensões físicas e representativas. Então, dependendo do contexto, a escala se torna outra. Nas

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figuras 22 e 23, os elementos têm tamanhos representados muito distantes da realidade, pois Ródtchenko fotografou de pontos muito altos e baixos. O contraste no tamanho pode criar uma tensão, bem como uma sensação de profundidade e movimento (Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips, 2008). O fotojornalista pode explorar esses recursos para criar uma sensação ao seu espectador como o artista fez na figura 23. Embora estivesse acontecendo uma reunião para um protesto, a vida de algumas pessoas que aparece na foto continua aparentemente normal. Isso demonstra os contrastes que a sociedade estava vivenciando com a crise do país. A imagem representa a curiosidade de uma mulher ao olhar o que estava ocorrendo e outra seguindo com a vida doméstica. Considerando a configuração visual da imagem, o enquadramento também oferece por meio da regra dos terços, os pontos que se quer destacar. A regra dos terços se refere à divisão imaginária da fotografia em nove pequenos retângulos. Os quatro pontos de convergência são aqueles que chamam maior atenção do espectador. Na imagem 24, a união das pontas dos barcos com o espaço de embarque é o recorte mais importante.

Figura 24: Barcos, em 1926 (Fonte: Reprodução do livro Revolução da Fotografia)

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3.2 ESTÉTICA Toda foto é, pois, esse vestígio enigmático que faz sonhar e que constitui problema, que fascina e que inquieta. François Soulages (2010)

Os desafios da fotografia pertencem à composição e à estética condicionando uma reflexão sobre a realidade retratada. Segundo François Soulages (2010), há três momentos desta reflexão: o primeiro sobre o status do objeto fotografado, o segundo sobre a obra fotográfica e o terceiro sobre a arte fotográfica em si. Retomando as características da vanguarda artística, neste caso, do construtivismo russo, o essencial é compreender que a construção se opunha à composição. Foi uma maneira para solucionar a estética funcional destacando a questão revolucionária. Ródtchenko utilizou a composição para mostrar a revolução social, cultural e tecnológica que estava ocorrendo na Rússia no início do século XX. Como já foi ressaltada anteriormente, a essência do seu trabalho foi experimentar todas as possibilidades na fotografia. Dessa maneira, a exploração da composição artística contribuiu para que as imagens tivessem um diferencial na época já que ele captou detalhes do momento histórico como mostrou no recurso de repetição de padrões com as fotografias de elementos industriais e do cotidiano em serrarias. As escalas de pontos altos e baixos representaram uma diferença de ângulos significando pensamentos distintos dentro daquela sociedade. O contraste do preto e branco com os cortes da sombra em cada rosto compunham formas geométricas expressando essa estética. É uma mistura de narrativa e subjetividade. Soulages (2010) defende que a fotografia é a articulação entre o que se perde e o que permanece. Isso implica que o conteúdo visual muda conforme o ângulo e a simetria dada pelos elementos da imagem. Essa especificidade da estética é singular na interpretação dos fatos vistos pelo fotógrafo. Na imagem 25, a vendedora de cigarros, o material dela e o poste à esquerda estão fora de foco. O cenário retratado por Ródtchenko, na praça Strastnáia, em 1926, foi apenas um recorte do cotidiano nesse local.

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Figura 25: Vendedora de cigarros, em 1926 (Fonte: Reprodução do livro Revolução da Fotografia)

A mulher e o seu olhar emolduram a cena conduzindo o espectador a notar detalhes e as pequenas ações que também acontecem naquele instante, por exemplo, o movimento do cachorro, o motorista do veículo à direita, o olhar desconfiado do homem uniformizado no centro. O fundo desta figura fecha a imagem sem foco também. As possibilidades de interpretação são infinitas e isso que é magnífico na estética. Por meio dessa potencialidade própria da fotogracidade, uma foto pode não ser tomada como um simples signo e não sofrer os efeitos de uma redução semiológica; tudo depende, é claro, das condições de recepção [...]. (SOULAGES, 2010, p. 138)

Ródtchenko usou frequentemente o contorno claro devido à luz e ao enquadramento do espaço formando pontos bidimensionais. A influência da pintura foi inevitável para os artistas da época, mas a fotografia e o cinema oportunizaram novas visões introduzindo a espontaneidade dos fatos diários como algo importante. As perspectivas inesperadas caracterizaram o nascimento do fotojornalismo nas

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imagens do Ródtchenko de uma maneira diferente, pois proporcionou versões de acontecimentos que as pessoas desconheciam. A causa que os artistas aderiram para suas obras foi a nova política econômica. A prioridade era construir as bases da indústria, então, os investimentos no campo cultural ficaram em segunda estância. Contudo, isso contribuiu: “para a construção de uma arte popular e nacional, que respondia à necessidade de representar um conteúdo amplo, monumental, espontâneo, eterno e grandioso” (Fabris, 2011). O resultado da estética construtivista evidenciou a totalidade do social. As fotografias foram dadas como uma ferramenta de comunicação do posicionamento histórico. Uma vez que a maior parte do público era semianalfabeto, a melhor maneira de apresentar as transformações foi pela arte, além de motivar os indivíduos pela busca de uma nova identidade cultural e patriótica. A estética também se relaciona com a lógica, pois os dois aspectos se complementam. É possível distinguir os elementos da imagem por meio da cognição, ou seja, pela percepção humana. O reconhecimento do real permite que o espectador tenha outro conhecimento unindo a intelectualidade e a lógica do indivíduo. Portanto, um dos segredos da fotografia é “apresentar uma coisa pela outra, pois é disso que se trata, deve ser procurada em outro lugar. Uma fotografia surge, assim, sempre como a representificação de coisas e, principalmente, de pessoas” (Menezes, 1996).

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4. O LEGADO AO FOTOJORNALISMO O processo de criação do fotógrafo engloba a aventura estética, cultural e técnica que irá originar a representação fotográfica, tornar material a imagem fugaz das coisas do mundo, torná-la, enfim um documento. Boris Kossoy (2000)

Valorizando alguns elementos da criação do fotógrafo Ródtchenko, a composição, a estética e a narrativa deram sentido ao conteúdo da imagem. A expressão da veracidade dos instantes capturados pelo artista transformou uma simples imagem em documento histórico. Boris Kossoy (2000) defende que o potencial informativo só pode ser alcançado se esses fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos desdobramentos (sociais, políticos, econômicos, religiosos, entre outros). A fotografia em si já é considerada uma prova incontestável de que algo ocorreu, porém, para o fotojornalismo, o testemunho da verdade não é suficiente. A imagem é uma expressão da verdade vista pelo fotógrafo, no caso, o fotojornalista, mas, conforme se diferencia o processo de criação, os sentidos tornam-se múltiplos pela ambiguidade que algumas fotografias demonstram. Dessa maneira, a imagem fornece evidências que necessitam de interpretações, ou seja, de constatações da ocorrência e da aparência como Kossoy (2000) se referiu: É por tudo isso que o conteúdo das imagens visuais provoca em cada um de nós impactos diferentes; em função disso, também, é impossível haver “interpretações-padrão” sobre o que se vê registrado nas imagens. (KOSSOY, 2000, p.46)

Ródtchenko conectou propostas da sua arte fotográfica com resquícios de fotojornalismo. Essa união do caráter estético e informativo que o artista produziu em algumas imagens contribuiu para que fosse considerado integrante da chamada geração de ouro do fotojornalismo mundial, juntamente com Cartier-Bresson, Edward Weston, Brett Weston, Robert Capa. O poder informativo que uma única imagem alcança é relevante para diferentes áreas do conhecimento. Os elementos da composição, da estética e da

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narrativa fornecem os dados para análises não apenas de profissionais da comunicação como também para o público em geral. Por se tratar de um resultado de criação, a fotografia resulta de uma sucessão de fatos fotográficos que têm seu desenrolar no interior daquele contexto (Kossoy, 2000).

4.1 NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS Seja ela expressiva ou comunicativa, é possível admitir que uma imagem sempre constitui uma mensagem para o outro, mesmo quando esse outro somos nós mesmos. Martine Joly (1996)

A construção das narrativas, a partir de fotografias veiculadas nos meios de comunicação,

garante

o

entendimento

dos

significados

transmitidos

aos

espectadores. É uma maneira para que o público possa compreender melhor a reportagem como se tivesse participado do fato registrado. Jacques Aumont (2001) sugere que: “em todos os seus modos de relação com o real e suas funções, a imagem procede, no conjunto, da esfera do simbólico”. Um novo sentido à fotografia se estabeleceu após se tornar notícia, porém as percepções visuais se diferenciaram conforme as vivências de cada espectador. A ilustração reforçou as informações para o desenvolvimento social através das cenas registradas de maneira natural e espontânea pelo fotógrafo traduzindo o significado do fotojornalismo de maneira simples e objetiva. Como mostra a figura 26, o fragmento da vida do menino retratado conta a história da Rússia naquele instante por si só através da roupa, do olhar atento e apreensivo, do detalhe da folha embaixo do seu braço esquerdo. Contudo, o principal da cena é um garoto tão jovem e já ouvinte de rádio, o que poderia ser considerado como uma característica cultural. Ródtchenko não deixou de explorar as formas geométricas do ambiente para que a imagem se tornasse mais atraente aos olhos de quem vê. Os círculos dos fones do jovem e o do botão do rádio formam uma reta na diagonal, além disso, o próprio formato do aparelho também ajudou a construir a composição do quadro à maneira criativa e original. Sousa (2002) defende que o fotojornalista precisa captar

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momentos únicos garantindo, ao mesmo tempo, uma composição que evidencie o motivo principal e que permita ao leitor compreender melhor o acontecimento.

Figura 26: Garoto ao ouvir o rádio, publicada na revista Radiosluchátel, em 1929 (Fonte: Reprodução do livro Revolução da Fotografia)

Retomando os conceitos do construtivismo russo que marcaram as fotorreportagens de Ródtchenko, é importante ressaltar que o fotógrafo rompeu com os valores estéticos inovando a perspectiva de ver o povo soviético. O público queria alguma novidade que pudesse revolucionar até a forma de ver o próprio país, pois era o modo de construir uma nova identidade. Para solucionar o problema da narrativa, como mostra a figura 26, o artista introduziu na imagem as formas estruturais, presentes no ambiente do quadro juntamente com o personagem. Os aspectos que representaram a tecnologia daquela época ficaram evidenciados na geometria. A complexidade do discurso fotográfico sugere que o indivíduo se articule com a cultura por meio da linguagem visual. As identificações com os acontecimentos registrados por ser um fato do passado ou do presente na vida do sujeito intensifica o valor das características representadas na fotografia jornalística. Mesmo inconscientemente, o indivíduo vincula os elementos da imagem com a própria realidade.

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Quaisquer que sejam os conjuntos de significados construídos pelos discursos, eles só podem ser eficazes se eles nos recrutam como sujeitos. Os sujeitos são, assim, sujeitados ao discurso e devem, eles próprios,

assumi-los

como

indivíduos

que,

dessa

forma,

se

posicionam a si próprios. (Woodward, 2000, p.55)

A conexão com os múltiplos aspectos sociais, políticos e econômicos da fotografia, como mostra a figura 27, corresponde a duas realidades: uma exterior e outra interior da imagem. A primeira é o acontecimento que, de fato, foi registrado no passado, porém, como já foi mencionado, se não houver a vinculação com o momento histórico, se torna uma mera ilustração artística, sem referência à memória. Portanto, é a realidade das ações e técnicas levadas a efeito pelo fotógrafo diante do tema (Kossoy, 2000).

Figura 27: Manifestação na Miasnítzkaia, banda de metais, em 1932 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

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A segunda refere-se à realidade interior. É aquela codificada na montagem da imagem, ou seja, construída esteticamente dando um elo entre os limites bidimensionais da própria fotografia. O resultado disso é o que o fotógrafo quis representar. O assunto, o fotógrafo e a tecnologia utilizada formam os elementos para dar embasamento ao produto final: a imagem. Então, o tempo e o espaço são coordenadas do contexto. A união dessas duas realidades, como sugere Kossoy (2000), é a transposição visual do assunto selecionado, no contexto da vida (primeira realidade), para a realidade da representação (segunda realidade). Trata-se, pois, de uma transposição de dimensões. A figura 28 mostra duas ações completamente distintas unidas pelo olhar de Ródtchenko. Enquanto homens trabalhadores realizam a construção de algum edifício, músicos sentados alguns metros acima tocam. As duas cenas são separadas por uma diagonal que, aparentemente, diferencia a altura das duas situações. É interessante notar, novamente, uma das características vistas nessa época da sociedade soviética. A população buscou entender o momento tentando encontrar na arte uma motivação para melhorar o país. O recorte espacial e a interrupção temporal indicam a originalidade de Ródtchenko.

Figura 28: Músicos tocam ao lado de trabalhadores, em 1933 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

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A evidência de um foco de atenção na imagem é fundamental, principalmente, no fotojornalismo por validar a informação. “A vantagem é permitir que se vejam as cenas inacessíveis e preservar as passageiras” (Flusser, 1999). Conforme o repertório cultural de cada um, a recepção da fotografia muda. Esse é outro grande desafio que Ródtchenko superou em relação às concepções ideológicas que passou através dos temas das suas imagens. O tema não consiste em coletar fatos, pois em si mesmos os fatos não oferecem interesse. O importante é escolher entre; captar o fato verdadeiro em relação à realidade profunda. Em fotografia, a menor das coisas pode ser um grande tema [...]. (CARTIER-BRESSON, 2004, p. 20)

A partir da percepção do assunto em destaque, o receptor tem capacidade de organizar as informações.

Para que faça o sentido pretendido, o fotojornalista

precisa saber ordenar claramente os elementos. Na figura 29, Ródtchenko ressaltou a enorme letra “M” que as pessoas carregavam, ao invés de mostrar a caminhada e o rosto de todos. Verificando o contexto da fotografia, o “M” representa a primeira linha de metrô da cidade de Moscou, ocorrido em 1º de maio de 1932.

Dessa

maneira, ficou mais objetiva a imagem para o espectador compreender o fato.

Figura 29: Manifestação pelo metrô, em 1932 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

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O artista destacou o motivo principal da manifestação privilegiando a mensagem. Sousa (2002) sugere que o fotojornalista intensifique os fatores para que não haja dúvida, como Ródtchenko registrou. Por consequência, o profissional da comunicação deve manter-se vigilante, pois tem de impedir que motivos secundários se transformem no foco de atenção, o que distorceria a mensagem. De maneira concisa e direta, levando em consideração o acontecimento retratado na figura 29, o artista identificou a importância, o interesse público e a veracidade ao fotografar a manifestação. Esses aspectos são essenciais para que se possa definir se algo pode ser notícia ou não. Deve-se notar que a finalidade e a intenção são mais relevantes do que o próprio produto. Sousa (2000) sugere que o fotojornalismo é a atividade que pode visar informar, contextualizar, oferecer conhecimento, através da fotografia de acontecimentos e da cobertura de assuntos de interesse jornalístico. No contexto histórico da sociedade industrial russa no início do século XX, a comunicação visual foi indispensável para a transmissão de informação. A ampliação dos pontos de vistas reproduziu as lutas políticas, as propagandas de guerra e as ideologias do governo de Stalin. A relação que Ródtchenko fez com os aspectos de expressão jornalística e artística cumpriu a função social que traduziu a visão do construtivismo. Com a difusão das reportagens fotográficas houve um crescimento significativo, pois a indústria fotográfica estava em desenvolvimento. Equipamentos estavam cada vez mais leves, com lentes mais nítidas e com o grau de sensibilidade maior. Assim, o espaço para esses profissionais se tornou mais vasto com a criação das revistas ilustradas e das agências como a Magnum, que funciona até hoje e é considerada uma das mais importantes do mundo. A potencialidade do fotojornalismo é reconhecida em algumas fotografias de Ródtchenko como mostram as figuras 30 e 31. A flexibilidade dos usos dessas imagens jornalísticas permite perceber que podem intensificar a sensibilidade do espectador unindo estética e informação. Edgar Morin (2005) desenvolveu o conceito de projeção-identificação com relação a isso. Esse universo imaginário adquire vida para o leitor se este é, por sua vez, possuído e médium, isto é, se ele se projeta e se identifica com os personagens em situação, se ele vive neles e se eles vivem nele (Morin, 2005).

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Além disso, Morin acrescenta que a outra dimensão que pode ser referência para o fotojornalismo vincula-se a um sentimento irredutível de originalidade (ou de novidade, ou de ineditismo) provocado pela visão de uma imagem, como se tal situação visual jamais tivesse sido conferida pelo espectador.

Figura 30: Construção do canal entre o Báltico e o mar Branco, em 1933 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

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Figura 31: Soldado do Exército Vermelho, em 1924 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

No caso da figura 30, há seis imagens que representam o trabalho árduo dos homens para construir o canal entre o Báltico e o mar Branco. Pode-se notar que as condições do local eram precárias e miseráveis e, mesmo assim, devido à cobrança do governo e da população, eles persistiam nas atividades. Outro detalhe importante é a bandeira que aparece na primeira foto à direita. Embora não se possa definir o que está escrito, é evidente o quanto a questão política estava presente na vida cotidiana do povo soviético. Analisando os aspectos técnicos da fotografia, é interessante perceber que Ródtchenko encontrou diferentes ângulos e perspectivas do mesmo momento. Nas seis imagens, cada uma tem uma ação em destaque ou um enquadramento inusitado ressaltando a força, o canal a ser construído, o ambiente, o material utilizado. Assim, o artista construiu uma história narrando através dessas fotos. Esse recurso é fundamental para o fotojornalismo, pois é necessário que se veja o acontecimento da maneira mais completa possível.

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Já, na figura 31, o recorte valorizou o instante que o homem expressou uma emoção de dor e sofrimento. Soulages (2010) destaca que: “é necessário extrair o instante expressivo e decisivo do fluxo temporal; desse modo, romper com a cadeia do fluxo e, ao mesmo tempo, destacar a essência do real: os elementos em jogo estão em equilíbrio”. Portanto, a sensibilidade do fotógrafo vale mais do que a razão, pois é só desse modo que o profissional captura através da intuição e da vivacidade.

Figura 32: Trabalhadores com faixas escritas “Forneça água!”, em 1933 (Fonte: Reprodução do livro Revolução da Fotografia)

Como já foi observado em algumas fotos, a representação do tempo e do espaço é essencial para considerar a imagem como um discurso narrativo. A figura 32 reúne elementos da história vivida na Rússia no século XX, mas também do momento presente do acontecimento. O destaque da faixa “Forneça água!”, feita pelos trabalhadores, é a questão central que o fotógrafo ressaltou. Diferentemente de como Ródtchenko registrou na figura 29 – manifestação pela inauguração do primeiro metrô em Moscou −, nesta fotografia, o artista mostrou a expressão do rosto das pessoas e ainda a reinvindicação.

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Além disso, esse conjunto de significantes – que veicula um conteúdo, a história, que deve se desenrolar no tempo – tem, pelo menos na concepção tradicional, duração própria, uma vez que a narrativa também se desenrola no tempo. (AUMONT, 2000, p. 244)

Segundo Aumont (2000), a busca pela definição de narrativa foi relacionada com representação ou mimese. Em Platão, foram demonstradas três classificações. A primeira delas refere-se à narração exclusivamente verbal, sem analogias. A segunda está vinculada com um análogo de ações e de palavras, por exemplo, o teatro. Já a última é a união da parte verbal e da mimese, ou seja, pode-se dizer que é a asserção da possibilidade de um modo narrativo de tipo mimético, chamado por André Gaudreault¹ (1988) de mostração. Para diferenciar a mostração e a narração, é fundamental entender que a imagem única e a sequência de imagens resultam em concepções completamente distintas referente ao potencial de narratividade. Rudolf Arnheim (1954) sugere que não se deve confundir sequencialidade e mobilidade, pois há imagens sequenciais embora imóveis e obras móveis que não são verdadeiramente sequenciais. Portanto, a ordem de sucessão dos acontecimentos é o que nos dá a noção de narratividade ao se considerar uma sequência. No caso da figura 33, os episódios foram registrados por meio de uma câmera fotográfica. Embora não estejam em sequência das ações realizadas, pode-se compreender o acontecimento como um todo, ou seja, a construção de algo. A narrativa inscreve-se tanto no espaço quanto no tempo, por conseguinte, toda imagem narrativa e até toda imagem representativa, é marcada por “códigos” da narratividade (Aumont, 2000). Assim, percebe-se que, mesmo que seja ou não uma sequência de imagens, é possível ter narratividade. A figura 33 representa a construção do canal entre o Báltico e o mar Branco, em 1933 – já mencionado−, especificamente no trabalho da comporta. Cada uma das fotografias conta uma história diferente, porém o conjunto delas transforma em uma narrativa na totalidade. Os fragmentos capturados por Ródtchenko evidenciam _____________ 1 AUMONT, 2000, p. 244–245. O autor sugere que o conceito de mimese interligou a narrativa e a representação da realidade. “[...] Gaudreault distingue um nível mostrativo que se encarna para ele, no plano isolado, ao passo que o nível narrativo está na montagem dos planos entre si [...]”.

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a cultura soviética, entretanto, vale causar aceitabilidade social ou não, pois a precariedade de trabalho está de fato informada na imagem.

Figura 33: Construção do canal entre o Báltico e o mar Branco, em 1933 (Fonte: Reprodução do livro Revolução na Fotografia)

Para gerar sentido, a interpretação do espectador se diferencia através da eficiência do enquadramento, do ponto de vista, da velocidade, da profundidade de campo, da luminosidade e dos outros aspectos fotográficos. O princípio de início, meio e fim da narratividade da fotografia equivale também ao domínio do assunto pelo fotógrafo. A preocupação de Ródtchenko foi dar importância social, mas também artística para as suas fotografias. O artista utilizou a multiplicação ideológica do construtivismo como base teórica para isso problematizando a estética da civilização representada nas imagens.

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5. CONCLUSÃO A fotografia reforça uma visão nominalista da realidade social como constituída de unidades pequenas, em número aparentemente infinito – assim como o número de fotos que podem ser tiradas de qualquer coisa é ilimitado. (Susan Sontag, 2004)

A partir de uma pesquisa bibliográfica através de análise de conteúdo, o trabalho teve como objetivo identificar algumas características das imagens de Aleksander Ródtchenko que poderiam ter contribuído para a formação de alguns fotógrafos de modo artístico e jornalístico. Esse fotógrafo foi escolhido devido ao seu potencial inovador e criativo na maneira de fotografar, além de ser considerado um gênio inventivo e integrante da geração de ouro do fotojornalismo. O conteúdo foi analisado a partir da escolha de algumas fotografias de Ródtchenko e de outros fotógrafos influentes na sua carreira como Boris Ignatovich, Gustav Klutsis, El Lissitsky e Tátlin. Ao longo do presente trabalho, pode-se notar que Ródtchenko uniu as qualidades do design gráfico e da fotografia. Um de seus grandes elementos foi o uso contínuo de formas geométricas para demarcar centros de atenção para os espectadores como a repetição de círculos, arcos, anéis, linhas e diagonais em objetos industriais. Mesmo sendo um dos pioneiros do Construtivismo, o artista revolucionou o próprio movimento ao ressaltar a composição artística que, teoricamente, deveria ser contra, mas não deixou de destacar a tecnologia construtivista soviética nas fotografias. No segundo capítulo, foi possível compreender a contextualização histórica da fotografia soviética e mundial. Além disso, o foco foi o entendimento das vanguardas artísticas como ruptura estética, social e cultural, principalmente na Rússia. Já que as manifestações devido à União Soviética foram tão influentes no cotidiano dos russos, inclusive na mudança de nomes de cidades e sobrenomes, a sociedade também exigiu transformações de melhorias no conteúdo das artes como um todo. Desse modo, retomando a importância desse movimento para o fotojornalismo visto nas imagens de Ródtchenko, a fotografia ganhou função social representando a realidade daquele momento.

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As conquistas do governo, incluindo agricultura e indústria, foram as inspirações para os temas artísticos dos construtivistas. Nos trabalhos de Ródtchenko e dos outros fotógrafos desse movimento, ficou clara a introdução de responsabilidade política e social. E, ainda, se destacaram outros fatores fundamentais: a busca pela especificidade, a nitidez, o posicionamento contra o pictorialismo, entre outros. Mesmo que algumas obras desses profissionais sejam consideradas de propaganda de suas opiniões políticas, o caráter informativo se manteve e foi crucial para perceber os traços de fotojornalismo nas imagens de Ródtchenko. Para evidenciar a consequência disso, é importante retomar o lema dos construtivistas como embasamento: “a utilização do instantâneo fotográfico como um meio visual”. Santaella (2007) sugere a convergência das comunicações e das artes: Ora, o que esse ponto de vista nos revela é que a impossibilidade de separação entre as comunicações e as artes, uma indissociação que veio crescendo através dos últimos séculos para atingir um ponto culminante na contemporaneidade. (SANTAELLA, 2007, p.7)

O terceiro capítulo desenvolveu o processo de construção das fotografias de Ródtchenko identificando a multiplicidade de aspectos permitindo identificar as técnicas utilizadas pelo artista. Analisando a composição de algumas imagens, pode-se perceber que a união da profundidade de campo, dos planos, da iluminação, do enquadramento e dos outros elementos fotográficos orientou o espectador para uma perspectiva original. Além disso, o uso de repetição, dando ritmo e movimento, pontuou a simetria e o contorno do objeto em destaque nas imagens. A fotografia é então fonte de surpresa: ela nos faz pensar e imaginar, sonhar e ver; ela pode nos incitar a filosofar (Soulages, 2010). A finalização deste capítulo se fez com outro fator importante: a estética. A articulação dos recursos utilizados na composição juntamente com o olhar do fotógrafo implica em conteúdo visual relacionando narratividade e subjetividade. Neste caso, Ródtchenko evidenciou a influência da pintura para introduzir um diferencial artístico mesmo em suas fotorreportagens. Devido a isso, proporcionou novas versões de acontecimentos e fatos do cotidiano para as pessoas já que a grande parte da população era analfabeta.

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Mesmo na arte conceitual, ambiental, arte corporal, no happening e nas artes performáticas, coloca-se a relação com a fotografia na função que esta desempenha como meio de arquivagem, de suporte e de registro documentário (SANTAELLA, 2007, p. 25).

O último capítulo demarcou a veracidade e a conotação vistas no conteúdo das fotografias de Ródtchenko como expressão de narratividade e resquícios de fotojornalismo. A análise possibilitou ver a liberdade de criação, expressando credibilidade, que estabeleceu uma linha tênue de suas fotografias artísticas permitindo também noticiabilidade e informação. Afinal, “outro mundo” em que o objeto fotografado é tragado não é apenas o da morte do instante capturado, mas o de um outro tempo, de duração infinita na imobilidade total, interminável [...]. (SANTAELLA e NÖTH, 2007). A aceitação da subjetividade reforçou a maneira de registrar o contexto histórico garantindo a clareza da compreensão do espectador. A complexidade da linguagem visual do artista intensificou as mudanças no discurso fotográfico delimitando o resultado do assunto, do fotógrafo e da tecnologia. Não somente o modo de fotografar, mas também a escolha dos registros pelo interesse público foi fundamental para expressar o fotojornalismo. Lembrando que a finalidade de contribuir para a busca da identidade da sociedade russa, era o incentivo à função social da totalidade da fotografia. Enfim, este trabalho concluiu que Ródtchenko colaborou com determinadas particularidades para alguns profissionais da área de comunicação. Contudo, a discussão não se encerra em torno do tema, pois ainda ficaram questionamentos em relação à semiótica das imagens do artista relacionando com a União Soviética, além de outros aspectos não explorados nessa análise.

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ANEXO A – Texto “A fotografia é uma arte” escrito por Aleksander Ródtchenko em 31 de outubro de 1934 para a revista Soviétskoe Foto [Foto Soviética]

É difícil não notar o quanto procuramos todas as possibilidades abertas para a fotografia. Como um arroubo de fantasia ou um sonho, estamos descobrindo as maravilhas da fotografia na medida em que eles revelam uma realidade espantosa. A fotografia deixou de ser secundário e de irritar técnicas de gravura, pintura ou tapeçaria. Ao encontrar caminho próprio, ela floresce, e o vento fresco traz um perfume peculiar à fotografia. Novas possibilidades se descortinam. A variedade de seus aspectos tem a complexidade do desenho artístico, é mais interessante que a fotomontagem. Os contrastes das perspectivas. Os contrastes da luz. Os contrastes da forma. Pontos de vista impossíveis no desenho e na pintura. Pontos de vista com encurtamentos exagerados e a impiedosa textura do material. Momentos inéditos de movimento, gente, animais, carros. Momentos

antes

desconhecidos

ou,

se

conhecidos,

certamente

despercebidos, como o voo de uma bala. Composições que ultrapassem em ousadia a imaginação dos pintores. Tão carregadas de formas que Rubens fica pra trás. Com padrão tão intrincados que japoneses ou holandeses não têm mais nada a dizer. Depois vem a criação de momentos fotográficos inexistentes, por meio da montagem. Um negativo em vez do positivo cria uma percepção completamente nova. Para não falar da impressão de uma fotografia dentro de outra (o que se chama “influxo”, no cinema), distorções ópticas, fotogramas, imagens de reflexos e assim por diante. Os mestres da fotografia, como todo artista, revelam seus gostos, estilos e jeitos pessoais. Trabalham pesado em seus temas específicos. Uma fotografia de um avião a certa altura: esportes a 50 m, Moscou a 200 m e por aí afora. Daí emerge a nova paisagem, a paisagem da nossa época. Outro fotografa animais, enquanto um terceiro fotografa esporte e tecnologia. A fotografia se desenvolve rapidamente e conquista todos os campos.

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Cresce e se mostra digna do mesmo respeito que a pintura. Mas isso ainda não acontece. Os mestres da fotografia não têm ser gênios, já que ela é tão útil e acessível. É preciso incentivar o amor pela fotografia, para que as fotos sejam colecionadas, para que se criem fototecas e aconteçam exposições fotográficas de grande escala. Precisamos preparar uma exposição fotográfica internacional, e não apenas tais “salões”. Precisamos publicar livros e revistas de fotografia. A fotografia tem todo o direito. Merece atenção, respeito e reconhecimento como a arte de hoje.

ANEXO B – Exposição “Alexander Ródtchenko: revolução na fotografia”, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2011, e no Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro, em 2010.

Exposição na Pinacoteca, em São Paulo (Fonte: http://www.revistaleaf.com.br)

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Exposição na Pinacoteca, em São Paulo (Fonte: www.pinacoteca.org.br)

Exposição na Pinacoteca, em São Paulo (Fonte: www.pinacoteca.org.br)

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Exposição na Pinacoteca, em São Paulo (Fonte: www.pinacoteca.org.br)

Livro inspirado na exposição (Fonte: www.livrariasaraiva.com.br)

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Exposição na Pinacoteca, em São Paulo (Fonte: www.pinacoteca.org.br)

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