Sob o signo da luta contra o esquecimento: a criação do Centro de Memória da Educação Militar da Universidade da Força Aérea e as interfaces com a História da Educação

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Sob o signo da luta contra o esquecimento:
a criação do Centro de Memória da Educação Militar da Universidade da Força
Aérea
e as interfaces com a História da Educação

Profª. Drª. Sônia de O. Camara Rangel – UERJ
Prof. Dr. Jorge Antonio da S. Rangel - UERJ
Profª. Drª. Maria Luiza Cardoso - UNIFA

Esta comunicação relata o processo de implementação do Centro de
Memória do Ensino Militar (CME) da Universidade da Força Aérea Brasileira
(UNIFA), primeiro centro de referência sobre a história do ensino militar
da América Latina, e o trabalho de prospecção histórica com os seus
acervos.
A idéia da criação do Centro de Memória do Ensino (CME) surgiu quando
da realização de um curso de Doutorado em Educação, na Universidade de São
Paulo (USP), no ano de 2004, quando a então Capitã Maria Luiza, teve
contato com o Centro de Memória da Educação daquela instituição.
Como orientanda da Profª. Drª. Diana Gonçalves Vidal, especialista no
assunto e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em
História da Educação (NIEPHE), pôde observar o trabalho realizado naquele
Centro. Também, teve a oportunidade de participar da organização do I
Encontro de Arquivos Escolares e Museus Escolares, realizado, em 2005, na
USP, organizado pelo referido NIEPHE.
Durante a realização de um doutoramento "sandwich" na Universidade de
Coimbra, em 2005/2006, financiado pela CAPES e pela Aeronáutica, a então
Major Maria Luiza, teve a oportunidade de investigar a existência de um
centro de memória da educação militar, na Europa e na América. Todavia,
nada encontrou, na época.
A Major, convicta da importância do assunto para a melhoria da
qualidade do ensino na Aeronáutica, elaborou o projeto de implantação do
CME, cuja finalidade seria a preservação do que já foi realizado na área do
ensino por militares e civis, no passado, de modo a aproveitar esses
saberes, perdidos no tempo, para a compreensão e a melhoria da missão
educacional militar presente.
O projeto foi aprovado em 2008, pelo então Maj. Brig. do Ar Josuá, na
época, Comandante/Reitor da UNIFA. No ano de 2010, no Comando do Maj. Brig.
do Ar Robinson, o CME foi criado oficialmente (Portaria UNIFA nº 127/CME,
de 29 de dezembro) e ganhou o seu espaço físico: uma antiga Sala de Esgrima
da extinta Escola de Aeronáutica que funcionou no Campo dos Afonsos de 1941
até 1973.
Na gestão do Maj. Brig. do Ar Gracza (2011-2012), o espaço físico do
CME foi restaurado e criou-se, em agosto de 2011, o primeiro grupo de
pesquisa da UNIFA denominado Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas
em História da Educação Militar (NIEPHEM), coordenado pela Ten. Cel. Profª
Drª Maria Luiza.


Finalidade, Objetivos e Atribuições


Como mencionado anteriormente, o CME foi criado, inicialmente, com a
finalidade de reunir, recuperar, analisar e divulgar acervos histórico-
educacionais da Aeronáutica. Todavia, como muitos dos documentos relevantes
sobre a história dessa instituição, bem como do Exército e da Marinha do
Brasil estivessem sendo descartados, principalmente, aqueles relacionados
ao ensino militar nas três Forças, o Centro tornou-se um lugar de
preservação de fontes documentais relativas à história militar e à história
do ensino militar, em geral.
Hoje, o CME possui os seguintes objetivos:
Divulgar a história militar e a história do ensino militar,
principalmente, a sua contribuição para a educação brasileira;
Aperfeiçoar o ensino militar atual, principalmente, o ensino da
história militar, considerando o que já foi realizado no
passado; e
Lembrar aos militares e civis das Forças Armadas sobre quem
somos, a fim de sabermos para onde vamos.
Quanto às suas atribuições, estas são as seguintes:
Desenvolver atividades para a preservação, a organização, a
guarda e a divulgação de acervos significativos para o resgate
da história militar e da educação militar;
Promover estudos e pesquisas voltados para a reconstrução da
história militar e do ensino militar;
Desenvolver atividades relativas à divulgação e à discussão da
história militar e do ensino militar;
Promover trabalhos científicos sobre a história das
instituições, principalmente, as ligadas ao ensino militar;
Prestar assessoria a projetos ligados à história, à memória e
ao patrimônio histórico relacionados à história militar e ao seu
ensino;
Interagir com instituições congêneres e pesquisadores, em prol
do desenvolvimento de estudos e de pesquisas acadêmicas afetos à
área da história militar e da sua educação;
Colaborar com as Organizações de Ensino na organização de
espaços históricos dedicados à história da educação; e
Promover e participar de encontros, fóruns, simpósios,
seminários e eventos acadêmicos voltados para o campo da
história militar e do seu ensino.

O Grupo NIEPHEM e suas atividades de pesquisa

Em função das atividades do CME e do centenário do Campo dos Afonsos,
comemorado neste ano de 2012, foi criado o primeiro grupo de pesquisa da
UNIFA e primeiro grupo de pesquisa histórica da Aeronáutica, em 2011: o
Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação
Militar (NIEPHEM), como mencionado anteriormente. Este grupo, coordenado
pela Ten. Cel. Maria Luiza, é constituído de mais 11 (onze) pesquisadores,
sendo 02 (dois) deles doutorandos, 02 (dois) mestres e 01 (uma) aluna do
Curso de Graduação em História da UFRJ.
O grupo compõe-se de profissionais de várias áreas, a saber: Educação,
História, Biblioteconomia, Arquivologia, Museologia e Comunicação Visual, e
a maioria pertence ao efetivo do Comando da Aeronáutica.
Como a Universidade da Força Aérea ainda não está cadastrada na CAPES
(o processo está em andamento), o NIEPHEM foi registrado no CNPq como
integrante do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em História da Educação e
Infância (NIPHEI), do Laboratório Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas
em História da Educação e Infância (LIEPHEI), pertencente à Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), do qual falaremos mais adiante.
Atualmente, várias pesquisas estão em andamento e têm sido
realizadas, individualmente, pelos integrantes do grupo, sob a orientação
da sua coordenadora. Os temas são os seguintes: A origem dos Afonsos, Campo
dos Afonsos - Primórdios (1912-1919), A Divulgação da Aviação Militar
Brasileira na Imprensa (1912-1950), Campo dos Afonsos - Consolidação da
aviação militar (1919-1927), A expansão do Campo dos Afonsos (1927-1941), A
Escola de Aeronáutica (1941-1973), O ensino na Aeronáutica na sua primeira
década de existência (1941-1951), Campo dos Afonsos (1974-1983), e A
Universidade da Força Aérea (1983 – 2012). O resultado de tais pesquisas
será reunido em um livro histórico, a ser editado pela UNIFA, em 2012, cujo
título será Campo dos Afonsos: 100 anos de história da aviação brasileira.
Também, estão sendo realizadas: a identificação de sítios e objetos
históricos no Campo dos Afonsos para acautelamento por parte do INCAER
(Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica), o estudo de técnicas para a
conservação e a recuperação de livros e documentos, a organização de um
banco de imagens e pesquisas sobre educação patrimonial, a fim de criarem-
se estratégias educacionais que incentivem a valorização do patrimônio
histórico da Aeronáutica, bem como a sua preservação, por parte dos
funcionários militares e civis da Força.
Outras atividades referentes à comemoração do centenário do Campo dos
Afonsos, também, já foram realizadas, graças às pesquisas efetuadas pelo
NIEPHEM: a organização do I Seminário Nacional de História da Aviação
Brasileira, que ocorreu nos dias 17, 18 e 19 de julho de 2012, cujos eixos
temáticos foram: a aviação brasileira até 1941, a aviação brasileira após
1941 e o ensino formal e não-formal da aviação brasileira; a organização da
exposição fotográfica Campo dos Afonsos: Passado e Presente, em parceria
com o NIPHEI/UERJ, sobre a atividade educacional no Campo dos Afonsos e sua
influência na sociedade brasileira; a elaboração de um catálogo sobre essa
exposição fotográfica, também, em parceria com o NIPHEI/UERJ; e a
elaboração de um documentário sobre a história do Campo dos Afonsos, em
parceria com o Centro de Comunicação Social da Aeronáutica.

Os registros documentais do CME

Os registros documentais, sob a guarda do CME, têm sido recolhidos,
desde 2008, pela Ten. Cel. Profª. Drª. Maria Luiza Cardoso, que o criou, e
são oriundos das três Forças Armadas: Exército, Marinha e Aeronáutica. Cabe
ressaltar, que esse acervo abrange um período extenso da história do
Brasil, que remonta à época colonial.
Os seus fundos documentais compõem-se de: Atas, livros didáticos
raros, periódicos, mapas, planos de aula, legislações sobre o ensino
militar, equipamentos de auxílio à instrução, mobiliário escolar, fitas,
filmes, fotografias, coleções científicas, coleções didáticas, dentre
outros registros documentais.
Com a ajuda do NIEPHEM e do NIPHEI, cerca de mais de vinte e cinto mil
documentos estão sendo pesquisados na perspectiva de produção de catálogos
sobre essas fontes.
No que se refere ao acervo fotográfico, podemos dizer que, a partir de
um levantamento preliminar, identificamos, por exemplo, imagens
relacionadas aos inventos e à vida social de Santos Dumont, a partir de
1900, aos primeiros vôos da aerostação no Brasil, realizados a partir de
1910, à criação do primeiro Aero Club Brasileiro, em 1911, à criação das
primeiras escolas de aviação nacionais, bem como fotografias que retratam a
passagem do Graf Zeppelin pelo Rio de Janeiro. Também, há fundos
fotográficos que retratam as primeiras missões do Correio Aéreo, realizadas
em 1931, a Revolução Constitucionalista, de 1932, a Intentona Comunista, de
1935, e o período de constituição e de participação da Força Aérea
Brasileira na II Grande Guerra Mundial.

A parceria com o LIEPHEI-UERJ

No ano de 2011, o CME-UNIFA realizou parceria técnico-científica,
acadêmica e cultural com o Laboratório Interdisciplinar de Estudos e
Pesquisas em História da Educação e Infância (LIEPHEI), instituição
congênere ao Centro de Memória, pertencente à Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Essa parceria com o LIEPHEI, que é coordenado pela Profª
Drª Sônia Câmara, auxiliada pelo Prof. Dr. Jorge Antonio Rangel (ambos
docentes daquela universidade), tem como objetivo estabelecer ações de
caráter de ensino, de pesquisa, de extensão e de prestação de serviços em
áreas de mútuo interesse, bem como a conjugação de esforços no sentido de
trocar informações acadêmicas e de desenvolver projetos, estudos e serviços
técnicos, de forma integrada.
De maneira mais específica, a parceria do CME/UNIFA com o LIEPHEI/UERJ
tem como objetivos:

Reunir, identificar, catalogar e arranjar o acervo histórico
sob a guarda do CME-UNIFA e demais acervos doados pelo Exército
Brasileiro e pela Marinha de Guerra do Brasil;
Viabilizar o trabalho de higienização, acondicionamento e
tratamento adequado aos registros documentais que compõem os
fundos arquivísticos;
Digitalizar os registros documentais referentes aos fundos,
visando constituir um Banco de Dados sobre o conjunto da
documentação manuseada;
Elaborar um inventário da documentação pesquisada;
Oferecer oportunidade de pesquisa e de estágio monitorado,
junto ao acervo;
Desenvolver novas metodologias para a análise e para a
interpretação de fontes pesquisadas;
Oportunizar a acessibilidade aos arquivos que constituem o
acervo histórico, possibilitando e incentivando a pesquisa
histórica;
Empregar o método da história oral para registrar as
experiências vividas por ex-alunos, professores e diretores de
instituições de ensino militares;
Programar e gerenciar a construção de um laboratório de
pesquisa adequado à formação do professor-pesquisador em
história da educação, do ensino militar;
Constituir exposições com os acervos históricos da instituição,
visando fazer circular conteúdos acerca da história e da memória
do ensino militar; e
Promover o acesso e a socialização dos acervos históricos a
pesquisadores, alunos de graduação e de pós-graduação lato sensu
e stricto sensu e demais grupos de pesquisa histórica por
intermédio da produção da linguagem multimídia.

Figura 1- Pesquisadores do NIEPHEM e do NIPHEI trabalhando, juntos, no
CME.

Fonte: Acervo do CME.

Figura 2- Pesquisadores do NIEPHEM e do NIPHEI trabalhando, juntos, no
CME.

Fonte: Acervo do CME.

A contribuição do CME para a pesquisa em História da Educação

O material pertencente ao acervo do CME nos ajuda a refletir, a
construir e a revelar o pluriverso da história da educação, em particular,
no que diz respeito às práticas do ensino militar, bem como a sua relação
com o ensino civil. Em síntese, o CME constitui-se num centro de referência
destinado a pesquisadores da área da história da educação e áreas afins,
principalmente, àqueles que se dedicam à investigação da história militar
brasileira e do ensino realizado nessas instituições, tema ainda tão pouco
explorado.
Como mencionado anteriormente, a parceria do NIEPHEM-UNIFA com o
NIPHEI-UERJ, este liderado pelos professores doutores Sônia Câmara e Jorge
Antonio Rangel (Fidel), docentes e pesquisadores daquela instituição, tem
promovido ações conjuntas no sentido de operacionalizar esforços de
pesquisa visando promover o levantamento preliminar e horizontal das fontes
documentais, envolvendo o trabalho minudente de catalogação e de indexação
dos acervos históricos sob a guarda do Centro de Memória do Ensino, da
UNIFA. Desta forma, os pesquisadores do NIPHEI-UERJ e seus bolsistas de
extensão e de pesquisa da UERJ, conjugam seus esforços, no sentido de
intercambiar informações acadêmicas e de desenvolver projetos, estudos e
serviços técnicos, de forma integrada, para viabilizar a recuperação, a
proteção e garantir o acesso à pesquisa histórica dessas fontes.
Destacamos que a produção, a acumulação e a disponibilização à
consulta dos acervos históricos sob a guarda do Centro de Memória
proporcionarão um espaço privilegiado para o desenvolvimento e a difusão de
estudos e de pesquisas, no âmbito da história da educação e áreas afins,
colaborando, também, para o aprofundamento e a ampliação das discussões
teórico-metodológicas acerca dos eixos temáticos "patrimônio", "memória" e
"história do Brasil".
Nesse esforço, busca-se, sobretudo, estabelecer interfaces com outras
áreas do conhecimento, a exemplo, com a história da ciência, com a
antropologia educacional e com a museologia. Assim, o Centro de Memória vem
tematizando um amplo repertório de questões-problema oriundas dos debates
acadêmicos (VIDAL, 2005; FARIA FILHO, 2004; CAMARA, 2011) sobre o campo
historiográfico da história da educação.
Concordando com José Maria Jardim (1995), o objetivo fundamental e
primeiro de constituição de arquivos públicos está na

preservação sistemática dos documentos governamentais,
visando facilitar a eficiência das operações da
administração pública, a pesquisa científica, à proteção
do direito dos cidadãos e do desenvolvimento da identidade
nacional, local ou regional baseado nos arquivos como
memória coletiva da nação, do estado ou da cidade. (p.
15).

No caso específico da UNIFA, o Centro configura-se não somente como
lugar de estudos e de pesquisas sobre objetos do conhecimento da história
militar formulado a partir dos embates teóricos do campo da história da
educação, mas, também, como território importante na historicização da
educação brasileira e de suas práticas de ensino e modelos pedagógicos de
intervenção na formação educacional militar. Esse movimento requer
problematizar discursos e práticas relativos aos poderes instituídos e
instituintes, estratégias e táticas concebidas e seus processos históricos,
bem como superfícies e zonas abissais que envolvem a produção do
conhecimento. (CERTEAU, 1982, p. 66).
Em especial, informamos que os fundos fotográficos estão sendo
pesquisados, de forma conjunta, com o Projeto Memória Fotográfica da
Educação Fluminense, projeto de extensão da UERJ, integrado ao NIPHEI-UERJ.
Sobre esses fundos, destacam-se registros históricos que recuperam
visualmente a constituição do ensino aeronáutico das décadas de 1910 a
1940, precedentes à constituição do Ministério da Aeronáutica, em 1941,
onde se encontram fotografias que ajudam a revelar importantes passagens da
história republicana. Exemplo disso, episódios relacionados à Intentona
Comunista e à Segunda Grande Guerra Mundial que necessitam ser
problematizados. Essas imagens fotográficas são hipertextos. Constituem-se
narrativas que nos possibilitam produzir documentários com os recursos da
história oral (FERREIRA; FIGUEIREDO, 2006), incluindo depoimentos de época.

Dessa forma, está sendo realizado um esforço conjunto de intercâmbio e
de parcerias no aprimoramento e refinamento das reflexões teórico-
metodológicas sobre o manuseio de novas tecnologias e a produção de novas
abordagens. Não à toa, o Centro de Memória vem instrumentalizando novas
redes de disseminação, de integração do conteúdo dos fundos pesquisados à
história da educação militar no país. Valeu-nos dos procedimentos de
levantamento, de sistematização, de seleção, de leitura e de análise das
fontes documentais que constituem os fundos arquivísticos. Até o presente
momento, cerca de mais de vinte e cinto mil documentos estão sendo
pesquisados na perspectiva de produção de um primeiro guia de fontes destes
acervos históricos.
Por este aspecto, aceitando as provocações de Roger Chartier (1988,
p.41) a experiência com o levantamento de fontes e com sua problematização
teórica, mesmo que preliminar e precária, tem nos ajudado a "capturar" a
mentalidade coletiva que regeu o ensino militar e suas práticas
pedagógicas, bem como as representações sociais acerca da moral ética da
época, sem que esses sujeitos sociais se apercebessem disto. No choque
entre a consciência e o pensamento, nos foi possível apreender, do ponto de
vista teórico, os esquemas e os conteúdos de pensamento que orientou
cartesianamente o conhecimento militar.
Por outro lado, entender o enredo que compõe os modelos pedagógicos e
de formação docente em curso, no Brasil contemporâneo (CARVALHO, 2003, pp.
121-161) e modernizador implica em reconstituirmos os itinerários
científicos da história republicana que protagonizou o processo de
transição/conciliação da ordem escravocrata para o liberalismo, em finais
do século XIX e início o XX. Nesse sentido, tem razão Chartier (2002,
p.144) quando nos rememora a necessidade de se compreender os dispositivos
de poder que, em certa medida, qualificam-se como sendo coercitivos,
disseminadores, coerentes, organizados e automáticos, enfim, estratégias e
táticas dos poderes instituídos, conforme nos faz ver Michel de Certeau
(1982, p.97), para organizar o coletivo.
Também, o levantamento de fontes iniciado pelo Centro de Memória em
parceria com o NIPHEI-UERJ, considera os aspectos ressaltados por Belloto
(1991), quando se refere à conservação dos acervos documentais como
política de Estado a favor da democratização da informação e da defesa da
cidadania liberal.


Busca-se preservar a memória da instituição como prova de
sua atividade e fornecer ao usuário informações precisas,
completas e em pouco tempo. (otimizar sua utilização). O
arsenal metodológico utilizado nos arquivos não tem um fim
em si mesmo. É frequente a preocupação exagerada com
fichas, recibos, protocolos, etc... e nenhuma atenção
quanto a correta ordenação do acervo e um atendimento
eficiente ao usuário. A arquivística no âmbito dos
arquivos permanentes, não dispõe – e nem pretende dispor –
de códigos e tabelas universais preestabelecidas de
arranjo e descrição ... No entanto, não se pode dizer que
a arquivística não tenha doutrina e metodologias próprias;
muito menos se pode taxá-la de isenta de princípios gerais
que e possibilitem o entendimento entre seus profissionais
e usuários. O arquivo tem a co-responsabilidade do
processo de recuperação da informação, em benefício da
divulgação científica, tecnológica, social e cultural, bem
como do testemunho jurídico e histórico. Estes objetivos
são alcançados com a aplicação de procedimentos técnicos
diferentes o material de distintas origens. (p.2).

Enfatiza Bellotto, que o arquivo é um organismo receptor e produtor da
administração pública, manancial privilegiado de documentos.


O arquivo é o órgão receptor (recolhe naturalmente o que
produz a administração); no acervo os conjuntos documentos
estão reunidos segundo sua origem e função, isto é, suas
divisões correspondem ao organograma da respectiva
administração; os objetivos primários são jurídicos,
funcionais e administrativos; os secundários são culturais
e de pesquisa histórica; a fonte geradora é única. Em
arquivo raramente o documento tem valor separadamente, é
sempre como parte do todo a ele relacionado que deve ser
tomado. Exclui-se o sentido de coleção: papéis reunidos
obedecendo a critérios científicos, artísticos, de
entretenimento, ou quaisquer outros que não os
funcionais/administrativos. (Ibidem, p.3)

Observe-se, inclusive, que o Centro de Memória, a partir das
experiências de pesquisa realizadas junto ao Núcleo Interdisciplinar de
Pesquisa em História da Educação e Infância (NIPHEI-UERJ), vem ampliando o
leque de discussões teórico-metodológicas em torno das problemáticas
abordadas pelas pesquisas já realizadas e em andamento sobre temáticos
pertinentes ao campo da história da educação, o que objetivou a integração
do Núcleo Interdisciplinar de História da Educação ao NIPHEI-UERJ,
ampliando os espaços de problematização de nosso objeto de estudo. A
discussão teórica de autores como Roger Chartier (1988 e 2002), Michel de
Certeau (1982), Jacquel Revel (1989), Peter Burke (1992 e 2002), P.
Bourdieu (1999), entre outros, do campo da história cultural, vem alargando
a compreensão e a dimensão material da produção e da reprodução social, em
relação aos objetos de nossas pesquisas. Este procedimento metodológico
abre possibilidades de enfrentamento teórico dos objetos a serem estudados.
Para além do trabalho sistemático com as fontes de pesquisa, o Centro
de Memória constitui-se como sendo um centro de referencia desses acervos.
E, mais, constitui no campo da história da educação, uma primeira
experiência da Força Aérea Brasileira, em parceria com uma Universidade
Pública, tendo por intenção promover a organização de acervos históricos
militares produzidos, gestados e sob a guarda militar no país. Assim, a
produção de multimídia de natureza didático-pedagógica envolve algumas
estratégias de execução, configurando-se como possibilidade efetiva de
difusão de diferentes culturas.
Outro aspecto significativo é a possibilidade de se socializar o
acesso às fontes de pesquisa, mas, também, às possibilidades de ampliação
dos conhecimentos acerca do espaço escolar, da história das vestimentas,
dos uniformes, da caligrafia, dos manuais escolares, dos materiais
escolares, dos métodos de ensino, dos prédios escolares, dos museus
escolares, do cinema escolar, dos museus escolares, das instituições de
atendimento à infância criminalizada e outros aspectos que nos permitem
penetrar na historicidade dos objetos e das práticas educativas. Desta
forma, o LIEPHEI possui como intuito congregar professores-pesquisadores,
alunos de graduação e pós-graduação em educação e demais áreas do
conhecimento, perscrutando intensificar, do ponto de vista interdisciplinar
e interinstitucional, intercâmbios que possibilitem a circulação de
pesquisadores em história da educação, interlocutores capazes de instigar
reflexões de conceito e de método, como também suscitar o aprofundamento do
debate historiográfico.
O Centro de Memória visa contribuir para o aprofundamento teórico-
metodológico das atividades de pesquisa e de extensão acadêmicas, de
iniciação científica, de aperfeiçoamento e pós-graduação articulando, de
forma interdisciplinar, saberes e práticas docentes. Deste modo, o Centro
de Memória atua no incentivo às práticas de ensino-aprendizagem
circunstanciadas pelo exercício da pesquisa histórica e da arqueologia dos
saberes, objetivada na formação, produção e circulação de saberes na
pesquisa em história da educação e história militar. Com base nos
trabalhos realizados tenciona-se imbricar um esforço de conexão entre
teoria/empiria que se constituirá a partir da participação de alunos e
alunas da graduação e pós-graduação em educação e áreas afins.
Não obstante, investimos na constituição de um habitus de pesquisa
científica que nos ajuda a ampliar os trabalhos empírico e teórico de
investigação acadêmicos-científico. O Centro de Memória espera ampliar seu
raio de ação no sentido criar uma dinâmica operacional capaz de envolver
pesquisadores de história da educação e história militar e os de diferentes
áreas de formação profissional, bem como bolsistas de iniciação científica
e extensionistas, preocupados com a gestão documental. Este aspecto
contribuirá, sobremaneira, para a construção de uma reflexão histórica
capaz de rever e (re)significar os sentidos consolidados e as
interpretações cristalizadas no campo da historiografia educacional. Não à
toa, compreendido na heterogeneidade dos suportes dos documentais em
pesquisa, o itinerário escolhido pelo projeto de extensão procura recuperar
o sentido-feito da educação fluminense por diferentes ângulos e olhares da
fotografia: da sociedade como um todo e do Estado, buscando focalizar a
pluralidade das práticas sociais que interagem no espaço social urbano e
rural da cidade.

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