Sobre a Definição Matemática de Sistema: Alguns aspectos Históricos, novas propostas e Lógicas Sistêmicas Associadas.

July 17, 2017 | Autor: Fabio Bertato | Categoria: Auto-Organização, Teoría De Sistemas
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Sobre a Definição Matemática de Sistema: Alguns Aspectos Históricos, Novas Propostas e Lógicas Sistêmicas Associadas FÁBIO MAIA BERTATO Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência Universidade Estadual de Campinas Campinas, SP [email protected]

Resumo: Nosso objetivo neste artigo é duplo: (i) contribuir com algumas

considerações acerca da (pré-)história da Teoria de Sistemas e (ii) apresentar uma definição matemática de sistema que contemple uma possível variação no tempo. Em especial, procuramos mostrar como a solução apresentada por Tomás de Aquino para a questão do Filioque pode ser considerada sistêmica e como a definição de sistema como estrutura relacional pode ser assumida mesmo que se considere que um sistema é melhor descrito por uma função matemática. Palavras-chave: definição de sistema; matemática; lógica; estruturas relacionais;

história da Teoria de Sistemas.

1. Praeambulum O presente artigo divide-se em duas partes. Na primeira parte, fazemos algumas considerações sobre a palavra “sistema” em seu uso mais ou menos ordinário, sobre sua etimologia e apresentamos algumas contribuições para a (pré-)história da Teoria de Sistemas, em especial, mostramos como a solução para a questão do Filioque, apresentada por São Tomás de Aquino, pode ser considerada uma solução sistêmica, se por sistema entende-se uma estrutura formada por uma coleção de objetos e uma coleção de relações entre esses objetos. Na segunda parte, que pode ser considerada mais técnica, apresentamos nossa proposta para uma definição matemática de sistema e uma série de definições e alguns resultados que permitem o aprofundamento das investigações utilizando ferramentas bem desenvolvidas, como a Teoria de Modelos, segundo o approach de

Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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Bruno Poizat, o Realismo Conceptual de Nino Cocchiarella e a Análise de Conceito Formal de Bernhard Ganter. 1.1. Breve nota etimológica do vocábulo “sistema” Antes de efetuarmos o estudo e a crítica das definições de sistema, a proposição de uma nova definição e a análise de suas implicações, no contexto dos fundamentos da Teoria Geral de Sistemas, parece-nos salutar efetuarmos algumas considerações preliminares acerca da etimologia e das denotações e conotações que tal vocábulo apresenta na linguagem ordinária. O vocábulo português “sistema”, cujo primeiro registro conhecido em nosso idioma data de 1702,1 provém do grego “σύστημα” e foi incorporado ao vocabulário latino em sua forma transliterada “systēma”. sistema  systēma  σύστημα Abaixo transcrevemos as acepções do dicionário Houaiss que mais se relacionam com a noção de sistema que desejamos estudar: sistema, m., “1 conjunto de elementos, concretos ou abstratos, intelectualmente organizado 1.1 conjunto concebido pelo espírito (como hipóteses, crenças etc.) de objetos de reflexão, ou convicção, unidos por um fundamento; doutrina, ideologia, teoria, tese 1.2 conjunto de idéias logicamente solidárias, consideradas nas suas relações 1.3 conjunto de regras ou leis que fundamentam determinada ciência, fornecendo explicação para uma grande quantidade de 1

Segundo a datação, na entrada correspondente, do Houaiss o mais antigo registro está em VARELA, Pe. Sebastião Pacheco. Número Vocal, Exemplar Católico e Político, proposto ao maior entre os Santos, o glorioso João Batista etc. Lisboa, 1702. Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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fatos; teoria 1.4 distribuição de um conjunto de objetos numa ordem que torna mais fácil sua observação e estudo [...] 2 estrutura que se organiza com base em conjuntos de unidades inter-relacionáveis por dois eixos básicos: o eixo das que podem ser agrupadas e classificadas pelas características semelhantes que possuem, e o eixo das que se distribuem em dependência hierárquica ou arranjo funcional [...] 2.1 Derivação: por extensão de sentido. qualquer conjunto natural constituído de partes e elementos interdependentes Ex.: 2.2 Derivação: por extensão de sentido. arrolamento de unidades e combinação de meios e processos que visem à produção de certo resultado. Ex.: 2.2.1 Derivação: por extensão de sentido. inter-relação das partes, elementos ou unidades que fazem funcionar uma estrutura organizada Ex.: 2.2.1.1 Derivação: por extensão de sentido. Uso: informal, pejorativo. qualquer estrutura que devesse funcionar com este interrelacionamento ótimo entre as partes Ex.: a fila do banco estava enorme, o s. estava fora do ar [...] Antônimos: dessistema [...] lat. systēma, ătis, „reunião, juntura, sistema‟, do gr. sustéma, atos „conjunto, multidão, corpo de tropas, conjunto de doutrinas, sistema filosófico‟, prov. pelo fr. système (1552); [...]” Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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(HOUAISS, 2001). Das acepções que configuram nos dicionários de Latim consultados, destacamos: systēma, ătis, n., = σύστημα, I. um todo consistindo de várias partes, um todo complexo, um sistema. (cf. LEWIS & SHORT, 1879). Dentre as acepções do vocábulo grego, salientam-se as seguintes: σύστημ-α, ατος, τό, I. um todo composto de várias partes ou membros, sistema. II. governo organizado, constituição, comunidade, comitê. III. corpo de soldados, tripulação. IV. colégio de sacerdotes ou magistrados. V. máquina, aparato. (cf. LIDDELL & SCOTT, 1940). Podemos observar que de algum modo a noção de “sistema” é correlata, em maior ou menor grau, dos termos “todo”, “organizado”, “complexo”, “partes”, “comum”, “inter-relação”, “resultado”, etc. O vocábulo “σύστημα” está relacionado com o verbo “συνίστημι” (sunístemi, “juntar”, “combinar”, “unir”, “organizar”). Tal verbo é obtido a partir da preposição σύν (“junto”, “em companhia de”) e do verbo ἵστημι (“ficar”, “permanecer”). 1.2. Alguns aspectos históricos do conceito de “sistema” Ludwig Von Bertalanffy (1901-1972), considerado o fundador da Teoria Geral de Sistemas, afirma o seguinte sobre a noção de “sistema”:

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Em certo sentido pode-se dizer que a noção de sistema é tão antiga quanto a filosofia europeia. [...] [A] Filosofia e sua descentente,[a] ciência, nasceram quando os primeiros gregos aprenderam a considerar ou encontrar, no mundo experenciado, uma ordem ou kosmos que era inteligível e, portanto, controlado por pensamento e ação racional. Uma formulação desta ordem cósmica foi a visão de mundo aristotélica com suas noções holísticas e teleológicas. A afirmação de Aristóteles de que „O todo é mais do que a soma de suas partes,‟ é uma definição do problema básico de sistema que ainda é válido.2

Além da forte afirmação de Bertalanffy de que a noção de sistema é tão antiga quanto a Filosofia Ocidental, abundam outros exemplos na história da ciência, da antiguidade do pensamento sistêmico, como a abordagem holística da Medicina tradicional chinesa, a suposta proposição de Aristóteles (384-322 a.C.) de que o todo é mais do que a soma das partes, a noção de coincidentia oppositorum de Nicolau de Cusa (1401-1464), a mathesis universalis de Gottfried Leibniz (1646-1716), etc. Apesar da palavra “sistema” nunca ter sido enfatizada antes de sua introdução formal na ciência moderna, podemos encontrar em diversos autores antigos, termos explanatórios relacionados com tal conceito, sugerindo que a abordagem sistêmica é uma espécie de arquétipo quase universal.

2 “In a certain sense it can be said that the notion of system is as old as European philosophy. [...] Philosophy and its descendant, science, was born when the early Greeks learned to consider or find, in the experienced world, an order or kosmos which was intelligible and, hence, controllable by thought and rational action.

One formulation of this cosmic order was the Aristotelian world view with its holistic and telelogical notions. Aristotle‟s statement, „The whole is more than the sum of its parts,‟ is a definition of the basic system problem which is still valid.” (BERTALANFFY, 1972, p. 407) Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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A mais antiga definição conhecida do termo “sistema” é atribuída a Callicratídas Laconis, Pitagórico (c. 500 a.C.). Em sua obra “Sobre a Felicidade da Família”,3 afirma: “A família, pois, deve ser considerada um sistema ou uma comunhão de parentes. Todo sistema, verdadeiramente, é composto de certos [elementos] opostos e dessemelhantes e é organizado em referência a um certo [elemento] que é o melhor e também para proveito comum”.4 [“Τòν μὲν ὦν οἵκον 5 ὑπολαπτέον ἦμεν σύσταμα κοινωνίας συγγενικᾶς. Σύσταμα μὲν πᾶν ἔκ τινων ἐναντίων καὶ ἀνομοίων σύγκειται, καὶ ποτὶ ἔν τι τò ἄριστον συντέτακται, καὶ ἐπι τò κοινòν συμφέρον ἐπαμφέρεται”.]6

Na tabela abaixo, resumimos alguns exemplos dados por Callicratídas em sua obra: É organizado (συντέτακται) e refere-se (ἐπαμφέρεται) ao: Sistema (σύσταμα)

Elementos opostos e dessemelhantes

Melhor elemento

Proveito comum

(ἄριστος)

(κοινòν συμφέρον)

(?)

concerto

(ἐναντία καὶ ἀνόμοια ) coro (χορός) =

vozes(?)

3

Καλλικρατίδα Πυθαγορείον Λάκωνος: ἐκ τοῦ “περί οίκων εὐδαιμονίας”. 4 Segundo Callicratídas, a família divide-se em “o homem e suas posses” (ἅνθρωπος καὶ κτᾶσις). Esposa, filhos, escravos e agregados incluem-se nesta última. 5 Em outra versão: “Τò μὲν ὦν ὅλον [...]”. Há, neste caso, outra tradução: “O Universo, pois, deve ser considerado um sistema ou uma associação de [elementos] de mesmo tipo”. Cf. JOANNES STOBAEUS, 1824, p. 154; e 1856, p. 140. 6 Para fundamentar e efetuar as traduções do grego e do latim, além das referências bibliográficas correspondentes, beneficiamo-nos dos ótimos recursos da “Perseus Digital Library”, particularmente das ferramentas “Greek Word Study Tool” e “Latin Word Study Tool” (v. http://www.perseus.tufts.edu). Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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comunhão musical

(συνῳδία)

navio

Tripulação

piloto (κυβερνήτης)

viagem próspera (εὔπλοια)

(ναῦς)

(σῶμα περὶ τὰν νᾶα)

família

Parentes

senhor da casa

concórdia

(οἶκος)

(συγγενής)

(οἰκοδεσπότης)

(ὁμοφροσύνη)

Fonte: Quadro elaborado pelo autor

Podemos dizer que para Callicratídas, um sistema é um composto centralizado de elementos, organizado para uma finalidade. Sendo centralizado (pelo ἄριστος) e organizado, entende-se que há nele relações entre os elementos. É frequente encontrar a sentença “o Todo é mais do que a soma de suas partes”, atribuída a Aristóteles. Alguns autores afirmam que esta se encontra em sua obra Metaphysica. Apesar da ideia estar presente no texto mencionado, não se pode efetuar uma constatação literal de tal proposição, que denominaremos afirmação mereológica. A frase mais próxima de Aristóteles a respeito dessa afirmação, encontra-se em sua outra obra Topica: Não é o mesmo, as partes e o todo. (ARISTÓTELES, Topica, VI, 13, 150a 15). [οὐ ταὐτόν ἐστί τὰ μέρη καὶ τὸ ὅλον ] [non idem esse partes et Totum] (ARISTÓTELES, 1848, p. 252).

Na tradução inglesa de William Adair Pickard-Cambridge (1879-1957) incluiu-se a expressão “the sum of” (“a soma de”), talvez por uma tradição anterior ou apenas para adequação gramatical: “In general, too, all the ways of showing that the whole is not the same as the sum of its parts are useful […]”(“Em geral, também, todos os modos de mostrar que o todo não é o mesmo que a soma de suas partes são úteis”). O mesmo não se dá na tradução de Edward Seymour Forster (1879-1950): “To speak generally, all Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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the arguments that can be used to prove that the whole and its parts are not the same are useful [...]” (“Para falar de modo geral, todos os argumentos que podem ser usados para provar que o todo e suas partes não são o mesmo são úteis”). Também não se pode encontrar uma versão latina, equivalente à afirmação mereológica, nos florilégios medievais e renascentistas. Talvez, tal formulação seja oriunda de uma afirmação de uma posição holística baseada na quinta Noção Comum dos Elementos de Euclides: O todo é maior do que a parte. [καὶ τὸ ὅλον τοῦ μέρους μεῖζόν [ἐστιν].] (EUCLIDES, 1953, p. 232). [Et totum parte maius est] (CLAVIUS, 1607, p. 27).

Uma afirmação contrária de que o todo é igual a soma de suas partes (“Omne totum aequale est omnibus suis partibus simul sumptis”), onde soma é entendida more geometrico, foi introduzida como axioma por Christophorus Clavius (1537-1612), em sua edição comentada dos Elementos (CLAVIUS, 1607, p. 33). Outro exemplo, concernente ao tema, pode ser encontrado em tópico familiar aos historiadores da Matemática. Na mitologia egípcia, Set matou e desmembrou seu irmão Osíris. Sua esposa e irmã, Ísis, juntou novamente os membros de Osíris, trazendo-o novamente a vida, a fim de conceber um filho, Hórus. Durante um duelo para vingar seu pai, Hórus teve seu olho arrancado e despedaçado por Set. O “Olho de Hórus”, importante símbolo com supostas propriedades mágicas e medicinais, foi recomposto por Thoth, o escriba dos deuses, “com seus próprios dedos”.7 Segundo Sir Alan 7

Supõe-se aqui uma relação entre “dedos” e “contagem”, visto que Thoth também é, para os egípcios antigos, o deus criador das ciências, em particular da Matemática. O relato do duelo entre Hórus e Set encontra-se no Livro Egípcio dos Mortos, capítulo XVII. Seguimos aqui a tradução de John Gwyn Griffiths (1911-2004): “I [Thoth] have filled the eye when it was injured on this day of the conflict of the Two Rival Gods. What is that, the conflict of the Two Rival Gods? That is the day on which Horus fought with Seth, when he (Seth) wounded the face of Horus, when Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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Henderson Gardiner (1879 - 1963), baseado nos trabalhos de Georg Möller (1876 - 1921), os hieróglifos , , , , e , que representam as frações , , , , e , respectivamente, formam o hieróglifo ( , wd3t, wedjet, “olho saudável, completo”, GARDINER, 1979, p. 197; MÖLLER, 1909, I, p. 67; 1965, II, p. 62).8 Considerando que os antigos egípcios tenham feito, em algum período, tal relação entre as frações consideradas e as partes do “Olho de Hórus”, teríamos um exemplo bastante antigo de um “todo” que não é redutível as suas “partes”, visto que a soma aritmética da série geométrica de seis termos resulta em , ou seja, falta alguma coisa, um algo a mais presente anteriormente no todo, que supostamente teria sido providenciado magicamente pelo deus Thoth.9 Como visto acima, é possível encontrar, por meio de outros termos, uma teoria sistêmica em Aristóteles. Não somente com Horus seized the testicles of Seth. It was Thoth who did this with his fingers” (“Eu [Thoth] consertei o olho quando este foi ferido neste dia do conflito dos Dois Deuses Rivais. O que é isso, o conflito dos Dois Deuses Rivais? Esse é o dia em que Hórus lutou com Set, quando ele (Set) feriu o rosto de Hórus, quando Hórus agarrou os testículos de Seth. Foi Thoth quem fez isso com os dedos”) (GRIFFITHS, 1958, p. 184). Para outra tradução, com pequenas variações, v. RENOUF & NAVILLE, 1904, p. 36. 8 Segundo Thomas Eric Peet (1882-1934), Möller foi o primeiro a perceber que os símbolos de frações indicados podem ser arranjados para formar a figura do wd3t ainda que tal possibilidade não implicasse necessariamente na origem mitológica de tais representações, posto que as formas hieráticas, que não apresentam as semelhanças necessárias com as partes do olho, são mais antigas que os correspondentes hieróglifos (PEET, 1923, p. 25-26; cf. RITTER, 2001, p. 117). Para comparar as formas hieroglíficas e hieráticas, v. GILLINGS, 1972, p. 211. 9 Que os escribas egípcios tinham conhecimento de que tal soma não resultava em um inteiro, pode ser inferido a partir da Tablita de Madeira de Akhmin (Cairo Cat. 25367, v. DARESSY, 1906, p. 64-65, para transcrição), cujo primeiro problema, a saber, efetuar o cálculo de de 1 heqat, é solucionado utilizando-se o fato de que 1 é igual a + + + + + + 5 ro (1 ro = ). Heqat é uma unidade egípcia de medida para grãos, cujas frações são representadas pelos hieróglifos em questão, como pode ser visto no Papiro de Ahmes ou Rhind (Plates S, 64; T, 68; W, 80 e 81. Cf. PEET, 1923). Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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relação à questão mereológica, mas em termos das relações e da organização de certos objetos e de níveis de organização. Talvez não seja exagero afirmar que sua Metaphysica pode ser considerada uma espécie de tratado de Teoria aristotélica de sistemas, especialmente os Livros de V a VII. Como para muitos autores medievais e renascentistas, “sem Tomás, Aristóteles seria mudo”,10 supomos que seja importante a investigação, de uma perspectiva histórica, das doutrinas de São Tomás de Aquino, O.P. (1225 - 1274) como influência abrangente nos pensadores ocidentais, seja para concordar, seja para discordar. Parece-nos que a doutrina tomista passou despercebida, aos investigadores da área, como uma teoria que utiliza uma abordagem que pode ser denominada sistêmica. Não faremos as considerações que deveriam ser efetuadas a respeito, mas apresentaremos uma solução sistêmica para um importante problema como mais um exemplo histórico. Apenas para evidenciar a existência de um interessante conteúdo ligado às noções de sistema e organização, citamos um trecho do livro de Eleonore Stump, que afirma que na metafísica de São Tomás de Aquino: Uma coisa material de nível macro é matéria organizada ou configurada de algum modo, em que a organização ou configuração é mais dinâmica do que estática. Isto é, a organização da matéria inclui relações causais entre os components materiais da coisa, bem como características estáticas tais como forma e localização espacial. Essa configuração dinâmica ou organização é o que [Tomás de] Aquino denomina „forma‟. Uma coisa tem as propriedades que tem, incluindo suas potências causais, em virtude de ter a configuração que tem; as operações próprias e funções de uma coisa derivam de sua forma.11 10

“Sine Thoma, Aristoteles mutus esset”. Tal sentença chegou a nós por meio de Pico della Mirandola (1463 - 1494). Também parece verdade a espécie de recíproca proposta por Ralph McInerny (1929-2010): “Sine Aristotele, Thoma non esset”. 11 “A macro-level material thing is matter organized or configured in some way, where the organization or configuration is dynamic rather than static. That is, the organization of the matter includes causal relations among the material Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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1.3. A questão do Filioque e sua solução sistêmica: um exemplo histórico Desde suas origens, a Igreja cristã elaborou Profissões de Fé que sintetizavam seus principais dogmas. A polêmica do Filioque, que perdura até os nossos dias, é um interessante exemplo de um problema que pode ser resolvido como consequência do estudo das propriedades de um conjunto de relações. No artigo sobre o Espírito Santo, diz o Credo Niceno-Constantinopolitano (Niceia, 325; Constantinopla, 381): Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; [...] [Καὶ εἰς τὸ Πνεῦμα τὸ Ἅγιον N, τὸ κύριον, τὸ ζωοποιόν, τὸ ἐκ τοῦ Πατρὸς ἐκπορευόμενον C [...]] [Et in Spiritum Sanctum, Dominum, et vivificantem: qui ex Patre Filioque procedit [...]]

No trecho indicado, em grego, os sobrescritos N e C, indicam onde termina o artigo em questão nos credos de Niceia e Constantinopla, respectivamente. Note-se que não há, no grego a expressão “καὶ τοῦ Υἱοῦ” (“e do Filho”). A inclusão “Filioque” (“e do Filho”) efetuada no Credo baseou-se no Evangelho de João XV, 26: O Advogado, que vos mandarei de junto do Pai, é o Espírito da Verdade que procede do Pai. Quando vier, dará testemunho de Mim. [ὅταν δὲ ἔλθῃ ὁ παράκλητος ὃν ἐγὼ πέμψω ὑμῖν παρὰ τοῦ πατρός, τὸ Πνεῦμα τῆς ἀληθείας, ὃ παρὰ τοῦ πατρὸς ἐκπορεύεται, ἐκεῖνος μαρτυρήσει περὶ ἐμοῦ·] [Vulgata: cum autem venerit paracletus quem ego mittam vobis a Patre Spiritum veritatis qui a Patre procedit ille testimonium perhibebit de me.]

components of the thing as well as such static features as shape and spatial location. This dynamic configuration or organization is what Aquinas calls „form‟. A thing has the properties it has, including its causal powers, in virtue of having the configuration it does; the proper operations and functions of a thing derive from its form” (STUMP, 2005, p. 36). Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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Baseada no Cânon VII do Concílio de Éfeso (431), que declarava anátema quem fizesse alterações nas proposições estabelecidas no Concílio de Niceia, incluída a Profissão de Fé do Credo, a Igreja grega acusou a Igreja Latina de heresia. Muitas discussões e polêmicas acerca da questão do Filioque ocorreram, entre os séculos IX e XI, culminado no Grande Cisma Bizantino (1054), juntamente com outras questões culturais e políticas. No que tange à questão do Filioque, o problema se deve a uma questão lingüística: os gregos e latinos não interpretam do mesmo modo o vocábulo “proceder”. verbo  substantivo ἐκπορεύω  εκπόρευσις procedo  processio

As distinções semânticas entre o vocábulo grego εκπόρευσις (ekpóreusis) e sua tradução latina processio podem ser verificadas por suas etimologias. A preposição ἐκ significa “fora de”, “a partir de”. A preposição pro, por sua vez significa “antes”, “ante”, “diante”, “em frente de” ou “em face de”. O verbo grego associado a εκπόρευσις é ἐκπορεύω (ekporeúo) que quer dizer “fazer sair”, “sair”, “buscar” ou “marchar para fora”. O verbo latino procedo, por seu turno, significa “ir antes”, “ir à frente”, “avançar”, “proceder”. Tais divergências implicam nas seguintes interpretações de “processão”: Gregos: interpretação de εκπόρευσις  sentido estrito: Pai como origem de todas as processões. Latinos: interpretação de processio  sentido amplo: a do termo procedendo do princípio (Filiação e Processão ou Espiração Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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passiva) e a do próprio princípio (Paternidade e Espiração ativa).

Na Filosofia e Teologia latinas, existe um Deus que é uno segundo a essência (verdade alcançada pela Razão e pela Revelação) e trino segundo as Pessoas (verdade revelada), ou seja, a essência única da divindade, de forma indisiva, existe em três Pessoas distintas. São Tomás de Aquino, em uma honestidade intelectual que lhe é própria, reconhece que o Mistério da Trindade só pode ser conhecido pela Revelação (cf. Summa Theologiae, I, q. XXXII, a. 1). Distinguem-se as Pessoas não pela essência ou substância, mas por relações de origem (Geração e Processão simpliciter). Para o Aquinate, relação (relatio) é uma ordem, referência ou proporção de uma coisa à outra. Distinguem-se em transcendentais (relatio secundu dici) e predicamentais (relatio simpliciter). Uma relação transcendental é uma relação, incluída em uma realidade absoluta, a um termo exterior, que concorre para defini-la, por exemplo, a inteligência ao ser, a potência ao seu objeto, a materia à forma e vice-versa. A relação predicamental, por sua vez, não possui outra realidade senão referir-se ao outro.12 Uma relação predicamental pode ser conceitual (lógica ou racional), isto é, existe apenas como objeto do pensamento na mente que a concebe; ou real, ou seja, existe independentemente da mente. Um exemplo de uma relação conceitual é a relação do homem abstrato com o homem real. Um exemplo de uma relação real é a relação entre pai e filho (cf. De Veritate, q. II, a. 2). Para São Tomás de Aquino, só se pode entender relações reais em Deus, nas quais há processão interior. Há apenas duas processões interiores: a processão do Verbo (processio verbi como operação do intelecto, denominada Geração); e a processão do Amor 12 Para nossa exposição bastante simplificada dos termos e expressões utilizadas por São Tomás de Aquino, além da consulta das obras citadas, valemo-nos do Vocabulário do Pe. Marie-Joseph Nicolas, O.P. (STO TOMÁS DE AQUINO, 2001, p. 69-102) e dos excelentes conteúdos de clássicos da literatura Tomista disponíveis pelo projeto “Corpus Thomisticum” (http://www.corpusthomisticum.org/).

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(processio amoris como operação da vontade). Em cada processão há duas relações opostas: a do termo procedendo do princípio (Filiação e Espiração Passiva);13 e a do próprio princípio (Paternidade e Espiração) (cf. Summa Theologiae, I, q. XXVIII, a. 4). Como o termo “Pessoa” significa, neste contexto, “a relação enquanto realidade subsistente na natureza divina”, segue-se que há várias Pessoas em Deus (idem, q. XXX, a. 2). Mas se há quatro relações divinas, como pode haver apenas três Pessoas Divinas? A Paternidade e a Filiação são relações opostas, mas a Espiração (Ativa) não as opõem, pois tanto o Pai como o Filho podem satisfazê-la, afirmando-se o Filioque. “O Espírito Santo procede do Filho?” Esta é exatamente a indagação da Quaestio XXVI, articulus 2, da primeira parte da Summa Theologiae de São Tomás. A solução do Doutor Angélico para a questão do Filioque é estupenda. Eis o extrato do principal da argumentação: Texto Latino

Tradução

Respondeo dicendum quod necesse est dicere spiritum sanctum a filio esse. Si enim non esset ab eo, nullo modo posset ab eo personaliter distingui. Quod ex supra dictis patet. Non enim est possibile dicere quod secundum aliquid absolutum divinae personae ab invicem distinguantur, quia sequeretur quod non esset trium una essentia; quidquid enim in divinis absolute dicitur, ad unitatem essentiae pertinet. Relinquitur ergo quod solum relationibus divinae personae ab

Respondo. É necessário afirmar que o Espírito Santo procede do Filho. Se ele não procedesse dele, não poderia de nenhum modo se distinguir dele como Pessoa. Isso se torna claro pelo que foi dito acima. Com efeito, não se pode dizer que as pessoas divinas distinguem-se uma da outra por algo absoluto. Seguir-se-ia que os três não teriam essência única, pois tudo o que se atribui a Deus de modo absoluto pertence à unidade da essência. Conclui-se, portanto, que as pessoas divinas distinguem-se

13

No texto de Tomás de Aquino, esta última não tem nome próprio. É denominada apenas de “Processão”. Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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invicem distinguantur. Relationes autem personas distinguere non possunt, nisi secundum quod sunt oppositae. Quod ex hoc patet, quia pater habet duas relationes, quarum una refertur ad filium, et alia ad spiritum sanctum; quae tamen, quia non sunt oppositae, non constituunt duas personas, sed ad unam personam patris tantum pertinent. Si ergo in filio et in spiritu sancto non esset invenire nisi duas relationes quibus uterque refertur ad patrem, illae relationes non essent ad invicem oppositae; sicut neque duae relationes quibus pater refertur ad illos. Unde, sicut persona patris est una, ita sequeretur quod persona filii et spiritus sancti esset una, habens duas relationes oppositas duabus relationibus patris. Hoc autem est haereticum, cum tollat fidem Trinitatis. Oportet ergo quod filius et spiritus sanctus ad invicem referantur oppositis relationibus. Non autem possunt esse in divinis aliae relationes oppositae nisi relationes originis, ut supra probatum est. Oppositae autem relationes originis accipiuntur secundum principium, et secundum quod est a principio. Relinquitur ergo quod necesse est dicere vel filium esse a spiritu sancto, quod nullus dicit, vel spiritum sanctum esse a filio, quod nos confitemur.

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entre si unicamente por relações. – Mas essas relações não podem distinguir as pessoas, a não ser como opostas. A prova disso é que o Pai tem duas relações: por uma se refere ao Filho, pela outra ao Espírito Santo. Entretanto, como essas relações não se opõem, elas não constituem duas pessoas, pertencem a uma só pessoa, à do Pai. Se, portanto, no Filho e no Espírito Santo só se pudessem encontrar duas relações pelas quais cada um se refere ao Pai, elas não seriam opostas entre si, como as duas relações pelas quais o Pai se relaciona com eles. Então, do mesmo modo que o Pai é uma só pessoa, seguir-se-ia igualmente que o Filho e o Espírito Santo seriam uma só pessoa, possuindo duas relações opostas às duas relações do Pai. Mas isso é uma heresia porque destrói a fé na Trindade. Portanto, é preciso que o Filho e o Espírito Santo refiram-se um ao outro por relações opostas. – Ora, em Deus não pode haver outras relações opostas senão as de origem, como acima ficou provado. E essas relações de origem, opostas entre si, entendemse as de princípio e as que procedem do princípio. Conclui-se, portanto, que se deve afirmar ou que o Filho procede do Espírito Santo, mas ninguém o diz; ou então que o Espírito Santo procede do Filho. Eis o que

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confessamos.14

Percebe-se no raciocínio apresentado por Tomás de Aquino, uma abordagem que poderíamos denominar sistêmica, como tratamento de uma importante questão de doutrina cristã e da história do pensamento e da civilização ocidental. Na abordagem efetuada pelo Aquinate, o Deus dos cristãos pode ser considerado como um sistema , onde a noção de sistema corresponde a de uma estrutura formada por um conjunto de objetos e um conjunto de relações entre esses objetos. Esta noção de sistema, como veremos, está de acordo com as definições dadas por alguns autores, definições estas que consideramos inicialmente insatisfatórias, mas que todavia são úteis e podem ser melhoradas. Em uma releitura matemática, São Tomás apresenta Deus como uma estrutura relacional , isto é, é o par ordenado dado por , onde os objetos são as Pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo, respectivamente, e são as relações paternidade, filiação, espiração ativa e espiração passiva, respectivamente. Nesse sistema, não vale a igualdade usual, a distinção entre os objetos é dada apenas pelas relações, quer dizer, dois objetos intercambiáveis em todas as relações são indistinguíveis para o sistema. O sistema não enxerga as distinções das pessoas , sem remeter-se às relações . Temos também que há dois pares de relações opostas (simétricas), isto é, e são relações opostas se, e somente se, é equivalente a , que significa que dizer que o objeto está relacionado com pela relação é o mesmo que dizer que o objeto está relacionado com pela relação oposta e vice-versa. Sabe-se que e são relações opostas. Sabe-se ainda que , e que e são opostas. A questão é saber se . Como nessas relações não pode haver pares , é necessário que ou . 14

Transcrição, com formatação adaptada, da tradução brasileira em STO. TOMÁS DE AQUINO, 2001. Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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Caso contrário, se e , e seriam indistinguíveis, já que seriam intercambiáveis nas quatro relações. Como ninguém afirma , conclui o Aquinate, é necessário que se tenha e, consequentemente . A partir deste exemplo, podemos verificar que a igualdade em um sistema pode ser dada de modo não-usual, por meio das próprias relações do sistema. É uma ideia interessante que provavelmente exploraremos em outros trabalhos. 1.4. Algumas definições de sistema Parece paradoxal o fato de que diversos ramos do conhecimento, que obtêm tão fabulosos resultados, estejam fundados sobre noções e conceitos, cujas definições, que necessariamente devem ser precisas, não sejam consenso entre os seus investigadores. Não há, por exemplo, consenso sobre a definição de informação, na era da informação e não há acordo sobre o que é vida entre os pesquisadores das áreas da Biologia. Tal é a nossa situação: há relativa concordância nas situações em que se apresentam sistemas auto-organizados, mas não há consenso no que é sistema ou o que é auto-organização. Apresentaremos, a seguir, algumas das definições de sistema dadas por alguns autores, antes de apresentarmos a nossa proposta feita em uma abordagem matemática. Como vimos acima, há uma certa tendência de se considerar “sistema” como algo que os matemáticos denominariam estrutura relacional, isto é, um par ordenado composto por um conjunto de objetos e um conjunto de relações entre esses objetos. Esta é, aproximadamente, a definição dada por Bertalanffy, “pai” da Teoria Geral de Sistemas: “Um sistema pode ser definido como um conjunto de elementos que estão em inter-relações”.15 Para Bertallanffy, uma inter-relação (interrelation) significa que há interação entre as relações, no sentido de que o “comportamento” de

15

“A system can be defined as a set of elements standing in interrelations” (BERTALANFFY, 1993). Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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um elemento p em uma relação R é diferente de seu comportamento em outra relação R‟. Hall e Fagen, em seu artigo intitulado “Definition of system”, apresentam uma definição, que eles afirmam que não almeja ser filosófica ou matemática, para a qual um sistema é um conjunto de objetos junto com relações entre os objetos e seus atributos.16 Tratam ainda, no mencionado artigo, de interessantes pontos acerca dos objetos, relações, atributos, sistemas físicos, etc. Um definição matemática de sistema é dada por Mihajlo D. Mesarovic e Yasuhiko Takahara (1964). Para eles, um “sistema (geral) é uma relação sobre conjuntos (abstratos) não-vazios , onde denota o produto cartesiano e é um conjunto de índices”. Curiosamente, Mesarovic e Takahara consideram um sistema não como uma estrutura relacional e sim como uma relação. É possível provar que há uma certa correspondência entre um sistema nesse sentido e no sentido de uma estrutura relacional. Uma outra definição matemática é dada por Jeffrey Yi-Lin Forrest (2002). Tal definição explicitamente considera um sistema como uma estrutura relacional. Para ele, um sistema é um par ordenado de conjuntos S = (M, R), tal que M é o conjunto de todos os objetos de S, e R é um conjunto de relações definidas sobre M. Finalmente, Itala D‟Ottaviano e Ettore Bresciani (2004) apresentam a seguinte definição: Um sistema pode ser inicialmente definido como uma entidade unitária, de natureza complexa e organizada, constituída por um conjunto nãovazio de elementos ativos que mantêm relações, com características de invariança no tempo, que lhe garantem sua própria identidade. Nesse sentido, um sistema consiste de um conjunto de elementos que formam uma estrutura, a qual possui uma funcionalidade.

Todas as definições consideradas e as abordagens dos autores citados produziram uma quantidade respeitável de resultados. 16

“A system is a set of objects together with relationships between the objects and between their attributes” (HALL & FAGEN, 1956, p. 18). Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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Apesar das definições dadas acima pertencerem a uma mesma classe de equivalência, por assim dizer, podemos notar alguns importantes detalhes (que não necessariamente não sejam contemplados pelas demais, ao menos implicitamente). Para Bertalanffy, em um sistema há inter-relações. Para Hall e Fagen, há em um sistema relações entre objetos e seus atributos (que podemos considerar como relações monádicas). Mesarovic, Takahara e Yi Lin fazem uso das ferramentas matemáticas disponíveis. D‟Ottaviano e Bresciani explicitam características de invariança no tempo e introduzem a ideia de funcionalidade. Esta última, ainda que não totalmente aclarada, parece ser um diferencial com relação às demais definições. Além disso, a menção ao tempo destaca um aparente ponto fraco das outras definições: o fato de que um sistema considerado como uma estrutura relacional não parece contemplar a noção intuitiva de sistemas dinâmicos, isto é, tais definições parecem considerar apenas sistemas “estáticos” ou ainda “instantâneos” do que se quer denominar sistema. Parece-nos, portanto, que seja necessária outra definição de sistema, considerando as estruturas relacionais como estados sistêmicos e sistema como uma função, cujo domínio emula a nossa noção de tempo e o contra-domínio é o conjunto de estados sistêmicos sobre um universo dado. Veremos que é possível “salvar” a noção de sistema como um par formado por um conjunto de objetos e um conjunto de relações sobre esse objeto, por meio de uma relação que denominamos história do sistema. Não sabemos se a noção de “funcionalidade” pode ser definida matematicamente. Talvez a relação história do sistema possa ser uma aproximação. Na segunda a parte, a seguir, efetuaremos as considerações necessárias sobre a definição matemática de sistemas, tendo como ponto de partida, a definição matemática de relação.

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2. Definição Matemática de Sistemas 2.1. Estados sistêmicos Definição 1. Sejam um conjunto D e . Denomina-se uma relação -ária com domínio D qualquer conjunto . Dizemos que é a aridade ou o comprimento da relação . Definição 2. Se uma -upla = dizemos que satisfaz a relação . Notação:

ou

pertence a

,

.

Definição 3. Sejam e duas relações -árias, com domínios D e D , respectivamente. Denomina-se um isomorfismo de em uma bijeção tal que Para todo =

,

=

Neste caso, dizemos que

. e

são relações isomorfas.

Definição 4. Sejam uma relação -ária com domínio D e um conjunto . Denomina-se a restrição de a E a relação -ária com domínio E, cujos elementos são as -uplas que satisfazem . Neste caso, dizemos que

é uma extensão de

.

Definição 5. A cardinalidade de uma relação com domínio D, denotada por , é o número de elementos de seu domínio, ou seja, = .17

17

Algumas definições podem não ser usuais, mas foram escolhidas pensando em se preparar terreno para outras investigações em outros ramos da Matemática e da Lógica. Por exemplo, pode-se tranquilamente enveredar em alguma investigação sobre estados sistêmicos no âmbito da Teoria de Modelos, conforme a abordagem de Bruno Poizat em “A Course in Model Theory: An Introduction to Contemporary Mathematical Logic” (2000). Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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Se o domínio de uma relação é finita, dizemos que é finita. Note-se que, de fato, sobre um domínio finito não existe uma relação -ária com um número infinito de -uplas. Definição 6. Denomina-se uma multirrelação com domínio D o conjunto R de relações com domínio D, de aridades , respectivamente. é denominada assinatura de R.

A lista

Definição 7. Denomina-se uma estrutura relacional o par = B, , onde B é o domínio da estrutura, cada é uma relação -ária com domínio B e I é um conjunto de índices. Note-se que

não é necessariamente finito.

Definição 8. Dado um conjunto U , denomina-se estado sistêmico ou configuração sistêmica (ou simplesmente estado)18 a estrutura relacional S D, R , onde D ∪ , , Ue R é um conjunto de relações com domínio D. objeto,

Neste caso, D é denominado domínio sistêmico, D é um é o conjunto de indivíduos e U é o universo sistêmico. O conjunto ∪



é o conjunto de todos os estados sistêmicos sobre o universo U. Um estado sistêmico S denominado trivial.

D, R , com D =

ou R = , é

Teorema 1. Não existe o conjunto de todos os estados sistêmicos.

18

A estrutura também poderia denominar-se sistema de estado único.

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Prova. Suponha, por absurdo, que exista o conjunto F de todos os estados sistêmicos. Temos então que , F, para qualquer conjunto . Seja . Como , , temos que , para qualquer conjunto . Portanto, , para qualquer conjunto . Absurdo, pois, pelo Axioma da Separação, poderíamos definir o conjunto de todos os conjuntos, isto é, o conjunto universo .∎ Corolário 2. Não existe o estado sistêmico cujos objetos são todos os estados sistêmicos. ∎ Em outras palavras, não existe o estado sistêmico de todos os estados sistêmicos!

2.1.1 Codificação de estados sistêmicos finitos Definição 9. Um estado sistêmico não-trivial S D, R é denominado finito se, e somente se, D é um conjunto finito e R é uma multirrelação sobre D, com assinatura . Seja . Cada objeto em S é codificado por um número , tal que . Cada relação de pode, portanto, ser reescrita como uma relação com domínio . Se desejamos codificar vários sistemas de modo único, isto é, de modo que dois domínios distintos não tenham o mesmo código, basta codificar cada elemento do universo sistêmico por um número natural , tal que . Cada

é ordenada segundo a ordem lexicográfica

,

isto é,

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.19 Após a ordenação dos elementos de

, obtemos:

= onde

,

é o número de elementos do conjunto . Cada -upla , onde

e

=

é codificada por

e . A partir da definimos:

=

-upla =

Como R

. , a partir da

-upla

=

definimos: =

.

Finalmente, o código do estado sistêmico S é dado por: =

.

Conclusão: Todo estado sistêmico finito pode ser codificado por um número natural de forma única, tal que dado número obtém-se o sistema e vice-versa. Tal codificação é denominada aritmetização de Gödel e é baseada na codificação do plano, por

19 Neste texto, fazemos uso de meta-conectivos, i.e., os símbolos , , , e são abreviações de “existe”, “para todo”, “e”, “se, e somente se,” e “se, ..., então”, respectivamente. Não confundir com os conectivos que serão introduzidos abaixo.

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meio do passeio de Cantor e da fórmula de Gauss. minado número de Gödel do estado sistêmico .

é deno-

Exemplo. S

D, R =

D=

R=

;

=1 =2 =2

=

;

=

= = = =

= 63

= = =

= 2 143

= = = = =

=4 =8 =

=

= 4 002

= = 178 370 537 447 842

= =

= 15 908 024 314 716 600 000 000 000 000 O exemplo evidencia que tal codificação contempla um procedimento puramente especulativo, sem considerar a sua viabilidade computacional efetiva.

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2.2. Tipo de similaridade de um estado sistêmico Definição 10. Dado um estado sistêmico S D, R , onde R = , denomina-se o tipo de similaridade de S a terna , , , onde é o conjunto de indivíduos de S e é uma função (denominada função aridade) que associa a cada a aridade da relação . No caso em que S é um estado sistêmico finito, seu tipo de similaridade pode ser representado por ,

,

,

é a assinatura de R.

onde

Definição 11. Dados dois estados sistêmicos , e , , de mesmo tipo de similaridade , diz-se que é um sub-estado sistêmico de se, e somente se, e = ∩ , para toda relação de . Notação:

.

Definição 12. Dado , o sub-estado sistêmico gerado por é o menor sub-estado sistêmico de S D, R tal que é seu domínio sistêmico. Notação:

,



.

Definição 13. Sejam dois estados sistêmicos , , de mesmo tipo de similaridade , e função. Diz-se que é um homomorfismo de em por

) se, e somente se,

para cada

e para quaisquer

,

e uma (denotado

.

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Se é uma bijeção e vale a recíproca em um isomorfismo de em . Notação:

, diz-se que

é

.

Definição 14. Sejam dois estados sistêmicos e , de mesmo tipo de similaridade . Uma função é denominada mergulho se, e somente se, existe um sub-estado , de , tal que . 2.3. Linguagens sistêmicas formais Para a expressabilidade formal de diversas classes de estados sistêmicos, construiremos uma linguagem formal de 1ª ordem para cada tipo de similaridade . Para tanto, consideraremos fixado um tipo de similaridade . Definição 15. Uma assinatura para um tipo de similaridade , , é uma terna , , , onde é um conjunto de símbolos para indivíduos, é um conjunto de símbolos para objetos, , , e é um conjunto de símbolos , , de relações -árias. 2.3.1. A linguagem 2.3.1.1. Alfabeto básico (ALF) Definição 16. O alfabeto básico de , construído a partir de uma assinatura fixada, é o conjunto ALF, cujos elementos são: 



Símbolos de objetos (formam o conjunto de contrapartidas simbólicas para os nomes de cada objeto – indivíduo ou subconjunto de indivíduos – do estado sistêmico): ; . Símbolos de relações -árias (formam o conjunto de contrapartidas simbólicas de relações ou predicados -ários da linguagem natural, para algum ):

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 

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. Variáveis (formam o conjunto VAR): , . Símbolos lógicos: Negação: ¬ Implicação: Conjunção: ∧ Disjunção: ∨ Bicondicional: ↔ Identidade: Quantificador universal: Quantificador existencial: Portanto, ALF



∪ VAR ∪ {¬,

, ∧, ∨, ↔, , ,

.

2.3.1.2. Termos (TER) Definição 17. Os símbolos de objetos e os símbolos de variáveis formam o conjunto dos termos de , isto é, o conjunto dos termos é determinado por TER =

∪ VAR.

2.3.1.3. Fórmulas (FOR) Definição 18. O conjunto FOR de fórmulas de conjunto tal que:

é o menor

1. Se TER, então FOR; 2. Se e TER, então 3. Se , FOR, então ¬ , ∧ , ∨ , , FOR; 4. Se FOR e VAR então , FOR.

FOR; ↔

As fórmulas na forma e são ditas fórmulas atômicas e serão denotadas por e , respectivamente. Faremos uso e omissão de parênteses conforme a Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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convenção usual. Diz-se que a ocorrência de uma variável em uma fórmula é ligada se está sob o escopo de um quantificador que a quantifica. Caso contrário, a ocorrência é dita livre. Uma fórmula sem variáveis livres é denominada sentença. Definição 19. A linguagem de primeira ordem para os estados sistêmicos de tipo de similaridade é dada pelo conjunto = ALF ∪ TER ∪ FOR. 2.3.2. Semântica Definição 20. Denomina-se um modelo (ou interpretação) para a terna = . , onde é um conjunto não-vazio, e . é uma função definida em tal que: 1. 2. 3.

, para cada , para cada ; , para cada

Neste caso,

; .

é chamado domínio de , denotado por .

Observe-se que todo estado sistêmico S = D, R , de tipo de similaridade , induz naturalmente um modelo = . para , com , para cada . Por outro lado, todo modelo para determina um estado sistêmico = ∪ , de tipo de similaridade . Também é possível se obter modelos a partir de estados sistêmicos S de tipo de similaridade , tal que (alguns objetos ou relações de S simplesmente podem não ser interpretações). Um estado sistêmico em uma das condições mencionadas acima é dito um modelo para .

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Definição 21. Sejam = . um modelo para , p = e . Denomina-se o resultado da substituição da -ésima coordenada de p por a seguinte ∞-upla: = Seja p

.

TER, então p determina recursivamente um elemento , denominado o valor de em p, do seguinte modo:

1. Se é 2. Se é 3. Se é

, então p = ; , então p = ; VAR, então p = ;

Definição 22. Sejam FOR, um modelo para Dizemos que p satisfaz em , denotado por somente se, 1. Se 2. Se

,

é

4. Se 5. Se 6. Se 7. Se

é¬ ,

e

FOR, então ⊨

é ∧ ,

,

é ∨ ,

é

,

é ↔ , ⊨



. , se, e

; TER, então ;

⊨ 3. Se

ep

TER, então ⊨ ,

é



FOR, então ⊨

⊭ e

; ⊨

;

, ⊨

FOR, então ⊨ ou



;

, ⊨

FOR, então ⊭ ou



;

,

FOR, então ⊨ e



;

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8. Se

9. Se

é

é

, ⊨ , ⊨

VAR e ⊨

FOR, então , para todo

VAR e ⊨

FOR, então , para algum

;

.

Uma linguagem , munida de uma noção de satisfabilidade, como a definida acima, constitui uma lógica ou um sistema lógico. Neste caso, a lógica definida semanticamente é uma lógica de primeira ordem clássica . Alterando-se adequadamente os itens 1-9 é possível se obter lógicas não-clássicas. FOR, cujas variá,ep= , . Então,

Teorema 3. Sejam um modelo para , veis livres são os elementos de , q= , tais que = , para ⊨



.

Prova. Por indução sobre a complexidade da fórmula . ∎ O resultado anterior garante que a satisfabilidade de em depende apenas dos valores assumidos pelas variáveis livres de . Definição 23. Uma fórmula somente se, ⊨ ou

é verdadeira em um modelo , para todo p

é falsa em

se, e

.

Neste caso, diz-se que é satisfeita por é um modelo de e denota-se por ⊨ .

Diz-se que todo p .

,

, ou

se, e somente se,

satisfaz , ⊭

, para

Definição 24. Uma fórmula é válida (ou logicamente verdadeira) se, e somente se, é verdadeira em todo modelo de . Notação: ⊨ . Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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2.3.3. Axiomas da Lógica Sistêmica de 1ª ordem com identidade . Sejam , , FOR, VAR e TER. Todas as instâncias dos esquemas abaixo são axiomas da Lógica Sistêmica de 1ª ordem com identidade : (A1) (A2) (A3) (A4) (A5) (A6) (A7)

, onde , onde

não é livre em . não é

.

, onde e são fórmulas atômicas e é obtida a partir de pela substituição de uma ocorrência de por .

Consideraremos que os símbolos lógicos ∧, ∨ e ↔ são definidos a partir de ¬ e da maneira usual, ou seja, ∧ , ∨ e ↔ são abreviações de , e ∧ , respectivamente. As únicas regras de inferência são modus ponens (MP) e generalização universal (GU), onde ⊢ significa “é um teorema de ”: (MP): ⊢ (GU): ⊢

e⊢ ⊢



.

.

A Completude (i.e., que uma fórmula é teorema se, e somente se, é válida) da lógica axiomatizada acima foi provada por Alfred Tarski (1901-1983) e em uma versão modificada por Donald Kalish (1919-2000) e Richard Montague (1930-1971) (TARSKI, 1965; KALISH & MONTAGUE, 1965). Portanto, segue-se o seguinte resultado: Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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Teorema da Completude: Para toda ⊢

FOR,

⊨ .∎

Além disso, os axiomas para fornecem todas e somente as verdades lógicas da Lógica de Predicados de 1ª ordem com identidade ou igualdade (COCCHIARELLA, 2007, p. 33). Portanto, podemos assumir todos os resultados conhecidos sobre a Lógica de Predicados: Indecidibilidade,20 Löwenheim-Skolem,21 Compacidade,22 Lindström,23 etc. 3. Sistemas “Em rigoroso desenvolvimento, [a] teoria de sistema geral seria de uma natureza axiomática; isto é, da noção de „sistema‟ e de um conjunto adequado de axiomas, proposições expressando propriedades de sistema e princípios seriam deduzidos” (BERTALANFFY).24

20 Não existe um procedimento efetivo que determina se uma fórmula arbitrária é um teorema. Na verdade, a Lógica de Predicados é semidecidível, posto que há um procedimento efetivo para gerar teoremas mas não há um procedimento para verificar que uma fórmula não é teorema. 21 O Teorema de Löwenheim-Skolem garante que se uma teoria de 1ª ordem admite um modelo infinito, então também admite um modelo de cardinalidade , para todo cardinal infinito . 22 O Teorema da Compacidade garante que um conjunto de sentenças de uma teoria de 1ª ordem tem modelo se, e somente se, todos os seus subconjuntos finitos têm modelo. 23 O Teorema de Lindström garante que as propriedades acima caracterizam a Lógica de Predicados, i.e., que qualquer lógica que a contenha, e que ou (1) satisfaz Löwenheim-Skolem e Compacidade; ou (2) satisfaz Löwenheim-Skolem e é semidecidível, é equivalente a Lógica de Predicados. 24 “In rigorous development, general system theory would be of an axiomatic nature; that is, from the notion of „system‟ and a suitable set of axioms propositions expressing system properties and principles would be deduced” (BERTALANFFY, 1993, p. 55).

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Definição 25. Um conjunto , munido de uma relação nearmente ordenado se, e somente se, para todo , , as seguintes propriedades: 1. Antissimétrica: 2. Transitiva: 3. Totalidade:

∧ ∧ ∨

, é dito li, valem

= ; ; .

A relação será subentendida ao se tratar de conjuntos linearmente ordenados.25 Definição 26. Seja ma é uma função sistêmico = ,

um conjunto linearmente ordenado. Um siste, que associa a cada um estado sobre um universo .

Cada elemento

é denominado instante.

Exemplo. Diz-se que após a visita à recém-construída Catedral de São Paulo (St. Paul‟s Cathedral, Londres), o Rei Jaime II (1633-1701) deu o seguinte veredicto a Sir Christopher Wren (1632-1723), seu projetista: “amusing, awful, artificial”. Tal elogio serve para exemplificar a evolução diacrônica de três vocábulos da língua inglesa, em um processo denominado de “pejoração” (“pejoration”). Nosso exemplo consiste em um sistema de dois estados, cujos domínios contêm nove objetos (vocábulos) e possuem uma relação cada. As relações que utilizaremos representam a relação de “sinonímia do uso corrente”,26 quer dizer quais palavras são mais adequadas como sinônimos em um dado momento 25

As propriedades de um conjunto linearmente ordenado são as propriedades mínimas que desejamos preservar para um conjunto que represente o tempo e pode ser vazio, finito, infinito, discreto ou contínuo. 26 Sinonímia é entendida aqui como uma relação semântica entre lexemas da mesma categoria morfossintática que possuem significado (aproximadamente) equivalente. Por “uso corrente”, queremos dizer que se excluem as acumulações de acepções anteriores ao período em questão. Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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histórico (instante): Considere o sistema , cujo universo sistêmico é o conjunto de todas as palavras de língua inglesa, determinado por = {1677, 2012}; = = {amusing, awful, artificial, horrible, comical, unnatural, amazing, awesome, artful};27 =

e

=

, onde

=

amusing, amazing , awful, awesome , artificial, artful e = amusing, comical , awful, horrible , artificial, unnatural .28

Teorema 4. Não existe o conjunto de todos os sistemas. Prova. Suponhamos, por absurdo, que F seja o conjunto de todos os sistemas. Temos que é um sistema, para qualquer conjunto , desde que seja um conjunto linearmente ordenado. Tomemos, para cada , = . Temos então que = dom cod . Como = , temos que

27

Para maior fidelidade, verificamos que todos os vocábulos apresentados existiam em 1677. Suas datações são, segundo o Online Etymology Dictionary (http://www.etymonline.com/), c. 1600, c. 1300, final do séc. XIV, c. 1300, início do séc. XV, idem, ibidem, c. 1590 e c. 1610, respectivamente. 28 Para simplificação, omitimos os pares simétricos e consideramos que as relações não são reflexivas. Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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para qualquer conjunto . Absurdo! ∎ Corolário 5. Não existe o estado de todos os sistemas. ∎ Corolário 6. Não existe o sistema de todos os sistemas. ∎ Em outras palavras, não existe o sistema cujos objetos são todos os sistemas (nem em um único estado nem distribuído em vários estados). 3.1. Sistemas representados como estados sistêmicos Nosso próximo objetivo é a investigação acerca da possibilidade de representação de sistemas como estados sistêmicos. Tal possibilidade é de interesse dado que já obtivemos alguns importantes resultados em nosso estudo sobre estados sistêmicos. Ademais, poderemos estabelecer se é razoável a definição de sistema como estrutura relacional. Por representação de um sistema como um estado sistêmico, entendemos a possibilidade de se definir um estado sistêmico que preserve as propriedades de um dado sistema, tal que a partir do sistema obtemos o estado e vice-versa, de modo que seja possível determinar quais elementos ou subconjuntos de seu universo são objetos, em quais instantes são objetos e quais objetos estão relacionados, em quais relações e em quais instantes. Como todo sistema é subconjunto de ,é fácil ver que é uma relação com domínio ∪ . Portanto, o teorema abaixo é imediato. Todavia, exibiremos outro modo de determinar um estado sistêmico correspondente a um dado sistema por meio de uma única relação. Teorema 7. Todo sistema pode ser representado por um estado sistêmico. Prova. Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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Seja um sistema , tal que a cada associa-se um estado = , . Basta considerarmos o estado sistêmico = , , =

onde





e

= {H}, .∎

ou

com H = Exemplo. Seja um sistema

, onde =

,

=

;

, com

=

=

;

, com = ,( , .

( ,

e

=

Temos que =

,

.

Então, o estado sistêmico correspondente é

=

,

, onde =

e

= {H}, com

H=

.

Para representar por um estado sistêmico sobre o mesmo universo U de seus estados sistêmicos, podemos considerar o seguinte estado: =

,

,

munido de uma relação H, como definida acima, denominada história do sistema .

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Quando um sistema real é modelado matematicamente, podemos ter em seu universo elementos que não têm mais existência ou que ainda não tenham existência. Portanto, podemos construir uma lógica que dê conta de elementos possíveis e atuais. Em 3.2, damos algumas indicações de como fazer isso. A seguir, mais definições que formalizam algumas noções importantes para nosso estudo. Definição 27. Um contexto formal para U M), onde M = , .

é um par

= (U,

Os elementos de M são denominados atributos. Cada é uma relação unária que representa um predicado monádico. Para expressar que o objeto possui um atributo , denota-se ou ou ainda . Note-se que um contexto formal é um estado sistêmico Definição 28. Dado um conjunto

de objetos, define-se .

é denominado o conjunto dos atributos comuns aos objetos de . Analogamente, dado um conjunto define-se

de atributos, .

é denominado o conjunto dos objetos que possuem todos os atributos de . Definição 29. Seja um estado sistêmico = , sobre . Sejam = ( , ), ,e =( , ) contextos formais para e , respectivamente. Dizemos que um atributo de é uma propriedade emergente no contexto se, e somente se, , para algum e .

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Definição 30. Um conceito formal do contexto par ( , ), onde G, M, = e = . é denominada extensão e ( , ).

= (G, M) é um

é denominada intensão do conceito

Com estas definições, indicamos a possibilidade de se efetuar investigações seguindo a Análise de Conceito Formal (cf. GANTER, 1999). 3.2. A linguagem

da Lógica Sistêmica Possibilista

Atualismo: Tudo que é (possui ser), existe. (Ser = Existência). Possibilismo: Alguns objetos possivelmente existem, mas não existem em ato (Ser ≠ Existência). Se desejarmos distinguir os objetos atuais dos demais objetos possíveis de um estado sistêmico, devemos destacar o conjunto dos indivíduos atuais como subconjunto do conjunto de indivíduos possíveis, isto é, . Neste caso, consideraremos o tipo de similaridade do estado sistêmico de objetos atuais e possíveis a quíntupla = , , , , , onde ∪ é o conjunto de objetos atuais, é o conjunto dos objetos possíveis e é uma função aridade. Uma assinatura para o tipo de similaridade é uma quíntupla = E, , , , , onde E é um conjunto de símbolos para indivíduos atuais, é um conjunto de símbolos para indivíduos possíveis, é um conjunto de símbolos para objetos atuais, é um conjunto de símbolos para objetos possíveis, E , , , e é um conjunto de símbolos , , de relações -árias.

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3.2.1. Alfabeto básico (

)

Definição 27. O alfabeto básico de uma assinatura fixada, é o conjunto 





 

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, construído a partir de , cujos elementos são:

Símbolos de objetos atuais (formam o conjunto de contrapartidas simbólicas para os nomes de cada objeto atual – indivíduo ou subconjunto de indivíduos – do estado sistêmico): ; . Símbolos de objetos possíveis (formam o conjunto de contrapartidas simbólicas para os nomes de cada objeto possível – indivíduo ou subconjunto de indivíduos – do estado sistêmico): ; . Símbolos de relações -árias (formam o conjunto de contrapartidas simbólicas de relações ou predicados -ários da linguagem natural, para algum ): . Variáveis (formam o conjunto VAR): , . Símbolos lógicos: Negação: ¬ Implicação: Conjunção: ∧ Disjunção: ∨ Bicondicional: ↔ Identidade: Quantificador universal possibilista: Quantificador universal atualista: Quantificador existencial possibilista: Quantificador existencial atualista: Portanto, ∪



∪ VAR ∪ {¬,

, ∧, ∨, ↔, , ,

, ,

}.

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3.2.2. Termos (

)

Definição 28. Os símbolos de objetos e os símbolos de variáveis formam o conjunto dos termos de , isto é, o conjunto dos termos é determinado por ∪

= )

3.2.3. Fórmulas (

Definição 29. O conjunto conjunto tal que: 1. Se 2. Se

∪ VAR.

de fórmulas de

, então

é o menor

; , então

e ;

3. Se

, então ¬ ,

,

∧ ,

∨ ,



,

; 4. Se

e

,

VAR então

,

,

. As mesmas considerações feitas para a linguagem devem ser efetuadas sobre as notações das fórmulas atômicas, e , sobre a omissão de parênteses, sobre as variáveis livres e ligadas e sentenças. Definição 30. A linguagem de primeira ordem possibilista para os estados sistêmicos de tipo de similaridade é dada pelo conjunto =





.

Em trabalhos futuros pretendemos utilizar a linguagem possibilista e evidenciar as possíveis investigações no âmbito da Ontologia Formal e do Realismo Conceptual (cf. COCCHIARELLA, 2007).

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4. Considerações finais Neste artigo apresentamos algumas considerações como contribuição para a investigação da História da Teoria de Sistemas, oferecendo exemplos que podem indicar a presença do conceito de sistema e de algumas posições que poderiam denominar-se sistêmicas, mesmo que não sejam explicitamente declaradas. Cremos que tais estudos sejam de relevância para os investigadores de Sistêmica e Auto-Organização interessados em seu desenvolvimento histórico. Também apresentamos algumas definições de sistema, particularmente aquelas concernentes à concepção de sistema como estruturas relacionais, isto é, determinada como um par ordenado, constituído por um conjunto de objetos e um conjunto de relações sobre estes objetos. Acreditamos que tais definições falham por não considerar, aparentemente, um sistema como algo dinâmico. Segundo nossa interpretação, um sistema está mais para uma sequência de estruturas relacionais do que para uma estrutura relacional determinada. Portanto, definimos sistema como uma função que associa a cada elemento de um conjunto que pode ser interpretado como tempo (contínuo ou discreto), uma estrutura relacional denominada estado sistêmico. Provamos alguns teoremas correspondentes a esta abordagem, que confirmam resultados das outras. Provamos também que é possível representar um sistema interpretado como função, por meio de uma estrutura relacional, verificando que a crítica inicial às definições anteriores pode ser relativizada. Ainda apresentamos alguns resultados e indicações associados às denominadas lógicas sistêmicas. Tais definições e construções servem de ponto de partida para aprofundamentos, em uma perspectiva formal, nas áreas de Lógica Matemática e Teoria dos Modelos, Análise de Conceito Formal, Ontologia Formal e Realismo Conceptual, como teorias que fundamentem a investigação de sistemas, incluindo os sistemas auto-organizados. Pretendemos efetuar investigações posteriores nesse sentido. Entendemos que uma definição clara e precisa de sistema deve ser o primeiro passo para a investigação do estatuto epistemológico dos sistemas auto-organizados. Nosso próximo objetivo, após a reflexão e discussão com demais colegas pesquisadores sobre a noção de “funcionalidade”, é tentar efetuar a Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014.

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investigação sobre a possibilidade de se apresentar uma definição matemática de auto-organização. 5. Referências bibliográficas ASHBY, W. R.. Principles of the self-organizing system. Principles of Self-Organization: Transactions of the University of Illinois Symposium, H. Von Foerster and G. W. Zopf, Jr. (eds.), Pergamon Press: London, UK, pp. 255-278, 1962. ARISTÓTELES. Aristotelis Opera omnia: graece et latine. Vol. I. Parisiis: Ed. Ambrosio Firmin Didot, 1848. _______. Topica [Loeb Classical Library No. 391]. Trad. E. S. Forster. London: Harvard University Press, 1960. _______. Topica [The Works of Aristotle, Vol. 1]. Trad. W. A. Pickard-Cambridge. Oxford: Clarendon Press., 1928. BERLINSKI, David. On System Analysis: An Essay concerning the limitations of some Mathematical Methods in the Social, Political, and Biological Sciences. Cambridge: The MIT Press, 1978. BERTALANFFY, L. von. The History and Status of General Systems Theory. The Academy of Management Journal, Vol. 15, No. 4, General Systems Theory, pp. 407 - 426, 1972. _______. General System Theory. Foundations, Development, Applications. Revised Edition. New York: George Braziller, 1993. CIFUENTES, J. C. O Método dos Isomorfismos Parciais. Campinas: Coleção CLE [Vol. X], 1992. CLAVIUS, C. Evclidis Elementorvm libri XV.: Accessit liber XVI. de solidorum regularium cuiuslibet intra quodlibet comparatione. Omnes perspicvis demonstrationibus, etc. Francofurti [Frankfurt]: Ex Officina Typographica Nicolai Hoffmanni, 1607.

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