Sobre a formação em gravura e serigrafia

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Sobre a formação em gravura e serigrafia
A formação de um artista decorre, normalmente, entre os seus vinte e os seus quarenta anos. Período longo no qual o artista, como se diz habitualmente, "se encontra". A advertência é do poeta Auden. Parece-nos hoje, passados poucos anos, uma advertência estranha sob diferentes ângulos. Ela é estranha a um tempo de crença na "juventude eterna", como é estranha à temporalidade sociopolítica da "formação permanente", ou mesmo ao, não menos atual, tempo mercantil dos "jovens valores".
Como toda a norma sensata, esta nasce de uma experiência que reconhece exceções: casos precoces e casos tardios. Mas, naquilo que a afirmação contém de sensatez, de um conhecimento adequado do mundo, fornece-nos um ponto de vista, através do qual podemos ver e julgar a inexperiência e o absurdo, senão mesmo a violência, dos diferentes circuitos que se vão instalando em torno, ou mesmo em substituição, desse lento processo de formação. Por isso, uma escola de Artes tem de ser também um lugar de resistência a este tempo que é o nosso.
Dizemos "resistência" se aceitarmos que uma escola de Artes é ainda um dos lugares em que essa formação ocupa o centro da sua atividade, em que essa formação é, fundamentalmente, alimentada, experimentada e orientada. Essa tarefa não se confunde com um outro lugar em que se abreviaria a formação, substituindo-a inevitavelmente pela produção estandardizada de produtos reconhecíveis, e se asseguraria a distribuição desse produto (abreviado) pelo mercado das novidades "artísticas". Tudo isto é trágico, porque vai sacrificando muito e muitos, e, ao mesmo tempo, cómico porque pertence ao domínio da peripécia irrisória, porque se revela um nonsense delirante.
Portanto, não nos afastemos do nosso centro: a formação. Relativamente a esse centro a "exposição de obras" ocupa um lugar limiar, e eventualmente equívoco. A "obra" é, neste caso, uma paragem provisória do processo da sua própria formação, e a "exposição" um olhar quase voyeurista sobre a mais modesta e necessária, apresentação e discussão de trabalho. Por isso, uma exposição que nasce num contexto de formação é um espaço ambíguo, sobretudo de transição.
O que é a formação em gravura e serigrafia? Como se deduz do que escrevemos anteriormente, não se trata apenas de formar um bom técnico, (adquirir um conhecimento técnico transmissível), mas também, e principalmente, deixar que aconteça um bom artista. Isto significa, antes de mais, a lenta descoberta e experimentação do livre uso da gravura e da serigrafia.
Em que consiste esse livre uso? Fundamentalmente, ele é a descoberta do que pode e não pode o meio e o autor, a conversão em poder da imagem do poder e mesmo do não poder do artista. Não se trata assim de aplicar uma qualquer "normatividade", um dever ser à imagem mas de experimentar a gravura e a serigrafia (a arte fala de si) e o mundo (a arte não fala apenas de si), e de se experimentar. Deste último ponto de vista – o livre uso (artístico, ignoremos a redundância) -, as cadeias operatórias do fazer da gravura e da serigrafia entram, aqui e por vezes, numa forma de "desorganização" e entram em combinações improváveis. Por exemplo, de meio de reprodução por excelência ela passa a meio de obtenção de "gravuras" únicas. Este exemplo é pertinente porque toca a própria definição estabelecida de "gravura", ou seja, a obtenção de um número de provas quase idênticas a partir de uma mesma matriz.
Resta convidar os visitantes desta exposição ao lugar do espectador. Um lugar de disponibilidade para o encontro, para sofrer a ação ressonante destes objetos, e acompanhar o seu livre movimento de sentir, pensar e agir.
Fernando Poeiras

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