Sobre a Impossibilidade de experimentos conclusivamente refutadores

Share Embed


Descrição do Produto

Sobre a impossibilidade de experimentos conclusivamente refutadores Marcus Renato Alves Araújo Apresentado no XI encontro nacional de filosofia da anpof

INTRODUÇÃO

A tese desenvolvida por Pierre Duhem, no ensaio Algumas reflexões acerca da física experimental, de que um experimento da física jamais pode condenar uma hipótese isolada, mas apenas todo um bloco de teorias, provavelmente, foi um dos pontos mais controversos no debate entre filósofos da ciência no século passado. Nesse ensaio, Duhem realiza uma reflexão sobre o método experimental. É proveitoso notar que ele não pretendeu exatamente investigar como são obtidas, a partir da experiência, as leis experimentais. Seu intuito foi principalmente o de efetuar uma análise de como esse método é utilizado no processo de testabilidade das teorias físicas. O texto é dividido, basicamente, em duas partes: na primeira, Duhem analisa o que é uma experiência da física; na segunda, ele explica sua concepção de uma “lei da física”. Nesse trabalho, nossa análise se restringirá ao âmbito da primeira parte, já que o nosso propósito será, primeiramente, expor qual a concepção de Duhem acerca das experiências na física, procurando mostrar em qual tese epistemológica se ampara tal concepção e como a conclusão de Duhem, sobre a impossibilidade de experimentos cruciais, surge como corolário dessa tese. Em seguida, iremos expor os argumentos de Adolf Grümbaum contra a tese holista de Duhem. Na conclusão, será feita uma análise sobre a plausibilidade das críticas desferidas por Grümbaum contra Duhem, no intuito de mostrar que essas críticas se baseiam sobre uma interpretação equivocada da tese. Procuraremos, além disso, apontar para possibilidade de que o experimento crucial, embora não possa ser usado como um meio inequívoco para obtenção de uma certeza científica, pode, se concebido de uma forma mais ampla (i.e. de um modo não estritamente lógico), servir como um instrumento para viabilizar decisões provisórias para escolha entre hipóteses alternativas.

SEÇÃO I

Duhem, na primeira parte de seu ensaio, pretende, como já vimos, responder à questão “O que é uma experiência da física?”. Logo de início, ele afirma que essa pergunta talvez possa surpreender alguns, haja vista o aparente caráter de evidência que possa advir da resposta. “A resposta não é evidente?” diz ele, “Produzir um fenômeno físico dentro de condições tais que se possa observá-lo exata e minuciosamente, com o auxílio de instrumentos apropriados, não é esta a operação que todo o mundo designa por estas palavras: uma experiência da física?”

(Duhem, Pierre.

1989, p. 88). Do que foi dito, podemos perceber que a concepção de Duhem se coaduna com o que geralmente se entende por uma experiência da física. Entretanto, no âmbito da metodologia experimental, devemos notar que a sua concepção de experimento, como veremos a seguir, é embasada num princípio epistemológico fundamental. Este princípio assevera a inseparabilidade entre teoria e experimento e, regula, por conseguinte, a utilização do método experimental. Denominaremos este princípio, de agora em diante, como tese da inseparabilidade. Duhem enuncia essa tese da seguinte maneira: “Uma experiência da física é a observação precisa de um grupo de fenômenos, acompanhada da INTERPRETAÇÃO desses fenômenos. Essa interpretação substitui os dados concretos realmente recolhidos pela observação por representações abstratas e simbólicas que lhes correspondem em virtude das teorias físicas admitidas pelo observador.” (Idem, p.89)

A tese da inseparabilidade afirma, portanto, que um experimento da física não é apenas uma constatação observacional de um determinado grupo de fenômenos, além disso, ele é a interpretação teórica, baseada nas teorias admitidas pelo observador, desses mesmos fenômenos. Do exposto, podemos concluir que uma mera constatação observacional não é a mesma coisa que uma constatação experimental, já que essa última está envolta em toda uma rede de teorias que entram em jogo no processo de interpretação teórica dos dados observados.

Um aspecto interessante da tese da inseparabilidade, ou daquilo que talvez poderíamos chamar de impregnação teórica sofrida pelas constatações experimentais, é que se não houvesse essa relação entre teoria e experimento isso acarretaria não só a impossibilidade de enunciação do resultado de um experimento científico, mas também a impossibilidade de se formular e elaborar um experimento físico. É forçoso, nesse ponto, concordar com Duhem, já que, como ele afirma, na elaboração de um experimento e na subsequente constatação experimental “é preciso conhecer as teorias admitidas, é preciso saber aplicálas, é necessário ser físico.”

(Idem, p.88). O seguinte exemplo servirá como ilustração daquilo

que Duhem tinha em mente: “Regnault estuda a compressibilidade do gases; toma uma certa quantidade de gás; encerra-o num tubo de vidro; mantendo a temperatura constante, mede a pressão que o gás suporta e o volume que ele ocupa. Dir-se-á que temos aí a observação minuciosa e precisa de certos fenômenos, de certos fatos. Seguramente, diante de Regnault, nas suas mãos, nas mãos de seus auxiliares, os fatos se produzem. É o relato desses fatos que Regnault consignou para contribuir com o avanço da física? Não. Num visor, Regnault vê a imagem de uma certa superfície de mercúrio chegar até uma certa marca. É isto que ele inclui no relato de suas experiências? Não, ele conclui que o gás ocupa um volume com um certo valor. Um auxiliar levanta e abaixa a lente de um catetômetro até que a imagem de um outro nível de mercúrio chegue a nivelar-se com a linha de uma retícula; ele observa, então, a disposição de certas marcas sobre o nônio do catetômetro. È isso que encontramos na dissertação de Regnault? Não, o que lemos é que a pressão suportada pelo gás tem determinado valor. Um outro auxiliar vê, num termômetro, o mercúrio nivelar-se a uma certa marca invariável. É isso que ele consigna? Não, registra-se que a temperatura era fixa e atingiu um certo grau.”

(Idem). Agora que já obtemos um esclarecimento acerca daquilo que Duhem concebe como um experimento da física e de sua tese da inseparabilidade entre teoria e experimento, vamos examinar as consequências metodológicas que surgem da admissão desse princípio. Para que uma teoria possa ser testada empiricamente, ela deve permitir a dedução de consequências experimentalmente verificáveis. E o que é uma “consequência experimentalmente verificável” de uma teoria? Segundo Mariconda, é: “aquela consequência dedutiva de uma teoria para a qual podemos planejar, elaborar, e realizar um experimento.”

(1985, p. 93).

Dentre essas consequências, existem aquelas que, quando comparadas com a experiência, estão de acordo com ela e existem outras que estão em contradição com a experiência.

Na metodologia experimental, de acordo com Duhem, existem dois tipos de experimento, os experimentos de aplicação e experimentos de prova. Segundo Duhem, esse primeiro tipo de experiência “não tem por fim reconhecer se as teorias admitidas são ou não exatas. Ela se propõe simplesmente a tirar partido dessas teorias. Para isso, fazemos uso de instrumentos que legitimam essas mesmas teorias”

(Idem, p.92). Portanto, esses experimentos consistem basicamente na

aplicação tecnológica do conhecimento. Já os experimentos de prova, servem para testar as consequências experimentalmente verificáveis de um determinado sistema de hipóteses. “Um físico contesta tal lei, coloca em dúvida tal ponto da teoria. Como justificar suas dúvidas? Como demonstrar a inexatidão da lei? Da proposição incriminada, ele extrairá a previsão de um fato da experiência; ele realizará as condições nas quais esse fato deve-se produzir. Se o fato não se produzir, a proposição estará irremediavelmente condenada.” ( Idem)

Um aspecto digno de nota, muito bem percebido por Mariconda, é que o modo como Duhem apresenta o experimento de prova, dá a impressão de que ele tinha em mente principalmente experimentos potencialmente refutadores, ou seja, experimentos que nos fornecessem justificativas para rejeitar inequivocamente uma teoria. Uma das críticas de Duhem incide justamente sobre essa caracterização do experimento de teste como um instrumento que forneceria razões incontestáveis para se rejeitar uma teoria. Segundo Mariconda, “Essa rejeição se assenta num modo de demonstração que, segundo Duhem, é assimilado ao método de redução ao absurdo usado na geometria, fazendo-se que a contradição experimental tenha para o método experimental o mesmo papel que a contradição lógica tem para o método matemático.”

(Idem, p.94). A crítica de Duhem refere-se exatamente à essa

identificação entre contradição experimental e contradição lógica. Pois a concepção de experimento, pautada na tese da inseparabilidade, acarreta não somente uma limitação do suposto valor demonstrativo de uma contradição experimental, mas também uma limitação do alcance dos experimentos refutadores, haja vista que um contradição experimental nunca é capaz de condenar isoladamente uma hipótese, mas apenas todo conjunto teórico do qual a hipótese é só mais uma entre várias. A razão disso é que numa experiência da física, não é possível determinar tão exatamente, quanto na contradição lógica, quais proposições acarretam a contradição, pois, como atesta a tese da inseparabilidade, no mais simples dos experimentos da física entram em jogo todo um sistema de teorias que, somente em conjunto, possibilitam a previsão de algum fenômeno:

“A única coisa que a experiência nos informa, é que entre todas as proposições que serviram para prever dado fenômeno e para constatar que ele não se produziu, há pelo menos um erro. Mas onde reside esse erro, é o que ela não nos diz. O físico declara que esse erro está precisamente contido na proposição que ele quer refutar e não em outro lugar? Sim, porque ele admite implicitamente a exatidão de todas as outras proposições que ele usou...” (Idem, p.93)

Essa tese de Duhem, da imunidade de hipóteses isoladas, possui consequências interessantes. Em primeiro lugar, observa Duhem, essa confiança que o físico atribui a todas as outras hipóteses não se funda em considerações de ordem lógica, mas em considerações subjetivas ou metodológicas. Outra consequência dessa tese é que ela proporciona, diante de uma contradição experimental, certa liberdade de escolha para o físico determinar qual hipótese ele tomará como refutada. Portanto, a tese de que um experimento da física nunca condena uma hipótese isolada, mas somente todo um edifício teórico, acarreta a impossibilidade de uma refutação conclusiva de uma hipótese a partir do resultado de uma experiência.1 No contexto metodológico, por conseguinte, um físico jamais pode dar como refutada uma hipótese determinada, já que a contradição, logicamente, pode estar em qualquer uma das hipóteses da teoria que serviram para se deduzir as consequências experimentalmente verificáveis que se afiguraram contrárias à experiência. Numa situação como essa, o físico pode optar por duas vias: ele pode considerar que a refutação atingiu uma hipótese fundamental da teoria, e que, em vista disso, o melhor a fazer é procurar desenvolver outro sistema de hipóteses mais satisfatório. Outra via seria aceitar a refutação, mas promover uma alteração na teoria, modificando convenientemente algumas das hipóteses secundárias, de modo que possa haver uma adequação entre o seu sistema teórico e os fatos experimentalmente verificados. Fica claro que uma decisão como essa não se baseia em considerações lógicas, ela se funda na verdade no alcance que o físico atribui ao experimento refutador. Outra consequência, igualmente significativa, da tese da inseparabilidade é que ela impossibilita também a ocorrência de um tipo especial de experimento de teste, os chamados experimentos cruciais. Esses são um tipo de experimento de teste que, caso 1

Cf. Os exemplos dados por Duhem nas páginas 92,93 e 94.

fossem viáveis, possibilitariam uma decisão inequívoca para se decidir entre dois ou mais sistemas teóricos, que dão conta de um mesmo conjunto de fenômenos e que, no entanto, são incompatíveis entre si. A análise realizada por Duhem desse tipo de experimento tem por fim criticar a identificação entre contradição experimental e contradição lógica, já que essa identificação implica, equivocadamente como veremos, num procedimento metodológico que culmina na obtenção de uma certeza científica absolutamente inquestionável acerca de um determinado grupo de fenômenos. O experimento crucial seria o instrumento, por meio do qual, o certo poderia ser separado do errado. A seguinte passagem é esclarecedora a esse respeito: “Queremos obter de um grupo de fenômenos uma explicação teórica certa e incontestável? Enumerem-se todas as hipóteses que é possível fazer-se para dar conta desse grupo de fenômenos; depois, pela contradição experimental, eliminem-se todas, salvo uma. Esta última deixará de ser uma hipótese para tornar-se uma certeza. Suponha-se, em particular, que apenas duas hipóteses estejam presentes. Procurem-se as condições experimentais tais que uma das hipóteses anuncie a produção de um fenômeno completamente diferente e realizem-se essas condições observando o que acontece. Conforme seja observado o primeiro dos fenômenos previstos ou o segundo, condenar-se-á a segunda hipótese ou a primeira; aquela que não for condenada será, de agora em diante, incontestável. O debate estará resolvido, uma verdade nova será adquirida pela física. Nisso consiste o experimentum crucis.” (Idem, p.96)

O principal argumento de Duhem contra os experimentos cruciais, refere-se à um pressuposto fundamental sobre o qual se assenta a própria condição de possibilidade do experimento crucial. A condição necessária para que tal experimento ocorra, ou seja, que simultaneamente uma ou mais hipóteses sejam refutadas e uma única seja, por conseguinte, verificada e tornada incontestável, é que seja possível enumerar exaustivamente todas as hipóteses possíveis que podem ser formuladas para dar conta de um conjunto de fenômenos. No entanto, e esse é o ponto crucial do argumento, um físico jamais será capaz, por uma impossibilidade prática digamos assim, de enumerar exaustivamente todas hipóteses possíveis que podem vir a explicar um dado conjunto de eventos. Vejamos como Duhem conclui suas reflexões sobre a possibilidade de experimentos cruciais no método experimental:

“O método experimental não pode transformar uma hipótese física em uma verdade incontestável, pois jamais se está seguro de haver esgotado todas as hipóteses imagináveis referentes a um grupo de fenômenos. O experimentum crucis é impossível. A verdade de uma teoria física não se decide num jogo de cara ou coroa.” (Idem, p.97)

A despeito de sua plausibilidade e aparente correção, a tese de Duhem não permaneceu imune à ataques. A crítica de Grümbaum à essa tese será o tema de nossa próxima seção SEÇÃO II

Embora Grümbaum, assim como Duhem, era da opinião de que experimentos cruciais jamais podem verificar hipóteses, ele acreditava, seguindo Karl Popper, que experimentos cruciais falsificadores não só são possíveis, mas que ocorreram de fato. Grümbaum, na tentativa de refutar a tese de Duhem, assevera que a alegação, feita pelos convencionalistas, de que hipóteses isoladas são imunes à refutação conclusiva, não é nem logicamente correta e tampouco consistente com a prática científica. Em seu artigo The Duhemian Argument, Grümbaum, logo no início, expõem dois dos seus principais argumentos contra a tese de Duhem: “No general features of the logic of falsifiability can assure, for every isolated empirical hypoteheses H and independently of the domain to which it pertains, that H can always be preserved as an explanans of any empirical findings O whatever by some modification of the auxiliary assumptions A in conjunction with which H functions as an explanans. For Duhem cannot guarantee on any general logical grounds the dedeucibility of O from an explanans constituted by the conjunction of H an some revised non-trivial version R of A: The existence of the required set R of collateral assumptions must be demonstrated for each particular case. (Grümbaum, Adolf. In: Can theories be refuted? P.

116.)

O ponto central desse argumento de Grümbaum é o seguinte: já que Duhem pretende mostrar que todo experimento refutador é necessariamente inconclusivo, ele deve ser capaz de oferecer uma prova de que para cada hipótese, H, diante de qualquer enunciado observacional resultante de um experimento, O, sempre existe a possibilidade de

acrescentar ad hoc um conjunto de suposições não-triviais2, S, tais que a conjunção de H e S impliquem O. Em linguagem formal, essa exigência de Grümbaum adquire a seguinte forma: (H) (O) (ExS)

(H+S =>O). No entanto, como mostraremos nas nossas

considerações finais, não é exatamente isso que Duhem sustenta. A segunda crítica de Grümbaum aparece na forma de um contra-exemplo contra a tese de Duhem. Para tanto, ele se vale de um exemplo da geometria física Ele enuncia-a do modo como se segue: “The categorical form of the Duhemian thesis is not only a non-sequitur but actualy false. This is shown by adducing the testing of physical geomety as a counterexample to Duhem in the form of a rebutal to A. Einstein’s geometrical articulation of Duhem’s thesis. (Idem)

Esse segundo argumento pretende provar não apenas que experimentos conclusivamente refutadores são possíveis, mas que de fato ocorreram. Em virtude da dificuldade que surge para leigos em física ao lidar com o contra-exemplo utilizado por Grumbaum, iremos aqui utilizar a reconstrução que Laurens Laudan, sucintamente, expôs em seu artigo Grümbaum on ‘the duhemian argument’. No entanto, esse pormenor não nos torna menos aptos para apreciarmos a plausibilidade do argumento, haja vista que, no que concerne ao seu aspecto lógico, o argumento é bastante claro. “He (Grümbaum) suggests that we consider the schema [H+A=>O) (-O+A) –H], where H is a system of geometry, A is a proposition about the perturbation-free characteristics of solid rods, and O is the empirical statement that light rays coincide with rigid-body geodesics. We need not probe into the physics of the problem to understand the substance of Grümbaum’s counterexample. He argues, and I think we can safely grant, that we have observed –O and, in virtue of independent evidence, can assert with high probability that A is true. On these grounds, Grümbaum claim to have shown that the experiment has falsified the hipothesis. On the face of it, this is a clear exception to the D-thesis.” (Laudan, Laurens. In: Can theories be refuted? P. 160)

Em linhas gerais, são esses os principais argumentos dos quais Grümbaum lança mão para oferecer uma refutação da tese de Duhem. No entanto, como veremos a seguir na nossa conclusão, essa críticas de Grümbaum parecem se pautar numa interpretação equivocada da obra de Duhem.

2

Sobre essa exigência Cf. Nota 4 de Grümbaum on ‘the duhemian argument’ in Can theories be refuted?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pudemos observar logo acima, Grümbaum alega que a menos que Duhem prove que sempre existe um conjunto de suposições não-triviais, S, para cada hipótese, H , tal que da conjunção entre H e S resulte O (qualquer que seja O), prova que de fato Duhem não oferece, um físico não precisa necessariamente tomar como uma verdade que toda falsificação é inconclusiva. No entanto, não é exatamente isso que Duhem sustenta. Duhem, nem de longe, pretendeu afirmar que uma falsificação jamais tenha acontecido, ele somente afirma que, caso isso tenha acontecido, tal refutação foi necessariamente inconclusiva, já que se de uma hipótese, H, em conjunção com um bloco de suposições, S, ocorre a previsão de um enunciado observacional3, O, e, em seguida constata-se –O. A única coisa que temos razão em afirmar é que entre as premissas que nós usamos para extrair a consequência experimentalmente verificável O, existe pelo menos uma que é falsa, mas não temos como afirmar se essa proposição se encontra em H ou S. Além disso, Duhem não afirma que qualquer hipótese pode ser salva da refutação. O que realmente ele assevera é que, usando um argumento diametralmente oposto ao de Grümbaum, a menos que alguém prove que não existe um conjunto de suposições como as descritas acima, que possam “salvar” uma hipótese de um experimento recalcitrante, o físico terá plena liberdade de tentar modificar seu sistema de hipóteses de modo a adequar a hipótese que corre o perigo de ser refutada aos dados experimentais. Portanto, um físico que alega ter refutado conclusivamente uma dada hipótese, H, deve provar que – (ExS’) (H+S’ => - O), dado que (H+S) => O, -O. O que chama a atenção aqui, fato bem notado por Laudan 4, é que, se observarmos mais atentamente as críticas de Grümbaum, perceberemos que parece haver duas teses em questão: uma forte, que Grümbaum ataca, asseverando que sempre existe um conjunto de suposições auxiliares, S’, tais que, para qualquer hipótese, H, e qualquer enunciado observacional, O, a conjunção entre essas suposições e a hipótese implica o

3

O termo ‘enunciado observacional’ é utilizado aqui no sentido de um enunciado que pode, provisoriamente ser tomado como falso ou verdadeiro face à uma observação ou experimento. 4 Laudan, Laurens. In: Can theories be refuted? p.159.

resultado observacional O5. Já a tese fraca, que acreditamos ser a defendida por Duhem, afirma que a menos que seja provado que não existe tal conjunto de suposições, S’, que possa salvar uma hipótese, H, de um enunciado observacional recalcitrante, - O, então – O nunca será uma refutação conclusiva de H. Quanto ao fato de Grümbaum alegar ter refutado a tese de Duhem mediante um contra-exemplo emprestado da geometria física, representado pelo esquema [(H+A=>O) (O+A)=>-H], onde H é um sistema de geometria, devemos notar que duhem afirma que somente hipóteses isoladas são imunes a refutação conclusiva, por conseguinte, ele não afirma que sistemas de hipóteses, como os da geometria, não podem ser refutados. Em segundo lugar, a conservabilidade do valor de verdade de A no esquema de Grümbaum não está amparada em nenhuma necessidade lógica. Pois, embora A possa ter uma probabilidade altíssima de ser verdade, A não pode ser incontestavelmente tomado como verdade, já que sempre existe o risco indutivo de que A venha a possuir consequências verificavelmente contrárias a experiência. Portanto, o físico permanece com a liberdade de escolha, diante de – O, de considerar como refutado A ou H.6 Esses dois argumentos nos indicam que a alegação de Grümbaum ter refutado a tese de Duhem se baseia numa reconstrução mal formulada dos argumentos de Duhem, ou seja, numa reconstrução que extrapola aquilo que foi defendido realmente por ele. Como foi dito na introdução deste ensaio, o nosso itinerário incluía também a sugestão de que o experimento crucial poderia ser compreendido de uma forma distinta do modo como Duhem o concebeu. Nessa perspectiva, o experimento crucial não seria caracterizado como um instrumento incontestável que possibilitasse uma decisão inequívoca para escolha entre hipóteses rivais. Numa caracterização mais ampla e pragmática, poder-se-ia conceber o experimento crucial como um meio viável para decisão provisória acerca da admissão entre hipóteses alternativas. A hipótese “sobrevivente” não seria uma “certeza incontestável”, no entanto, nós teríamos motivos plausíveis para admitirmos a hipótese em questão em detrimento de suas rivais. Mas isso só valeria se não houvesse outras hipóteses mais satisfatórias que dessem conta de mesmo conjunto de fenômenos. 5

Essa, na verdade, parece ser a postura de Quine, tal como exposta em seu ensaio Dois dogmas do empirismo. Cf. Quine, Willard. 1985. P.246. 6 Quanto a falta de certeza indutiva de A, Cf. Wedeking, Gary. In: Can theories be refutede? P.177.

BIBLIOGRAFIA

Duhem, Pierre. Algumas reflexões sobre a física experimental. In: Ciência e filosofia. N. 4. Gillies, Donald. Philosophy of science in the twentieth century: four central themes. Oxford, Cambridge: Ed. Blackwell, 1993. Laudan, Laurens. Grümbaum on ‘the duhemian argument’. In: Can theories be refuted? Editado por G. Harding. Grümbaum, Adolf. The duhemian argument. In: Can theories be refuted? Editado por G. Harding. Mariconda, Pablo. A teoria da ciência em Pierre Duhem. Tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo. São Paulo, 1985. Quine, Willard. Dois dogmas do empirismo. (Col. Os pensadores). 3. Ed. São Paulo: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1985. Wedeking, Gary. Duhem, Quine and Grümbaum on falsification. In: Can theories be refuted? Editado por G. Harding.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.