Sobre a orientação manipulatória e instrumental da ciência econômica: uma crítica ontológica

May 21, 2017 | Autor: Edson Mendonça | Categoria: Economic Methodology, Metodologia Da Economia
Share Embed


Descrição do Produto

ORGANIZADORES Lérida Maria Lago Povoleri e André Guimarães Augusto

TEXTOS DE ECONOMIA Metodologia da Análise Econômica

Alexandre de Oliveira Chagas Andrea Araujo do Vale Bruna do Nascimento de Freitas Edson Mendonça da Silva Eduardo Silva Shalders João Gabriel Prado Calena Luhan Martins Reigoto Pedro Sgura Solange Gomes Dutra Vanessa da Silva Borges

Editora UFF 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitor: Roberto de Souza Salles Pró-Reitor de Graduação: Renato Crespo

Este trabalho foi realizado pelos alunos da graduação do curso de Ciências Econômicas Alexandre de Oliveira Chagas Andrea Araujo do Vale Bruna do Nascimento de Freitas Edson Mendonça da Silva Eduardo Silva Shalders João Gabriel Prado Calena Luhan Martins Reigoto Pedro Sgura Solange Gomes Dutra Vanessa da Silva Borges

Textos de Economia 7 / Lérida Maria Lago Povoleri e André Guimarães Augusto (org.) Niterói, RJ: EdUFF, 2012 133 p ISBN: 978-85-228-0678-2 Projeto Orietado pelos professores: Lérida Maria Lago Povoleri e André Guimarães Augusto Tutora do Programa de Educação Tutorial - Economia - Prof. Dra. Lérida Maria Lago Povoleri

1. Economia. 2. Teoria Econômica. 3. Metodologia da Análise Econômica. 4. Filosofia da Ciência. 5. Marxismo. 6. Popper. 7. Jornalismo. I. Povoleri, Lérida Maria Lago e Augusto, André Guimarães, Org. II. Universidade Federal Fluminense. Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos. Programa de Educação Tutorial, UFF

SUMÁRIO Apresentação 7 As discussões clássicas avaliadas no séc. XXI 9 O que é ciência? Uma visão sobre o racionalismo crítico de Karl Popper 17 Sobre a orientação manipulatória e instrumental da ciência econômica: uma crítica ontológica 47 O realismo transcendental e a crítica à economia positivista, com base nos escritos de Tony Lawson 73 Lukács e as bases ontológias do pensamento e da atividade do homem 91 A ontologia de Lukács 103 Primeiros apontamentos para reflexões sobre a teoria do jornalismo 119

TEXTOS DE ECONOMIA

Sobre a orientação manipulatória e instrumental da ciência econômica: uma crítica ontológica Edson Mendonça da Silva “Numa sociedade em que a “razão” tem mais a ver com o cálculo do próprio interesse do que com algum nobre sonho de emancipação, um ceticismo quanto a seus grandiosos poderes começa a ganhar força. A dura realidade dessa nova ordem social não parece razão, mas apetite e interesse; se a razão tem algum papel, trata-se de um papel puramente secundário, o de calcular como os apetites podem ser saciados com mais eficácia” (EAGLETON, 1997, p. 143)

1. Introdução No dia 2 de novembro do ano passado, um grupo de estudantes da famosa Universidade de Harvard promoveu um protesto contra o conteúdo da aula que estava sendo ministrada. Em uma carta direcionada ao professor eles afirmam que estavam retirando-se devido ao conteúdo do curso. O curso era de Introdução a Economia, “Economics 10”, e o professor economista Gregory Mankiw, conhecido pelos seus textos-livros e manuais de Macroeconomia e etc. Segundo a carta, os alunos estavam insatisfeitos com o curso pois “that espouses a specific - and limited - view of economics that we believe perpetuates problematic and inefficient systems 47

TEXTOS DE ECONOMIA of economic inequality in our society today” (1). Além disso, os estudantes criticaram duramente o conteúdo do curso por não apresentar uma discussão crítica e nem perspectivas alternativas sobre os temas ali tratados. Ao se retirarem, os alunos juntaramse aos manifestantes do movimento “Occupy” em Boston, aumentando o contingente de jovens que estavam nas ruas contra os efeitos da crise financeira de 2008, principalmente contra os bancos. É interessante notar que o protesto foi realizado na aula de um dos mais conhecidos economistas norte-americanos, uma “autoridade” no debate sobre a macroeconomia. A resposta de Mankiw, publicado no jornal New York Times contém uma das “verdades” mais ditas e repetidas pelos economistas, com pouco ou maior reputação: “Yet, like most economists, I don’t view the study of economics as laden with ideology” (2). Ou seja, a ciência econômica não tem nenhum dispositivo ideológico e citando o também conhecido economista Keynes, Mankiw afirma que a economia “is a method rather than a doctrine, an apparatus of the mind, a technique for thinking, which helps the possessor to draw correct conclusions” (ibdem). Como podemos observar, a ciência econômica não parece armada, em termos teóricos, para críticas tão claras e que repudiam o caráter conservador do estudo da economia. Este evento nos dá uma amostra do impasse que a economia como ciência chegou, e diante dos atuais debates sobre o método da economia, ao que tudo indica o impasse permanecerá. Assim, continuaremos observar a crescente uma posição manipulatória e instrumentalista da ciência econômica e seu correlato, sua visão conservadora sobre o mundo e sobre como os problemas deste mundo podem e devem ser resolvidos. O objetivo deste trabalho é caracterizar em termos teóricos a ciência econômica e a partir daí realizar uma crítica ao ser caráter, acima enunciado. Na primeira seção o trabalho buscará 48

TEXTOS DE ECONOMIA apresentar de forma resumida os debates sobre a filosofia da ciência, mais especificamente sobre o positivismo lógico. Em seguida será apresentada uma crítica a forma como os positivistas e neopositivistas concebem o processo de conhecimento científico. Para isso o texto se utilizará dos escritos do filósofo marxista Gyorgy Lukács. E daí será feito um breve histórico sobre o debate metodológico na ciência econômica. E por fim, uma crítica ao caráter manipulatória e instrumentalista da ciência econômica. 2. O positivismo lógico Durante a década de 1920, um grupo de filósofos, matemáticos e físicos reuniam-se na Universidade Viena com o objetivo de promover “an altogether decisive turning point in philosophy”. Liderados pelo físico Moritz Schlick (1882-1936), professor de filosofia da ciência indutiva, o conhecido Círculo de Viena, reuniu ao longo dos anos filósofos como Rudolf Carnap (1891-1970), Otto Neurath (1882-1945) e o matemático Hans Hahn (1879-1934). Ao promover esta viragem na filosofia em suas reuniões e publicações, o Círculo de Viena fundou o positivismo lógico, que tinha entre seus objetivos ser um contraponto aos ”the metaphysical systems of German speculative philosophy and post-Kantian idealism” (CALDWELL, 1994, p. 13). Mas os positivistas lógicos também buscavam contrapor-se as formas positivistas anteriores, com a introdução da lógica no debate sobre as tarefas da ciência. Entretanto, o principal alvo dos positivistas lógicos era a metafísica, que segundo os fundadores do círculo, era um sistema “sem sentido” (Ibdem). Segundo Caldwell (1994, p. 11-12), entre os autores que influenciaram o positivismo lógico encontraram-se o físico austríaco Ernest Mach (1838-1916), com sua teoria dos elementos; o filosofo e matemático galês Bertrand Russell (1872-1970), e seu desenvolvimento de uma “lógica simbólica” que contribuiu 49

TEXTOS DE ECONOMIA para diferenciar os positivistas lógicos dos positivistas anteriores (p. 11); e o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) com a sua obra “Tractatus Logico-Philosophicus”. Com a ascensão do nazismo na Alemanha e o falecimento de Schlick e Hahn, os principais integrantes do círculo migraram para os E.U.A. e Inglaterra e acabaram influenciando decisavamente “and continuing influence on the philosophy of science and the separate disciplines” (CALDWELL, 1994, p. 12) nestes países. Para Schlick, a tarefa da filosofia consistia em revelar ou determinar o significado dos enunciados, e o seu objetivo seria “a análise lógica; e seu objeto de estudo são as ciências empíricas e positivas” (SCHLICK, 1980, p.43). Sobre o positivismo, Schlick considera que um dos seus conceitos fundamentais é o “dado”, e que além do real qualquer empreitada científica seria “impossível ou careceria de sentido” (SCHLICK, 1980, p. 40). Desse modo, com esse expediente, o positivismo afirma que “somente o dado é real”, assim o dado “não esta sujeito a nenhuma dúvida ou contestação” (Ibdem, p. 41). Para Schlick, o ponto de discórdia entre metafísicos e positivistas está na compreensão de cada um sobre a “realidade”. Assim, o autor distingue as duas correntes entre o realismo que “crê na realidade do mundo externo”, ideal, e o positivismo “que não a aceita”. Mas, a concepção de ciência para o positivismo lógico acaba por absorver o positivismo, pois este possui duas características: (a) a ciência é “empirista e positivista”, pois “there is knowledge only from experience, which rests on what is immediately given” (CALDWELL, 1994, p. 13) e (b) esta consiste pela aplicação de um método, denominado por eles como “análise lógica”. Na verdade, a crítica de Schlick e dos positivistas lógicos repousam fortemente sobre a possibilidade de uma construção científica metafísica, ideal, realista no sentido exposto anteriormente.

50

TEXTOS DE ECONOMIA Para os positivistas lógicos, só faz sentido afirmações, ou proposições, que tenham significado (significativas) analítico ou sintético. Por proposições analíticas, entende-se os “enunciados que envolvem verdades lógicas, necessárias ou tautologias” (DUAYER, MEDEIROS e PAINCEIRA, 2001, p. 752), e proposições sintéticas seriam aqueles “enunciados empíricos, factuais, que podem ser verificados ou falsificados pelo experimento ou observação empírica”. Como se pode observar, para o positivismo lógico, a metafísica não atende nenhuma das proposições, não é nem analítica e nem sintética, apenas “expressing emotional stances or ‘general attitudes towards life’” (CALDWELL, 1994, p. 13). Mas não seriam falsas, como alerta Caldwell (1994, p.14), pois as proposições metafísicas não são nem negativas e nem afirmativas, apenas não fazem sentido, ou seja, não são reconhecidas. Como expressa Ayer (apud CALDWELL, 1994, p. 14): “Metaphysical utterances were condemned not for being emotive, which could hardly be considered as objectionable in itself, but for pretending to be cognitive, for masquerading as something that they were not” (CALDWELL, 1994, p. 14) Mas o positivismo lógico ainda necessitava distinguir as proposições significativas das não-significativas, ou seja, separar as fornecer um critério objetivo para a distinção entre proposições analíticas e sintéticas, e as proposições sem sentido, as afirmações metafísicas. Inicialmente, autores como Carl Hempel (19071997) e Carnap, propuseram o princípio da verificação. Segundo este princípio, uma proposição só tem sentido apenas na medida em que é verificável, uma “evidencia observacional” (DUAYER, MEDEIROS e PAINCEIRA, 2001, p. 753). Assim, os critérios de significância cognitiva do projeto positivista lógico baseava-se na verificação, donde poderia se extrair a verdade e a falsidade de uma proposição. A verificabilidade implica em testabilidade, e 51

TEXTOS DE ECONOMIA dessa forma uma proposição significativa só teria sentido se fosse verificável completamente por evidências observacionais e “such evidence was restricted to what could be observed by the speaker and his fellow beings during their lifetimes” (CALDWELL, 1994, p. 14). Obviamente, um critério tão rígido seria modificado ou relaxado, como o fez Schlick ao afirmar que a verificação é “logicamente possível, independentemente do fato ser ou não exeqüível na prática” (45). Entre os esforços positivistas para encontrar um critério menos conservador e restritivo, foi proposto o critério da “confirmação”. Em “Testability and Meaning” (1936), Carnap nota que há instâncias de verificação das leis, e na verdade não há como verificar a lei, mas testá-la num instante único. Assim, o critério da “confirmação” repousa na ocorrência positiva da verificação no tempo, como afirma o autor: “If in the continued series of such testing experiments no negative instance is found but the number of positive instances increases then our confidence in the law will grow step by step. Thus, instead of verification, we may speak here of gradually increasing confirmation of the law” (apud CALDWELL, 1994, p. 22) Mas o problema da demarcação entre o significativo e o não-significativo permanece, pois a flexibilização ainda manteve o núcleo forte da verificação. Um dos problemas do critério da confirmação é tornar o “conhecimento científico provisório, incompleto e, por isso, está sempre constituído por elementos e noções ‘metafísicas’ – não empiricamente fundadas” (DUAYER, MEDEIROS e PAINCEIRA, 2001, p. 755). Assim, o positivismo lógico permanece no impasse sobre a demarcação do conhecimento científico. Pois, além da possibilidade de uma proposição ser “metafísica”, provisória, ainda o positivismo lógico deparava-se com a testabilidade infinita, dentro do critério da verificação. Ou seja, seria necessária uma 52

TEXTOS DE ECONOMIA série infinita de experimentos para verificar se uma proposição possui ou não o caráter de cognitivo. A “solução” para o impasse do programa do positivismo lógico acabou sendo a adoção do modelo hipotético-dedutivo (HD). Tal modelo foi formulado por Carnap e Hempel, e representou uma viragem no debate sobre as possibilidades da ciência e a demarcação do científico. Segundo Caldwell, o modelo H-D: “the formal structure of a theory is nothing more than that of a mechanical calculus, or a hypotheticdeductive system. A theory contains axioms, or primitive sentences, and theorems, or derivative statements. The axioms may refer to either observables or theoretical entities” (CALDWELL, 1994, p. 25) Assim, o modelo H-D constitui de uma teoria formada de axiomas e sentenças derivadas da observação empírica, observados. Para Braithwaite (apud CALDWELL, 1994, p. 25), o modelo possui um nível superior, um inferior e um intermediário, uma hierarquia de hipóteses. Para o autor, as hipóteses de nível superior são “those which occur only as premisses in the system”, as entidades teóricas, e as hipóteses de nível inferior são “those which occur only as conclusions in the system”, as conseqüências deduzidas da teoria. Há ainda, o nível intermediário onde “those which occur as conclusions from deductions from higher-level hypotheses and which serve as premises for deductions of lowerlevel hypotheses”, onde na verdade ocorre as conclusões das deduções das premissas (Ibdem). Dessa forma, o modelo H-D é mais flexível que os modelos anteriores, pois “qualquer refutação pelos dados não necessariamente implica a rejeição da teoria como um todo” (DUAYER, MEDEIROS e PAINCEIRA, 2001, p. 756). Sobre a utilização de uma teoria como critério de validação científica, o debate entre os positivistas lógicos ocorreu sob a divergência das vantagens de tal empreitada. Para Mach (apud 53

TEXTOS DE ECONOMIA CALDWELL, 1994, p. 26), as teorias são úteis, ficções heurísticas para organizar dados que devem ser eventualmente eliminados da ciência. Em contraste com a opinião de Mach, Hempel avalia que as teorias possuem funções positivas, por exemplo, por apresentar uma “certa simplicidade formal”, uma “poderosa e elegante máquina matemática” que permite generalizar as leis científicas. Outro ponto a destacar do modelo H-D é a sua assoiação aos modelos covering law, como o modelo dedutivo-nomológico (D-N) ou o modelo indutivo-probalistico (I-P) que, segundo Duayer (miseria p755) estruturam-se em “condições iniciais e leis universais que compõem os axiomas (explanans), sendo a explicação (explanadum) deduzida logicamente dos axiomas”. Assim, caso os explanans não ser logicamente deduzido do explanadum, ele não “not constitute adequate grounds for the explanandum” (CALDWELL, 1994, p. 28) e deve ter conteúdo empírico, ser capaz de teste e experimento. O estudioso em metodologia na ciência econômica, Mark Blaug (1999, p. 39) acrescenta que há outro ponto a destacar do modelo H-D, a chamada tese da simetria. Segundo este autor, dentro do modelo há “uma simetria lógica e perfeita entre a natureza da explicação e a natureza da previsão”, ou como afirma Hempel: “It may be said, therefore, that an explanation is not fully adequate unless its explanans, if taken account of in time, could have served as a basis for predicting the phenomena under consideration” (apud CALDWELL, 1994, p. 29) As idéias e as reformulações do positivismo lógico não permaneceram imunes no debate sobre a ciência. O que ocorreu nas décadas seguintes aos escritos de Carnap, Schlick e etc foi uma avalanche de críticas ao projeto proposto pelo positivismo lógico. Apesar de estarem no centro das críticas a forma como o conhecimento científico é concebido na filosofia, de forma alguma tais críticas subvertem o debate. Na verdade, como será apenas exposto de forma breve, o “pós-positivismo” ou o pensamento relativista, mantém inalterada a “interdição a ontologia” 54

TEXTOS DE ECONOMIA (DUAYER, MEDEIROS e PAINCEIRA, 2001, p. XX), como proposto pelo positivismo lógico. As primeiras críticas ao pensamento do positivismo lógico são atribuídas ao filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994), em suas obras como “A lógica das ciências sociais” (1978) e “Conjecturas e Refutações” (1982). Em seguida as proposições de Popper, o debate desloca-se para as teorias do crescimento do conhecimento científico, com destaque para os autores relativistas como Thomas Kuhn (1922-1996), Imre Lakatos (1922-1974) e, por fim, Paul Feyerabend (1924-1994). Não cabe aqui aprofundar todas as idéias e implicações das diversas proposições relativistas acima sugeridas. Aqui, será apenas destacado o aspecto central da teoria popperiana. A principal contribuição de Popper foi o seu princípio da falseabilidade, como critério para distinguir proposições científicas das não-científicas, ou metafísicas. O autor reconhece que “conhecemos muito”, mas que “nossa ignorância é sóbria e ilimitada” (1978, p.13), e qualquer teoria do conhecimento deve reconhecer tais premissas. Como afirma Duayer, Medeiros e Painceira (2001, p. 760), para Popper, “nenhuma teoria ou conjunto de proposições pode ser conferido o estatuto da verdade, mesmo que provisoriamente”. Segundo Popper, “o critério que define o status científico de uma teoria é a sua capacidade de ser refutada ou testada” (1982, p. 66). O desenvolvimento do saber científico poderia ser assim esclarecido, pelo autor: “(b) se a solução tentada esta aberta a críticas pertinentes, então tentamos refutá-las; pois toda critica consiste em tentativas de refutação; (c) se uma solução tentada é refutada através do nosso criticismo, fazemos outra tentativa; (d) se ela resiste a critica, aceitamo-la temporariamente; e a aceitamos, acima de tudo, como digna de ser discutida e criticada mais além; (e) portanto, o método das ciência consiste em tentativas experimentais para resolver nossos 55

TEXTOS DE ECONOMIA problemas por conjecturas que são controladas por severa crítica. É um desenvolvimento crítico consciente do método de ‘ensaio e erro’” (POPPER, K. 1978, p. 16) Assim, segundo o autor, “a teoria que não for refutada por qualquer acontecimento concebível não é cientifica”, pois a impossibilidade de refutação numa teoria é o seu vício, não uma virtude (1982, p. 66). E como dito acima, o progresso da ciência vincula-se ao processo de refutações sucessivas como descrito. Mas as proposições de Popper ainda permanecem vinculadas ao modelo H-D, como “base para o processo de falsificação” (DUAYER, MEDEIROS e PAINCEIRA, 2001, p. 761), o problema da confirmação continua. Alem disso, as idéias do autor permitem ainda a adição de hipóteses ad hoc que visa impedir ou contornar o problema da falsificação. 2. Crítica Ontológica: a gênese e o desenvolvimento da ciência segundo Lukács Nesta seção, será brevemente analisada a contribuição do filósofo húngaro marxista Gyorgy Lukács para um estudo da gênese da ciência e a sua crítica ao neopositivismo, ou seja, a proposta do positivismo lógico. Após anos de “exílio” intelectual, Lukács tem hoje uma grande importância no debate marxista, principalmente com as interpretações resultantes de sua obra inacabada “Ontologia do ser social”. Um dos aspectos centrais na formulação de Lukács, talvez o principal, é a sua interpretação dos escritos de Karl Marx. Para ele, o filósofo alemão construiu uma ontologia, pois “todos os seus [Marx] enunciados concretos, se interpretados corretamente, são entendidos – em última instância – como enunciados diretos sobre um certo tipo de ser, ou seja, são afirmações ontológicas” (LUKÁCS, G. 1979, p.11). Uma ontologia que supera o “idealismo lógico-ontológico de Hegel” e assim difere por ter com ponto de 56

TEXTOS DE ECONOMIA partida um todo existente que deve ser sempre objetivo, isto é, “deve ser sempre parte (movente e movida) de um complexo concreto (LUKÁCS, G. 2009, p.226). De forma resumida o ser aqui entendido é percebido como um processo histórico, as categorias do ser são enunciadas como formas moventes e movidas da própria matéria. Lukács parte da análise do trabalho, como categoria fundante do ser social, mesmo reconhecendo categorias decisivas como a linguagem. O trabalho possui um nível categorial privilegiado, pois todas as outras categorias já pressupõem um caráter social, o salto ontológico, “um nível de ser a outro” já ocorrido (LUKÁCS, G. 1981, p. 2). Outro aspecto relevante do trabalho é o seu caráter intermediador entre o homem e a natureza, mais precisamente a passagem do “ser meramente biológico ao ser social (Ibdem). O trabalho também possui uma essência de um pôr teleológico da objetividade do homem, pois “no fim do processo de trabalho aparece um resultado que já estava presente desde o início na mente do trabalhador, já existia idealmente” (LUKÁCS, G. 1981, p. 4). Assim, o agir humano possui um fim, é uma atividade teleológica, e por isso também o trabalho torna-se “o modelo de toda práxis social” (Ibdem). Mas o pôr teleológico pressupõe uma consciência, exige do homem colocar em movimento causalidades do objeto no qual atua no trabalho. É importante registrar o trecho no qual Lukács desenvolve tal idéia: “...a busca dos meios para realizar o fim não pode deixar de implicar um conhecimento objetivo dos sistema causal dos objetos e dos processo cujo movimento pode levar a alcançar o fim posto (...) aqui a busca tem uma dupla função: de um lado evidenciar aquilo que em si mesmo governa os objetos em questão independentemente de toda consciência; de outro lado, descobri neles aquelas novas conexões, aquelas novas possíveis funções que, quando postas em movimento, tornam efetivável o fim teleologicamente posto”. (LUKÁCS, G. 1981, p. 8). 57

TEXTOS DE ECONOMIA O filósofo húngaro retoma a distinção aristotélica do trabalho em dois momentos: (1) a posição dos fins e (2) a busca dos meios. Segundo Augusto (2011 p. 4), a busca dos meios “implica no reconhecimento das causalidades presentes nos objetos e processos por meio dos quais se pode alcançar a finalidade”. Esta busca dos meios é fundamental pois nela o homem se defronta com alternativas que não são “apenas de um único ato de decisão, mas de um processo, uma ininterrupta cadeia temporal de alternativas sempre novas” (AUGUSTO, A. 2011, p. 17). Augusto (2011, p. 4) ressalta que “o meio não estava direcionado para este por finalístico; é um ato de consciência, uma alternativa, que o direciona para um fim”, e a busca da finalidade observamos o nexo entre o trabalho e o pensamento científico. Pois a busca dos meios envolve o conhecimento da natureza, “num certo nível adequado”, e daí do ponto de vista ontológico tem se a gênese da ciência. Mas há uma importante ressalva no argumento de Lukács. A finalidade requerida pelo trabalho imediato é específica, “faltando a ele o elemento especificamente conceitual e teórico característico do pensamento científico” (AUGUSTO, A. 2011, p. 5). Sobre a forma como a ciência se torna autônoma ao trabalho, Augusto (2011, p. 6) ressalta que Lukács apenas indicou o argumento sem explicitar. Para Lukács, quando a produção assume o caráter social (o capitalismo), “as alternativas assumem um modo de ser cada vez mais diversificado, mais diferenciado” (2011, p. 19). Então, a relação entre economia e técnica tornase indissociável, e considerando a diversidade entre a busca dos meios e as necessidades do homem, “o trabalho criou a ciência como órgão auxiliar para alcançar um patamar cada vez mais elevado, cada vez mais social...” (2011, p. 19). No que diz respeito ao desenvolvimento da ciência, Lukács criticou o chamado projeto neopositivista. Uma das partes de sua obra “Ontologia do ser social” foi dedicada a exposição e crítica ao neopositivismo. Primeiro, Lukács reconhece que o caráter 58

TEXTOS DE ECONOMIA manipulatório da ciência já naquela época havia se posto. O autor registra que além de ter assumido o “sentido da manipulação generalizada” (LUKÁCS, s/d, p.1), a ciência aperfeiçoa tal caráter por não direcionar-se na busca do “conhecimento mais adequado possível da realidade existente em si” (LUKÁCS, s/d, p.2). Para Lukács, a ciência tornou-se uma atividade que “se reduz em última análise a sustentar a práxis no sentido imediato” (Ibdem), ou seja, a ciência caminhou em direção a manipulação dos fatos que apenas interessam no cotidiano da vida prática. Segundo o autor, a linguagem matemática que o neopositivismo adota serve não apenas para a exatidão do problema, mas torna-se um fenômeno no qual a manipulação generaliza-se, como observa: “Enquanto hipótese, a formulação ‘mais provável’, matematicamente mais simples, ‘mais elegante’, exprime tudo aquilo que a ciência necessita, em seu grau respectivo de desenvolvimento, para dominar (manipular) os fatos” (LUKÁCS, G. s/d, p. 4)

Lukács reconhece no neopositivismo a sua herança com o idealismo subjetivo, pois ele emerge no debate científico com pretensões de “perfeita neutralidade” sobre as visões de mundo, por suspender o debate ontológico e por oferecer um “conhecimento científico puro” (LUKÁCS, G. s/d, p. 6). Como afirma: “O neopositivismo, em particular, recolhe na lógica matemática sua ‘linguagem’ e amplia em muito o terreno neutro de Mach-Avenarius, conferindo-lhe uma aparência de objetividade sem, contudo, romper com o ponto de partida idealista-subjetivo do antigo positivismo – as sensações, ‘os elementos’” (LUKÁCS, G. s/d, p. 7)

Outro ponto a ser criticado por Lukács é a relação entre práxis e conhecimento científico. Para o autor, a práxis está indissociável ao conhecimento, mas o conhecimento obtido na 59

TEXTOS DE ECONOMIA práxis tomou no curso da humanidade dois caminhos distintos: (1) alguns resultados da práxis se interligaram ao saber estabelecido, constituindo um progresso da ciência; e (2) demais conhecimento obtidos na práxis permaneceram na práxis imediata e assim serviam para “manipular determinados complexos objetuais com a ajuda daqueles conhecimento práticos” (LUKÁCS, G. s/d, p. 8). No positivismo o princípio da manipulação é exaltado como superior no fundamento metodológico. Novamente vale registrar um longo trecho do texto, mas que resume bem as condições em que a ciência assume nas proposições do positivismo e do neopositivismo: “Aquilo que nos níveis menos desenvolvidos da ciência era uma tendência secundária mas inevitável do conhecimento, vale dizer, permanecer sob o direto domínio práticoconcreto de um complexo real, independentemente do fato de se a generalização dos conhecimentos praticamente obtidos desembocam em falsas teorias gerais, esta tendência é agora elevada em fundamento da doutrina geral da ciência. E com isso aparece algo de qualitativamente novo. Não se trata mais de saber se cada momento singular da regulação lingüística científica do neopositivismo conduz a resultados práticos imediatos mas, pelo contrário, do fato de que o inteiro sistema do saber é elevado à condição de instrumento de uma manipulabilidade geral de todos os fatos relevantes” (LUKÁCS, G. s/d, p. 9)

Assim, tais proposições tornaram a práxis imediata em teorias generalizadas, elevando o status do concreto-prático. E como visto, este status permite a manipulação geral de todo um saber, com uma “pretensa fundamentação filosófica”. Por último, Lukács crítica a proposta de qualificar toda busca de prioridades efetivas como “metafísicas”, o objetivo de tal mecanismo reacionário seria de permitir que “nenhuma reflexão 60

TEXTOS DE ECONOMIA sobre reais problemas da efetividade perturbe ou mesmo impeça o funcionamento ilimitado do aparato manipulatório” (LUKÁCS, G. s/d, p. 14) 3. A ciência econômica e a necessidade de uma metodologia A ciência econômica como uma disciplina autônoma tem o seu “nascimento” com a publicação de “A Riqueza das Nações” (1776) de Adam Smith. Porém, a ciência econômica permaneceu após a publicação da obra-prima de Smith com uma indefinição metodológica (PAULANI, L. 2010, p. 2). Os primeiros escritos sobre a metodologia da ciência econômica foram publicados mais de cinqüenta anos após o clássico de Smith. Entre as contribuições estão “Da definição de Economia Política e do método de investigação próprio a ela” (1836) de John Stuart Mill e “Outline of the Science of Political Economy” (1836) de Nassau William Sênior, que registraram a primeira tentativa de estabelecer uma metodologia para a economia. A seguir outras contribuições importantes forma propostos como em “The Scope and Method of Political Economy” (1890) de John Neville Keynes e a síntese de Lionel Robbins em “An Essay of The Nature and Signficance of Economic Science” (1932). Tais obras foram publicadas no período de ascensão e hegemonia da Revolução Marginalista e representaram a consolidação da visão ortodoxa da ciência econômica. Após um intenso debate sobre o método parecia que a economia havia encontrado enfim seu lugar na ciência, porém outra publicação reacende a discussão e iria tornar-se uma das obras mais conhecidas na ciência econômica. O economista norte-americano Milton Friedman publica “Essays in Positive Economics” (1953) onde com consta o conhecido artigo “A metodologia da Economia Positiva”. 61

TEXTOS DE ECONOMIA As idéias de John Stuart Mill podem ser analisadas a partir de aspectos centrais de sua obra, mas convém registrar o contexto da economia política clássica que o autor insere-se: o debate sobre a “validade do sistema ricardiano” (BLAUG, M. 1999, p. 99) que permeou todas as discussões recente ciência econômica até a revolução marginalista. Segundo Hausman, Stuart Mill defendia que um tema tão complexo como a economia deveria ser tratado de forma dedutiva, ou seja, “first inductively to establish basic psychological or technical laws-such as “people seek more wealth,” or the law of diminishing returns-and then to deduce their economic implications given specifications of relevant circumstances” (2008, p.116). A confirmação e a verificação das conclusões são importantes para as aplicações da ciência. Assim, segundo Blaug (1999, p. 102), Stuart Mill caracteriza a economia política como “uma ciência essencialmente abstrata” que adota o método apriorístico. Isso ocorre, pois na ciência econômica há uma “impossibilidade de se conduzir experimentos controlados” (1999, p. 103) e daí a adoção do método I-D, como sintetiza Hausman: “Mill believed that these established premises state accurately how specific causal factors operate. They are obviously not universal laws; for example, everyone does not always seek more wealth. These basic generalizations are instead statements of tendencies. Since these tendencies are subject to various “disturbances” or “interfering causes,” which cannot all be specified in advance, vague ceteris paribus (other things being equal) clauses that allow for these disturbances will be unavoidable in formulating them” (HAUSMAN, 2008, p. 116)

Em suma, Stuart Mill de forma bastante própria adota o modelo dedutivo, aqui no caso a “indução” ou “dedutivo-inverso” (PAULANI, 2010, p. 28), caracterizando a ciência econômica como modelos abstratos que eram adotados “não como forma 62

TEXTOS DE ECONOMIA de descobrir a verdade, e sim verificá-la” (BLAUG, M. 1999, p. 103). Com a Revolução Marginalista, liderada por Carl Menger (1840-1921), William Stanley Jevons (1835-1882) e Leon Walras (1834-1910), o debate sobre o método da economia apresentou outra perspectiva. Um capítulo a parte foi o Methodenstreit que colocou em lados opostos a escola histórica alemã e a escola austríaca. De forma sucinta, o debate consistia na natureza da ciência economia: para Schmöller o método indutivo e em defesa do uso da história (tempo e espaço) como forma de compreender os fenômenos econômicos, já Menger defendia o uso do método dedutivo e do uso de leis generalizantes. Foi neste contexto que John Neville Keynes redigiu e publicou “The Scope and Method of Political Economy” (1890) que representou uma tentativa de síntese ou consenso (tão comuns na economia) sobre a metodologia. Tal posição de Neville Keynes pode ser resumida na definição do método que “pode ser ou abstrato ou realista, dedutivo ou indutivo, matemático ou estatístico, hipotético ou histórico” (PRADO, E. 1989, p. 51). Apesar da relevância e importante síntese do debate a época do livro de Neville Keynes, a contribuição mais polêmica, sem sombra de dúvida, foi de Robbins. Em “An Essay of The Nature and Signficance of Economic Science” (1932), Robbins afirma de forma clara que a economia “…is the science which studies human behavior as a relationship between ends and scarce means which have alternative uses” e que “it follows that Economics is entirely neutral between ends; that, in so far as the achievement of any end is dependent on scarce means, it is germane to the preoccupations of the economist” (ROBBINS, L. 1984, p. 32-40). Assim, Robbins estabelece uma grande diferença com o debate anterior de conciliação e destaca a relação entre meios e fins, e a neutralidade da ciência econômica. O aprofundamento do caráter dedutivo 63

TEXTOS DE ECONOMIA da economia em Robbins fica mais evidente com os seguintes enunciados: “The propositions of economic theory, like all scientific theory, are obviously deductions from a series of postulates. And the chief of these postulates are all assumptions involving in some way simple and indisputable facts of experience relating to the way in which the scarcity of goods which is the subject matter of our science actually shows itself in the world of reality (…) We do not need controlled experiment to establish their validity: they are so much the stuff of our everyday experience that they have only to be stated to be recognized as obvious” (ROBBINS, L. 1984, p. 78-79)

Dessa forma, a ciência econômica baseia-se em deduções a partir de postulados que necessitam de validade pela experiência controlada. Tal concepção é reafirmada quando analisa o papel dos estudos empíricos. Para Robbins, eles são úteis no curto prazo, mas “they do not provide the grounds for discovering ‘empirical laws’” (CALDWELL, 1994, p. 102). Segundo o autor as leis empíricas serviriam apenas para (1) verificar a aplicabilidade da teoria, (2) auxiliar os postulados para generalizações e (3) “to bring to light” áreas onde a teoria necessita ser reformulada (Ibdem). Como visto, Robbins reafirma o caráter dedutivo e (?) na economia, e limita o escopo do estudo da ciência, numa evidente distinção com a tradição da Economia Política Clássica e a tentativa de conciliação por parte de Neville Keynes. O artigo “A metodologia da Economia Positiva” de Friedman talvez seja até hoje o mais conhecido, e criticado, esforço de conceber uma metodologia própria da ciência econômica. A principal proposição do pequeno artigo é de que o realismo das hipóteses não importa. Aqui o debate metodológico tem uma viragem: após sucessivas tentativas de caráter positivista, baseados em versões alternativas do modelo H-D, Friedman inaugura o que ficou conhecido como o instrumentalismo metodológico. Mas 64

TEXTOS DE ECONOMIA antes de conceituar tal viragem é fundamental expor ainda que brevemente as principais proposições de Friedman. No seu artigo, o autor destaca que há uma confusão na distinção entre “economia positiva” e “economia normativa”, dando extensão as idéias, na sua opinião, lançadas por Neville Keynes. Para Friedman “a economia positiva independe, em tese, de qualquer posição ética ou de juízos normativos (...) ela trata ‘do que é’ e não ‘do que deveria ser’” (1981, p.1). O conceito torna-se mais explícito quando o autor afirma que: “A tarefa dessa economia positiva é a de provar um sistema de generalizações passível de ser utilizado para fazer previsões corretas acerca das conseqüências de qualquer alteração das circunstâncias. O desempenho de uma tal economia será ajuizado em termos da precisão e do alcance das previsões e em termos do ajuste que haja entre tais previsões e a experiência. Em suma, a economia positiva é ou pode vir a ser uma ciência ‘objetiva’, exatamente como qualquer das ciências físicas” (FRIEDMAN, M. 1981, p.1)

Para Friedman, a economia normativa não poderia ser uma área do conhecimento da ciência econômica independente da economia positiva, pois esta baseia-se numa “previsão em torno das conseqüências de proceder-se de uma forma e não de outra, previsão essa que precisa assentar-se – explicita ou implicitamente – na economia positiva” (FRIEDMAN, M. 1981, p. 2). Segundo o autor, o objetivo de uma ciência positiva seria a construção de uma teoria “capaz de produzir previsões validas e significativas acerca de fenômenos ainda não observados”, assim uma teoria teria status cientifico pelo seu poder preditivo. Sobre as hipóteses, Friedman destaca que elas não são “provadas” pela observação empírica, e sim que podemos apenas refutar e justamente isso que significa “uma hipótese foi ‘confirmada’ pela experiência” (FRIEDMAN, M. 1981, p. 3). Diante das proposições iniciais e gerais de Friedman para a metodologia da ciência econômica, observamos que o 65

TEXTOS DE ECONOMIA autor cultiva uma forte influência do positivismo lógico e as contribuições de Popper ao debate da verificação. Por fim devese registrar a opinião de Friedman acerca do caráter ilusório de uma teoria realista e o caráter instrumental do modelo proposto por ele. Para autor, tipos idéias, teorias, “não tem a pretensão de ser descritivos; são concebidos a fim de isolar os traços que se mostrem relevantes para a resolução de particular problema (FRIEDMAN, M. 1981, p. 16). Com observamos nesta seção os debates metodológicos na ciência econômica atravessaram caminhos positivistas, principalmente associados ao positivismo lógico. Utilizando por vezes ou o verificacionismo ou o modelo H-D, a economia manteve-se no interior do debate da filosofia da ciência do início do século XX. 4. O caráter manipulatório e instrumentalista da ciência econômica Como vimos, nas seções anteriores e principalmente na última, ciência econômica assumiu logo de início o caráter conservador, ao adotar o positivismo tradicional ou lógico como ferramenta para o saber científico. Nesta última seção, iremos expor brevemente os principais problemas de uma ciência com tal configuração. O primeiro aspecto é o caráter instrumentalista da economia, que inclusive é destaca por autores do mainstream da teoria econômica, como o próprio Friedman e Fritz McChulp. Para Duayer et all, o instrumentalismo: “...se caracteriza por um pessimismo quanto a possibilidade de se conhecer a realidade. Na verdade, o cientista que, por antecipação, é pessimista em relação a todo esforço sistemático de conhecer a realidade, só pode racionalizar sua prática (científica) desde uma 66

TEXTOS DE ECONOMIA perspectiva pragmática. Conhecer para manipular, seria a máxima dos instrumentalista.” (DUAYER, MEDEIROS e PAINCEIRA, 2001, p. 733)

A impossibilidade de reconhecer o real pode ser atribuída a pensadores como Popper e Friedman como destacado anteriormente. As posições relativistas na filosofia da ciência, não tratadas aqui, poderiam ser encaixadas também nessa perspectiva. A ciência econômica aqui pode entendida também “that theories are to be interpreted merely as practical tools or instruments for some purpose other than causal explanation” (LAWSON, T. 2001, p. 158). Mas Lawson adverte que instrumentalismo aqui “is used as a label when the role of the theory as an instrument is limited in some way, to some practical activity other than describing the structure of reality” e não o uso da ciência como instrumentos para dar explicação causal de eventos observados. O caráter manipulatório da ciência econômica pode ser entendido quando esta “tem a finalidade de criar instrumentos manipulatórios capazes de permitir unicamente a reprodução da realidade tal como existe” (AUGUSTO, A. 2011b, p. 3). Assim a concepção de ciência do positivismo lógico e a forma como a economia concebe sua metodologia estão limitados “pelo condicionamento social da ciência direcionada para a reprodução da sociedade capitalista” (Ibdem). Assim, a ciência com orientação manipulatória necessita se restringir a apreender e oferecer a sociedade, o “conhecimento necessário para a reprodução nos limites da sociedade capitalista (...) um meio para as finalidades da reprodução capitalista” (Ibdem 3). O caráter da ciência econômica é reconhecido, implicitamente, é claro, por alguns economistas. Um exemplo pode ser observado no artigo “The Death of Neoclassical Economics” de David Colander. No artigo, Colander defende a idéia de que a teoria econômica atual pouco ou nada tem a ver com a economia 67

TEXTOS DE ECONOMIA neoclássica, sendo muito mais eclética (COLANDER, 2000, p. 130). Para argumentar tal proposição polêmica, o autor destaca seis pontos centrais da economia neoclássica: 1. A alocação de recursos num dado período; 2. O uso de alguma variante do utilitarismo; 3. A noção de soluções marginais; 4. Assume uma racionalidade calculista; 5. Aceita o individualismo metodológico; e 6. Estrutura-se em torno do equilíbrio geral. Para Colander (2000) o que ocorre de fato é que a economia moderna não aceita, necessariamente, todos os seis pontos básicos da economia neoclássica. A economia moderna seria muito mais eclética, o que não ser confundido com uma proximidade com a heterodoxia (COLANDER, 2000, p. 137). E em seguida expõe a noção da economia moderna sobre os principais eixos teóricos. Segundo o autor, a economia moderna está muito preocupada com a alocação de longo prazo, dado a importância do crescimento apartir dos anos 1990. A aceitação do utilitarismo não tão hegemônica quanto antes, fazendo parte hoje da “história” das idéias econômicas. Atualmente, a economia moderna, a abordagem matemática pura tem sido substituída, por exemplo, pela teoria dos jogos como aparelho de modelagem central. A racionalidade calculista perdeu espaço na teoria econômica, dando lugar à racionalidade limitada, racionalidade baseada em normas e etc. O individualismo metodológico também sofreu ataques da economia moderna, sendo substituído pelas abordagens institucionalistas e, novamente, pela evolução da teoria dos jogos. Por fim, a noção de um único ponto de equilíbrio, é raramente usada, sendo substituídos por noções como equilíbrios múltiplos 68

TEXTOS DE ECONOMIA (COLANDER, 2000, p. 135-136). Para Colander, a economia moderna, chamado por ele de “economia do novo milênio”, é a economia do modelo. O uso de modelos sempre existiu entre os economistas, mas há uma distinção na forma. Atualmente a ênfase está na aplicação de políticas, ao contrário da “arte” dos modelos desde Quesnay até Keynes. O formalismo matemático da economia moderna é destacado pelo autor que ainda ressalta o afastamento do equilíbrio geral. Sem se dar conta da força do argumento, Colander assim resume o caráter instrumental e manipulatório da economia moderna: “The simplied models are moved up to center stage, and the judgment, embodying the blending of the assumptions kept in the back of ones mind which lead to the model’s results, are moved to a side stage (…) Modern applied microeconomics consists of a grab bag of models with a model for every purpose” (COLANDER, 2000, p. 138-139) Outro exemplo pode ser observado em Lisboa (1998). O autor procura apresentar, e defender, o que seria os princípios teóricos básicos da teoria neoclássica e os confronta com a crítica heterodoxa. O caráter instrumental da ciência econômica, explícito pela sua teoria dominante, fica evidente em: “A tradição neoclássica tem como principais referências metodológicas as abordagens instrumentalistas e de inspiração popperiana. (...) A abordagem instrumentalista se caracteriza por uma visão pessimista da possibilidade de compreensão do real. Este pessimismo se traduz em uma visão pragmática da construção científica, na qual a capacidade preditiva dos modelos revela-se o principal critério na avaliação das contribuições teóricas” (LISBOA, 1998, p. 115) 69

TEXTOS DE ECONOMIA Conforme visto na seção sobre a gênese da ciência, o neopositivismo opera tal manipulação no campo da filosofia da ciência e coube a ciência econômica encarnar tal visão no campo social do conhecimento. Como vimos ao longo do trabalho, ciência econômica, inspirada no neopositivismo e nas diversas teses pós-modernas, caracteriza-se pelo seu conteúdo instrumental e manipulatório. Um caráter necessário para a reprodução do capitalismo, mobilizando meios e fins de forma mais adequada, e funcional para interditar o debate ontológico no conhecimento científico. Como afirma Duayer (2010): “Pois é justamente a noção de que o conhecimento objetivo é impossível que aprisiona a ciência no circuito do existente, com seus imperativos sempre urgentes, e desautoriza, como especulativa, qualquer tentativa de apreendê-lo em sua transitividade” (DUAYER, 2010, p. 75)

Notas: (1) Ver em http://hpronline.org/harvard/an-open-letter-to-greg-mankiw/ [Acesso em 10 de Junho de 2012] (2) Ver em http://www.nytimes.com/2011/12/04/business/know-whatyoure-protesting-economic-view.html?_r=1 [Acesso em 10 de Junho de 2012]

70

TEXTOS DE ECONOMIA Bibliografia: AUGUSTO, A. G. A Gênese da Ciência em Lukács e Sohn-Rethel: proposta de uma síntese a partir da categoria da emergência. In: Colóquio Nacional Marx e o Marxismo 2011: teoria e prática, 2011, Niterói. Anais do Colóquio Nacional Marx e o Marxismo 2011: teoria e prática, 2011. __________________ Os limites da racionalidade limitada: Evidência empirica e escolha teórica. In: XVI Encontro nacional de Economia Politica, 2011, Uberlândia. Anais do XVI Encontro Nacional de Economia Politica, 2011b. BLAUG, Mark. como os economistas

Metodologia da Economia: explicam. São Paulo: Edusp,

ou 1999.

CALDWELL, B. J. Beyond Positivism: Economic Methodology in the Twentieth Century. Routledge. London. 1994. COLANDER, David. The Death of Neoclassical Economics. The Journal of the History of Economic Thought. Volume 22, n°2. 2000 DUAYER, Mario, MEDEIROS, João Leonardo e PAINCEIRA, Juan Pablo. A miséria do instrumentalismo na tradição neoclássica. Revista de Estudos Econômicos, FIPE/USP, 2001 ________________ Relativismo, certeza e conformismo: para uma crítica das filosofias da perenidade do capital. Revista Sociedade Brasileira de Economia Política, n° 27, p. 58-83. 2010 EAGLETON, Terry. Ideologia. Editora Boitempo/Editora UNESP. São Paulo. 1997. FRIEDMAN, Milton. A Metodologia da Economia Positiva. Edições Multiplic, v.1, n.3, p. 163-200, fev., 1981. HAUSMAN, Daniel M. The Philosophy of Economics: an anthology. Cambridge University Press. 2008. LAWSON, Tony. Two Responses to the Failings of Modern Economics: the Instrumentalist and the Realist. Review of Population and Social Policy. No 10, p. 155-181. 2001 LISBOA, Marcos de Barros. A miséria da crítica heterodoxa. Se71

TEXTOS DE ECONOMIA gunda parte: método e equilíbrio na tradição neoclássica. Revista de Economia Contemporânea, n°3. 1998 LUKÁCS, György. Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. Cap IV da Ontologia do ser social. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Livraria de Ciência Humanas, 1979. p. 12. ________________ O trabalho. In: Per una ontologia dell’essere sociale. Tradução: Ivo Tonet (UFAL). v. II, Roma: Ed. Riuniti, 1981. _______________ O jovem Marx e outros escritos de filosofia. Editora UFRJ. Rio de Janeiro. 2009. LUKÁCS, György. Neopositivismo. In: Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins. Tradução: Mário Duayer (UFF). s/d. PAULANI, Leda Maria. Ciência econômica e modelos de explicação cientifica: retomando a questão. Revista de Economia Política, Vol. 30, No 1 (117). p. 27-44. 2010. ro.

POPPER, Karl. A lógica das ciências sociais. Rio de JaneiBiblioteca Tempo Universitário. 1978. ______________ Conjecturas e Refutações. Brasília: Editora da UnB. 1982.

PRADO, Eleutério F. S. A economia como ciência e a transição da economia clássica para a economia neoclássica. Revista Analise Econômica. Ano 7. No 12, p. 49-62. 1989. ROBBINS, Lionel. An Essay on the Nature and Significance of Economic Science. Macmillan. London. 1984. SCHLICK, Moritz. Positivismo e realismo. nap. São Paulo: Abril Cultural. 1980.

72

In

Schlick-Car-

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.