Sobre a viabilidade da utilização de células como instrumento de plantação de igrejas: investigação bibliográfica e um breve exemplo prático

June 8, 2017 | Autor: Franco Iacomini | Categoria: Igreja, Eclesiologia, Igreja Batista, Protestantismo Brasileiro, Crescimento de Igreja
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FACULDADES BATISTA DO PARANÁ Programa de Mestrado Profissional em Teologia

SOBRE A VIABILIDADE DA UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS COMO INSTRUMENTO DE PLANTAÇÃO DE IGREJAS Investigação bibliográfica e um breve exemplo prático Por FRANCO IACOMINI JÚNIOR

CURITIBA 2015

FACULDADES BATISTA DO PARANÁ Programa de Mestrado Profissional em Teologia

SOBRE A VIABILIDADE DA UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS COMO INSTRUMENTO DE PLANTAÇÃO DE IGREJAS Investigação bibliográfica e um breve exemplo prático Por FRANCO IACOMINI JÚNIOR Dissertação de Mestrado Profissional apresentada para obtenção do grau de Mestre em Teologia pelas Faculdades Batista do Paraná. Linha de Pesquisa: Organização e Cuidado Pastoral Orientador: Prof. Dr. Mark Alan Ellis Coorientador: Prof. Dr. Antônio Renato Gusso

CURITIBA 2015

AGRADECIMENTOS

“Como agradecer a Jesus o que fez por mim? Bênçãos sem medida vêm provar o Seu amor por mim...” (Andraé Crouch; versão em português de James Frederick Spann e Jaubas Freitas de Alencar)

Cursar e concluir um mestrado eram coisas impensáveis para mim. Se não fosse pela graça e benevolência imensurável de Deus, isso de modo algum seria possível. A Ele dou glória, pelas bênçãos sem fim. Agradeço também a algumas pessoas que muito me abençoaram nesses dois anos:

Minha esposa Marli, incentivadora, companheira, leitora ao mesmo tempo adorável e crítica. O que seria de mim se Deus não tivesse colocado você na minha vida? Luca e Davi, que nunca reclamaram de um pai que parecia estar todo o tempo escrevendo. Paschoal Piragine Júnior, meu pastor, que me trouxe para o ministério, me apoiou e deu dicas valiosas para esta pesquisa. Eduardo Oku e Marcilene, cunhados e colegas de ministério, cujo suporte foi essencial para que eu pudesse me dedicar à escrita deste trabalho. Pastor Antônio Lopes, diretor de Evangelismo e Missões da PIB Curitiba, plantador de igrejas experiente e mentor para todos nós, que pastoreamos congregações. Meus orientadores. A maioria dos estudantes tem um professor a acompanhá-los, mas eu tive o privilégio de contar com o Dr. Mark Alan Ellis (que me instigou a buscar um trabalho que pudesse ser útil para líderes que estivessem iniciando um trabalho de plantação de igreja) e com o Dr. Antônio Renato Gusso (cujo rigor técnico em muito beneficiou o resultado final). Meus pais, que me ensinara a amar os estudos, e toda a família estendida. Os irmãos da Primeira Igreja Batista de Curitiba e da Igreja Batista Unidos na Fé, comunidades a quem Deus tem me dado o privilégio de servir. “Nem anjos podem expressar a minha eterna gratidão... Tudo o que sou e o que vier a ser Eu ofereço a Deus!”

RESUMO

“Sobre a viabilidade da utilização de células como instrumento de plantação de igrejas: Investigação bibliográfica e um breve exemplo prático” é uma análise dos métodos de crescimento das igrejas protestantes no Brasil, em especial na denominação batista. Busca-se entender como nasce uma igreja, resgatando com isso a história do Cristianismo. Parte-se dos relatos da igreja de Jerusalém, da Ásia Menor e da Europa, contidos no livro bíblico de Atos, e das cartas deixadas pelo apóstolo Paulo. Aborda ainda a teologia bíblica da plantação de igrejas e os métodos adotados pelos batistas ao longo de sua história no Brasil. Trata-se da questão do crescimento das igrejas, desde os estudos pioneiros de autores como Donald McGavran e C. Peter Wagner até modelos mais recentes, vários deles baseados na experiência de líderes de grandes congregações dos Estados Unidos. Os modelos de células são abordados, também, assim como os antecedentes históricos desse tipo de ferramenta. Apresenta-se um relato sobre o estabelecimento da Igreja Batista Unidos na Fé, uma extensão da Primeira Igreja Batista de Curitiba que está sendo plantada no município de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, a partir de duas células pré-existentes. Por fim, busca-se alinhar o que é importante e relevante na plantação de igrejas, com base tanto na literatura existente – com destaque para os trabalhos de Timothy Keller, Joel Comiskey e Fernando Brandão – como na experiência da igreja Unidos na Fé. Entre os aspectos avaliados estão a importância das disciplinas espirituais para o sucesso do trabalho, o planejamento e o levantamento prévio de informações, o papel da cultura local e da contextualização e as formas de avaliação de resultados. Palavras-chave: Igreja, Igrejas Cristãs, Protestantismo Brasileiro, Igreja Batista, Crescimento de Igreja, Células, Igreja em Células

ABSTRACT

This work is an investigation on the viability of the cell groups as a tool for planting churches in Brazil, mainly in the Baptist denomination. In the first chapter, it seeks to understand how a church is born, starting with reports from the book of Acts and the letters from the apostle Paul. The chapter brings also biblical theology of church planting and the methods used by baptists in their path in Brazil. Chapter 2 comes to the issue of church growth, from the pioneer studies of Donald McGavran and C. Peter Wagner to recent models, many of them based on the experience of megachurch leaders in the United States. Cell group models are covered, as well as the historical background of this type of church organization. Third chapter shows an account about stablishing of Igreja Batista Unidos na Fé (United in Faith Baptist Church), a branch of First Baptist Church of Curitiba in Piraquara, whose start relied on two pre-exhisting cell groups. Fourth chapter intends to align what is important and relevant in church planting, based both in literature – specially works of Timothy Keller, Joel Comiskey and Fernando Brandão – and in the experience of Igreja Batista Unidos na Fé. Among the assessed aspects are the significance of spiritual disciplines for the success of the planting, planning and preliminary survey information, the role of the local culture and context and forms of evaluation of results.

Keywords: Church, Christian Churches, Brazilian Protestantism, Baptist Church, Church Growth, Cell Groups, Churches in Cells

LISTA DE TABELA E ILUSTRAÇÕES

Tabela: Dados selecionados de afiliação religiosa em Piraquara – PR, segundo o Censo 2010. ..................................................................................................................................................... 63 Figura 1: Localização dos bairros de Jardim Santa Mônica e Jardim Primavera. ................... 65 Figura 2: Pirâmide etária da população dos bairros Jardim Primavera e Jardim Santa Mônica, Piraquara – PR, segundo o Censo de 2010 ................................................................... 66

SUMÁRIO LISTA DE TABELA E ILUSTRAÇÕES.............................................................................................. 7 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 10 1 – O PRINCÍPIO DO PLANTIO ...................................................................................................... 16 1.1 – Teologia bíblica da plantação de igrejas .............................................................................. 21 1.2 – A prática histórica dos batistas brasileiros ........................................................................... 25 1.2.1 – Plantando igrejas, plantando escolas ................................................................................ 29 1.2.2 – Congregações ....................................................................................................................... 32 2 – FERRAMENTAS PARA CRESCER ........................................................................................ 36 2.1 – A disciplina do crescimento .................................................................................................... 37 2.2 – Alguns modelos não celulares................................................................................................ 40 2.2.1 – O modelo de Willow Creek .................................................................................................. 41 2.2.2 – A igreja com propósitos ........................................................................................................ 42 2.2.3 – Desenvolvimento natural da igreja ..................................................................................... 43 2.2.4 – Nove marcas .......................................................................................................................... 45 2.3 – Os modelos celulares .............................................................................................................. 46 2.3.1 – Igreja em células ................................................................................................................... 48 2.3.2 – Modelo dos 12 ....................................................................................................................... 50 2.3.3 – Movimento do Discipulado Apostólico ............................................................................... 52 2.3.4 – Pequeno grupo multiplicador ............................................................................................... 54 2.4 – Alinhando passado e presente ............................................................................................... 55 2.5 – Algumas considerações .......................................................................................................... 57 3 – UMA EXPERIÊNCIA LOCAL .................................................................................................... 59 3.1 – Piraquara ................................................................................................................................... 60 3.1.1 – Isolamento e preconceito ..................................................................................................... 60 3.1.2 – Religião em Piraquara .......................................................................................................... 63 3.1.3 – Jardim Primavera e Jardim Santa Mônica ........................................................................ 64 3.1.4 – Demografia atual dos bairros .............................................................................................. 65 3.2 – Batistas em Piraquara.............................................................................................................. 67 3.2.1 – A chegada .............................................................................................................................. 67 3.2.2 – Conformação atual ................................................................................................................ 68 3.3 – Unidos na Fé ............................................................................................................................. 68

3.3.1 – As células ............................................................................................................................... 68 3.3.2 – A congregação....................................................................................................................... 70 3.3.3 – Estratégias ............................................................................................................................. 71 4 – O VALOR DAS EXPERIÊNCIAS .............................................................................................. 72 4.1 – A disciplina espiritual................................................................................................................ 73 4.2 – O início ....................................................................................................................................... 75 4.3 – Levantamento de informações e a igreja Unidos na Fé ..................................................... 78 4.4 – Cultura e contextualização ...................................................................................................... 81 4.5 – Lideranças ................................................................................................................................. 83 4.6 – Lideranças e a igreja Unidos na Fé ....................................................................................... 86 4.7 – Avaliando resultados ................................................................................................................ 86 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 89 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 95 ANEXOS ............................................................................................................................................ 102 Anexo 1: Imagens do culto inaugural da Igreja Batista Unidos na Fé, em 17 de março de 2013 .................................................................................................................................................... 102 Anexo 2: Convites de eventos do primeiro ano da congregação ............................................. 103 Anexo 3: Lembrança do culto de Páscoa (1º de abril de 2013) ................................................ 104

INTRODUÇÃO

Em todos os lugares, as igrejas cristãs se deparam com o desafio de manter sua relevância em um mundo onde o discurso e a prática religiosa disputam espaço com filosofias, estilos de vida, pregações políticas e tantos outros temas que se sobrepõem em um surpreendente e mutável mosaico de opiniões. Diversos caminhos têm sido adotados nessa busca pela inserção na contemporaneidade. Novos estilos de adoração, mudanças na liturgia e na organização eclesiástica estão na ordem do dia em muitas congregações. Tudo para que a igreja mantenha sua relevância e continue a perseguir sua principal missão, determinada pela ordem de Jesus Cristo que se encontra em Mateus 28.19-20: “Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos. Amém!”1 Mas como manter a relevância? O americano Thimothy Keller – que transformou a igreja que plantou em Nova York em uma espécie de cartão de visitas do movimento contemporâneo de evangelização, integrado com a cidade e em diálogo com a cultura local – prescreve que esse é um processo que passa pela plantação de novas igrejas. Não que a revitalização das congregações já existentes não seja desejável: ela deve ocorrer, mas o impacto do surgimento de novas igrejas pode suplantar seu alcance. Escreve Keller: Congregações mais velhas têm de se concentrar nas necessidades e nas sensibilidades das pessoas da igreja e de residentes de longo tempo, mesmo à custa de qualquer apelo aos que não frequentam igreja nenhuma ou a novos grupos. Congregações mais novas, por outro lado, não têm tradições organizacionais que devam honrar ou às quais resistir. Em geral, são obrigadas a se concentrar nas necessidades dos não membros da igreja, simplesmente para dar andamento ao trabalho. Não há membros com muitos anos ou décadas de serviço, assim os novos convertidos e os novos membros conseguem se fazer ouvir de uma forma que não aconteceria em uma igreja mais velha. É por isso que quase sempre as novas igrejas fazem 2 um trabalho de evangelização bem mais produtivo.

Keller observa ainda que as novas congregações tendem a refletir com mais facilidade a diversidade dos habitantes de determinada região e as transformações 1

BÍBLIA. Versão Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1998. Mt 28.19-20. 2 KELLER, 2014, p. 424.

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demográficas e culturais que costumam ocorrer ao longo do tempo. “Somente um movimento de centenas de igrejas, pequenas e grandes, consegue penetrar literalmente em cada vizinhança e em cada grupo de uma cidade”,3 sentencia. O presente estudo tem por objetivo analisar a plantação de novas igrejas e também dos modelos de crescimento e organização usados por essas igrejas, com especial destaque ao modelo de células, buscando responder a uma questão essencial: a organização em células é viável como instrumento de plantação de igrejas? Dentre os diversos estilos de organização eclesiástica que vêm sendo propagados nos últimos anos no Brasil, o arranjo de igrejas em células é um dos mais frequentes. Trata-se de um movimento de difícil conceituação, pela diversidade de abordagens existentes na atualidade – uma amostra delas será encontrada no capítulo 3 deste trabalho. Em geral, é possível dizer que a visão da igreja em células busca colocar no centro da ação ministerial pequenos grupos que têm a função de multiplicar-se,

de

modo

a

evangelizar

pessoas

não

alcançadas

e

dar

acompanhamento àquelas que já estão ligadas à organização. O objetivo de tais grupos não é – ao menos não necessariamente – evoluir para que se tornem novas igrejas, mas constituir-se como ferramenta eclesiológica para fortalecimento e expansão das congregações onde a metodologia é aplicada, mediante a ampliação dos laços comunitários entre os participantes, a prática do evangelismo e do discipulado. Em geral essa forma de organização tem sido aplicada a igrejas préexistentes, como uma forma de ampliar seu alcance na comunidade onde elas se inserem. Mas o método guarda algumas similaridades com a prática normal de plantação de igrejas no Brasil. Usualmente, muitas das novas igrejas brasileiras (na denominação batista e em outras tradições protestantes) surgem do trabalho solitário de um pregador, que reúne duas ou três famílias para estudos bíblicos nos lares. O movimento de células está dando fôlego novo a esse processo, ao acrescentar orientações práticas para crescimento e multiplicação dos grupos. Mas ainda há muitas lacunas no estudo acadêmico desse método, e o presente trabalho pretende contribuir para uma compreensão mais ampla desse fenômeno.

3

KELLER, 2014, p. 426-427.

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Esta dissertação baseia-se amplamente nos escritos de Joel Comiskey, um dos principais idealizadores e divulgadores do movimento de igrejas em células, a partir dos anos 1990, e de Donald McGavran, autor essencial para o entendimento do que se convencionou chamar “Movimento de Crescimento de Igreja”. Também são referências, em termos de organização de igreja e por trazerem importantes orientações a respeito do crescimento de igrejas nos Estados Unidos, os trabalhos de Rick Warren e Bill Hybels. Trabalhos mais recentes do já citado Timothy Keller também balizam os raciocínios a respeito das estratégias de plantação de igrejas e a sua inserção no universo cultural das cidades contemporâneas. A literatura sobre modelos ministeriais e crescimento de igreja está repleta de exemplos superlativos – tome-se como exemplo um dos livros essenciais para o conhecimento do modelo celular, denominado O crescimento explosivo da igreja em células.4 São informações que enchem os olhos do leitor: Joel Comiskey cita que a igreja que dirigia nos anos 1990, no Equador, começou como um colegiado de 5 pequenos grupos de estudo para universitários e ganhou 400 membros em apenas dois anos;5 Bill Hybels começou vendendo tomates para levantar recursos para seu ministério, e em seis anos tinha três cultos por domingo, com cerca de 900 pessoas presentes em cada um.6 A realidade da maioria das igrejas, entretanto, passa longe disso. Ao tomar conhecimento de casos como esses, líderes entusiasmam-se facilmente, mas podem vir a desencantar-se com a mesma velocidade, dadas as dificuldades do ministério. Como contraponto a esses casos exuberantes, o presente trabalho descreve os dois primeiros anos de vida da Igreja Batista Unidos na Fé, uma congregação plantada pela Primeira Igreja Batista de Curitiba no município de Piraquara, no Paraná, onde o autor é um dos pastores voluntários. A partir do estudo de um caso particular e fazendo uso de pesquisa bibliográfica, busca-se compreender o funcionamento do modelo celular em uma igreja plantada na periferia de uma metrópole brasileira. A dissertação está organizada em quatro capítulos. O primeiro busca entender como nasce uma igreja, resgatando com isso a história do Cristianismo em 4

COMISKEY, 2001. COMISKEY, 2001, p. 12. 6 HYBELS; HYBELS, 2003, p. 67-73. 5

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seu primeiro século. Parte-se dos relatos da igreja de Jerusalém, da Ásia Menor e da Europa, contidos no livro bíblico dos Atos dos Apóstolos e nas cartas deixadas pelo apóstolo Paulo, que descrevem como as comunidades cristãs nasciam tanto da pregação em locais públicos como do evangelismo pessoal. Em ambos os casos, o próximo passo era o estabelecimento de encontros nas residências, onde prosseguia o ensino das doutrinas cristãs. O capítulo aborda ainda a teologia bíblica da plantação de igrejas, baseando-se amplamente nas abordagens do brasileiro Ronaldo Lidório e dos americanos Christopher J. H. Wright e Timothy Keller. O modelo de plantação de igrejas batistas no Brasil também está incluído nesse capítulo. Com base nos registros históricos da denominação, relatam-se os primórdios do trabalho, na segunda metade do século 19, a ênfase na plantação de igrejas aliada a iniciativas na área educacional (um dos pilares do crescimento batista de fins do século 19 até a primeira metade do século 20). Uma breve análise da forma de organização batista – em que igrejas mais antigas e sólidas têm entre suas tarefas constituir congregações menores, com a intenção de conceder-lhes autonomia futura – encerra a seção. O segundo capítulo traz a questão do crescimento das igrejas, em suas diversas abordagens. Os estudos pioneiros de autores como Donald McGavran e C. Peter Wagner, entre outros, amplamente baseados nas experiências de seus autores nos campos missionários da Ásia, África e América Latina, apontam para a necessidade de crescimento numérico, amparados por uma teologia que pode ser sintetizada na frase-chave de McGavran: “Deus quer que a Igreja cresça”.7 Essa foi a primeira fase dos estudos sobre o crescimento, basicamente datados de fins da década de 1960 e dos anos 1970 – a aurora dessa área de estudos, posto que antes disso as pesquisas eram bastante ilimitadas ou inexistentes. Já a partir dos anos 1980 e, principalmente, da década seguinte, surgem diversos modelos de crescimento, vários deles baseados na experiência de líderes de grandes congregações dos Estados Unidos. Alguns desses modelos são descritos em maior profundidade, com uma especial atenção na presença de pequenos grupos ou células entre as ferramentas de crescimento ou de inclusão de novos membros nas congregações.

7

MCGAVRAN, 2001, p. 28.

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Os modelos de células são tratados também neste capítulo, assim como os antecedentes históricos desse tipo de ferramenta. Entende-se que células são um tipo específico de pequeno grupo eclesiástico, cuja principal característica está na sua reprodutibilidade. Assim como as células dos tecidos vivos precisam se reproduzir para manter a vitalidade do indivíduo, também as células têm no “tecido eclesiástico” a tarefa de reproduzir-se para dar seguimento à expansão da igreja, tornando-se instrumento tanto de organização da igreja como de evangelismo. Toda célula, então, é um pequeno grupo, mas nem todo pequeno grupo pode ser classificado como célula. Aqui é preciso fazer uma observação metodológica. Ao longo deste trabalho, pode ocorrer o uso da expressão célula no mesmo sentido de pequeno grupo. Tal uso tem razão meramente estilística, para evitar a repetição deselegante de uma palavra na mesma frase ou parágrafo. O capítulo 3 aborda a Igreja Batista Unidos na Fé, uma extensão da Primeira Igreja Batista de Curitiba que está sendo plantada no município de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba. Inicia-se com um breve histórico do município de Piraquara e das peculiaridades históricas e sociais dos bairros de Jardim Primavera e Jardim Santa Mônica, que correspondem à área de abrangência da congregação. Os aspectos demográficos do município e da vizinhança também são detalhados – população, divisão por gênero e faixas etárias, afiliação religiosa –, assim como a história dos batistas dentro de Piraquara. A seguir passa-se a relatar o processo de estabelecimento da congregação, iniciada a partir de duas células pré-existentes. Por último, o capítulo 4 busca alinhar o que é importante e relevante na plantação de igrejas, com base tanto na literatura existente – com destaque para os trabalhos de Timothy Keller, Joel Comiskey e Fernando Brandão – como na experiência da igreja Unidos na Fé. Entre os aspectos avaliados estão a importância das disciplinas espirituais para o sucesso do trabalho, o planejamento e o levantamento prévio de informações, o papel da cultura local e da contextualização e as formas de avaliação de resultados. Para relacionar mais diretamente o conteúdo dos autores pesquisados com o caso da Igreja Batista Unidos na Fé, o quarto capítulo inclui subitens que buscam relacionar as ações da congregação nascente às práticas prescritas pela literatura, buscando construir raciocínios capazes de orientar conclusões sobre os temas trabalhados, expostos nas considerações finais da dissertação. 14

Antes de prosseguir para o corpo do trabalho, é necessário fazer algumas observações metodológicas. Por uma questão de padronização e harmonia textual, as citações bíblicas contidas neste trabalho referem-se à tradução Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida8 – eventuais exceções estarão devidamente assinaladas. Já nas citações literais de texto, foi adotada em todos os casos a grafia correspondente ao acordo ortográfico de 1990 (em vigor no Brasil desde 2009). Desta forma, mesmo os textos mais antigos foram adaptados para seguir a norma vigente. Citações de textos em língua estrangeira são apresentadas traduzidas para o português. Tal tradução, exceto quando expressamente atribuída, foi feita pelo autor deste trabalho. Nesse caso, o texto na língua original encontra-se apresentado em nota de rodapé.

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BÍBLIA. Versão Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1998.

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1 – O PRINCÍPIO DO PLANTIO “— Eis que o semeador saiu a semear.” (Mt 13.3b)

Como nasce uma igreja? Ou, melhor dizendo, como deve ser a gênese de uma igreja local, de acordo com os princípios bíblicos?1 O Novo Testamento traz relatos históricos do surgimento de algumas igrejas do primeiro século. O livro de Atos, em especial, dedica boa parte de sua estrutura a uma descrição mais ou menos pormenorizada do trabalho missionário de Paulo, que parece ter sido um dos primeiros grandes plantadores de igrejas do período apostólico. Deve-se a ele, de fato, a ideia de comparar a abertura de novas frentes evangelísticas à atividade agrícola, que deu origem à expressão “plantio” (ou “plantação”) de igrejas:2 Afinal de contas, quem é Apolo? E quem é Paulo? Somos somente servidores de Deus, e foi por meio de nós que vocês creram no Senhor. Cada um de nós faz o trabalho que o Senhor lhe deu para fazer: Eu plantei, e Apolo regou a planta, mas foi Deus quem a fez crescer. De modo que não importa nem o que planta nem o que rega, mas sim Deus, que dá o crescimento. Pois não existe diferença entre a pessoa que planta e a pessoa que rega. Deus dará a recompensa de acordo com o trabalho que cada um tiver feito. Porque nós somos companheiros de trabalho no serviço de Deus, e vocês são o terreno no qual Deus faz o seu 3 trabalho.

Pode-se dizer que dois caminhos foram utilizados nos relatos do livro de Atos, no que se refere ao estabelecimento de uma comunidade de crentes em determinado local, em especial no que se refere à atuação do apóstolo Paulo. Em primeiro lugar está a pregação nas sinagogas – um costume de Paulo, conforme descreve At 17.1-2. 4 Earle E. Cairns, professor emérito de História da Igreja no Wheaton College, nos Estados Unidos, observa que a sinagoga era “a casa de

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Ressalve-se que, como será observado em diversos pontos neste trabalho, o Novo Testamento mostra o surgimento de algumas igrejas, mas não estabelece um modelo fixo. 2 O próprio Jesus usou diversas metáforas agrícolas em sua pregação, entre elas o trecho conhecido como “Parábola do Semeador” (Mt 13.1-23; Mc 4.1-20; Lc 8.4-15), em que a evangelização é comparada à semeadura. A referência a Paulo é devida à sua atividade de plantação de novas igrejas, conforme descrito em Atos e em diversas de suas cartas. 3 BÍBLIA. Nova Versão Internacional. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. 1Co 3.5-9a 4 “E, passando por Anfípolis e Apolônia, chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus. E Paulo, como tinha por costume, foi ter com eles e, por três sábados, disputou com eles sobre as Escrituras”.

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pregação do Cristianismo primitivo”.5 O que fazia sentido, visto que os judeus tinham o conhecimento prévio necessário para decodificar a pregação cristã: conheciam a lei mosaica, tinham familiaridade com o sistema de sacrifícios que preparava para a vinda de Cristo, já haviam ouvido as promessas e profecias e, finalmente, esperavam pela vinda de um Messias. Portanto, conforme escreve o pastor Antônio Renato Gusso, doutor em Teologia e professor das Faculdades Batista do Paraná, “nada melhor para os primeiros pregadores e missionários cristãos do que encontrarem pessoas conhecedoras dessa verdade. Pois a mensagem pregada por eles era a que afirmava já ter o Messias vindo, e que este era Jesus”.6 Da mesma forma, dado que os primeiros pregadores eram também provenientes da Judeia e da Galileia, seria natural esperar que eles buscassem primeiro aqueles em quem podiam se identificar. Assim, tanto Paulo como outros (Barnabé e Pedro, por exemplo) buscaram primeiro pregar para seu povo de origem. O sociólogo Rodney Stark observa que os judeus helenizados que viviam em diversas regiões do Império Romano eram o grupo mais preparado para receber as primeiras sementes do Cristianismo. Seus antecedentes étnicos e religiosos facilitavam o entendimento da mensagem e, além disso, eles já estavam acostumados a receber orientações de Jerusalém – o que certamente facilitava a aproximação de pregadores itinerantes.7 O paralelo entre a sinagoga e as primeiras igrejas é bastante amplo – é etimológico, inclusive. Segundo Gusso, “o termo sinagoga significava tanto o povo reunido quanto o local onde se realizavam as reuniões. Da mesma maneira, a igreja, ecclesia ou assembleia, veio a ter suas reuniões em um prédio exclusivamente religioso que tomou o mesmo nome”.8 Pedro, Paulo e outros pregadores itinerantes “não poderiam encontrar em nenhum outro lugar auditório tão bem preparado para receber a mensagem de Cristo. Era formado tanto por judeus como gentios, prosélitos e tementes a Deus, conhecedores das Escrituras e prontos para receber as boas novas”.9 Embora haja diversas referências à pregação cristã nessas comunidades de origem judaica, o texto bíblico não é tão detalhado em descrições sobre sua 5

CAIRNS, 1995, p.36. GUSSO, 2002, p. 77. 7 STARK, 2006, p. 76. 8 GUSSO, 2002, p. 76. 9 GUSSO, 2002, p. 81. 6

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consolidação. Como o Evangelho não parece ter se tornado unanimidade entre os judeus, não faz muito sentido pensar na conversão da sinagoga judaica em uma “sinagoga cristã” ou uma igreja. A fração final do capítulo 2 de Atos, que conta como foram os primeiros desenvolvimentos da igreja em Jerusalém, permite entrever como era o cotidiano dos novos convertidos: “E, perseverando unânimes todos os dias no templo e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração” (At 2.46). Assim, a pregação nas sinagogas pode ser vista também como um ponto de partida para a segunda forma de estabelecer uma comunidade de crentes em diferentes localidades: as reuniões domésticas. O relato bíblico menciona diversas dessas igrejas domésticas (At 16.15,33-34, 18.7; Rm 16.4-5, 1 Co 16.19, Cl 4.15, Fl 2). Aparentemente, reuniam-se nas casas tanto os judeus convertidos como os gentios. O arqueólogo Bradley B. Blue, que estudou as igrejas domésticas na Palestina e no contexto greco-romano, observa que essas reuniões ocorriam nas casas não por pura necessidade – por não haver outro local disponível –, mas deliberadamente, por crer que os encontros em casas tinham vantagens em relação a outros locais, como a privacidade (que lhes permitia um mínimo de tolerância por parte das autoridades romanas, dado que não havia sinais exteriores de reunião religiosa).10 Provavelmente pela mesma razão, os cultos nas casas são a principal estratégia adotada pelas igrejas contemporâneas em lugares onde há perseguição religiosa contra os cristãos. Dois mil anos depois, a estratégia ainda é válida. Blue destaca ainda que residências ou casas reformadas para o uso das igrejas continuaram a ser a norma, pelo menos até as primeiras décadas do quarto século, quando, sob a proteção do imperador Constantino, começou a construção das basílicas.11 No contexto cristão, costuma-se dizer que nenhum desenvolvimento na História da Igreja é fortuito: antes, crê-se que o Espírito Santo está inspirando pessoas e movendo acontecimentos em direção aos planos soberanos de Deus. Desta forma, pode-se encarar como fruto da providência divina o fato de o estabelecimento de igrejas domésticas – um acontecimento que é muito mais fruto das circunstâncias (falta de recursos de um grupo surgido a partir de pescadores 10 11

BLUE, 1989, p. 9-10. BLUE, 1989, p. 14-15.

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galileus, moradores da periferia do império; ausência de reconhecimento religioso tanto pelo seu grupo étnico como por parte do poder romano dominante; a dispersão judaica após a destruição de Jerusalém, no ano 70, entre outros eventos) – ter dado resultados que influenciaram de modo certeiro o crescimento da nova religião.12 Stark aponta como fundamentais para o fortalecimento do senso de comunidade e de pertencimento do Cristianismo fatores como o reconhecimento dos líderes religiosos como pessoas preocupados com o cumprimento da vida espiritual dos seguidores (e não com recompensas materiais) e a proximidade dos clérigos com seu rebanho – características que estão também ligadas ao fato de os crentes se reunirem nas casas uns dos outros, e não em templos exclusivamente dedicados. Ele assinala ainda que, quando os romanos decidiram destruir o Cristianismo, optaram por atacar sua liderança, ignorando a capilaridade de um movimento que crescia de modo pouco visível, em encontros caseiros. O sociólogo comenta que o Cristianismo “cresceu porque os cristãos constituíam uma intensa comunidade, capaz de gerar a ‘invencível obstinação’ que tanto desagradava Plínio, o Moço,13 mas que resultou em imensas recompensas religiosas. E os meios fundamentais de seu crescimento foram os esforços conjuntos e motivados do crescente número de fiéis cristãos, que convidavam seus amigos, parentes e vizinhos para compartilhar a ‘boa nova’”.14 Além desses dois caminhos para o desenvolvimento das primeiras comunidades cristãs – ou seja, a pregação nas sinagogas e as reuniões privadas em residências –, o livro de Atos menciona ainda duas formas de abordagem evangelística: a abordagem oportunista (no sentido de que tira proveito de uma oportunidade de evangelismo pessoal, surgida do contato social) e a pregação em locais públicos. O primeiro caso parece ser o do eunuco etíope batizado por Filipe em At 8. Semelhantemente, o encontro de Paulo com Lídia, em Filipos (At 16), decorreu justamente de uma abordagem oportunista, que levou na sequência à 12

Earle E. Cairns constrói esse raciocínio ao discorrer sobre o valor do estudo da História da Igreja na introdução de seu O Cristianismo através dos séculos – Uma história da igreja cristã (CAIRNS, 1995, p. 17-19) e também em seus quatro capítulos iniciais (p. 29-56), que tratam do ambiente histórico em que se desenvolveram os acontecimentos narrados no Novo Testamento e também de sua recepção imediata no primeiro século. 13 O autor se refere às cartas de Plínio, governador da província romana da Bitínia, em que buscava do imperador Trajano orientações sobre como tratar os cristãos, inclusive declarando que havia recorrido à tortura para obter informações. 14 STARK, 2006, p. 230-231.

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criação de um ponto de pregação na casa dela. De fato, a tendência natural é de que, depois do encontro pessoal, o apóstolo prossiga com a continuação da exposição das Escrituras em um ambiente privado. Assim, embora a abordagem pessoal seja, claramente, parte da estratégia paulina de crescimento para o Reino, ele leva forçosamente às reuniões domésticas. Já entre os exemplos de pregações em locais públicos estão o discurso de Paulo no Areópago, em Atenas (At 17) e seus ensinamentos na escola de Tirano, em Éfeso. O relato neotestamentário não revela quais os resultados dessas duas iniciativas – o caso de Atenas, apesar da zombaria dos “intelectuais” locais, resultou na conversão de Dionísio, Dâmaris e outros (At 17.34). Em seu comentário ao Novo Testamento, Russell Norman Champlin observa que o apóstolo talvez tenha considerado infrutífero seu trabalho em Atenas, “porquanto é evidente que o seu desejo era implantar alguma igreja cristã por todos os lugares por onde fosse, o que ele não conseguiu realizar em Atenas”.15 O mesmo autor observa que as antigas tradições cristãs dizem que este Dionísio “areopagita” teria sido, mais tarde, o primeiro bispo da igreja de Atenas. Não há, entretanto, qualquer menção de fonte confiável sobre o que foi feito dele e dos outros convertidos. Não deixa de ser possível que tenham se tornado embrião de igrejas domésticas na cidade grega. Essa hipótese, entretanto mais cabe ao campo das especulações, hipóteses e lendas, conforme nota Champlin.16 Tais experiências construíram o sentido daquilo que se convenciona hoje chamar de igreja em seu sentido local – aquele “corpo de cristãos organizados em um local específico para comunhão, adoração, evangelismo e atividades relacionadas”, conforme a definição bastante aceita de Millard J. Erickson. 17 O aspecto local é algo a se destacar. O missionário e pastor presbiteriano Ronaldo Lidório observa que conceito de “igreja local” é diretamente extraído dos textos bíblicos neotestamentários. Ele exemplifica com a referência a 1 Coríntios 1.12, onde se encontra “a expressão ‘Igreja de Deus que está em Corinto’, no qual ‘que está’ (‘te ouse’) indica a localidade da igreja”.18 No entender de Lidório, a expressão mostra “que os santos de Corinto pertencem à Igreja e não que a Igreja pertence a 15

CHAMPLIN, 1998, p. 381. CHAMPLIN, 1998, p. 381. 17 ERICKSON, 2011, p. 99 18 LIDÓRIO, 2011, p. 40. 16

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Corinto, deve ficar bem claro. Como Igreja, somos parte do Corpo e não cidadãos de uma cidade”.19 Esse conceito de igreja local, autônoma em si, porém parte de algo maior, é básico para o entendimento da ideia contemporânea de plantio de igrejas. Como, entretanto, relacionar esses acontecimentos e procedimentos do primeiro século da Era Cristã à ação dos líderes cristãos contemporâneos? De que modo a Bíblia deve nortear o trabalho de pastores e obreiros nesse contexto específico? Uma tentativa de responder a essas importantes questões será tratada a seguir. 1.1 – Teologia bíblica da plantação de igrejas

Em seu manual prático para a plantação de igrejas, baseado na experiência de criação da Igreja do Redentor, em Nova York, Timothy Keller e J. Allen Thompson tomam por premissa que “a única maneira de verdadeiramente estar certo de que você está criando cristãos novos permanentes é através da plantação de igrejas”.20 De acordo com os autores, o grande número de “decisões por Cristo” em eventos evangelísticos muitas vezes resulta em desapontamento, porque as pessoas não se firmam como cristãos autênticos, uma condição que pode ser constatada pela mudança de vida e comportamento. Essas decisões seriam, assim, um primeiro passo, o início de uma caminhada de busca a Deus. “Somente uma pessoa que está sendo evangelizada no contexto de uma comunidade de contínua adoração e pastoreio pode estar certa de finalmente vir a ter uma fé vital e salvadora”,21 concluem. Novamente,

a

prática

de

Paulo

serve

como

modelo

para

a

contemporaneidade. Keller e Thompson observam que a estratégia do missionário Paulo era simples e consistia em dois pontos: “Primeiro, ele ia para as maiores cidades da região (cf. Atos 16:9, 12), e, segundo, ele plantava igrejas em cada cidade (cf. Tito 1:5 – nomeie anciões em cada cidade)”. 22 O reverendo Jedeías Duarte, pesquisador da área de missões e executivo do Plano Missionário 19

LIDÓRIO, 2011, p. 40. KELLER; THOMPSON, 2002, p. 29. 21 KELLER; THOMPSON, 2002 p. 29. 22 KELLER; THOMPSON, 2002, p. 29, itálico no original. 20

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Cooperativo da Igreja Presbiteriana do Brasil, observa que, “na perspectiva paulina, o alcance dos não convertidos com o evangelho e o plantio de igrejas eram faces da mesma moeda”.23 Ainda de acordo com Duarte, a ação era centrada na semeadura do Evangelho e não, de forma alguma, na institucionalização das igrejas, embora essa fosse uma consequência necessária – e evidente, pela autonomia que as comunidades tinham para a escolha de seus presbíteros, como demonstra o caso de Listra, Icônio e Antioquia, descrito em At 14.23 (“E, havendo-lhes por comum consentimento eleito anciãos em cada igreja, orando com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido”). Mas por que Paulo plantava igrejas? De acordo com o teólogo sul-africano David J. Bosch, a igreja era símbolo e ponto de encontro para a nova comunidade que o Cristianismo nascente buscava, em que gregos e bárbaros, judeus e gentios, ricos e pobres, escravos e cidadãos livres podiam conviver sem ressalvas ou preconceitos. De fato, de acordo com o autor, Paulo entende que “a igreja é a vanguarda da nova criação e precisa refletir necessariamente os valores do mundo vindouro de Deus”.24 A igreja também era o prenúncio de algo que ainda virá a se realizar – nas palavras de Bosch, é “a comunidade escatológica interina”:25 “Por mais importante que seja a igreja, ela não constitui, para Paulo, o objetivo final da missão. A vida e a obra da comunidade se vinculam intimamente ao plano cósmico-histórico para a redenção do mundo. Em Cristo, Deus reconciliou não só a igreja, mas também o mundo consigo (2 Co 5.19)”.26 Assim era o modo de agir de Paulo e, possivelmente, de outros missionários e pregadores, itinerantes ou não, do primeiro século. Embora sejam referenciais importantes de ação, o livro de Atos e mesmo as cartas de Paulo são muito mais o retrato de uma prática, não o detalhamento de uma doutrina. Os cristãos de outras épocas necessitam um referencial teológico a respeito do estabelecimento de novas comunidades religiosas. De preferência, ele deverá vir do próprio Jesus, fundador da igreja, “autor e consumador da fé”, conforme a declaração de Hebreus 12.2.

23

DUARTE, 2011, p. 32 BOSCH, 2002, p. 215. 25 BOSCH, 2002, p. 208. 26 BOSCH, 2002, p. 222. 24

22

Tal referência – há quase unanimidade entre os autores a respeito disso – encontra-se em Mt 28.18-20, o trecho conhecido como “A Grande Comissão”. Nele, Jesus ordena seus seguidores a fazer discípulos, batizar e ensinar a cumprir tudo o que Ele mandou. A igreja local é, ao mesmo tempo, agente e objeto dessa grande comissão. A Grande Comissão é, também, o ponto de partida de toda uma área, denominada Missiologia, que é o estudo e a prática das missões, entendidas como a tarefa de levar o Cristianismo a todos os povos. Segundo Ronaldo Lidório, é impossível tratar de plantação de igrejas sem refletir sobre Missiologia, vista como um instrumento que ajuda os teólogos “a ler as Escrituras sob o pressuposto de que há um propósito para a existência da Igreja”.27 De fato, prossegue Lidório: “A união entre Teologia e Missiologia – o estudo de Deus e a aplicação desse conhecimento para Sua glória na expansão do Reino – é necessária para o estabelecimento de princípios e práticas no plantio de igrejas”.28 David J. Bosch observa que, “na eclesiologia emergente, 29 a igreja é vista como essencialmente missionária”:

30

“Sua missão (o fato de ‘ser enviada’) não é

secundária em relação à sua existência; a igreja existe ao ser enviada e edificar-se visando à sua missão”.31 Da mesma forma, o pastor anglicano e estudioso do Antigo Testamento Christopher J. H. Wright escreve que a missão não é apenas da instituição igreja, de seus líderes, pastores, ideólogos ou teólogos: ela é de todo o povo de Deus, e “é muito grande para ser deixada apenas aos missionários”.32 Para o autor, faz parte da tarefa designada por Deus para Seu povo a formação de “comunidades sósias de Abraão em todas as nações, e não só naquela que descendia de Abraão”.33 Por “sósias de Abraão”, ele entende comunidades dedicadas a ser uma bênção para outras pessoas, famílias e nações (conforme Gn 12.2,3). Wright destaca essa 27

LIDÓRIO, 2011, p. 9. LIDÓRIO, 2011, p. 17 29 Bosch usa a expressão “emergente” ao referir-se a um novo paradigma da teologia e da prática missionária – um paradigma que está emergindo (portanto, emergente). Não deve ser confundida com a “igreja emergente” de tempos mais recentes, vinculada a líderes como Brian McLaren, Tony Jones e Doug Pagitt, definidas de forma abrangentíssima por Jones como “as formas de vida eclesiástica especificamente novas elevando-se da moderna igreja americana do século 20” – “The specifically new forms of church life rising from the modern, American church of the twentieth century”(JONES, 2008, p. XIX). 30 BOSCH, 2002, p. 446. Trecho em itálico no original. 31 BOSCH, 2002, p. 446- 447. 32 WRIGHT, 2012, p.13 33 WRIGHT, 2012, p. 76, em itálico no original. 28

23

passagem como uma demonstração de que a tarefa missional da igreja não é uma inovação neotestamentária, mas uma criação de Deus nos tempos longínquos do Antigo Testamento, e que era aceito dessa forma pelos primeiros missionários da era cristã – nomeadamente, Paulo, segundo infere a partir de trechos como Rm 1.5, Rm 16.26 (parte da saudação final da epístola) e o capítulo 3 de Gálatas. Lidório aponta três critérios bíblicos para o plantio de igrejas: 1) o plantio de igrejas não deve ser definido em termos de treinamento e habilidade, mas pelo poder e desejo de Deus de salvar vidas; 2) o plantio de igrejas não deve ser definido em termos de resultados humanos, mas pela fidelidade às Sagradas Escrituras; e 3) o plantio de igrejas não deve ser uma ação definida pelo conhecimento do Evangelho, mas por sua proclamação.34 Tais princípios traduzem a centralidade da Grande Comissão para a questão do plantio de igrejas, de forma que outras ações decorrentes de uma estratégia ou ênfase na plantação da igreja (na assistência social a uma comunidade, por exemplo, ou em um método qualquer de crescimento) estarão sempre subordinadas ao objetivo primordial de proclamar o Evangelho. “Não interessa o que mais um plantador de igrejas faça, ele precisa proclamar o evangelho. Trabalho social, ministério holístico e compreensão cultural jamais irão substituir a clara comunicação do evangelho ou justificar a presença da Igreja”, argumenta Lidório.35 Esses são princípios gerais, aplicáveis a qualquer organização cristã. O próprio Lidório, amparado por outros estudiosos da Teologia e da Missiologia, alerta para os riscos de uma abordagem excessivamente ligada às denominações religiosas.36 A abordagem que se segue, portanto, não deve ser entendida como algo desligado dos princípios de plantio de igreja descritos nas páginas anteriores, mas como uma tentativa de compreender de que forma tais princípios têm sido entendidos e aplicados por um grupo específico de cristãos no período a partir do ano de 1860, que marca a chegada dos cristãos batistas ao Brasil.

34

LIDÓRIO, 2011 p. 11-14 LIDÓRIO, 2011 p. 14. 36 LIDÓRIO, 2011, p. 37 35

24

1.2 – A prática histórica dos batistas brasileiros

Como os batistas brasileiros vêm colocando em prática o plantio de igrejas? A resposta a essa questão passa por uma revisão da história da igreja, desde os seus primórdios, pela obra de missionários americanos, até tempos mais recentes. De acordo com os dados do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os batistas brasileiros somavam 3.723.853 pessoas. Tal número faz da igreja batista a mais numerosa das denominações cristãs classificadas pelo IBGE como “evangélicas de missão” (área que inclui, ainda, as igrejas adventistas, congregacionais, luteranas, metodistas e presbiterianas) e a segunda maior entre todas as denominações protestantes, atrás apenas da Assembleia de Deus.37 A história desse grupo no Brasil começou em 1860, com a chegada de um primeiro missionário americano, Thomas Jefferson Bowen. Bowen, que havia trabalhado na Nigéria, tinha saúde frágil e deixou o país um ano depois. Desenvolvimentos mais firmes vieram a partir de 1865, quando grupos de colonos do Sul dos Estados Unidos começaram a se estabelecer na região de Santa Bárbara do Oeste, no interior de São Paulo. Em 10 de setembro de 1871, uma igreja batista foi constituída pelos próprios colonos – que contavam dois pastores da denominação em sua coletividade. Era, entretanto, uma congregação de língua inglesa, e os imigrantes de Santa Bárbara demonstravam pouco interesse em aprender o português ou evangelizar seus vizinhos brasileiros. “Não era uma igreja missionária”, resume o pastor, professor e jornalista José dos Reis Pereira, que dirigiu por 24 anos o Jornal Batista, principal publicação denominacional e redigiu importantes notas sobre a história batista no país. 38 Apesar disso, relatos desses pioneiros chegaram à junta responsável pelo envio de missionários dos Estados Unidos, o que

37

A classificação das religiões pelo IBGE tem recebido diversas críticas, pela sua inexatidão e por uma pretensa dificuldade em refletir a realidade demográfica do país nessa área. Como referência a respeito pode-se citar o artigo do teólogo e pastor luterano Walter Altmann, publicado quando da divulgação dos dados do IBGE (ALTMANN, 2012, p. 1122-1129), que observa imprecisões em especial na qualificação de quem são as igrejas ditas “evangélicas de missão”. 38 PEREIRA. 2001, p. 69. A maior parte das informações sobre os primórdios da missão batista no Brasil provém do rigor histórico de José dos Reis Pereira.

25

serviu para vencer as barreiras que a experiência difícil de Thomas Jefferson Bowen havia deixado entre as lideranças americanas.39 Em março de 1881, quase dez anos depois da criação da igreja étnica de Santa Bárbara, desembarcava no país o casal de missionários William Buck Bagby e Anne Luther Bagby. Depois de chegarem ao país pelo porto do Rio de Janeiro, dirigiram-se a Campinas para fazer contato com os colonos de Santa Bárbara. Só então definiram seu alvo missionário, a cidade de Salvador, dona da segunda maior população do país e considerada estratégica para o desenvolvimento da missão. Lá foi plantada a primeira igreja batista para brasileiros.40 O relato de Pereira – uma espécie de “biografia autorizada” dos batistas do Brasil – revela algo sobre a forma de aproximação que os primeiros missionários tinham em relação à população (além do casal Bagby, estabeleceram-se em Salvador o casal Zachary Clay Taylor e Kate Stevens Crawford Taylor e o ex-padre católico Antônio Teixeira de Albuquerque, um alagoano que se converteu pela leitura das Escrituras e deixou-se batizar por Robert Thomas, um dos pastores da igreja americana de Santa Bárbara; Albuquerque também era casado, com Senhorinha). Eram, ao todo, 12 pessoas – os Bagby já tinham uma filha, os Albuquerque tinham quatro filhos e havia ainda uma empregada. Todos moravam juntos, primeiro em uma casa pequena e, mais tarde, no mesmo local onde funcionaria a primeira igreja.41 Pereira descreve o encontro desta segunda casa e os arranjos nela feitos para que pudesse abrigar a primeira igreja batista para brasileiros: Ao fim de três meses de buscas, encontraram casa adequada. Era um antigo colégio de jesuítas, na rua chamada Maciel de Baixo. Ficaram com o quarto andar, o andar nobre. Havia ali lugar espaçoso para as três famílias e além disso havia um salão com capacidade para 200 pessoas sentadas e mais duas salas que serviriam para livraria e uma possível escola. 42 Tão logo foram arranjados bancos para receber os visitantes, os cultos começaram.

O historiador conta que os primeiros cultos foram bem frequentados, principalmente devido à curiosidade do povo. Mas, com o passar do tempo, a frequência das reuniões foi caindo, a ponto de, em uma manhã de domingo, estarem

39

PEREIRA, 2001, p. 69. PEREIRA, 2001, p.70-71. 41 PEREIRA, 2001, p.79-80. 42 PEREIRA, 2001, p. 80. 40

26

somente as três famílias presentes. Nas palavras do missionário Taylor, “eles não estavam mais vindo até nós”.43 Pode-se depreender, então, que a primeira estratégia dos missionários era passiva – simplesmente abrir a igreja e esperar que o público viesse até ela. Tal modus operandi poderia funcionar bem em um ambiente já sensibilizado pela mensagem evangélica, como aquele em que viviam os missionários anteriormente – Bagby e Taylor exerciam o pastorado, respectivamente, em Corsicana e Runnels, ambas cidades da região central do estado americano do Texas.44 Em uma região onde não havia tradição protestante, dificilmente tal forma de atuação seria bem sucedida. Na verdade, ela tinha potencial para sofrer intensa oposição e até mesmo perseguição – como, de fato, constatariam pouco tempo depois.45 A decisão dos missionários foi de ir até o povo, conversando com pessoas nos armazéns, nas lojas ou onde mais pudessem encontrar ouvintes dispostos a dedicar-lhes alguns minutos. Com isso ganharam o interesse de algumas pessoas e, paulatinamente, crescia a frequência aos cultos. “Acrescentamos que, no incidente, há uma lição para cada missionário que inicia trabalho novo ou mesmo para cada pastor que deseja ver sua igreja crescer: é preciso buscar o povo nas casas e nas ruas. É inútil ficar esperando que os ouvintes vão espontaneamente aos templos ou salões em que se prega o evangelho”, escreveu Taylor.46 Ao falar das primeiras perseguições sofridas pelos missionários, Pereira relata que William Buck Bagby foi ameaçado por um grupo de opositores, enquanto oficiava um batismo em uma praia. “Voltando do batismo, veio-lhe ao encontro um grupo, que ameaçou o pregador de morte, caso insistisse em pregar na casa do novo convertido”, escreve.47 O relato permite entender a “virada” do modo de agir dos missionários. Em vez de esperar pelo público em sua própria casa, que abrigava um salão de culto para 200 pessoas, os pregadores iam agora às casas daqueles que se interessavam pelo Evangelho – e os resultados vinham, em medida semelhante à reação que a pregação causava. Foi o que aconteceu nesse momento

43

Apud PEREIRA, 2001, p. 81. PEREIRA, 2001, p. 77-79 45 PEREIRA, 2001, p. 81. 46 Apud PEREIRA, 2001, p. 81. 47 PEREIRA, 2001, p. 83. 44

27

específico: enquanto pregava, Bagby foi atingido na testa por uma pedrada que o fez cair, sem sentidos.48 Outros relatos de pioneiros do trabalho batista, como as obras de A. R. Crabtree49 e Helen Bagby Harrison50 e o relato autobiográfico de Salomão Ginsburg51 mostram que a estratégia dos batistas foi a de aproximar-se de indivíduos para, assim – mediante relacionamentos – buscar oportunidades para expor o Evangelho, quase sempre convidados por famílias anfitriãs. Para isso, era válido puxar conversa no transporte público, no comércio, na rua. Foi o caso do pregador Samuel Pires de Mello, para quem uma conversa no trem, entre Curitiba e a cidade litorânea de Paranaguá, rendeu um convite para falar sobre as ideias protestantes em um jantar na casa da família de Calpúnia Rosa, senhora que havia acabado de conhecer. Assim, uma estadia temporária, que duraria até que chegasse o navio que o levaria a Santos, estendeu-se por anos e levou à fundação da primeira igreja protestante da cidade. 52 Uma abordagem que guarda semelhanças com aquela que Paulo usou para estabelecer o primeiro ponto de pregação em Filipos, que foi na casa de Lídia, a comerciante de púrpura. É bom lembrar que o ambiente político e social da época era favorável às igrejas domésticas. A Constituição brasileira de 1824, a primeira do Brasil independente, mantinha a Igreja Católica como religião oficial do Império. A liberdade de culto era limitada: a Carta Magna prescrevia ainda que ninguém poderia ser perseguido por motivo de religião, “uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a Moral Pública” (artigo 179, inciso V). Quem não professasse a fé católica romana não tinha direito a voto (artigo 95, inciso III). Em seu artigo 5º, a Carta permitia que as demais religiões fossem exercidas em “culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo”.53 Escrevendo quase um século mais tarde, o missionário presbiteriano William R. Read (um estudioso do crescimento de igrejas na América Latina e, provavelmente, o primeiro a perceber o potencial de crescimento da população

48

PEREIRA, 2001, p. 83. CRABTREE, 1937. 50 HARRISON, 1987. 51 GINSBURG, 1970. 52 CAVALLARI, 2003, p. 22. 53 NOGUEIRA, 2012, p. 77, 78 e 81. 49

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evangélica no Brasil, com destaque para análises a respeito de denominações pentecostais como a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã no Brasil) reconheceu o esforço dos batistas na plantação de igrejas. “Os pioneiros batistas trouxeram a este grande país o fervor de pregar o Evangelho e plantar igrejas neotestamentárias. Eles foram plantadores de igrejas do começo ao fim”,54 afirmou Read.

1.2.1 – Plantando igrejas, plantando escolas Uma marca distintiva da ação batista já podia ser vista naquele primeiro imóvel ocupado pela igreja pioneira de Salvador, conforme citação apresentada anteriormente: havia uma sala que poderia ser usada como escola (de fato, já havia sido uma escola, mantida pelos padres jesuítas). Assim foi a ação missionária dos batistas no Brasil – enquanto se plantava igrejas, plantava-se também escolas. Read descreve da seguinte maneira: Depois que igrejas foram plantadas no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e São Paulo, a necessidade de vários outros tipos de trabalho institucional se tornou evidente. Primeiro, o colégio no Rio e os seminários no Rio e Recife foram estabelecidos, já que seriam necessários para o futuro das igrejas. Mais tarde, muitas escolas primárias foram abertas ao lado das jovens igrejas, e em diferentes partes do Brasil muitas delas cresceram para se 55 transformarem em escolas secundárias.

Na resenha que escreveu sobre o trabalho missionário de sua família no país, Helen Bagby Harrison deixou claro o espírito que os movia: “Vamos ao Brasil educar o povo e as elites para convertê-los a Cristo e com eles construir um país melhor”.56 Outro pioneiro, A. R. Crabtree – o primeiro a assumir a responsabilidade de contar oficialmente a história do estabelecimento das missões batistas no país –, resumiu o modo como confluíam as atividades da pregação e do ensino nos primórdios da igreja batista brasileira: “Professores são evangelistas. Um bom número, por necessidade, é de pastores. Pastores interessam-se igualmente na educação.

54

“Baptist pioneers brought to this great country fervor to preach the Gospel and plant New Testament churches. They were first and last church planters.” (READ, 1965, p. 187). 55 READ, 1965, p. 187. 56 HARRISON, 1987, p. 26.

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Alguns estabelecem escolas para as suas igrejas e ensinam em instituições educativas”.57 José Nemésio Machado, ex-diretor do Colégio Batista Brasileiro, de São Paulo, em sua obra sobre a contribuição batista para a educação brasileira, observa que os resultados do trabalho em Salvador se mostravam tão positivos que “os batistas norte-americanos admitiram pela primeira vez falar em um plano de educação para o Brasil”.58 As iniciativas batistas na área de educação começaram antes de qualquer apoio formal da junta missionária americana. De acordo com Machado, “as primeiras iniciativas de abertura de escolas ocorreram respectivamente no Rio de Janeiro, em 1888; em Salvador, em 1894; em Campos, em 1895; e em Belo Horizonte, em 1898. Todas fracassaram”. 59 Resultados melhores vieram a partir de 1898, com o estabelecimento de um colégio na Bahia. O Colégio Batista Brasileiro de São Paulo veio em 1902. O apoio americano de forma mais efetiva veio a partir de 1908, de acordo com Machado. 60 Ele cresceu durante os anos seguintes e acabou sendo progressivamente esquecido ao longo da primeira metade do século 20. Desde o início, a ideia era que o apoio aos projetos educacionais seria mantido “enquanto seu papel de agente veiculador do testemunho cristão e propagação do evangelho de Jesus não fosse esquecido ou camuflado”.61 Alguns desses projetos chegaram aos dias atuais. Ainda restam diversos colégios nascidos desses esforços – a rede de educação batista soma cerca de 60 instituições por todo o país. Mas esse remanescente pode dar uma ideia muito limitada do que foi o fenômeno das “escolas anexas” formadas ao lado de igrejas batistas por todo o país, das quais muito pouco restou. A maioria dessas escolas era mantida pelo esforço pessoal de pastores e suas famílias e, frequentemente, surgiam de uma necessidade prática. Afinal, não é possível estudar a Bíblia com um discípulo que não sabe ler. Por isso muitas dessas escolas nunca chegaram a se tornar escolas formais, com registro oficial.62

57

CRABTREE, 1937, p. 126. MACHADO, 1994, p. 47. 59 MACHADO, 1994, p. 56. 60 MACHADO, 1994, p. 67. 61 MACHADO, 1994, p. 47. 62 MACHADO, 1994, p. 55-56. 58

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Nivaldo Cavallari (pastor da Primeira Igreja Batista de Paranaguá) e Jorge Uilson Clark (professor da Universidade Estadual do Paraná, Unespar), em um trabalho sobre o papel dessas escolas no desenvolvimento da educação no Litoral do Estado do Paraná, relatam que muitas das escolas funcionavam “de forma sazonal por dependerem da boa vontade de professores que, muitas vezes, tinham que se deslocar de Paranaguá até a localidade”,63 frequentemente tendo de remar em pequenas embarcações para chegar às comunidades na Baía de Paranaguá que eram atendidas pelas igrejas. Os autores observam ainda que a presença das escolas era suficiente para inverter a realidade do analfabetismo nas comunidades do litoral paranaense, no início do século passado. “Em uma época em que o analfabetismo, em algumas regiões, chegava a 90% da população, receber um relatório de que nas igrejas batistas da época o analfabetismo chegava apenas a 20% de seus membros, há de se considerar as razões, especialmente porque seus membros não faziam parte da elite da sociedade”, escrevem.64 E a alfabetização, além de um benefício social para a comunidade, dava brecha ao crescimento da igreja, por permitir que se desse continuidade ao estudo dos textos bíblicos. Afinal, para estudar e conhecer a Bíblia é necessário saber ler. Tais constatações vêm confirmar algo que, décadas antes, já vinha sendo exposto como uma das grandes virtudes do projeto educacional batista, conforme artigo publicado no jornal oficial da denominação: “Alguns de nossos missionários operam em lugares aonde jamais chegou um professor primário, onde apenas chegaram exploradores do povo e das suas fraquezas morais”.65 Vale lembrar que a alfabetização da população era essencial para o projeto de crescimento das igrejas evangélicas, e foi adotado com entusiasmo pelos batistas. Outras denominações protestantes “de missão” (para usar a expressão do IBGE) tomaram caminhos semelhantes, com diferentes intensidades. No caso das igrejas batistas, o fenômeno das escolas anexas é uma marca peculiar, assemelhando-se às iniciativas de igrejas étnicas como as luteranas do Sul do Brasil, 66 que também mantinham estruturas 63

CAVALLARI; CLARK, 2010, p. 183 CAVALLARI; CLARK, 2010, p. 187. 65 Citado por PEREIRA, 2001, p. 49. 66 Segundo o pastor presbiteriano Antonio Gouvêa Mendonça, também professor das universidades Metodista e Mackenzie, “a introdução da educação protestante na sociedade brasileira deu-se concomitantemente à pregação dos primeiros missionários: com a organização das primeiras igrejas já se implantaram também as primeiras escolas paroquiais” (MENDONÇA, 2008, p. 144-145). 64

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escolares. Diferentemente destas, entretanto, não havia tanta ênfase no ensino de idioma e tradições da nação de origem. Como foi exposto, o projeto educacional batista foi, essencialmente, um auxiliar na plantação de igrejas – uma forma de sensibilizar a população local para receber a pregação cristã e de dar a ela as ferramentas necessárias para estudar as Escrituras.67 O degrau seguinte na estratégia batista, portanto, seria o estabelecimento de novas igrejas para atender à população influenciada por essas escolas. A seguir será abordada a forma de os batistas brasileiros prepararem a criação de novas igrejas. 1.2.2 – Congregações

As escolas foram um importante fator para estimular o crescimento de novas igrejas, mas não tinham sentido em si. À medida que os governos brasileiros aumentavam seu esforço para levar educação pública e gratuita a um número crescente de comunidades, elas perderam seu ímpeto. Já a plantação de igrejas nunca deixou de ser ênfase. Isso foi notado ainda nos anos 1960 por William R. Read, que observou que, “mesmo durante as dores de crescimento, os batistas estavam entrando em novos campos e plantando igrejas”.68 Ele notou que isso levou os batistas brasileiros a vencer as barreiras geográficas, de modo que já em 1950 a denominação estava presente em todos os Estados e Territórios do país 69 – os territórios eram uma divisão administrativa brasileira, extinta pela Constituição de 1988; eram ligados diretamente ao governo federal e tinham autonomia limitada em relação aos Estados.70 Em seu ambicioso trabalho histórico sobre a introdução do Protestantismo no Brasil, o historiador francês Émile-Guillaume Léonard relata a preocupação dos precursores do trabalho batista com a criação de igrejas capazes de multiplicar o crescimento. Como exemplo, ele descreve a trajetória da igreja de Campos (RJ), que 67

MACHADO, 1994, p. 47-49. “Even during their growing pains, the Baptists were entering new fields and planting churches.” READ, 1965, p. 187-188. 69 READ, 1965, p. 188. 70 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, DF, DOU de 16 de julho de 1934. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituicao34.htm. Acesso em 31/10/2015. 68

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contava cerca de 30 membros quando Salomão Ginsburg assumiu sua direção, em 1893. No mesmo ano, a igreja atingiu 122 membros e organizou uma “filha”, a igreja de São Fidélis, com sete membros transferidos de Campos. No ano seguinte, outras novas igrejas foram estabelecidas, nas localidades de Guandú e Santa Bárbara. Já a igreja de São Fidélis constituiu, em 1899, outra, em Ernesto Machado; no ano seguinte, ela constituiria outras duas, em Cambuci e Rio Preto.71 Em sete anos, uma igreja havia-se multiplicado por sete. Essa “reprodução” de igrejas é peculiar ao modo batista de plantio, e visa preservar as novas congregações dos males que Léonard, citando Crabtree, descreve: igrejas que sofrem por terem sido "organizadas prematuramente, com crentes neófitos e sem a preparação necessária para a direção dos trabalhos".72 Isso torna a estratégia batista distinta da maioria das denominações evangélicas atuantes no Brasil. A eclesiologia da denominação prega a total autonomia da igreja local, conforme definido pela Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira: “O princípio governante para uma igreja local é a soberania de Jesus Cristo. A autonomia da igreja tem como fundamento o fato de que Cristo está sempre presente e é a cabeça da congregação do seu povo”.73 Assim, a praxe batista é de fazer com que uma igreja produza outras, em um processo que Léonard, em meados dos anos 1950, apelidou “multiplicação por cissiparidade”74 – palavra emprestada da Biologia e que consiste na divisão de uma célula em duas, sendo que ambas compartilham o mesmo genoma (ou seja, as mesmas características genéticas da célula-mãe); pela sua relevância ao tema desta dissertação, o conceito será retomado no capítulo 2. As igrejas “filhas” – ou seja, aquelas que se destacam do corpo da igreja local que lhe deu origem – são, em geral, denominadas “congregações”, para as distinguir de igrejas plenamente constituídas. São, normalmente (embora não sempre), lideradas por representantes de uma igreja maior (seja por pastores, seminaristas ou obreiros) e não têm autonomia jurídica (não possuem CNPJ próprio) ou financeira.

71

LÉONARD, 1963, p. 88-89. LÉONARD, 1963, p. 89. 73 “Portal Batista - Princípios Batistas”. Disponível em http://www.batistas.com/index.php?option= com_content&view=article&id=16&Itemid=16&showall=1. Acesso em 19/6/2015. 74 LÉONARD, 1963, Op. cit., p. 277. 72

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A autonomia da igreja local, entretanto, não é imediata. Conforme diz o pastor Sócrates Oliveira de Souza, diretor executivo da Convenção Batista Brasileira, em um dos volumes da série Documentos Batistas – Recomendações às Igrejas, que visa orientar igrejas e líderes na condução de seus desafios: A organização de uma igreja deve sempre partir da iniciativa de uma outra igreja, que costumamos denominar igreja mãe. Normalmente isto acontece quando a igreja, na sua tarefa de expansão do Reino de Deus, percebe a necessidade de implantar uma igreja em outro local distinto da qual já esta atuando, podendo essa implantação se dar na mesma ou em outra cidade, em geral iniciando-se com uma congregação. A organização de uma igreja pode se verificar quando uma congregação já se acha bem doutrinada e tem capacidade 75 administrativa e econômica para se dirigir de maneira autônoma.

A avaliação a respeito de doutrina (que pode ser qualificada como o “genoma” de que fala Léonard) e capacidade administrativa é feita mediante o concílio de organização, que “tem como função atestar a fidelidade doutrinária, o compromisso cooperativo, as condições estruturais e a disposição voluntária de um grupo de crentes batistas interessados em se organizar como igreja, bem como aconselhar e incentivar esta nova igreja na caminhada cristã”. 76 Tais passos podem sugerir obstáculos que atrasam a formação de novas igrejas. Não é o que se verifica e, aliás, já não era assim nem mesmo no século passado. Léonard chama a atenção para a velocidade do crescimento no número de igrejas batistas, que superava outras denominações protestantes no período 1889-1947. Nesse período, saiu-se de 8 igrejas constituídas para um total de 873, e de 312 membros para 84.512.77 No modo de ver dos batistas, cada uma das congregações, embora menor e dependente, deve, normalmente, ser criada dentro de um planejamento que anteveja a sua autonomia.78 Assim, o atual diretor executivo da Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, pastor Fernando Brandão, define a plantação de igrejas como “o processo intencional de estabelecer uma comunidade local e autônoma de discípulos de Jesus Cristo”. 79 Sobre a autonomia, ele prossegue: “Nesse pequeno grupo já se vislumbra uma comunidade autônoma, isto é, autossustentável (que independe de recursos externos), autogovernada (que 75

SOUZA, 2010, p. 13. SOUZA, 2010, p.15. 77 LÉONARD, 1963, p. 274. 78 Essa é a prática mais comum, embora não possa ser classificada como regra de ouro. 79 BRANDÃO, 2014, p. 97. 76

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toma suas próprias decisões), autopropagadora (que tem condições de por si mesma fazer novos discípulos e se multiplicar)”80. A ideia da autopropagação traz de volta o ponto de partida teológico para o plantio de novas igrejas. A Grande Comissão (Mt 28.19-20) é uma ordem: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que eu estou convosco todos os dias até à consumação do século”.81 A ordem é para fazer discípulos – portanto, faz sentido que cada discípulo tenha condições de se autopropagar, fazendo novos discípulos. As igrejas evangélicas contemporâneas usam diversas estratégias para cumprir esta ordem, e algumas delas serão apresentadas no próximo capítulo.

80

BRANDÃO, 2014, p. 98. Trechos em itálico no original. BÍBLIA. Versão Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. Mt 28.19-20 81

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2 – FERRAMENTAS PARA CRESCER “Pelo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento.” (1Co 3.7)

No passado, as reuniões domésticas, a educação e o evangelismo de oportunidade foram algumas das ferramentas que os evangélicos (e batistas, em especial) usaram para obter melhores resultados no plantio de igrejas em terras brasileiras. Elas continuam válidas? Quais seriam as ferramentas apropriadas para o plantio e o crescimento de igrejas no ambiente contemporâneo? É necessário, aqui, retomar a observação feita pelo apóstolo Paulo em sua primeira carta aos Coríntios, já citada no capítulo anterior. Ao tratar das divergências entre os crentes de Corinto, ele observa que um planta, outro rega, mas quem dá o crescimento – da planta ou da igreja – é Deus. Em 1 Co 3.8, ele observa: “Ora, o que planta e o que rega são um; mas cada um receberá o seu galardão, segundo o seu trabalho”. Tomando-se essa sentença como ponto de partida, é possível concluir que o crescimento da igreja se dá em dois planos, o espiritual e o técnico. São estas, aliás, as categorias que o teólogo e missiólogo C. Peter Wagner (que lecionou Crescimento de Igreja no Seminário Fuller, nos Estados Unidos, por quase 30 anos) usa ao tratar dos fundamentos para o planejamento das igrejas.1 Pelo lado espiritual, está no campo da soberania divina fazer prosperar a igreja local. Em consequência, toda obra que trate do crescimento de igreja ou do treinamento de líderes para congregações cristãs precisa incluir menções a disciplinas espirituais, em especial a oração. “Sem oração nada acontece”,2 adverte o pastor Fernando Brandão em Igreja multiplicadora, obra publicada pela Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista brasileira, que expõe cinco princípios bíblicos para o crescimento – o primeiro deles é, justamente, a oração. Wagner comenta que “muitos dos princípios técnicos de crescimento de igreja poderiam ser usados para que restaurantes de ‘fast food’, companhias de seguros ou lojas de vender pneus prosperem. Eles podem ser bem sucedidos sem oração porque são 1

2

WAGNER, 1999, p.41-54. BRANDÃO, 2014. p. 22.

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instituições humanas. Igrejas não”. 3 E conclui, dizendo que “Se a igreja que plantarmos não for uma instituição divina, não é o tipo de igreja que almejamos”.4 No plano técnico, há diversidade de formas e abordagens. Elas não são alheias ao plano espiritual em si, porque precisam estar “engatadas” nos princípios bíblicos e teológicos que orientam o plantio de igrejas, conforme alertou Wagner. Ao tratar essa variedade de caminhos, Ronaldo Lidório acrescenta que um número expressivo de movimentos missionários, na história da expansão da Igreja, perdeu-se em meio a esquisitices metodológicas. A razão primária, em boa parte dos casos, não foi infidelidade a Deus ou desejo intencional de liberar-se dos princípios básicos da fé cristã, tão demarcados nos primórdios, mas a ausência de salvaguardas bíblicas na 5 fundamentação de suas atitudes e metodologias ao longo do processo de proclamação.

De modo que, segundo Wagner e também Lidório, entre outros estudiosos do plantio e crescimento de igrejas, o caminho técnico/prático adotado pelo plantador de igreja não é neutro. Ao contrário, pode levá-lo a adotar práticas que pouco contribuem para um crescimento saudável. É desses caminhos que trata este capítulo, com uma especial ênfase àqueles que contemplam o uso de pequenos grupos domésticos como ferramenta para expansão das igrejas. 2.1 – A disciplina do crescimento

Da mesma forma que ocorre com o plantio de igrejas, o estudo de seu crescimento é algo relativamente novo no campo teológico. O pastor Ed Stetzer, missiólogo e editor da revista americana Christianity Today, relata que, quando começou sua primeira iniciativa nessa área, em 1988, só conhecia um livro a respeito do plantio de igrejas.6 Tal disciplina só entrou nos seminários e faculdades de Teologia por influência do pastor Donald Anderson McGravan, nascido na Índia, filho de missionários e, ele mesmo, missionário no Sul da Ásia. Dada a afinidade entre a disciplina do Crescimento de Igreja com as missões, muitos dos principais autores da área são, também, ligados a missões. Tal é o caso de C. Peter Wagner, que 3

WAGNER, 1999, p. 43-44. WAGNER, 1999, p. 44. 5 LIDÓRIO, 2011, p. 16. 6 STETZER, 2010, apud COMISKEY, 2010, p. 17 4

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pregou na Bolívia, e Alan Tippett, missionário nas Ilhas Salomão, na Oceania. De fato, de acordo com Carlos Caldas, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie que incluiu um capítulo sobre o crescimento de igreja em seus Fundamentos da teologia da Igreja, “quem efetivamente mais contribuiu para a divulgação dos postulados do MCI [Movimento de Crescimento de Igreja] foram missionários americanos que voltavam para os Estados Unidos em seus períodos de licença e estudavam no Seminário Teológico Fuller”, 7 onde lecionavam tanto McGavran como Wagner e Tippett e outros. De acordo com as premissas do Movimento de Crescimento de Igreja, é preciso levar em conta os aspectos palpáveis e contáveis da igreja. Quantas pessoas participam dos encontros e celebrações? Essas pessoas estão, efetivamente, sendo pastoreadas, discipuladas e batizadas? A mensuração de resultados faz com que o Movimento de Crescimento de Igreja tenha um cuidado grande com suas estatísticas e números. Eles são, de certa forma, o ponto central – inclusive teológico. “Crescimento de igreja é basicamente um posicionamento teológico. Deus deseja o crescimento de Seu povo”, escreve McGavran.8 O crescimento, nesse caso, se dá a partir de “unidades homogêneas”, na terminologia de McGavran. De acordo com ele, o mundo constitui um mosaico cultural e étnico, em que há pouca comunicação entre cada unidade. A ênfase do plantio de igrejas, portanto, seria estabelecer comunidades capazes de expressar o Cristianismo em cada fração desse mosaico cultural porque “as pessoas preferem tornar-se cristãs sem precisar cruzar barreiras raciais, linguísticas ou de classe social”.9 Embora defendida com muita ênfase por McGavran, a ideia das unidades homogêneas foi um dos muitos pontos polêmicos entre suas teses. O destaque para o crescimento numérico – na quantidade de igrejas, no público afluente, no total de conversões, na arrecadação de dízimos e ofertas – também gerou (e gera) algum desconforto. “Muitos dizem que, se sua igreja estiver crescendo em número de conversões, de membros e de contribuições financeiras, seu ministério é eficiente. Essa visão de ministério está em ascensão porque o individualismo expressivo da 7

CALDAS, 2007, p. 65. MCGAVRAN, 2001, p. 31. 9 MCGAVRAN, 2001, p. 237. 8

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cultura moderna tem corroído profundamente a lealdade às instituições e às comunidades”,10 critica Timothy Keller, fundador da Redeemer Church, congregação presbiteriana de Nova York – uma igreja local que saiu do zero, em 1989, para uma assistência somada de 6 mil pessoas para os oito cultos que realiza a cada domingo nos três endereços que mantém na cidade. Keller, aliás, classifica a produção dos anos 1970 e 1980 sobre crescimento de igreja como “manuais práticos que descrevem tendências, programas e maneiras específicos de fazer igreja”11 e diz que “esses livros não gastam muito tempo apresentando fundamentos oriundos de uma teologia bíblica, embora quase todos citem passagens bíblicas”.12 Um dos principais adversários das propostas de McGavran foi o portoriquenho Orlando Enrique Costas, um dos mais proeminentes teólogos latinoamericanos do século 20, que apontava, ainda, inconsistências na hermenêutica e na ênfase na Igreja (e não na pessoa de Cristo). Ainda assim, Costas destacava pontos positivos no movimento: o fato é que o movimento de crescimento da igreja desafiou de uma ou outra forma a todos os setores do protestantismo. Podemos estar ou não de acordo com suas abordagens, mas não podemos ficar neutros diante de seus postulados. Se em uma época foi possível escutar e esquecer a voz de McGavran, já não se pode passar por cima do movimento que encabeçou. Nem seus críticos o puderam calar nem seus seguidores conseguiram apaziguar as objeções 13 à missiologia de crescimento de igreja.

O movimento iniciado por McGavran realmente tomou diferentes rumos, sempre fundamentados no conceito básico de que as igrejas saudáveis devem crescer, por fidelidade à palavra de Deus. Em consequência, em especial a partir de fins dos anos 1980, diversos líderes expuseram em livros, palestras e cursos a metodologia que eles próprios usaram e que resultaram no desenvolvimento das congregações que dirigem ou dirigiam, muitas delas megaigrejas norte-americanas, cuja frequência situa-se na casa de alguns milhares por fim de semana – um fenômeno que prossegue até hoje. O missiólogo Ronaldo Lidório observou que 10

KELLER, 2014, p. 15. KELLER, 2014, p. 17. 12 KELLER, 2014, p. 17 13 “El hecho es que el movimiento de crecimiento de la iglesia ha desafiado en una u otra forma a todos los sectores del protestantismo. Podemos estar o no de acuerdo con sus planteamientos, pero no podemos quedar neutrales ante sus postulados. Si en una época se pudo escuchar y olvidar la voz de McGavran, ya no se puede pasar por alto al movimiento que ha encabezado. Ni sus críiticos lo han podido callar ni sus seguidores han podido apaciguar las objeciones a la misionologia de Iglecrecimiento”. COSTAS, 1984, p. 60. 11

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todos eles têm, em geral, três ênfases que os aproximam: “a) plantio de igrejas de forma intencional e planejada; b) a rápida incorporação dos novos convertidos à vida diária da igreja; c) ênfase no treinamento de liderança local e comunidades autogovernáveis”.14 Alguns desses métodos serão abordados nas páginas que seguem, em dois grupos. O primeiro é formado por modelos que não são baseados na estratégia de células – entendidas aqui como aquele modelo de organização que se utiliza de grupos com foco na multiplicação, como foi explicado anteriormente e conforme será pormenorizado oportunamente adiante. Os modelos citados nesse primeiro grupo podem incluir em sua estratégia os pequenos grupos, em especial com a finalidade de comunhão ou integração de novos membros. Eles diferem dos modelos essencialmente celulares por não terem a multiplicação dos grupos como alvo. Mesmo nesses casos, tenta-se compreender como tais modelos comunicam-se com a estratégia de pequenos grupos e qual é a importância que eles concedem a essa forma de trabalho. Já os grupos ditos “celulares” têm as células como veículo de crescimento, integração, como estratégia para ampliar o trabalho de evangelização e como forma de ensinar novos crentes e prepará-los para assumir novas responsabilidades no corpo da igreja. A lista apresentada nas próximas páginas não pretende abranger todo o universo de modelos eclesiásticos – até porque eles não cessam de surgir ou modificar-se, mediante a adaptação de alguma corrente à realidade local. Antes, ela busca referências para o estudo desses fenômenos organizacionais e pode servir para a consulta de pastores e líderes interessados em conhecer as ferramentas disponíveis para sua instituição. 2.2 – Alguns modelos não celulares

Mais do que crescimento, os métodos e modelos abordados aqui propõem uma contextualização do ministério cristão, visando também o evangelismo e o atendimento a membros e frequentadores com processos de discipulado que façam

14

LIDÓRIO, 2011, p. 16.

40

a “ponte” entre o novo convertido e a vida diária da igreja, conforme observou Lidório na citação acima. Em comum, muitos deles preveem o estabelecimento de pequenos grupos “como estratégia para o exercício da mutualidade cristã”, 15 segundo comenta o pastor Valdir Stephanini, da Primeira Igreja Batista de Serra Sede (ES) em sua dissertação de mestrado. Tais métodos não foram criados, necessariamente, para servirem de referência ao plantio de novas igrejas. Na maior parte das vezes, eles foram implantados por igrejas brasileiras como formas de revigorar igrejas ou de reorientar seus líderes na busca por um ministério novo e saudável. Não são poucos: em um apêndice a sua obra Nove marcas de uma igreja saudável, o pastor americano Mark Dever cita 40 obras a respeito publicadas entre 1987 e 2004. 16 Baseados nos supostos benefícios de cada modelo, seus adotantes sugerem que a opção precoce resultaria em uma igreja com mais afinidade para o crescimento. 2.2.1 – O modelo de Willow Creek

A Willow Creek Community Church foi criada em outubro de 1975, quando um grupo liderado pelo pastor Bill Hybels alugou um teatro na cidade de Palatine (no estado americano de Illinois, a 50 quilômetros de Chicago).17 A jovem congregação buscava espelhar-se na comunidade descrita por Atos 2, e tinha uma ênfase especial na busca pelas pessoas que não frequentavam nenhuma igreja cristã. Nas palavras de seu fundador: “Quisemos ‘ser a igreja’ para as pessoas que pensavam que a igreja era irrelevante, mas que precisavam dela mui desesperadamente”.18 A igreja adotou essa ideia em sua declaração de missão: “Willow Creek existe para transformar pessoas sem religião em seguidores totalmente devotados de Jesus Cristo”.19

15

STEPHANINI, 2010, p. 159. DEVER, 2009, p. 273-294. 17 “Willow History - Willow Creek Community Church”. Disponível em http://www.willowcreek.org/ aboutwillow/willow-history. Acesso em 8 de julho de 2015. 18 HYBELS; HYBELS, 2003, p. 21. 19 “Willow Creek exists to turn irreligious people into fully devoted followers of Jesus Christ.” “What Willow Believes - Willow Creek Community Church”. Disponível em http://www.willowcreek.org/ aboutwillow/what-willow-believes. Acesso em 8 de julho de 2015. 16

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O modelo de Bill Hybels demanda que cada membro da igreja busque seu lugar de serviço na Igreja – vista aí não apenas como congregação local, mas como a igreja militante, a comunidade de todos os crentes em Jesus Cristo neste determinado momento. Dentro dessa perspectiva, a igreja estabeleceu uma estratégia de sete passos, cujo objetivo último é “realizar a Grande Comissão”:20 1) construa relacionamento com um não-crente; 2) compartilhe um testemunho verbal; 3) prepare uma reunião só para interessados; 4) frequente um culto para crentes; 5) junte um pequeno grupo; 6) descubra e desenvolva seu dom espiritual; e 7) honre a Deus com seus recursos.21 Vale a pena reproduzir parte do que Bill Hybels escreve a respeito da relevância dos pequenos grupos, baseando-se em um exemplo prático: Ray estava morrendo de câncer, mas não estava morrendo em abandono. Seu pequeno grupo se juntou e prometeu solenemente: “Vamos estar junto dele até o fim. Vamos amá-lo e cuidar dele e orar por ele porque ele é nosso irmão em Cristo”. E fizeram o que prometeram. Eles iam até a casa dele e seguravam suas mãos em um semicírculo ao redor de sua cama, cantando juntos o cântico de adoração da Nova Comunidade que tinha se tornado o seu tema: “Sê forte e corajoso, porque o Senhor teu Deus é contigo”. Isto é que é estar em um pequeno grupo. É um lugar de lealdade e compaixão, comprometimento e cuidado, oração e sacrifício mútuo. É um pequeno pelotão sustentador em que pessoas podem compartilhar suas vidas umas com as outras, expor seus pecados e temores, procurar conselho e encorajamento, considerar-se responsáveis uns pelos outros, crescer juntos espiritualmente, e dar e receber amor divino. Não é acidente que mesmo Jesus 22 tenha se cercado de um pequeno grupo entrelaçado de seguidores.

2.2.2 – A igreja com propósitos

O modelo proposto pelo pastor americano Rick Warren baseia-se na Igreja de Saddleback, congregação plantada por ele em Lake Forest, no estado americano da Califórnia, a pouco mais de 90 quilômetros de Los Angeles. O trabalho começou em 1980, com apenas uma família, na própria residência do pastor. A proposta foi delineada no livro Uma igreja com propósitos, 23 que teve grande repercussão no Brasil. Nele, Warren mostra-se influenciado pelos escritos de McGavran, ainda que pareça um rebelde contido em relação aos postulados de crescimento da igreja. Ele

20

HYBELS; HYBELS, 2003, p. 249. HYBELS; HYBELS, 2003, p. 229-250. 22 HYBELS; HYBELS, 2003, p. 243. 23 WARREN, 1998. 21

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defende a expansão espontânea da igreja, em oposição às estratégias e fórmulas. “Quando congregações estão saudáveis, elas crescem como Deus determinou. igrejas saudáveis não necessitam de atrativos para crescer. Elas crescem naturalmente”, escreve.24 De acordo com Warren toda igreja tem, basicamente, cinco propósitos: amar a Deus com todo o coração (o propósito da adoração), amar o seu próximo como a si mesmo (serviço), fazer discípulos (evangelismo), batizá-los e introduzi-los à comunhão dos crentes (comunhão) e ensiná-los a obedecer (discipulado).25 É em torno desses princípios que são construídos os outros objetivos da igreja – incluindo, portanto, a visão dos pequenos grupos –, e ela deve contemplar uma visão balanceada de todos eles. Em uma avaliação dos movimentos recentes da igreja, Warren agrupa as iniciativas em cinco categorias, cada uma delas com ênfase em algum dos propósitos básicos da igreja, observando que o sucesso deles é limitado justamente porque não buscam um equilíbrio entre essas áreas. Tais movimentos são o de “renovação de leigos”, “formação discipular/espiritual”, “adoração/renovação”, “crescimento da igreja” e “pequenos grupos/cuidado pastoral”. Este último tem como foco “o trabalho da igreja na comunhão e no cuidado com relacionamentos dentro do corpo”. 26 De fato, a igreja de Saddleback tem grande ênfase nessa rede de pequenos grupos, classificada por Warren como “o principal programa” da congregação. “Comunhão, cuidado pessoal e amizades são benefícios que eles trazem. Dizemos às pessoas: ‘Você não vai se sentir realmente parte da família até que você se junte a um pequeno grupo’”.27 2.2.3 – Desenvolvimento natural da igreja

O desenvolvimento natural da igreja, de Christian A. Schwarz, parte do princípio de que muitos dos sistemas de crescimento de igreja têm pontos de partida inválidos – são “mitos”, conforme os classifica Schwarz. Muitos desses pontos de partida seriam, inclusive, contraditórios: 24

WARREN, 1998, p. 21. WARREN, 1998, p. 127-135. 26 WARREN, 1998, p. 154-156. 27 WARREN, 1998, p. 174. 25

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Basta olhar a literatura sobre o tema crescimento de igreja e ficamos estupefatos: são oferecidos muitos programas e eventos, em cuja maioria há a promessa "façam como nós e vocês terão o mesmo sucesso". O aspecto desagradável em tudo isso é que a maioria dos conceitos apregoados se contradiz: algumas igrejas defendem a construção de megaigrejas como o meio mais eficaz de saturar a sociedade com o evangelho; outras reduzem o tamanho ideal da igreja a pequenos grupos. Há igrejas que creem que o culto totalmente direcionado para incrédulos seja o segredo do sucesso; outras garantem que o culto deva ser o lugar da adoração e de edificação para os cristãos. Algumas igrejas exaltam novas estratégias de marketing como o método irrefutável de crescimento de igreja; outras realizam 28 com sucesso a edificação de igreja sem jamais terem ouvido falar de marketing.

Schwarz é, portanto, um crítico dos modelos de crescimento, e defende que as igrejas que crescem o fazem a partir de um processo natural – ou “automático”, conforme escreve 29 . Ele se alinha com aqueles que advertem que uma igreja saudável tem maior foco na qualidade de seus membros que na quantidade. De fato, o autor aponta “a qualidade da vida da igreja como chave estratégica para seu crescimento”.30 Diferentemente de outros autores que militam nessa área, Schwarz é muito mais um pesquisador que um pastor ou missionário. O desenvolvimento natural da igreja é baseado em um levantamento feito, inicialmente, com perto de 1.000 igrejas, em 32 países, e ampliado posteriormente. A ideia, de acordo com o próprio autor, era estabelecer quais seriam os princípios universais por trás do crescimento das congregações, e separá-los dos “mitos” que cercam o tema.31 Schwarz propõe uma avaliação da “qualidade” das igrejas, baseada em uma grade com oito marcas que caracterizariam uma igreja saudável: liderança capacitadora; ministérios orientados pelos dons; espiritualidade contagiante; estruturas eficazes; culto inspirador; grupos pequenos; evangelização orientada para as necessidades; e relacionamentos orientados pelo amor fraternal. 32 Schwarz e seus colaboradores definiram “notas” para cada uma dessas marcas, de modo que o desempenho da congregação em cada uma delas pode ser medido e comparado com as outras marcas. De acordo com o estudo, as igrejas que crescem “se diferenciam estatisticamente, de forma significativa em todos os oito campos das

28

SCHWARZ, 2010, p. 18. SCHWARZ, 2010, p. 14. 30 SCHWARZ, 2010, p. 16. 31 SCHWARZ, 2010, p. 20. 32 SCHWARZ, 2010, p. 24-39. 29

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igrejas que estão em declínio. Igrejas que crescem têm, portanto, uma qualidade superior mensurável”.33 2.2.4 – Nove marcas Nove marcas de uma igreja saudável, 34 de Mark Dever, pastor da Igreja Batista de Capitol Hill (Washington, DC, Estados Unidos) não trata de crescimento de igreja, mas retrata a experiência do autor em uma congregação que cresce. De forma semelhante a Schwarz, ele apresenta uma lista de características distintivas de uma congregação que cumpre sua função bíblica de fazer discípulos – qualquer congregação, independentemente do número de membros ou frequentadores. Tais marcas são a pregação expositiva das Escrituras; Teologia bíblica; o Evangelho (entendido aqui como a exposição completa, não parcial, das boas-novas de Jesus Cristo); um entendimento bíblico de conversão, um entendimento bíblico da evangelização; um entendimento bíblico da membresia da igreja; disciplina bíblica na igreja; interesse pelo discipulado e crescimento; e liderança bíblica na igreja. Diferentemente de Schwarz, que usa a estatística e a pesquisa com membros de igrejas para justificar sua abordagem, Dever embasa seu trabalho em referências bíblicas e em sua própria experiência na igreja de Capitol Hill.35 Dever não fala, explicitamente, sobre grupos pequenos em sua obra sobre a igreja saudável. A igreja de Capitol Hill, entretanto, mantém um ministério de grupos pequenos de companheirismo, oração e aprendizado. De acordo com o website da igreja, a missão dos pequenos grupos é “edificar irmãos e irmãs no Senhor mediante amizade próxima, com comprometimento e prestação de contas”.36

33

SCHWARZ, 2010 , p. 41. Dever, 2009. 35 DEVER, 2009, p. 14-18 36 “Each of these small groups carries with it the mission to build up brothers and sisters in the Lord by close, accountable, and committed fellowship.” “Small Groups | Capitol Hill Baptist”. Disponível em http://www.capitolhillbaptist.org/connect/small-groups. Acesso em 13/7/2015. 34

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2.3 – Os modelos celulares

Nos modelos anteriores, os encontros de pequenos grupos constituem uma parte entre uma diversidade de ferramentas para crescimento e edificação da igreja. Há outros modelos, entretanto, que têm nele o coração de sua forma de atuar. Estes serão denominados aqui, de forma genérica, como “modelos celulares”, por uma analogia com os sistemas biológicos. Na Biologia, uma célula é “a menor unidade de matéria viva que pode existir de maneira independente, e ser “capaz de reproduzirse”.37 A reprodução se dá, na maior parte das vezes, por cissiparidade. Ou seja, por divisão em duas, de forma que as células resultantes possuem características genéticas idênticas. Todos os seres vivos, por mais complexos que sejam, são formados de células constituídas da mesma forma, e possuidoras do mesmo código genético. Joel Comiskey explica assim a semelhança entre as células biológicas e estas outras, que constituem ferramenta de organização e crescimento de igrejas pelo mundo: “Assim como as células individuais se juntam para formar o corpo de um ser humano, as células de uma igreja formam o Corpo de Cristo”.38 O mesmo autor, um dos grandes divulgadores do modelo celular, tem uma definição mais acabada do que seriam as células no ambiente eclesiológico: São grupos pequenos abertos focalizados no evangelismo que estão embutidos na vida da igreja. Elas se reúnem semanalmente para que seus participantes se edifiquem uns aos outros como membros do Corpo de Cristo, e para anunciar o evangelho àqueles que não conhecem Jesus. O objetivo final de cada célula é multiplicar-se à medida que o grupo cresce 39 por meio do evangelismo e das conversões que seguem.

Algumas características citadas nessa definição precisam ser destacadas. Em primeiro lugar, trata-se de um grupo pequeno. Há variações em relação ao que significa este “pequeno”. Comiskey estipula entre 3 a 15 pessoas.40 Ed René Kivitz, no manual para líderes de pequenos grupos que publicou, coloca o tamanho ideal entre 3 e 12 pessoas.41 Mikel Neumann, que foi missionário em Madagascar antes 37

FERREIRA, 2004, p. 436 COMISKEY, 2001, p. 19. 39 COMISKEY, 2001, p. 19. 40 COMISKEY, 2010. P. 122. 41 KIVITZ, 1998, p. 51. Kivitz sugere que os grupos que superarem esse tamanho devem ser encorajados a “dividirem-se, dando origem a outros Pequenos Grupos”. Observe-se que a metodologia apresentada no manual – adotada à época pela Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo, pastoreada por Ed René Kivitz – 38

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de escrever seu Alcançar a cidade – as células na evangelização urbana, prescreve que os “grupos domésticos” devem ter de 5 a 20 pessoas.42 Howard Snyder, que vê os pequenos grupos como um veículo para a busca de uma renovação ampla para as igrejas cristãs, comenta que “um pequeno grupo de oito a doze pessoas que se reúne informalmente nas casas é a estrutura mais eficaz para a comunicação do evangelho em nossa sociedade high-tech”.43 Já Abe Huber e Ivanildo Gomes, ambos dirigentes da Igreja da Paz, em Fortaleza, escrevem que os grupos devem ter de 6 a 16 pessoas e que, ao atingir 15 ou 16 frequentadores, o grupo deve multiplicar-se. Dez ou 12 pessoas é o número ideal, apontam eles.44 É possível que, quanto mais autores forem consultados a respeito do tamanho ideal de uma célula, mais opiniões venham a surgir. Para muitas congregações, esses números podem significar um terço da membresia. Observando as diferentes definições, parece ficar claro que o número deve ser pequeno o suficiente para abrigar-se sem maiores dificuldades em uma residência, ainda que modesta, e não pode ser grande o bastante a ponto de rivalizar com o tamanho da igreja. Em segundo lugar, o grupo deve ser aberto, o que significa que precisa estar pronto para receber novos participantes. Não deve ser, portanto, apenas um grupo de comunhão, onde a satisfação de estar junto com amigos inibe o objetivo de buscar novas pessoas que possam ser evangelizadas, discipuladas e equipadas para liderar novos grupos. A periodicidade semanal também ajuda a distinguir a célula de outros grupos paraeclesiásticos, cujos encontros são menos frequentes. Ao contrário, as células devem estar embutidas à vida da igreja. Por fim, o objetivo final de multiplicação tende a ser essencial para a ampliação da igreja. Nesse aspecto, vale a pena resgatar uma observação de Christian A. Schwarz em seus estudos sobre o desenvolvimento natural da igreja. “Nossa pesquisa sobre igrejas que crescem ou decrescem em todo mundo, nos levou à conclusão de que a multiplicação constante dos grupos pequenos é um

não corresponde à ideia de célula. Kivitz sugere que os grupos possam existir em pelo menos três formas principais: grupos de discipulado, grupos de ministério e grupos especiais, que supririam as necessidades de parcelas específicas da igreja, como “oração, dramatização, integração de novos cristãos na comunidade, evangelização de grupos especiais e diaconias sociais” (p. 52). Não há a busca essencial pelo crescimento, mas a possibilidade de multiplicação em caso de “inchaço”. 42 NEUMANN (1993), p. 17. 43 SNYDER, 1997, p. 170. 44 HUBER; GOMES, 2010, p. 23.

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princípio universal de crescimento de igreja”, escreveu. 45 Os pequenos grupos constituem um dos oito princípios de crescimento identificados pelo levantamento, que o autor considerou o mais relevante de todos: Se um dos princípios estudados deve ser considerado "o mais importante", então é, sem dúvida, a multiplicação dos pequenos grupos. Para fazer jus à importância dos grupos pequenos desenvolvemos todo o nosso material de edificação de igreja de tal forma que pudesse ser aplicados nesse contexto. Pudemos constatar que existe uma enorme diferença entre a liderança de uma igreja discute e delibera sobre assuntos como "evangelismo", "relacionamentos marcados pelo amor" ou "ministérios orientados pelos dons" e aquela igreja em que cada membro está integrado em um grupo pequeno e passa por um processo em que 46 o participante experimenta na prática a relação entre esses conceitos e a vida do grupo.

Entende-se, então, que para Schwarz os pequenos grupos são uma espécie de arena, onde o participante da igreja coloca em prática os outros princípios que fazem diferença na vida e no crescimento da igreja. Sem a proximidade das outras pessoas propiciada pelo relacionamento em pequenos grupos, talvez essa atuação prática nunca viesse a ocorrer. Os pequenos grupos – no caso, as células – são a ferramenta capaz de viabilizar o evangelismo, os "relacionamentos marcados pelo amor" e os "ministérios orientados pelos dons", preconizados por Schwarz. 47 Assim como outros métodos de organização e crescimento de igreja, também as células têm diferentes abordagens. Nas próximas páginas serão tratados alguns desses modelos, que têm tido sucesso ou repercussão no Brasil, em especial dentro do contexto das igrejas batistas. 2.3.1 – Igreja em células

Embora reivindique antecedentes históricos (que serão tratados mais adiante), o movimento Igreja em Células tem sua gênese a partir dos estudos do pastor americano Ralph Neighbour Jr., que conheceu o sistema adotado na Coreia do Sul pelo pastor Paul Yonggi Cho e sua igreja do Evangelho Pleno, ligada às Assembleias de Deus. Os escritos posteriores de Neighbour serviram de base para o que se conhece hoje por Ministério Igreja em Células. Joel Comiskey, sob a orientação de Neighbour, foi um teórico e divulgador do tema, a partir de uma 45

SCHWARZ, 2010, p. 34. SCHWARZ, 2010, p. 35. 47 SCHWARZ, 2010, p. 22-39. 46

48

pesquisa com oito igrejas de grande crescimento nos Estados Unidos, Equador, El Salvador, Colômbia, Cingapura, Honduras, Peru e Coreia do Sul (esta última, a Igreja Yoido do Evangelho Pleno, de Yonggi Cho). Desta pesquisa resultou O crescimento explosivo da igreja em células, obra principal de Comiskey a respeito do tema.48 O índice onomástico da obra demonstra o quanto Comiskey é tributário de Cho e de Neighbour: há 21 referências ao primeiro e 19 ao segundo nas 152 páginas do livro, mais do que qualquer outro autor. No Brasil, o Ministério Igreja em Células está organizado como uma organização paraeclesiástica, sediada em Curitiba (PR) e dirigida pelo pastor Roberto Lay, da Igreja dos Irmãos Menonitas.49 Comiskey e Neighbour diferenciam o que seriam igrejas nas casas de igrejas em células. Em geral, igrejas nas casas são autônomas em relação umas às outras e, mesmo que haja outros pontos de encontro próximos, elas não interagem entre si. A igreja em células, por sua vez, demanda uma intensa interação entre os grupos e a convivência também em celebrações conjuntas.50 Há diferenças também entre o sistema e a lógica convencional de pequenos grupos. Comiskey e outros autores observam que a adoção de grupos pequenos não é novidade na paisagem protestante, em especial nos Estados Unidos. De acordo com ele, 80 milhões de adultos participavam de grupos pequenos em suas igrejas em 1994. 51 O que diferencia as células desses grupos pequenos é, basicamente, a mentalidade focada na multiplicação. Essa mentalidade de multiplicação está relacionada com a vocação das células para o evangelismo. “O evangelismo que resulta na proliferação de células é, claramente, a característica mais notável da igreja em células ao redor do mundo”, assinala Comiskey. 52 Na igreja Yoido do Evangelho Pleno – que alguns apontam como a maior congregação do mundo –, Cho atribui o crescimento às células. “Ao refletir sobre meus cinquenta anos de ministério, chego à conclusão de que o sistema em células foi a chave do crescimento de minha igreja à luz da graça e da bênção de Deus”, escreveu.53

48

COMISKEY, 2001. “MIC - O que é”. Disponível em http://www.celulas.com.br/o_que_e.php. Acesso em 31/10/2015. 50 COMISKEY, 2001, p. 18. 51 COMISKEY, 2001, p. 18, 139. 52 COMISKEY 2001, p.22. 53 CHO, 2008, p. 11. 49

49

Pelo sistema de células, toda a vida da igreja é organizada ao redor desses grupos. Todos os participantes da congregação são estimulados a fazer parte de uma delas e a servir nelas. O exemplo das igrejas pesquisadas por Comiskey atesta isso: “O ministério em células é a espinha dorsal das oito igrejas estudadas nesta análise. Elas organizam o quadro pastoral, o cadastro de membros, batismos, ofertas e cultos de celebração em torno do ministério em células”.54 2.3.2 – Modelo dos 12 O sistema conhecido como “Modelo dos grupos de 12”, “Visão Celular no Governo dos 12” ou, mais simplesmente, G12, é uma derivação do modelo de células. Surgido nos anos 1980 e consolidado na década seguinte em Bogotá (Colômbia), a partir da experiência do pastor Cesar Castellanos na Missão Carismática Internacional. A missão é uma das igrejas estudadas por Joel Comiskey dentro do projeto que se concretizou no livro O crescimento explosivo da igreja em células.55 De acordo com Comiskey, Castellanos teve uma visão de Deus a respeito da organização da igreja e do crescimento de seu ministério, depois de ter visitado a Igreja Yoido do Evangelho Pleno. Essa visão o levou a arregimentar 12 pastores, que passaram a se reunir com ele semanalmente. Cada um desses 12 buscou outras pessoas, cada uma delas também com 12 abaixo de si e assim sucessivamente, ampliando o alcance da rede de forma a alcançar toda a igreja. A escolha do número 12 é amparada no exemplo de Jesus, que “formou sua célula de 12”56 pessoas. Por isso mesmo, o número é visto como essencial na estratégia: ele não pode ter menos de 12 pessoas, e se passar disso deve multiplicar-se. Comiskey vê os grupos como uma forma eficiente de alavancar novas lideranças. “O conceito dos grupos de 12 é realmente um meio de se multiplicar a liderança e, por consequência, multiplicar grupos mais rapidamente. Em vez de esperar que uma célula inteira dê origem a uma nova célula naturalmente, esse conceito leva os líderes de célula a procurar ativamente por pessoas leigas para 54

COMISKEY, 2001, p. 19. COMISKEY, 2001, p. 12, 16. 56 COMISKEY, 2001, p. 51 55

50

liderar novos grupos, e assim se tornarem discípulos no processo”, descreve. 57 Todos os membros de célula são vistos como líderes em potencial. A filosofia do G12 leva a uma ênfase intensa na multiplicação dos grupos, mas conta com a oposição de algumas áreas do protestantismo brasileiro. As objeções se devem à ênfase neopentecostal atribuída ao pensamento de Castellanos e de seus seguidores no Brasil, como Renê Terra Nova e Valnice Milhomens. Nas palavras da historiadora e pesquisadora baiana Caroline Luz e Silva Dias: “No momento em que o G12 deixou de ser estratégia de crescimento para portar doutrinas próprias, começaram os embates discursivos sobre as doutrinas do G12”.58 Tais debates levaram a uma restrição ao G12 em algumas denominações, entre elas a batista. Em 2000, a Convenção Batista Brasileira incumbiu um grupo de trabalho de avaliar o movimento, suas bases teológicas e suas práticas. No documento que emitiu a respeito do movimento, são citadas nove práticas que se oporiam à doutrina batista: a. A ênfase na maldição hereditária, com esquecimento do teor geral da Bíblia, sobre o assunto; b. a prática da chamada confissão positiva; c. práticas de regressão psicológica; d. ensino e a prática da chamada “nova unção”; e. prática do sopro espiritual; f. ensino do batismo do Espírito Santo como “segunda bênção”, tendo línguas como evidência; g. prática do segredo; h. unção com óleo; 59 i. urros e palavras de ordem nos cultos.

De acordo com o pronunciamento resultante desses estudos, “seus métodos e procedimentos vêm ao arrepio dos princípios e ensinos das Santas Escrituras. Com efeito, ensinos e práticas por ele adotados opõem-se claramente à Palavra de Deus”.60 Como resultado desse documento, a Convenção Batista Brasileira rejeitou oficialmente os ensinamentos do G12 e exortou os pastores e líderes a analisar com cuidado qualquer movimento e este em especial.

57

COMISKEY, 2001, p. 106. DIAS, 2009, p. 108. 59 CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA, 2000. Apresentada no original em forma de alíneas. 60 CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA, 2000. 58

51

2.3.3 – Movimento do Discipulado Apostólico

Outro modelo aparentado do Movimento Igreja em Células, o MDA delineia-se a partir da experiência de seu fundador, o pastor, americano-brasileiro Abe Huber. Nascido em Belo Horizonte de pais missionários americanos, Huber cursou o seminário nos Estados Unidos, onde se formou também em música.61 Melvin Edward Huber, pai do pastor Abe, havia chegado ao Brasil em 1956 como missionário da Igreja do Nazareno e, em 1976, foi com a família ao Norte do Brasil. Surgiu assim a Igreja da Paz, que Abe passou a pastorear em 1982, juntamente com seu irmão Lucas, que viria a morrer em 1994, vítima de acidente aéreo. A transição para a organização em células ocorreu a partir de 1993. O modelo fez com que, entre 1993 e 2000, a igreja crescesse de 400 para 8 mil membros, e de 12 para 800 células.62 Em 2005 Huber deixou Santarém e estabeleceu-se em Fortaleza para dar início a uma nova Igreja da Paz. A experiência foi descrita rapidamente por Joel Comiskey: Agora Abe lidera um movimento de plantação de igrejas que está ganhando e discipulando milhares de pessoas para Jesus em Fortaleza. Abe integrou o discipulado um a um no processo de treinamento da igreja. Cada pessoa que vem a um culto de celebração ou a uma célula é designada para uma mentoria um a um. O mentor e o mentoreado se reúnem semanalmente para encorajamento e prestação de contas. O mentor conduz a nova pessoa para participar de classes de treinamento adicional e de retiros espirituais que são parte do 63 processo de preparo, chamado MDA (Modelo do Discipulado Apostólico).

Embora seja bastante diferente do G12 em diversos aspectos, o MDA tem uma formulação mais amigável para igrejas de tradição pentecostal que para os protestantes históricos. Seus encontros incluem aberturas específicas para a manifestação de profecia e para a manifestação de glossolalia.64 Seu modelo é mais focado nos encontros pessoais (um a um) e é menos rígido que o G12. Sem comparações, Huber e Gomes explicam isso de um modo algo jocoso:

61

“Pr. Abe Huber | Igreja da Paz Fortaleza”. Disponível em http://www.igrejadapaz.com.br/fortaleza/aigreja/pr-abe-huber . Acesso em 15 de julho de 2015. 62 “Pr. Abe Huber | Igreja da Paz Fortaleza”. Disponível em http://www.igrejadapaz.com.br/fortaleza/aigreja/pr-abe-huber . Acesso em 15 de julho de 2015. 63 COMISKEY, 2010, p. 41. 64 HUBER; GOMES, 2010, p. 52-53.

52

No MDA não sacralizamos métodos, fórmulas, nem tampouco achamos que temos um modelo imexível, infalível como o cânon das Escrituras. O modelo está sendo aperfeiçoado, melhorado a cada dia. Se alguém adaptar ou traduzir para a sua realidade e contexto algum dos nossos métodos, de maneira nenhuma perderá a sua porção ou galardão no céu, nem o 65 seu nome será riscado do livro da vida.

Uma das críticas que se tem feito ao modelo MDA é a respeito da interferência dos líderes e discipuladores na atuação diária de seus liderados. Em sua dissertação de mestrado em Teologia, a psicóloga Raimunda Margarete Teixeira Muniz avaliou que “na Igreja da Paz em Santarém, a autoridade do discipulador para com o discípulo é algo forte e levado muito a sério; nas tomadas de decisões nas mais diversas áreas do discípulo, a palavra do discipulador tem um

peso

significativo,

o que pode levar ao abuso de poder”. 66 Apesar da

observação, a autora não aponta nenhum indício de abuso em seu trabalho.67 Uma característica importante da Igreja da Paz tem sido sua dinâmica peculiar de plantação de igrejas. A igreja e seu líder, Huber, têm o objetivo de plantar grandes igrejas em grandes metrópoles, “todas organizadas em pequenos grupos e solidificadas em vínculos fortes e inquebráveis de discipulado pessoal um a um”. 68 O projeto reproduz em larga escala o que a igreja já vinha fazendo em localidades menores por toda a região amazônica. Para esse projeto, o objetivo da igreja não é lançar sementes para evangelizar pessoas e fazer nascer uma nova igreja. Em vez disso, Abe Huber propõe “transplantar um bosque inteiro”.69 Com esse objetivo, de acordo com o site da sede Fortaleza da igreja, entre janeiro e abril de 2005 cerca de 100 membros da Igreja da Paz de Santarém se mudaram para Fortaleza, submetendo-se a mudanças climáticas, culturais e linguísticas. Em seu livro O fator Barnabé, Huber cita o caso de Gildo, homem que se converteu em Santarém para, mais tarde, tornar-se pastor e treinar um grupo de sucessores na

65

HUBER; GOMES, 2010, p. 90. MUNIZ, 2012, p. 22. 67 A respeito das consequências do abuso de poder por parte de lideranças evangélicas brasileiras, o livroreportagem Feridos em Nome de Deus, de Marília de Camargo César (CÉSAR, Marlília de Camargo. São Paulo: Mundo Cristão, 2009) é uma excelente fonte de informação. 68 Disponível em http://www.igrejadapaz.com.br/fortaleza/a-igreja/. Acesso em 31/10/2015. 69 “A Igreja | Igreja da Paz Fortaleza”. Disponível em http://www.igrejadapaz.com.br/fortaleza/a-igreja/. Acesso em 31/10/2015. 66

53

cidade, “como preparação para o envio da grande equipe de pastores e líderes que sairia para Fortaleza, em 2005”70 – uma equipe da qual o próprio Gildo fez parte.71 As reuniões em Fortaleza começaram em uma garagem, e em agosto de 2006 ocorreu a inauguração do templo, em uma avenida “estrategicamente escolhida” da cidade. 72 Em janeiro de 2015, a Igreja da Paz Fortaleza tinha aproximadamente 1.050 células e uma frequência média de 8.000 pessoas nas células. Além da sede, a igreja havia implantado núcleos em outros bairros e contava um total de 100 igrejas no estado do Ceará.73 2.3.4 – Pequeno grupo multiplicador

O modelo dos pequenos grupos multiplicadores (PGMs) foi desenvolvido como uma contribuição da Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, em 2014. De acordo com o pastor Luís Roberto Silvado, então presidente da Convenção, os pequenos grupos “têm sido uma estratégia muito abençoadora para viabilizar de forma saudável o crescimento numérico de discípulos e a plantação de igrejas”.

74

A metodologia apresentada pela obra promove uma

amálgama de diversas estratégias usadas por igrejas evangélicas brasileiras ao longo da história, notadamente a dos “pontos de pregação” – em que “famílias cristãs abrem suas casas e convidam seus vizinhos para cultos no lar”,75 evoluindo futuramente para congregações e igrejas autônomas – e dos Núcleos de Estudos Bíblicos, que usavam caminho semelhante para levar conhecimento das Escrituras. Os PGMs diferenciam-se de seus predecessores pela sua ênfase na multiplicação intencional e programada. “Multiplicação é um alvo para tudo o que fazemos como igreja. Multiplicamos vidas, multiplicamos o amor de Deus, multiplicamos alegria, multiplicamos casais vivendo um casamento à luz da Bíblia, multiplicamos restauração, entre outras coisas”, escreve o pastor Márcio Tunala, 70

HUBER, 2009, p. 83. HUBER, 2009, p.79-83. 72 “A Igreja | Igreja da Paz Fortaleza”. Disponível em http://www.igrejadapaz.com.br/fortaleza/a-igreja/. Acesso em 31/10/2015. 73 “Pr. Abe Huber | Igreja da Paz Fortaleza”. Disponível em http://www.igrejadapaz.com.br/fortaleza/aigreja/pr-abe-huber . Acesso em 31/10/2015. 74 SILVADO, 2014, apud TUNALA, 2014, p. 5 75 SILVADO, 2014, apud TUNALA, 2014, p. 5 71

54

autor da obra e ministro de células e integração da Igreja Batista do Bacacheri, de Curitiba.76 O sistema dos PGMs segue, de alguma forma, a estrutura de orientação piramidal que caracteriza modelos como o do G12. É, entretanto, menos “agressivo”: Tunala sugere que um pastor ou líder de igreja pode cuidar de até mais ou menos (dependendo do contexto da igreja) de até cinco pequenos grupos – e não 12, conforme preconiza o modelo de Cesar Castellanos.77 2.4 – Alinhando passado e presente

Diversos autores alinhados com o movimento de células buscam legitimidade ao listar movimentos do passado que atuaram de forma semelhante à que adotam hoje. De forma mais consistente, praticamente todos lembram as iniciativas de John Wesley na evangelização baseada em classes de estudo bíblico. Outros autores destacam os pietistas alemães, no século 17, como antecedente histórico da prática. Comiskey assinala o pioneirismo de Wesley, fundador do movimento metodista, no evangelismo por meio de grupos pequenos. De acordo com ele, “Wesley estava mais interessado no discipulado do que numa decisão” por Cristo, e suas classes funcionavam como um eficiente “agente discipulador”. 78 As classes multiplicavam-se à medida que se ampliava o interesse pelos seus ensinos e também mediante a disponibilidade de pessoas capazes de liderá-las. “A multiplicação da célula é o único caminho comprovado de permanecer pequeno enquanto evangeliza fielmente. Wesley praticava esse princípio e lançou o fundamento para a explosão da moderna igreja em células”, argumenta.79 Apesar da categórica afirmação de pioneirismo exposta por Comiskey, outros dois movimentos precederam as classes de Wesley. Tunala cita os Valdenses, um grupo pré-Reforma que seguia os ensinamentos de Pedro Valdo, um comerciante nascido em Lyon (França) que começou a pregar uma tradução própria da Bíblia no Norte da Itália, em meados do século 12. “Perseguidos durante a Idade Média”,

76

TUNALA, 2014, p.22. TUNALA, 2014, p.64. 78 COMISKEY, 2001, p. 23-24. 79 COMISKEY, 2001, p. 24. 77

55

escreve Márcio Tunala, “encontraram-se nas casas de família e até mesmo nas grutas e cavernas para grupos de estudo da Bíblia e comunhão”.80 Valberto da Cruz e Fabiana Ramos, em obra sobre pequenos grupos, destacam os pietistas, um ramo do luteranismo que defendia a retomada dos ideais da reforma e o ministério universal dos crentes, entre outras bandeiras. “Philip Jakob Spener (1635-1705), pai do pietismo alemão, destacou o pequeno grupo, denominado “reunião piedosa” (collegia pietatis), como eficiente ambiente de consolidação da fé dos cristãos. Os cristãos ‘pietistas’ se reuniam duas vezes por semana em pequenos grupos, para lerem e refletirem sobre as Escrituras”, escrevem81. Segundo o pesquisador luterano Marlon Ronald Fluck, o pastor deveria exercer uma “piedade prática” – ou seja, devia dedicar-se ao pastoreio, e não às discussões acadêmicas.82 Recuando ainda mais, é possível ver alguma familiaridade nos movimentos da igreja descrita no livro de Atos dos Apóstolos com aquela que surge nos desenvolvimentos atuais do movimento celular. Joel Comiskey destaca que a igreja (que, nas últimas décadas do século passado enveredou pelo caminho do estabelecimento de congregações muito grandes e complexas, que foram apelidadas de megaigrejas) deveria buscar a simplicidade – uma simplicidade que encontra seu modelo justamente nas congregações dos primeiros anos do Cristianismo: “A igreja do Novo Testamento era simples e reprodutível. As igrejas primitivas nas casas se reuniam sempre que possível. Muitas vezes, por causa da perseguição,

elas

funcionavam

subterraneamente.

Igrejas

nas

casas

se

multiplicavam entrando em novas casas, e consequentemente esse sistema simples de multiplicação efetivamente espalhou o evangelho pelo mundo inteiro”.

83

Timothy Keller, em Igreja centrada, livro escrito para sistematizar a visão teológica por trás da plantação de igrejas capitaneada pelo Centro de Plantação de Igrejas da Redeemer Church, vai mais além. Para ele, no ambiente em que se desenrola o trabalho missionário de Paulo, “só era possível iniciar igrejas pela multiplicação de novos grupos de cristãos que se reuniam em lares sob a supervisão

80

TUNALA, 2014, p. 18. CRUZ; RAMOS, 2007, p. 56. A expressão latina está em itálico no original 82 FLUCK, 2009, p. 27-28. 83 COMISKEY, 2010, p. 54. 81

56

de presbíteros”.84 Estavam presentes, portanto, os mesmos elementos distintivos do trabalho em células apontado pela definição já citada de Comiskey: grupos pequenos, abertos, focalizados no evangelismo, com encontros periódicos e tendo por objetivo a multiplicação. A observação de Keller serve de ponte para a pergunta essencial: os pequenos grupos são (ou talvez seja mais apropriado indagar se continuam sendo) funcionais para a plantação de novas igrejas?

2.5 – Algumas considerações

Após uma revisão da literatura a respeito do tema das células, parece evidente que a estratégia é consistente com a caminhada do Cristianismo. Os pequenos grupos estavam presentes nos primórdios da Igreja e foram ferramenta essencial para o plantio das primeiras igrejas locais de que se tem notícia. Também foram revistos em momentos-chave da história do Protestantismo, na Idade Média, após a Reforma e nos avivamentos (a exemplo de Wesley). Mais recentemente, foram abraçados como parte da estratégia de diversos modelos de crescimento de igreja, sendo que alguns deles fizeram dessa forma de organização um elemento essencial de suas práticas. O fato de ser bastante disseminado, entretanto, não deve ser encarado como uma garantia de sucesso, nem mesmo uma prova de que os grupos pequenos ou células devam ser adotados por toda e qualquer organização eclesiástica. Mesmo que venha referendado por uma aparente compatibilidade com os modelos apresentados no Novo Testamento, qualquer modelo precisa ser avaliado com cuidado. A esse respeito, Thimothy Keller adverte: “A meu ver, a abordagem mais sensata é levar muito a sério as práticas de plantação de igrejas usadas por Paulo em Atos, mas ao mesmo tempo reconhecer que esse livro da Bíblia não nos dá regras fixas para esse trabalho em todos os lugares, épocas e contextos. É mais aconselhável buscar princípios gerais em vez de regras ou práticas detalhadas”.85

84 85

KELLER, 2014, p. 420. KELLER, 2014, p. 418.

57

Ronaldo Lidório aponta algumas dificuldades comuns no processo de plantação de igrejas, mesmo naqueles que parecem ser calçados nos modelos mais interessantes de crescimento de igreja: a) A dificuldade de se distinguir igreja e templo, perdendo o valor do discipulado e gerando mais investimento na estrutura do que em pessoas. b) A demora na introdução dos convertidos à vida diária da Igreja, diluindo o valor da comunhão e integração além de gerar crentes imaturos, sem funções, desafios ou envolvimento. c) A despreocupação com os fundamentos teológicos e atração pelos mecanismos puramente pragmáticos. d) A ausência de sensibilidade social e cultural, pregando um evangelho sem sentido para o contexto receptor. Uma mensagem alienada da realidade da vida. e) A excessiva pressa no plantio de igrejas, gerando comunidades superficiais na Palavra e abrindo oportunidades reais para o sincretismo ou nominalismo. f) O excessivo envolvimento com a estrutura da missão ou da igreja, desgastando pessoas, recursos, tempo e minimizando o que deveria ser o maior e mais amplo investimento: a 86 proclamação do evangelho.

O próximo capítulo trata de uma experiência prática na plantação de igrejas, que, em algum momento, passou ou passará por várias dessas dificuldades.

86

LIDÓRIO, 2011, p. 16-17.

58

3 – UMA EXPERIÊNCIA LOCAL

“Quem sabe não foi para um momento como este que você está onde está?” (Et 4.14)

A Igreja Batista Unidos na Fé é o caso prático estudado nesta pesquisa. Tratase de uma congregação de implantação recente – e que, por isso mesmo, tem um histórico passível de ser rastreado e conhecido. Diferentemente de muitas igrejas que foram iniciadas a partir de pontos de pregação ou de projetos de implantação, a congregação em tela surgiu a partir de um trabalho que já vinha sendo desenvolvido por uma igreja de maior porte – neste caso, a Primeira Igreja Batista de Curitiba (PIB Curitiba). Assim, a congregação é fruto de um crescimento que se pode chamar de orgânico de sua igreja-mãe. Não foi fruto de uma estratégia de prospecção e plantação de igrejas, como aquela preconizada pelo conselho missionário da Southern Baptist Convention – uma influência certamente importante para os batistas brasileiros –, descrito no livreto Seven Steps for Planting Churches (Sete Passos para Plantar Igrejas).1 Segundo esse manual, os sete passos para plantar uma igreja são 1) Receber uma visão de Deus; 2) Definir o grupo focal para a plantação da igreja; 3) Desenvolver uma equipe; 4) Identificar recursos; 5) Evangelizar pessoas não alcançadas; 6) Lançar o ministério público; e 7) Mobilizar e multiplicar o ministério.2 De forma semelhante, Rick Warren prega a necessidade de estabelecer alvos geográficos, demográficos, culturais e espirituais para a igreja, com o objetivo de definir seu público e concentrar-se no crescimento.3 Antes, entretanto, de tratar da instalação da igreja local, faz-se necessário conhecer o ambiente onde ela está instalada: o município de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, e os bairros Jardim Primavera e Jardim Santa Mônica. 1

CHEYNEY ET AL., 2003. “Receive a vision from God; Define church planting focus group; Develop a church planting team; Identify resources; Evangelize unreached people; Launch public ministry; Mobilize and multiply ministry.” CHEYNEY et al., 2003, p. v. 3 WARREN (1998), p. 189-224 2

59

Uma história que envolve isolamento, doença e um preconceito de dimensões bíblicas. 3.1 – Piraquara

Piraquara surgiu de um núcleo de mineração, no início do século 18. O primeiro registro demográfico em relação à localidade está em uma lista de ordenanças da então vila de Curitiba, datada de 1783. No documento, consta que o bairro de Piraquara, na freguesia de São José, tinha 20 casas.4 Segundo João Carlos Vicente Ferreira, o “período áureo” da localidade teve início com a abertura da estrada de ferro que liga Curitiba ao litoral, cujas atividades tiveram início em 1885. Cinco anos depois, Piraquara foi elevado à condição de vila, com o nome de Deodoro – uma homenagem ao então presidente da República, o marechal Deodoro da Fonseca. Já sob o nome de Piraquara, foi elevada ao status de cidade em 1938.5 3.1.1 – Isolamento e preconceito

Embora próxima da capital paranaense – o local de cultos da Igreja Batista Unidos na Fé situa-se a apenas 21 quilômetros da sede da Primeira Igreja Batista de Curitiba, localizada no bairro Batel, na região central da cidade –, a atual área do município de Piraquara tem sofrido de um isolamento histórico.6 A principal via de acesso à cidade é a Rodovia João Leopoldo Jacomel, antigamente chamada de “Estrada do Encanamento”, por correr paralela aos dutos que levavam água dos mananciais de Piraquara até Curitiba. Durante muito tempo, ela foi uma via de 4

FERREIRA, 2006, p. 235. FERREIRA, 2006, p. 235 6 A ressalva que se refere ao “atual território” deve-se ao fato de a Piraquara dos anos 1930 tenha sofrido diversas mudanças, que incluem a emancipação dos distritos de Pinhais (em 1992), Quatro Barras (em 1961) e Timbu, atual Campina Grande do Sul (em 1951). Destes eventos, a emancipação de Pinhais pode ter sido o mais importante. O distrito ocupava a área mais próxima a Curitiba, com densa ocupação e um índice de industrialização mais elevada. A partir do desmembramento, Piraquara perdeu parte significativa de sua estrutura produtiva e capacidade de geração de empregos e sofreu queda na arrecadação tributária, conforme SECRETARIA DE ESTADO DA CRIANÇA E DA JUVENTUDE. Diagnóstico participativo: Programa Atitude. Curitiba: SECJ, 2009, p. 12. Disponível em 5

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acesso restrito, pertencente ao Departamento de Águas e Esgoto (órgão público que deu origem à companhia estatal de saneamento, Sanepar). Nessa condição, ela ficava aberta ao tráfego apenas durante o dia, fechando às 17 horas. O acesso à capital se daria por São José dos Pinhais ou pela Estrada da Graciosa, o que ampliava consideravelmente o deslocamento e o tempo de viagem.7 A abertura da via ao tráfego só ocorreu em 1952. A estrada continuaria sem pavimentação, o que tornava precário o acesso à sede do município. O asfaltamento foi realizado entre 1974 e 1976, com inauguração oficial em 10 de outubro daquele ano.8 Parte do isolamento se deve, ainda, à presença do Sanatório São Roque, um estabelecimento para tratamento de hanseníase, em 1926. O hospital seguia o modelo de hospitais-colônia, tido à época como uma forma humanitária de tratar os doentes, que sofriam preconceito social. De fato, o isolamento compulsório foi a política oficial de combate e tratamento à doença no país durante 13 anos. Por lei, os serviços de profilaxia deveriam “promover, por todos os meios adequados, a cooperação dos médicos particulares e dos médicos encarregados das inspeções de saúde nas organizações públicas e privadas, corporações armadas, escolas, associações de classe, institutos e órgãos de previdência, associações esportivas, estabelecimentos industriais e comerciais” – um estímulo legal à delação, que assegurava, inclusive, o sigilo do notificante.9 A regra do isolamento foi alterada em 1962, com a adoção de um sistema semiaberto.10 A ideia do isolamento dos doentes de hanseníase (ou lepra, como a doença era conhecida) tem origens milenares. Doenças dermatológicas classificadas sob este nome são citadas no Antigo Testamento e, quase sempre, estão associadas a

7

SANSALONI, 2001, p. 14 Conforme relato histórico publicado pela administração municipal em < www.piraquara.pr.gov.br/acidade/ Historia%2Bda%2BCidade%2B9%2B35.shtml>. Acesso em 18 mar. 2015. 9 BRASIL. Lei nº 610/1949. Fixa normas para a profilaxia da lepra. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, DF, 2/2/1949. Disponível em < http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=158547>. Acesso em 18 mar. 2015. 10 “Histórico da Política de Profilaxia da ‘Lepra’ — Secretaria de Direitos Humanos”. Disponível em http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-com-deficiencia/programas/hanseniase-1/historico-da-politica-deprofilaxia-da-201clepra201d. Acesso em 31/10/2015. A legislação que extinguiu o regime de isolamento dos doentes de hanseníase está em BRASIL. Decreto 968/1962. Baixa Normas Técnicas Especiais para o Combate à Lepra no País e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 de maio de 1962. Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decmin/1960-1969/decretodoconselhodeministros-968-7-maio-1962352366-norma-pe.html . 8

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desgraças. O capítulo 13 do livro de Levítico traz orientações sobre como lidar com o mal: Também as vestes do leproso, em quem está a praga, serão rasgadas, e a sua cabeça será descoberta; e cobrirá o lábio superior e clamará: Imundo, imundo. Todos os dias em que a praga estiver nele, será imundo; imundo está, habitará só; a sua habitação será fora do 11 arraial.

Em meados do século 20 o isolamento continuava a ser a forma publicamente aceita de se relacionar com o doente de hanseníase. Parte desse conceito, ideia dos hospitais-colônia é que fossem como centros autossuficientes, contando com estrutura equivalente à de uma pequena cidade, com comércio próprio, cinema e produção de alimentos, entre outras facilidades, 12 de modo que não fosse aos internos necessário ir à cidade ou mesmo conviver com pessoas “limpas”. Próximo ao hospital-colônia foi estabelecido um núcleo prisional. As obras da Penitenciária Central do Estado começaram em 1944,13 demarcando definitivamente uma área dentro do município que muitos cidadãos prefeririam evitar, e que inclui os bairros Jardim Santa Mônica e Jardim Primavera, que fazem parte da área de atuação da Igreja Batista Unidos na Fé. Atualmente, o município de Piraquara tem uma população predominantemente rural: 50,93% dos habitantes vivem em área rural, de acordo com o Censo 2010, do IBGE. No Censo de 2000, eram 53,59%. Antes disso, os dados do IBGE não são comparáveis, porque incluem os números de Pinhais (mais tarde desmembrado de Piraquara), cuja população era maior que a da atual Piraquara, e eminentemente urbana. A distribuição difere bastante daquela registrada na média brasileira, que é de 15,64% dos habitantes vivendo em área rural, e também dos dados do Estado do Paraná, que tinha em 2010 14,67% da população morando em área rural, e da Região Metropolitana de Curitiba, cuja população rural era de 7,95%.

11

BÍBLIA. Versão Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1998. Lv 13.45-46. 12 FERNANDES, 1986, p. 34. 13 “Penitenciária Central do Estado - PCE - Departamento de Execução Penal”. Disponível em http://www.depen.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=7. Acesso em 31/10/2015.

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3.1.2 – Religião em Piraquara14

Qual é o ambiente que a nova congregação encontraria para desenvolver suas atividades? Quais são as denominações religiosas presentes no município, e qual é a sua penetração na sociedade local? A tabela abaixo demonstra a distribuição da população de Piraquara entre grupos de afiliação religiosa, de acordo com o Censo 2010 do IBGE. Censo Demográfico 2010: Resultados da Amostra – Religião Afiliação

Número

%

Católicos romanos

53.113

56,98

Evangélicos

27.719

29,74

Assembleia de Deus

6.336

6,80

Congregação Cristã no Brasil

3.421

3,67

Evangelho Quadrangular

5.342

5,73

Deus é Amor

1.635

1,75

Universal do Reino de Deus

1.026

1,10

Adventista

968

1,04

Batista

652

0,70

838

0.90

Espírita Fonte: IBGE Tabela: Dados selecionados de afiliação religiosa em Piraquara – PR, segundo o Censo 2010.

Verifica-se em Piraquara um perfil ligeiramente diferente daquele detectado pelo IBGE no quadro nacional. O percentual de católicos romanos é menor em Piraquara (56,98%) que no país (64,63%). A participação dos evangélicos na população total em Piraquara (29,74%) é superior à média nacional (22,16%). Entre as denominações evangélicas, há pouca variação entre aqueles que se declaram afiliados à Assembleia de Deus (6,80% em Piraquara, 6,46% no país). Já a presença da Igreja do Evangelho Quadrangular e da igreja Deus é Amor, ambas de origem pentecostal, é substancialmente maior no município paranaense: 5,73% contra 0,95% e 1,75% contra 0,44%, respectivamente.

14

Os dados desta seção foram extraídos do banco de dados do Censo 2010, disponível em censo2010.ibge.gov.br. Acesso em 18 mar. 2015.

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Já a presença de pessoas que se declararam batistas é pronunciadamente menor em Piraquara, onde eles respondem por 0,7% da população total, que no Brasil, onde atingem 1,95%. Um perfil dessa presença será traçado mais adiante, na seção “Batistas em Piraquara”. 3.1.3 – Jardim Primavera e Jardim Santa Mônica

Com a mudança nas regras de tratamento para a hanseníase e a adoção do semi-internato, imposta pelo Decreto 968, de maio de 1962, criou-se uma situação estranha: os doentes ainda sofriam preconceito, mas muitos deles não poderiam mais viver na colônia. No Paraná, o asilamento só deixou de existir em definitivo em 1986. Nesse ano, o São Roque – cujo nome vem do santo católico, tido como protetor contra epidemias e pragas15 – mudou de nome, passando a ser conhecido como Hospital de Dermatologia Sanitária do Paraná (HDSPR).16 A vizinhança do hospital – que, até os anos 60, era formada apenas por campos desabitados – passou a ganhar pequenos núcleos de moradia. A começar por empregados do hospital e parentes de internos, mais e mais moradores se estabeleceram na região. “Por medo, comodidade ou para manter a referência de vida que tinha sido o hospital, surgiram, mais tarde, bairros nas proximidades do HDSPR. Contudo, nestas instalações não existiu preocupação com as necessidades sociais ou físicas dos egressos. Hoje, residem principalmente nos bairros Jardim Primavera, Jardim Santa Mônica e Jardim Esmeralda, que estão situados no entorno do HDSPR”, observam Nivera Noemia Stremel et alii.

17

“De fato, parte do

povoamento da cidade, especialmente do bairro Primavera, se deve também à migração das famílias de asilados, que para lá foram com a finalidade de viver mais próximo dos parentes internados”, ressaltam.18 Em 2008, a organização Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase fez um levantamento do paradeiro dos egressos do antigo leprosário. Com base nos registros da instituição, o movimento localizou 84 ex15

“SANTOS - SÃO ROQUE”. Disponível em http://www.igrejaparati.com.br/santos_-_s%C3%A3o_roque.htm. Acesso em 31/10/2015. 16 STREMEL et al., 2009, p. 2. 17 STREMEL et al., 2009, p. 27 18 STREMEL et al., 2009, p. 34

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internos e identificou que, deles, 52 (o equivalente a 61% do total) residiam nos bairros de Jardim Primavera (27, ou 32% do total) e Santa Mônica (25, ou 29% do total). Outros 11 (ou 13%) viviam no vizinho Jardim Esmeralda. Mais da metade dos entrevistados tinha mais de 70 anos de idade na ocasião. Muitos carregavam sequelas da doença, como problemas nas mãos (79%) e nariz (53%).19

3.1.4 – Demografia atual dos bairros

O impacto cultural de uma origem tão peculiar e tão recente é difícil de avaliar. O isolamento a que os bairros de Jardim Primavera e Jardim Santa Mônica haviam sido submetidos hoje não é mais presente. Ao contrário: a proximidade da Rodovia João Leopoldo Jacomel, importante via metropolitana (liga Curitiba a Pinhais e Piraquara) faz dessas vizinhanças uma área valorizada e populosa. A figura 1 dá uma ideia melhor da localização dos bairros.

Figura 1: Localização dos bairros de Jardim Santa Mônica e Jardim Primavera. O núcleo histórico de Piraquara está à direita. A área verde na porção central do Jardim Santa Mônica é do Hospital de Dermatologia Sanitária do Paraná.

19

Os dados constam do levantamento citado de Stremel et alii, p. 33.

65

Os bairros citados tinham, por ocasião do Censo 2010, 7.004 habitantes. O número equivale a 7,5% dos 93.207 habitantes do município de Piraquara.20 A pirâmide etária da população dos dois bairros (figura 2) demonstra predomínio da população jovem (46,9% têm menos de 25 anos) e uma ligeira superioridade numérica para o sexo feminino (3.596 mulheres, contra 3.407 homens).

Pirâmide etária 100+ 90-94 80-84 70-74 60-64

Homens

50-54

Mulheres

40-44 30-34 20-24 10-14 0-4 -400

-200

0

200

400

Fonte: IBGE Figura 2: Pirâmide etária da população dos bairros Jardim Primavera e Jardim Santa Mônica, Piraquara – PR, segundo o Censo de 2010.

A região está, ainda, suprida de serviços públicos. Estão instaladas na região duas escolas municipais – João Batista Salgueiro e Olga Martins Ribas, ambas com turmas de educação infantil e Ensino Fundamental fase 1 (1º a 5º ano) 21 – e uma

20

Os dados desta seção são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, obtidos a partir da ferramenta de pesquisa por setores censitários, disponível em http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores/ . Acesso em 18 mar. 2015. 21 “ESCOLAS - Prefeitura Municipal de Piraquara - A prefeitura - Secretarias e Órgãos - EDUCAÇÃO”. Disponível em http://www.piraquara.pr.gov.br/aprefeitura/secretariaseorgaos/educacao/ESCOLAS+69+773.shtml. Acesso em 31/10/2015.

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escola estadual, a João Batista Vera, com classes de 6º ano ao 3º do Ensino Médio.22 Há ainda uma unidade de saúde, gerida pela prefeitura de Piraquara.23 3.2 – Batistas em Piraquara

Embora a participação dos batistas no total geral da população seja baixa, se comparada à média nacional, a presença batista no município de Piraquara é antiga. As seções a seguir traçam um panorama histórico e também o retrato atual da denominação no município. 3.2.1 – A chegada

Os primeiros trabalhos da denominação na localidade datam de 1931, ano em que se estabeleceu na cidade o militar Antônio Cardona de Aguiar. Proveniente do Ceará, foi designado naquele ano para dirigir a junta de alistamento militar em Piraquara. Tão logo chegou, o evangelista Cardona de Aguiar deu início a cultos domésticos. Ao constatar o crescimento do número de atendentes, procurou um salão para sediar os encontros e, na sequência, buscou o auxílio da Primeira Igreja Batista de Curitiba para apoiar o trabalho.24 Os primeiros batismos na cidade ocorreram em 28 de fevereiro de 1932 e foram oficiados pelo missionário americano Arthur Beriah Deter e pelo pastor Djalma Cunha. Foram cercados de tensão: um homem armado entrou na congregação, alegando que somente a Igreja Católica poderia batizar, e ameaçando matar qualquer um que entrasse na água. Os batismos vieram a ser realizados sob a proteção do delegado local, mas um grupo de moradores continuou a protestar na saída dos crentes para suas casas, após o culto, aos gritos de “Viva a Igreja Católica e morram os protestantes”.25 22

“Colégio Estadual João Batista Vera - EFM”. Disponível em www.pqajoao.seed.pr.gov.b. Acesso em 31/10/2015. 23 “Unidades de Saúde Prefeitura Municipal de Piraquara”. Disponível em http://www.piraquara.pr.gov.br/aprefeitura/secretariaseorgaos/saude/Unidades+de+Saude+107+188.shtml. Acesso em 31/10/2015. 24 “História | Igreja Batista de Piraquara”. Disponível em http://www.batistapiraquara.org.br/historia . Acesso em 19 mar. 2015. 25 ASSUMPÇÃO, 1976, p. 98-99.

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Em 1º de maio de 1932, a congregação de Piraquara foi constituída como igreja autônoma, desligando-se, assim, da Primeira Igreja Batista de Curitiba. A Igreja Batista de Piraquara nasceu, formalmente, com 56 membros, e foi a segunda “filha” da PIB Curitiba a organizar-se em igreja – a primeira foi a Igreja Batista de Rio Negro, em 1925.26 3.2.2 – Conformação atual

A presença batista no município de Piraquara atualmente se dá por meio de duas igrejas constituídas: a Igreja Batista de Piraquara e a Igreja Batista em Vila Macedo – esta, uma antiga congregação da Igreja Batista de Piraquara, emancipada em 2014 – e duas congregações, braços missionários de outras igrejas. A Igreja Batista Amor e Graça é uma extensão da Igreja Batista do Bacacheri no bairro Planta Deodoro. Já a igreja Unidos na Fé reúne-se no bairro Jardim Primavera, e será tratada de modo mais aprofundado a seguir.27 3.3 – Unidos na Fé

Alvo de atenção especial no presente estudo, a Igreja Batista Unidos na Fé é uma congregação da Primeira Igreja Batista de Curitiba no município de Piraquara, e iniciou seus cultos em 17 de março de 2013, no bairro Jardim Primavera.28 Seu caso está ligado à temática das células porque ela surgiu justamente de uma iniciativa de células. Segue-se um histórico de suas atividades, desde o período que precedeu o início das atividades até o momento em que completou dois anos. 3.3.1 – As células

A adoção do sistema de células por parte da Primeira Igreja Batista de Curitiba teve início no começo dos anos 2000, tendo o suporte do Movimento Igreja em

26

SILVA NETO, 2014, p. 8. “Convenção Batista Paranaense | Igrejas”. Disponível em http://batistasparana.org.br/igrejas/. Acesso em 31/13/2015. 28 IACOMINI, 2013, p. 8. 27

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Células.29 Nos anos que se seguiram, elas se tornaram um elemento essencial na estrutura da instituição. “Precisamos entender que as células não são um apêndice de nossa instituição religiosa; ao contrário, elas são a comunidade eclesial de base30, parte fundamental da estrutura eclesiástica”, escreveu o pastor presidente da igreja, Paschoal Piragine Júnior31. Tal estrutura foi-se expandindo por toda a cidade de Curitiba, com alguns braços se estendendo para a região metropolitana. Ao fim de 2012, a igreja tinha duas células que se reuniam em Piraquara, na região dos bairros Jardim Primavera e Jardim Santa Mônica. 32 Poucos desses frequentadores iam aos cultos dominicais da Primeira Igreja Batista de Curitiba, apesar do esforço dos líderes, Vieira e o também comerciante Rogério Schmitz. Por algum tempo, os dois chegaram a transportar pessoas do bairro até Curitiba em vans de sua propriedade, para garantir que iriam às reuniões de adolescentes, às sextas-feiras, e aos cultos noturnos de domingos. Mesmo assim, muitos deixavam de frequentar os cultos, alegando o tempo de deslocamento e os compromissos. Nos encontros semanais das células, entretanto, o grupo só crescia, a ponto de cada uma delas reunir 30 ou quarenta pessoas de cada vez. O tamanho dos grupos, portanto, era compatível com o de uma congregação. Crescia a ideia de transformar esses dois grupos no embrião de algo maior: uma nova igreja.33

29

A igreja começou a elaborar roteiros específicos para guiar as reuniões de células em 2001 (PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE CURITIBA, 2001b), e a ministrar o curso de formação “ABC de Células” em 2002 (PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE CURITIBA, 2002). As células passam a constar nos “alvos de fé” da igreja em seu aniversário de 87 anos (celebrados em 13 de maio de 2001), conforme o documento “Alvos de fé 87 anos PIB.docx” (PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE CURITIBA, 2001) – o que demonstra que já tinham importância para a estrutura eclesiástica da igreja. Dois anos depois, na apresentação que contém os alvos da igreja para o período 2003-2004, consta o número de células mantidos pela instituição até aquele momento: 55 (PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE CURITIBA, 2003). 30 A referência à “comunidade eclesial de base” não deve ser entendida como alusão ao movimento de mesmo nome da Igreja Católica, cuja influência (em especial no Brasil e no restante da América Latina) foi bastante forte entre as décadas de 1960 e 1980. Trata-se, antes, de uma qualificação das células, que, no entender de Piragine, são o nível mais básico da organização eclesiástica – essa, afinal, é a origem da denominação “célula”, uma analogia à mais simples estrutura viva em um organismo complexo. 31 PIRAGINE JR., 2006, p.144. A obra, derivada do trabalho de doutorado de Piragine Jr., tem por base sua experiência de pastorado na PIB de Curitiba, e destaca a importância das células para a estratégia de crescimento de uma igreja. 32 IACOMINI, 2013, p. 8 33 IACOMINI, 2013, p.8.

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3.3.2 – A congregação

Os primeiros esforços para conduzir os dois pequenos grupos na direção de formar uma nova igreja foram tomados ainda em 2012, com a realização de encontros periódicos reunindo as duas células, sob o acompanhamento de Moisés Alves de Oliveira, supervisor das células, e do pastor Antônio Lopes, diretor da área de Missões da Primeira Igreja Batista de Curitiba. Em dezembro daquele ano, o pastor presidente da PIB Curitiba, Paschoal Piragine Júnior convidou o bacharel em Teologia e jornalista Franco Iacomini Júnior para liderar a igreja nascente. A orientação do pastor era de formar um grupo de apoio que daria início ao trabalho da congregação, dando apoio também aos líderes de célula. O grupo foi formado com a presença de Iacomini e da esposa, Marli Cristina Lima Iacomini; da irmã de Marli, a médica Marcilene Teixeira Lima Oku, e seu marido, médico e bacharel em Teologia, Eduardo Yuske Oku; do engenheiro elétrico Iru Scolari e sua noiva, Priscila Wolff. 34 O primeiro culto foi realizado em 17 de março de 2013, na garagem da família de Ilson e Cleusa Fries, à rua Laranjeiras, 258.35 A mensagem, trazida por Iacomini (que só seria consagrado pastor, juntamente com Oku, em fevereiro do ano seguinte36), tratou do trecho de Efésios 1.15-23, sob o título “Uma mensagem para a Igreja”.37 A celebração seguinte seria realizada em 31 de março, domingo de Páscoa. Desde antes do culto inaugural já estava decidido entre as lideranças da igreja que a comemoração da Páscoa deveria ser realizada em local mais amplo, com o objetivo de trazer convidados.38 A Escola Municipal João Batista Salgueiro havia concordado em ceder seu auditório para o culto de Páscoa. A parceria com a escola consolidouse, e a partir de então os cultos passaram a ser realizados nesse local até o momento atual (março de 2015). A cessão do auditório da escola é feita sem ônus

34

IACOMINI, 2013, p. 8. “Relatório do primeiro encontro de lideranças de Piraquara”. Disponível em https://docs.google.com/ document/d/1T5yVaEnrshcyRNv-lsg1sWnDv_u8YtAXP3fOC-cVFR0/pub. Acesso em 2/11/2015. 36 DIA A DIA COM DEUS, 2015, p. 22-24. 37 “Ordem de Culto 17-3-2013”. Disponível em https://docs.google.com/document/d/ 1HSlfZJpPEDq3HRCKTtFbK8sQBnxqi_T5J_mtrkL9mWc/pub. Acesso em 2/11/2015. 38 “Relatório do primeiro encontro de lideranças de Piraquara”. Disponível em https://docs.google.com/ document/d/1T5yVaEnrshcyRNv-lsg1sWnDv_u8YtAXP3fOC-cVFR0/pub Acesso em 2/11/2015. 35

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para a igreja. A igreja tem colaborado com a escola na forma de auxílio para a realização de festas como o Dia das Crianças e a Páscoa.39 3.3.3 – Estratégias

A nova igreja manteve a estratégia de crescer mediante a ampliação dos pequenos grupos, mantendo as mesmas ênfases da Primeira Igreja Batista de Curitiba, adaptadas a partir do Movimento Igreja em Células. De início, as únicas programações da Igreja Batista Unidos na Fé eram as células (ambos os grupos se reuniam às segundas-feiras) e os cultos dominicais. A igreja adotou, a partir do último trimestre de 2013, a prática de elaborar roteiros para as células, baseados na pregação do domingo da própria congregação.40 Antes disso, foi usado para nortear as reuniões o Caderno do Discípulo,41 material utilizado nas classes de preparação para o batismo na PIB Curitiba. A primeira multiplicação de célula deu-se em julho de 2014. As células resultantes dessa multiplicação ficaram uma com 21 membros e outra com 19 membros.42 Três meses depois do início dos cultos, em 15 de junho de 2013, a jovem igreja passou a organizar outros eventos, como estratégia para tornar-se mais conhecida em sua área de atuação, além para ampliar os laços com seu público e de fortalecer a comunhão entre os participanmtes. O primeiro foi denominado “Unidos no Asfalto”, e exigiu o fechamento da rua Padre Alfred Hubert Roebig, no Jardim Primavera. No asfalto da rua foram improvisadas uma quadra de voleibol e uma pista para a prática de skate. No mesmo dia foi realizado o primeiro encontro de homens da igreja, também nas dependências da Escola Municipal João Batista Salgueiro e tendo como preletor o coronel da reserva da Polícia Militar paranaense Sanderson Diotalevi.43

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CLARO, 2014. “Efésios 3 - Células.pdf”. Disponível em https://drive.google.com/file/d/0B2hG2VmFi6ntam12RktZTHE5LXM/ view?usp=sharing. Acesso em 2/11/2015. 41 PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE CURITIBA, 2013. 42 IACOMINI, 2014. 43 Cópias dos convites para os referidos eventos encontram-se no apêndice deste trabalho. 40

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4 – O VALOR DAS EXPERIÊNCIAS “Examinem tudo, fiquem com o que é bom.” (1 Ts 5.21)1

O filósofo francês Pierre Lévy identifica no mundo contemporâneo um “segundo dilúvio”, relacionado à excessiva disponibilidade de informações e de recursos para o cidadão comum, definido da seguinte forma: “É o transbordamento caótico das informações, a inundação de dados, as águas tumultuosas e os turbilhões da comunicação, a cacofonia e o psitacismo ensurdecedor das mídias, a guerra das imagens, as propagandas e as contrapropagandas, a confusão dos espíritos”.2 Engana-se quem acredita que tal “confusão de espíritos” limita-se ao ambiente externo às igrejas cristãs. Na verdade, estas estão longe de ser a cidadela de paz e tranquilidade que se poderia imaginar. Por meio de eventos, palestras e literatura, elas estão sendo expostas a diversas estratégias, e nem sempre a adoção de uma ou outra corresponde aos resultados esperados. O grande plantador de igrejas do primeiro século deixou uma mensagem a esse respeito. Na transição do capítulo 3 para o 4 da carta aos Efésios, Paulo ora da seguinte forma: “Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera, a esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém!” (Efésios 3.20,21). No capítulo 4, versículos 11 a 14, ele ainda exorta a igreja a buscar o conhecimento de Deus e a deixar de ser “meninos inconstantes, levados em roda por todo vento de doutrina” (v. 14). 3 Seriam os modelos de igreja exemplos intramuros desses ventos de doutrina? Depois de conhecer referências e modelos de igrejas e de tratar de um caso específico de plantação de igreja com dois anos de histórico, que lições pode-se tirar? O que funciona e o que não funciona? O objetivo deste quarto capítulo é avaliar tanto a literatura quanto a experiência prática da Igreja Batista Unidos na Fé, de modo a entender o que é e o que não é eficiente – aprender com os erros, 1

BÍBLIA. Nova Tradução na Linguagem de hoje. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. 1 Ts 5.21 LÉVY, 1999, p. 13. 3 BÍBLIA. Versão revista e corrigida de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1998. Ef 3.20-21, 4.11-14. 2

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segundo princípio bíblico de 1 Ts 5.21, citado na epígrafe deste capítulo: “Examinem tudo, fiquem com o que é bom”. 4.1 – A disciplina espiritual

Se há uma unanimidade em todos os modelos de plantação de igreja e de organização de pequenos grupos, é no que se refere à importância da vida devocional e da oração. De acordo com Joel Comiskey, o tempo dedicado à vida devocional pelos líderes de células tem relação direta com a eficiência de seu ministério. Depois de pesquisar, por meio de questionários, o tempo que cada um reservava para leitura bíblica e orações, o autor concluiu que “aqueles que gastaram 90 minutos ou mais em devocionais diárias multiplicaram seus grupos o dobro de vezes em comparação com aqueles que gastaram menos de meia hora”.4 Ao analisar os meios usados para a obra de renovação das pessoas e das comunidades por meio do Evangelho, Timothy Keller observa que, Para acender todo e qualquer avivamento, o Espírito Santo inicialmente usa o que Jonathan Edwards chamou de “oração extraordinária” – unida, persistente e centrada no reino. Muitas vezes ela começa com uma única pessoa ou com um grupo pequeno de pessoas orando para que Deus seja glorificado na comunidade. O importante não é o número de pessoas 5 orando, e sim a natureza da oração.

Por esse ponto de vista, parece claro que a responsabilidade da oração não é apenas do pastor ou dos líderes, mas de todo aquele que deseja o crescimento da obra de Deus em sua localidade. Conforme define o professor Howard Snyder (que escreveu boa parte de seu Vinho novo, odres novos quando era missionário no Brasil, impressionado com o desafio de exercer o ministério em uma cultura radicalmente diferente da sua): “Estudo bíblico, leitura devocional, oração, jejum e outros meios para uma vida santa são fundamentos importantes em si mesmos.

4 5

COMISKEY, 2001, p. 34. KELLER, 2014, p. 88.

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Tornam-se poderosos na vivência cristã quando são partes da ecologia6 equilibrada da comunidade cristã”.7 Ao líder, pastor ou plantador de igreja, entretanto, cabe responsabilidade maior. “A estatura espiritual de um crente é determinada pelas suas orações. O pastor ou crente que não ora está se desviando”, sentencia o evangelista britânico Leonard Ravenhill em seu clássico opúsculo Por que tarda o pleno avivamento? 8 Para ele, as principais respostas para a pergunta do título são a pregação estéril e a falta de oração. “Essa serva do Senhor é desprezada e desdenhada porque não se adorna com as pérolas do intelectualismo, nem se veste com as sedas da Filosofia; nem se acha ataviada com o diadema da Psicologia. Mas se apresenta com a roupagem simples da sinceridade e da humildade, e por isso não tem receio de se ajoelhar”, escreve.9 Steve Smith e Ying Kai, ao descrever o sucesso das iniciativas de multiplicação de igrejas através de pequenos grupos no Sul da Ásia, centraliza sua atenção na oração do Pai Nosso. Quando ensinou a seus discípulos a oraçãomodelo, Jesus inclui a passagem de Mateus 6.10: “Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, tanto na terra como no céu”. Smith e Kai, então, contextualizam o ensino. “Jesus nos ensinou a orar para que nossa cidade, nosso bairro, nosso país ou o grupo étnico ao qual pertencemos reflitam de tal maneira Sua glória e Seu reino que sejam como o Céu na Terra. Será que Jesus pede que oremos por algo que Ele não pretenda cumprir?”10 A disciplina espiritual da oração (e também a leitura bíblica devocional, o estudo bíblico e o jejum, conforme destacou Snyder, citado acima) por parte dos líderes e plantadores de igrejas, é parte essencial do processo prévio à plantação. Também deve ser ênfase na vida da nova congregação para que, assim, ela venha a reproduzir o modelo na sua organização e nas igrejas-filhas que venha a engendrar. Joel Comiskey destaca ainda a importância de formar um grupo de intercessores que, mesmo fora do projeto – no caso dele próprio, sua missão era 6

Entendida aqui como as relações entre os diversos grupos que compõe a comunidade cristã em si e também com aqueles que lhe são afins, como a população dos bairros próximos, seus líderes e representantes, as organizações e empresas presentes na região. 7 SNYDER, 1997, p. 152. 8 RAVENHILL, 1989, p. 21 9 RAVENHILL, 1989, p. 15. 10 SMITH; YING KAI (2014), p. 66. Trecho em negrito no original.

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plantar uma igreja no Equador, mas ele recrutou o que chama de “guerreiros de oração” em diversos locais dos Estados Unidos –, se comprometam em orar pelo sucesso do empreendimento.11 4.2 – O início

Em geral, a literatura a respeito de plantação de igrejas apresenta uma espécie de progressão em três passos mínimos para o estabelecimento de uma nova congregação: 1) o recebimento de um chamado de Deus a respeito de um ministério; 2) um planejamento minucioso, baseado nos melhores dados disponíveis sobre a região e o público que se pretende alcançar com o trabalho; 3) o início efetivo das reuniões e cultos, com a adoção das estratégias previstas antecipadamente.12 Não cabe aqui discutir o ponto de partida básico (a visão), por duas razões. Primeiro, porque é de foro íntimo ao indivíduo chamado a plantar igrejas. A segunda é que a ideia de fazer crescer o Reino de Deus por meio da criação de novas igrejas locais é, como foi tratado no primeiro capítulo, bíblica, conforme se pode inferir a partir dos relatos do livro de Atos. Não parece haver dúvidas de que mais pessoas são alcançadas mediante a plantação de igrejas que por outros meios. Timothy Keller aponta quatro vantagens estratégicas do plantio de igrejas para o crescimento do Cristianismo (vantagens que se sobrepõem, inclusive, à revitalização de congregações já existentes). De acordo com ele, novas igrejas “trazem novas ideias ao corpo todo” – em suas palavras, transformam-se no “departamento de pesquisa e desenvolvimento para o corpo de Cristo” na cidade onde se inserem –, “levantam líderes criativos para a cidade”, “desafiam outras igrejas a um autoexame” e “podem

11

COMISKEY, 2010, p. 130-131. Os três pontos citados são uma espécie de mínimo comum entre as linhas de pensamento nessa área. Funcionam como uma regra geral, embora os autores apresentem suas fórmulas de maneiras diferenciadas. Keller e Thompson (2002) acrescentam um quarto e um quinto itens, posteriores ao lançamento da igreja e relacionados com a forma como a cidade aceita e acolhe a ação da igreja (intitulados “dinâmica da renovação” e “mudança da estrutura da cidade”). Cheyney et al. (2003) preveem a formação de grupos focais, o desenvolvimento de uma equipe plantadora e a identificação de recursos como passos prévios ao início do ministério público, ações estas que podem ser entendidas como parte de um planejamento global, mais amplo. Warren (1998) é menos rigoroso ao formular “passos”, mas dedica dois capítulos à necessidade de conhecer o alvo evangelístico da igreja, que pode ser entendido como o passo do planejamento. 12

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ser alimentadoras evangelísticas para a comunidade inteira”. 13 Em resumo: de formas diversas, parece manifesto o princípio de que “Deus quer que a Igreja cresça”, conforme escreve Donald McGavran.14 O segundo passo merece grande atenção. Keller delineia bem a ideia: “Primeiro, é necessário descobrir o que pudermos sobre os moradores da comunidade na qual nos sentimos chamados a plantar. Procure conhecer as pessoas e a cultura a quem você servirá tanto quanto você conhece o evangelho”.15 Em seu Manual do plantador de igrejas, Keller e J. Allen Thompson tratam de dois tipos de levantamentos de dados que reputam ser essenciais para a plantação de igrejas: a pesquisa demográfica (um tipo de levantamento quantitativo) e a pesquisa etnográfica (qualitativa).16 A pesquisa demográfica é aquela feita por meio de dados como os do Censo ou aqueles processados pelas secretarias de planejamento urbano ou agências de informação das próprias cidades – ao menos as de porte médio e grande dispõem delas, são organismos como o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc)17 ou a SP Urbanismo, de São Paulo.18 Já a pesquisa etnográfica busca mapear interesses e aspirações da comunidade, conforme esclarecem Keller e Thompson: A pesquisa etnográfica é importante por várias razões: (1) fornece a você uma visão de sua vizinhança/pessoas e cidade, não somente para sua igreja. Conhecendo a comunidade profundamente, você poderá começar a desenvolver uma visão concreta de como seu povo / comunidade alvo se parecerá quando for modificado pelo evangelho. (2) Reforça a convicção que você e o evangelho são necessários para a cidade e suas pessoas. Você precisa acreditar que não somente o evangelho, mas também sua visão teológica, são necessários e podem trazer grande contribuição para a cidade. (3) Remove a cegueira e dá a convicção de que você precisa da cidade e de suas pessoas para lhe ensinar muito. Não é suficiente simplesmente ter pena da cidade e das pessoas que você está tentando servir, mas você 19 deve esperar aprender e ser ensinado por elas.

13

KELLER, 2014, p. 426. MCGAVRAN, 2001, p. 28. 15 KELLER, 2014, p. 428. 16 Keller; Thompson (2002), p. 85-87 17 “IPPUC - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba”. Disponível em http://www.ippuc.org.br. Acesso em 3/11/2015. 18 “SP Urbanismo - Portal da Prefeitura da Cidade de São Paulo”. Disponível em http://www.prefeitura. sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/. Acesso em 3/11/2015. 19 KELLER; THOMPSON, 2002, p. 86-87. 14

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Para colocar em prática essa pesquisa etnográfica, Keller e Thompson prescrevem passeios a pé pela região, em trechos não muito grandes – quatro a seis quarteirões de cada vez –, observando características locais e, se possível visitando “aliados” na vizinhança. Toda informação tende a ser relevante: o tamanho dos quintais, a conservação das casas, o tipo de automóvel nas garagens, as frases grafitadas nos muros, as mercadorias à venda nos mercados. “Vá para abaixo da superfície das coisas para ver as dinâmicas trabalhando para criar um bairro”, sugerem. 20 Ainda de acordo com Keller e Thompson, os resultados dessas pesquisas devem conduzir à elaboração de quatro perfis da população local: da vida interior, de sua visão de mundo, de seu contexto social e de sua interação com instituições religiosas.21 Quanto mais passos houver em um processo, maior será a tendência de simplificá-lo nas situações do dia a dia. É difícil avaliar até que ponto esses sistemas de planejamento para plantação de igrejas têm sido aplicados, efetivamente. Há poucas referências nacionais a respeito, mas parece ser frequente que os plantadores “saltem” o planejamento. O processo brasileiro de plantação de igreja, qualquer que seja a linha doutrinária, tende a ser mais ou menos semelhante àquele adotado pela Assembleia de Deus. Na descrição da professora Marina Aparecida Oliveira dos Santos Correa, pesquisadora do pentecostalismo brasileiro, na visão assembleiana “tudo começa com um ponto de pregação”:22

Suas atividades começam nas casas dos convertidos, que após algum tempo de prática nas congregações, resolvem iniciar um ponto de pregação em sua casa, na garagem, etc., com poucas pessoas, que, na maioria das vezes, são vizinhos e amigos. A congregação supervisiona o ponto de pregação através de relatório mensal feito por um obreiro da congregação, que depois é levado ao conhecimento do pastor-presidente nas reuniões 23 administrativas.

20

KELLER; THOMPSON, 2002, p. 89. KELLER; THOMPSON, 2002, p. 90. 22 CORREA, 2014, p. 4. 23 CORREA, 2014, p. 4. No formato de organização e multiplicação das Assembleias de Deus – que difere bastante do modelo das igrejas batistas, exposto no capítulo 2 – as congregações são igrejas locais dependentes de um “ministério” de atuação regional liderado por um pastor presidente com grande influência tanto sobre as congregações quanto sobre os pontos de pregação (estes, a estrutura mais simples e inicial da formação de igreja). As congregações são, frequentemente, lideradas por um presbítero, diácono ou ainda por um pastor, que se reportam ao pastor-presidente do ministério. 21

77

Uma vez estabelecida uma visão de público – cidade, bairro, comunidade, grupo social – a ser alcançado, inicia-se quase que imediatamente o trabalho no local, com um levantamento prévio das condições locais que tende a ser limitado ou inexistente. Não há, portanto, um planejamento detalhado ou um levantamento de estratégias: onde quer que um simpatizante da igreja consiga reunir um grupo mínimo para as reuniões, pode-se implantar um ponto de pregação. O futuro desses pontos depende dos resultados que apresentar. “Os pontos de pregação só serão congregações no futuro se conseguirem reunir em torno de si um público em constante crescimento”, conforme relata Correa.24 Sendo a Assembleia de Deus a denominação evangélica com maior número de afiliados no país, não deixa de ser natural que outras denominações sigam seu exemplo. Há, portanto, algo do método da tentativa e do erro na forma como se planta igrejas: Semeia-se muito e, frequentemente, com pouco método; investe-se mais nas iniciativas que despontam como promissoras. Antes que se possa pensar que essa é uma fraqueza do jeito brasileiro de trabalhar, é importante notar que a “tentativa e erro” está presente mesmo naquelas igrejas estrangeiras que servem de referência para tantas outras. Logo no primeiro capítulo de seu livro Uma igreja com propósitos, Rick Warren admite que fez experimentações em seu ministério, à época da fundação de Saddleback. “Cometemos erros espetaculares. Gostaria de dizer que todos os nossos sucessos aconteceram exatamente como planejamos, mas não seria verdade”, confessa, com uma ponta de autoironia. “Tínhamos uma ideia e, se funcionasse, agíamos como se tivéssemos planejado tudo com antecedência!”25 4.3 – Levantamento de informações e a igreja Unidos na Fé

No caso da Igreja Batista Unidos na Fé, não houve levantamento prévio de informações. O grupo que liderou a formação da congregação optou por manter a forma de atuação com que as células que deram origem à comunidade vinham sendo edificadas, agregando esforços para identificar lideranças e multiplicar os grupos, ao mesmo tempo em que realizava eventos evangelísticos. Essa escolha 24 25

CORREA, 2014, p. 10. WARREN, 1998, p. 35.

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resultou em um processo sem rupturas, que buscava se aproveitar das afinidades já evidentes entre os pequenos grupos e a igreja-mãe que os acolhia. Partiu-se do pressuposto de que conhecer as cerca de 50 pessoas que frequentavam os grupos seria suficiente para iniciar o trabalho. Essa estratégia resultou em uma consolidação dos grupos já existentes, que cresceram a partir dos relacionamentos dos frequentadores das células. Nada poderia garantir, entretanto, que essas pessoas representariam uma amostra fidedigna da maneira como pensam e se comportam os 7 mil habitantes dos dois bairros que fazem parte da área de influência pretendida pela igreja. De fato, a alta prevalência de laços familiares e profissionais entre as pessoas que faziam parte das células pioneiras tornava inválida qualquer extrapolação que se pretendesse fazer. Um exemplo das incertezas a respeito do público pretendido pela congregação está em sua relação com o antigo Hospital de Dermatologia Sanitária (ou leprosário) São Roque. Um dos fatos que eram desconhecidos à época do início dos trabalhos da congregação era a quantidade de pessoas ainda residentes nos bairros de Jardim Primavera e Jardim Santa Mônica que haviam sido pacientes da instituição, bem como de parentes desses indivíduos.26 Um grupo importante de exfuncionários também manteve suas raízes na vizinhança. Quais seriam, para a formação da personalidade dessas famílias, as consequências das décadas de preconceito a que foram submetidos tanto pacientes quanto aqueles que orbitavam o leprosário? Até que ponto esse sentimento poderia afetar seus relacionamentos e sua autoimagem? A Psicologia Social aponta que as circunstâncias, em especial durante a infância, são fatores a influenciar o desenvolvimento do conceito que o indivíduo tem de si mesmo – e a convivência com a doença tende a ser um fator de tremenda importância. Conforme escreve o professor Ricardo Fabrino Mendonça, da Universidade Federal de Minas Gerais, que estudou o impacto da hanseníase nas relações dos indivíduos:

26

Conforme citado no capítulo 3, havia em 2008 (época do levantamento feito pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase), 52 egressos do leprosário residindo no Jardim Santa Mônica e Jardim Primavera, bem como outros 11 morando no vizinho Jardim Esmeralda. Não há dados sobre a extensão das famílias desses egressos.

79

As pessoas atingidas pela hanseníase foram, frequentemente, submetidas a práticas que mesclavam formas de desrespeito, minando as possibilidades de consolidação de uma autorrelação positiva. Basta lembrar, por exemplo, das consequências do internamento compulsório, que impede o indivíduo de fazer livre uso de seu corpo, cerceia o exercício de uma série de direitos e é legitimado por discursos que depreciam as pessoas acometidas pela 27 enfermidade.

O autor prossegue, observando que, “se a socialização envolve um processo de incorporação de pontos de vista generalizados, a pessoa estigmatizada pode ter seus sentimentos mais profundos marcados pelo estereótipo que se liga ao atributo que ele porta. Pode, assim, tornar-se desconfiada, deprimida, hostil, ansiosa e confusa”.28 É difícil avaliar o quanto o estigma da hanseníase ainda afeta a população do Jardim Primavera e do Jardim Santa Mônica – este, aliás, é um campo em aberto para estudiosos da área de saúde. Entretanto, pode-se deduzir que a abordagem de uma população potencialmente desconfiada, hostil, ansiosa e confusa (para usar as expressões de Mendonça) por parte de uma equipe de plantação de igreja será, provavelmente, distinta daquela a ser dedicada a um grupo social que se crê aberto à pregação. Se esse aspecto psicossocial tivesse sido levado em conta logo no início dos trabalhos da Igreja Batista Unidos na Fé, talvez fosse possível adotar estratégias mais adequadas à realidade local. A hanseníase no Jardim Primavera e no Jardim Santa Mônica é apenas um exemplo de fator psicossocial ou demográfico que pode gerar consequências para o plantio de igrejas. Na mesma “conta” poderia ser incluída, por exemplo, a herança de um determinado grupo de imigrantes, a presença de outras igrejas na região, a influência de líderes políticos ou religiosos, as atividades econômicas praticadas na região. Muitas vezes, esses fatores não são evidentes em uma análise superficial, mas revelam-se relevantes no dia a dia da missão.

27 28

MENDONÇA, 2007, p. 139. MENDONÇA, 2007, 139.

80

4.4 – Cultura e contextualização

A questão da contextualização cultural é mais lembrada quando se fala a respeito de missões transculturais. O teólogo neozelandês Bruce J. Nicholls 29 observa que “a consciência de que os próprios mensageiros são frequentemente produto de mais de uma cultura acentua as dificuldades”: “Os missionários nos países em desenvolvimento, por exemplo, precisam entender pelo menos quatro culturas diferentes: a sua própria cultura, a da Bíblia, a do missionário ocidental que foi o primeiro a trazer o evangelho e a do povo para o qual estão levando o evangelho”.30 Nicholls adverte contra os pregadores que encaram seu ouvinte como uma tabula rasa, capaz de absorver o evangelho, independentemente da forma como for anunciado.31 Em termos de igreja local a situação não é muito diferente. Timothy Keller e J. Allen Thompson observam que “Talvez nenhum outro tópico, com exceção do próprio evangelho, seja tão central na plantação de igrejas como arte da contextualização. A habilidade de adaptar a verdade do evangelho a uma subcultura sem haver exagero na adaptação é essencial para que os ouvintes possam ‘absorvê-lo’”. 32 Rick Warren é sincero quando fala sobre a contextualização e a consequente “sintonia” entre o ministro e a comunidade a que ele serve. “Pessoalmente, não tenho nenhuma dúvida de que em muitas partes do país eu falharia completamente como pastor porque eu não combino com a cultura de certas regiões”, escreve.33 Para ele, é necessário que o líder tenha alguma conexão cultural com o público da igreja, pois essa relação irá contribuir para a eficiência do ministério. Tal ideia relaciona-se de modo bastante direto com a noção das “unidades homogêneas”

defendida

por

Donald

McGavran,

abordada

no

capítulo

2,

acrescentando a ela a personalidade do pastor. “O crescimento explosivo ocorre quando o tipo de pessoa em sua comunidade combina com o tipo de pessoa que você já tem em sua igreja e ambas combinam com o tipo de pessoa que o pastor é”, 29

Nicholls foi missionário na Índia e hoje é consultor da Associação Teológica da Ásia. NICHOLLS, 2013, p. 7-8. 31 NICHOLLS, 2013, p. 9. 32 KELLER; THOMPSON, 2002, p. 83. 33 WARREN, 1998, p. 217. 30

81

comenta Rick Warren. 34 Em sua igreja, ele leva ao pé da letra essa questão. Sabendo que seu público prefere reuniões informais e gosta de se vestir à vontade, o pastor, intencionalmente, veste-se de forma casual e evita a todo custo o uso de terno e gravata nos cultos. “Não acho que a forma das pessoas se vestirem preocupava a Jesus”, escreve. “Preferimos ter um pagão vindo de tênis e shorts do que não ter ninguém vindo porque não tem um terno.”35 Uma gritante distinção em relação a muitas outras congregações, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, nas quais o crente só é visto como “espiritual” quando se veste de modo formal, mesmo sob o calor escaldante do trópico. Paschoal Piragine Júnior, pastor titular da Primeira Igreja Batista de Curitiba, revela sentimento semelhante ao relatar seus primeiros tempos à frente da congregação paranaense, após oito anos na Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo: No primeiro momento em que se vive um choque cultural, a grande tentação é mudar o mundo ao seu redor para que ele fique parecido com seu mundo conhecido, mas isto é uma grande tolice, pois quem precisava primeiro aculturar-se era eu. Se eu não me identificasse com aquele povo, nunca poderia ser seu pastor ou construir qualquer tipo de mudança que trouxesse algum benefício tanto para a vida dele quanto para o 36 progresso do reino. Talvez esta tenha sido uma dolorosa, porém preciosa lição.

Piragine Júnior conclui que “contextualização é um desafio permanente para cada pastor em cada sermão e para cada igreja na implantação da sua visão”.37 A contextualização, portanto, vai além das afinidades entre o pastor e suas ovelhas. Avança sobre as especificidades da congregação, como o estilo de música adotado na adoração e a estrutura dos cultos e reuniões. Ao avaliar as dinâmicas da plantação de igrejas sob a forma de um movimento automotivado e autorreproduzido, Timothy Keller (citando o pastor reformado britânico Tim Chester, líder da igreja Crowded House, em Sheffield, Inglaterra, e diretor do seminário Porterbrook) aponta duas formas básicas de plantação de igrejas a partir do livro de Atos: a plantação pioneira de igrejas e a das

34

WARREN, 1998, p. 213. WARREN, 1998, p. 208. 36 PIRAGINE JÚNIOR, 2003, p. 88. 37 PIRAGINE JÚNIOR, 2003, p. 100. 35

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igrejas que plantam igrejas.38 Na distinção entre os dois estilos, observa-se que a plantação pioneira começa sem uma rede inicial de membros e precisa atrair seu primeiro núcleo a partir do estabelecimento de uma rede de contatos e de evangelização. Já na plantação por igrejas, “os membros vêm 1) de grupos pequenos e 2) por meio da transferência de famílias que são de lugares mais distantes”. Assim, o segundo estilo descreve a conformação inicial da membresia da Igreja Batista Unidos na Fé. Keller destaca que, nesta forma de propagação, o modelo de igreja “é semelhante ao da igreja-mãe, embora não idêntico”.39 Ao tentar reproduzir o modelo da Primeira Igreja Batista de Curitiba – instituição centenária que, em agosto de 2015, mantinha 28 congregações em três estados brasileiros e contava mais de 8 mil membros, com frequência de 5 mil pessoas aos quatro cultos do fim de semana no templo do bairro Batel –, a pequena IB Unidos na Fé beneficiou-se de algumas sinergias. Pôde contar, por exemplo, com grupos musicais de alto nível em eventos e cultos especiais, e com pregadores convidados dos quadros de sua igreja-mãe em diversas situações. A reprodução do jeito de ser de uma megaigreja, no entanto, pode ter feito com que ela perdesse a agilidade e flexibilidade típica das igrejas pequenas. O projeto de igreja descrito em Atos e baseado, afinal, na pregação de Jesus, não tem as complicações organizacionais de uma grande congregação. Conforme escreve Joel Comiskey, “a igreja que Jesus estabeleceu é simples e reprodutível. Está fundada sobre o próprio Jesus e recebeu poder por meio do Espírito Santo”.40 Por isso mesmo, “a prescrição da igreja primitiva para plantar igrejas era simples: reúnam-se nas casas e congreguem-se sempre que possível para ter comunhão e ouvir o ensino dos apóstolos”.41 4.5 – Lideranças

No processo de plantar e, principalmente, consolidar uma nova igreja, há um papel fundamental para a tarefa de identificar, treinar e lançar novos líderes. Como 38

KELLER, 2014, p. 419. As distinções fazem parte de quadro apresentado por KELLER, 2014, p. 421. O grifo na frase final é nosso. 40 COMISKEY, 2010. P. 57. 41 COMISKEY, 2010, p. 57. A citação à igreja primitiva refere-se, em especial, à igreja de Jerusalém descrita principalmente no capítulo do livro de Atos dos Apóstolos. 39

83

em muitos outros casos, a principal referência bíblica para isso é o apóstolo Paulo, que em suas viagens capacitou líderes como Timóteo, Tito e Silas, entre outros. “Depois de levantar novos líderes, Paulo frequentemente voltava a visitá-los para se certificar do controle de qualidade. Ele também orava por eles, escrevia para eles e os aconselhava por meio de suas cartas”, comenta Joel Comiskey.42 Há certa divergência na literatura a respeito da formação de líderes. De um lado estão aqueles que afirmam que toda pessoa convertida pode liderar uma célula, caso disponha-se a ser treinada e exerça com fidelidade as disciplinas espirituais da oração e do estudo bíblico. De outro estão aqueles que declaram ser necessária a presença de dons específicos para a liderança, que nem sempre podem ser despertados pelo desejo do indivíduo ou da comunidade. No

primeiro

grupo,

Fernando

Brandão

sugere

um

processo

de

reconhecimento de lideranças que começa logo que o indivíduo fizer uma decisão. “A partir das primeiras conversões a Cristo, os novos crentes devem ser convocados para sair com os plantadores ou equipes para anunciar aos seus parentes, amigos e vizinhos a boa-nova do Evangelho”,43 escreve. As visitas parecem fazer parte de um treinamento ad hoc, conforme prossegue: No primeiro momento, eles vão junto com o plantador ou seus discipuladores para abrir a porta dos relacionamentos. No segundo momento, o novo crente já compartilha seu testemunho pessoal e pode dirigir os estudos bíblicos, sendo acompanhado pelo plantador ou discipulador. Depois, esse novo crente já pode fazer esses estudos sem a presença do plantador, mas já terá consigo outro novo convertido para treiná-lo em serviço, como ele foi 44 treinado.

De acordo com o autor Brandão, o “empoderamento”45 do novo crente se dá mediante esse modelo de treinamento, que classifica de “bíblico e eficaz”. 46 A

42

COMISKEY, 2010, p. 69. BRANDÃO, 2014, p. 104. 44 BRANDÃO, 2014, p. 104-105. 45 O neologismo, oriundo do inglês empowerment, designa uma técnica de gestão baseada na descentralização de poder e na autonomia para tomada de decisões em todos os níveis hierárquicos de uma organização. Para um conhecimento maior a respeito do tema, uma obra de referência é Empowerment: um imperativo, de Daniel Quinn Mills (MILLS, 1996). Uma abordagem de leitura mais fácil e linguagem coloquial pode ser encontrada em Cartas a um jovem administrador (CHIAVENATO, 2008), de Idalberto Chiavenato, um dos dos principais autores brasileiros na área de Administração. 46 BRANDÃO, 2014, p. 108. 43

84

dinâmica da cessão de responsabilidades ao novo convertido vai depender do bom senso e da maturidade do plantador da igreja.47 No mesmo sentido, Joel Comiskey observou em sua pesquisa com 700 líderes de células em oito países que não há relação direta entre os dons espirituais do líder e o sucesso na multiplicação das células. “Surpreendentemente”, escreve, “25% afirmaram que o seu dom mais importante é o de ensino – e não evangelismo ou liderança”. 48 Segundo ele, a complementaridade dos dons manifestados pelos membros do grupo é que contribui para o sucesso, sendo que cabe ao líder mobilizar e despertar o trabalho em conjunto.49 Já, no Movimento do Discipulado Apostólico há requisitos para a liderança: vida espiritual exemplar, vida familiar sólida, ser discípulo (entendido como um “seguidor obediente de Jesus”, que “está sendo discipulado e por sua vez discípula outros”), frequência fiel aos cultos, conduta clara, ser bom administrador, demonstrar ser “cheio do Espírito Santo”, dar testemunho de sua fé, ter coração e atitude de pastor, participar de treinamentos e ser aprovado pela liderança.50 Steve Smith e Ying Kai, que desenvolveram o método Treinamento para Treinadores (TpT), são veementes ao dizer que “cada pessoa é incentivada e treinada para treinar treinadores”51 – mas logo a seguir adverte que “nem todos fazem isso”. Segundo os autores, o número de pessoas que adquirem esse perfil multiplicador geralmente não ultrapassa algo entre 15% e 20% do total de pessoas. “Em um movimento de plantação de igrejas, apenas uma pequena porcentagem de crentes vai multiplicar suas vidas por 30, 60 e 100”, observam. “Apesar de que todas as pessoas de seu grupo de treinamento possam ser fiéis e obedecer às Escrituras que estudam (por exemplo, ‘maridos, amai vossas esposas’, ‘filhos, obedecei a vossos pais’, etc.), nem todas serão fecundas em relação à reprodução, ou seja, a tarefa de treinar treinadores.”52 Como, então, seria possível melhorar tal índice?

47

BRANDÃO, 2014, p. 108. COMISKEY, 2001, p. 29. 49 COMISKEY, 2001, p. 30-31. 50 HUBER; GOMES, 2010, p. 43-45. 51 SMITH; YING KAI, 2014, p.110. Trecho em negrito no original. 52 SMITH; YING KAI, 2014, p. 110-111. 48

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Em sua experiência plantando uma igreja na localidade de Wellspring, na Califórnia, Joel Comiskey delimitou um conjunto de seis compromissos que todos os líderes de sua jovem congregação deveriam firmar: o compromisso fazer de Wellspring sua igreja local principal, o compromisso de termo (estar presente nos treinamentos e cultos), o compromisso de dizimar, o compromisso de vir a liderar uma célula, o compromisso da pureza e da santidade, o compromisso de manter um tempo devocional regular e consistente.53 O mesmo autor sugere que a fidelidade dos líderes potenciais seja “testada”, mediante a cessão de responsabilidades crescentes, começando com a leitura de textos bíblicos, falar no momento de oração ou servir os refrescos ao fim da reunião. Caso as tarefas sejam cumpridas a contento, novas responsabilidades podem ser delegadas. 4.6 – Lideranças e a igreja Unidos na Fé Na Igreja Batista Unidos na Fé, o componente teórico da formação de lideranças parece ter sido cumprido a contento, com encontros de treinamento formal. Mas seu componente prático não foi suficientemente desenvolvido. Disso resultou que os compromissos com a igreja nascente não foram estabelecidos a contento, e algumas das pessoas treinadas deixaram de frequentar a igreja, outras passaram a participar apenas de alguns encontros (indo a alguns encontros de células e a raros cultos dominicais, por exemplo) e outras ainda voltaram a frequentar a igreja-mãe (a Primeira Igreja Batista de Curitiba). 4.7 – Avaliando resultados

Uma das mais antigas e mais usadas ferramentas de qualidade nas organizações empresariais é o ciclo de Deming, ou ciclo PDCA. Tido como o processo mais simples de controle em direção à qualidade total, o desenvolvido pelo americano Walter Shewhart nos anos 1930 e popularizado pelo seu conterrâneo W. Edwards Deming nos anos 1990, o ciclo prevê que o desenvolvimento de qualquer ação deva seguir uma lógica de quatro etapas, cujas iniciais dão nome ao processo:

53

COMISKEY, 2010, p. 137-139.

86

Plan (planejar), Do (fazer, executar), Check (verificar, avaliar), Act (agir).54 A ideia é que cada tarefa, uma vez planejada e executada, passe por um processo de avaliação de resultados, seguido de intervenções que permitam melhorar o seu desempenho. Uma vez cumprido esse ciclo, retorna-se ao início, uma vez que se faz necessário planejar as intervenções de melhoras, executá-las, avaliá-las e corrigilas. O processo, portanto, precisa ser contínuo. Talvez a questão mais importante a esse respeito esteja no terceiro ponto do ciclo: em que termos (ou com base em quais variáveis) deve ser avaliado o desempenho de uma igreja? Embora Donald McGavran tenha definido que o crescimento numérico é bênção de Deus para a igreja, há muita oposição à ideia de que a performance de um ministério deva ser quantificada apenas em termos do número de decisões, batismos ou da membresia. Ronaldo Lidório sintetiza bem o ponto de vista, ao observar que o “plantio de igrejas não deve ser definido em termos de resultados humanos, mas pela fidelidade às sagradas escrituras”.55 Timothy Keller e J. Allen Thompson seguem na mesma linha, destacando que há no dia a dia das congregações situações que não podem ser resolvidas com uma simples consulta à Bíblia:56

A Bíblia não prescreve corais alemães ou salmos genoveses acima da música evangélica negra, tampouco estabelece uma certa ordem na adoração. Considerando que boa parte do que fazemos em uma igreja não está prescrito nas Escrituras, então devemos frequentemente e honestamente avaliar nossas (inevitáveis) estruturas humanas para verificar se elas estão nos ajudando a cumprir o objetivo que Deus deu para a igreja – 57 alcançar todas as nações para que O obedeçam.

Para avaliar com um mínimo de acurácia o que se faz dentro da igreja, é necessário que haja um planejamento formal, que possa ser confrontado com os resultados. “O planejamento nos ajuda a avaliar”, escrevem Keller e Thompson.58 “Os passos necessários são estabelecidos, apontando para o objetivo futuro, mas conforme cada passo principal é implementado, uma reavaliação precisa ser feita.”59 54

ANDRADE; MELHADO, 2004, p. 2-9. LIDÓRIO, 2011, p. 12. 56 KELLER; THOMPSON, 2002, p. 103-104. 57 KELLER; THOMPSON, 2002, p. 104. 58 KELLER; THOMPSON, 2002, p. 132. 59 KELLER; THOMPSON. 2002, p. 132. 55

87

Aí se revela, novamente, a fraqueza do sistema de plantação de igrejas baseado na tentativa e erro, adotado com frequência no Brasil. Dada a inexistência de um plano de metas claro, torna-se difícil a missão de discernir o que deu certo daquilo que não funcionou e encontrar as razões por trás de cada sucesso, para reproduzi-lo, ou dos fracassos, para não mais os repetir.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No ambiente das igrejas contemporâneas, há duas ideias gerais a respeito do tema de crescimento de igrejas que, a princípio, parecem ser conflitantes. Alguns entendem a questão como a busca de caminhos que levem as congregações já existentes a ganhar sempre mais membros, ampliando sua influência por meio dos números da membresia e pela arrecadação de dízimos e ofertas, cujos valores permitiriam intensificar as iniciativas evangelísticas. Outros creem que o melhor caminho para a expansão da fé cristã é a abertura de novas igrejas, saudáveis, mesmo que nunca estas cheguem a alcançar nem mesmo uma ou duas centenas de membros. Como tantas outras controvérsias surgidas na história do Cristianismo, este é mais um debate estéril. A expansão da fé cristã demanda a existência de mais igrejas, igrejas maiores e igrejas melhores – ou seja, com membros maduros e capazes de discipular outras pessoas e de treinar novos líderes. Os autores citados ao longo deste trabalho observaram isso de diferentes formas. Segundo Joel Comiskey, o próprio Donald McGavran, pai da disciplina do crescimento de igreja, solucionou esse dilema quando estava perto da sua morte, ocorrida em 1990. Relatando um encontro do teólogo com o pastor Jim Montgomery (ex-missionário nas Filipinas e fundador do movimento DAWN1 ), Comiskey conta que ele teria dito: “Não o chame mais de crescimento da igreja, chame-o de multiplicação da igreja!”2 Para ele, não se trata de uma mudança de opinião, mas da percepção de um mal-entendido. “Em algum lugar do caminho, o movimento de crescimento da igreja passou a ser associado à ideia de levar uma igreja a crescer ao maior tamanho possível”,

3

escreve Comiskey, observando que o próprio

McGavran teria visto isso como um erro. Comiskey conclui “multiplicar igrejas é bíblico”4 e que o próprio Jesus fez isso, ao levantar homens e mulheres dispostos a espalhar a mensagem do Evangelho por todo o império romano.

1

Sigla em inglês para “Discipulando uma Nação Inteira”. COMISKEY, 2010, p. 25. 3 COMISKEY, 2010, p. 25. 4 COMISKEY, 2010, p. 25. 2

89

Comiskey não está só ao dizer que a plantação de igrejas – ou a sua multiplicação, a partir de outras igrejas que compartilhem dessa visão – é um instrumento de crescimento formidável. Diz Timothy Keller: Plantar igrejas é a melhor maneira de aumentar o número de cristãos na cidade e uma das melhores maneiras de renovar todo o corpo de Cristo. As evidências a favor dessa afirmação são fortes, bíblica, sociológica e historicamente. Nada mais produz o impacto constante da plantação dinâmica e abrangente de igrejas. No entanto, isso não menospreza todas as outras coisas que devemos realizar: revitalização da igreja, educação teológica, justiça e 5 misericórdia, engajamento cultural e muitos outros ministérios e missões.

Assim, não parece haver muita oposição à ideia de plantar igrejas como forma de fazer crescer o alcance do Evangelho. A criação novas comunidades cristãs, enraizadas no ensinamento bíblico e, ao mesmo tempo, adaptadas à realidade local e às diferentes conformações demográficas e etnográficas de cada região, assume um valor inestimável como ferramenta para alcançar pessoas que, de outra forma, não pensariam em frequentar uma igreja evangélica. Tais diferenças culturais são especialmente relevantes nas grandes cidades e em sua área de influência (as regiões metropolitanas), onde convivem populações de diferentes origens e níveis socioeconômicos distintos, frequentemente a algumas centenas de metros uma da outra. A questão é o método de propagação adotado pelas diferentes vertentes de plantação de igrejas. É curioso observar que, no início dos anos 1970, havia poucas referências a respeito de crescimento de igreja e plantação de congregações. Passados pouco mais de 40 anos, há uma profusão de livros e métodos que chegam como pacotes prontos – inclusive com princípios doutrinários que chegam “embutidos”. Mesmo bem-intencionados, então, os plantadores de igrejas que adotam sem muita reflexão algum desses métodos correm o risco de se deixarem levar por movimentos que trazem em si elementos com os quais não concordam. Conforme observou Ronaldo Lidório, eventualmente “a própria paixão pela proclamação da Palavra, se não revestida de fundamentação bíblica e teológica, funciona como um elemento fomentador de liberalismo ou insensatez”.6

5 6

KELLER, 2014, p. 430. Itálico no original. LIDÓRIO, 2011, p. 16.

90

O uso de pequenos grupos como elementos essenciais da organização eclesiástica insere-se nessa diversidade de fórmulas que estão ao alcance dos líderes dessas congregações nascentes. Sob suas diferentes formas, tem sido praticada no Brasil por igrejas protestantes de diferentes denominações e portes. Dentro das igrejas batistas, vem sendo aplicada há cerca de 20 anos. Talvez ainda seja cedo para avaliar sua perenidade, mas, neste momento, parece claro que não se trata de um “modismo” nas igrejas, mas de um instrumento testado e aprovado na prática diária de muitas congregações. Assim, levando em conta as importantes considerações mencionadas anteriormente, faz-se necessário retornar à pergunta-chave por trás deste trabalho: “a organização em células é viável como instrumento de plantação de igrejas?” Ao fim da pesquisa, é possível dar uma resposta direta: sim. Há bons argumentos demonstrando que a organização em células tem dado resultados e há, na literatura, exemplos de igrejas plantadas desta forma (como aquelas descritas por Joel Comiskey e as reproduzidas, no Brasil, pela Igreja da Paz a partir de sua experiência pioneira em Santarém, para ficar apenas em exemplos documentados de instituições de grande porte). Recapitulando a história do Cristianismo, é possível afirmar que o método é compatível tanto com os princípios bíblicos relacionados à expansão da fé como com a prática histórica dos cristãos do primeiro século e de diversos momentos ao longo dos últimos 2 mil anos. Pequenos grupos reunidos em casas deram origem às igrejas descritas no livro de Atos, plantadas pelo apóstolo Paulo e seus colaboradores. Ressalte-se, entretanto, que Atos e as epístolas paulinas não prescrevem fórmulas doutrinárias para o semear de congregações. Em lugar disso, os livros descrevem a experiência da Igreja do primeiro século. Tal experiência ocorre em um meio cultural bem definido, tendo como cenário a Ásia Menor e parte da Europa. Replicá-las em ambientes distintos sem contextualização não só é arriscado como pode levar a uma desnecessária rigidez. Um exemplo dessa rigidez pode ser visto no caso do G12, cuja estrutura pretende basear-se não em Paulo, mas no próprio Jesus. Ele organizou seus discípulos em um grupo de 12 pessoas e, por isso, as células instaladas sob essa visão têm sempre 12 membros. Só que não há em lugar algum dos Evangelhos ordem para que essa organização fosse modelar para seus 91

seguidores. A opção por repetir o número leva ao engessamento do modelo celular, que deveria ter como uma de suas principais virtudes a versatilidade e a adaptabilidade. Os grupos também estiveram presentes nos avivamentos europeus e americanos, e fazem parte da constituição de boa parte dos modelos de igreja descritos pela literatura recente. Mesmo no Brasil, essa forma de organização é compatível com o padrão de plantação de igrejas, fortemente baseado na fórmula do “ponto de pregação”, pela qual encontros domésticos na casa de uma pessoa recém-convertida são o ponto de partida de muitas congregações. É possível também notar que o estilo de plantação de igrejas dos batistas brasileiros harmoniza-se historicamente com essa fórmula. Com isso, percebe-se que o movimento de células passa no teste da harmonia com os princípios bíblicos, assim como com a história da igreja – com especial atenção aqui para as igrejas batistas. A organização em células pode ser, ainda, uma forma de construir a solução para outro dilema clássico do crescimento da igreja: ele deve ser qualitativo ou quantitativo? Essa discussão esteve, por exemplo, por trás da controvérsia entre Orlando Costas e o Movimento de Crescimento de Igreja. Mesmo assim, trata-se de uma falsa dicotomia, uma vez que o crescimento numérico de uma igreja dificilmente será sustentável no longo prazo se não encontrar suporte em grupos de cristãos maduros e capazes de argumentar e testemunhar sobre sua fé. O crescimento qualitativo é, inclusive, uma ordem bíblica, conforme 1Pe 3.15: “antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós”. É também uma resposta à Grande Comissão, que orienta todo seguidor de Jesus a ensinar todas as nações a guardar todas as coisas que Ele mandou. O crescimento qualitativo consiste em tornar todos os membros de uma congregação, dos neófitos aos anciãos, preparados para responder a qualquer um que lhes perguntar a razão de sua esperança. E esta resposta – ou seja, este testemunho cristão – traz consigo uma abertura para o evangelismo e, por conseguinte, para o crescimento numérico. Esse tipo de capacidade pode muito bem ser desenvolvida no ambiente das células, a partir da convivência e do compartilhamento de experiências.

92

A organização em células, entretanto, não é suficiente para garantir o sucesso das iniciativas de novas igrejas. As conclusões do capítulo 4 apontam para outras fraquezas que foram reveladas na experiência da Igreja Batista Unidos na Fé, mas que não devem diferir muito da realidade da Igreja brasileira. Tais fraquezas encontram-se, principalmente, na área do levantamento de informações sobre a área e a população que receberão a nova igreja. A ausência de um levantamento prévio de informações detalhado – incluindo, conforme fundamenta Timothy Keller, uma apurada pesquisa demográfica e etnográfica – talvez seja uma das razões por que as tentativas de plantar igrejas resultem lentas e até doloridas e desestimulantes para o próprio plantador. Tal levantamento precisa chegar ao nível da história pessoal e familiar do bairro, de modo a revelar eventuais empecilhos à pregação e também para descobrir pontos de contato. Serve como exemplo o histórico da formação do Jardim Primavera e do Jardim Santa Mônica no entorno do antigo Leprosário São Roque. Antecipar as possíveis influências desse passado sobre a população atual do bairro poderia ter resultado em mudanças na ação evangelística da congregação Unidos na Fé. O missionário Don Richardson escreveu em seu livro Fator Melquisedeque que esses pontos de contato entre a cultura local e o Evangelho representam pontes culturais que permitem contextualizar a mensagem evangelística em grupos humanos distintos. “Deus preparou de fato o mundo gentio para receber o evangelho. Um número bastante significativo de não cristãos mostrou, portanto, muito mais disposição em aceitar o evangelho do que cristãos em compartilhá-lo com eles”, 7 diz Richardson. Ele escreveu tendo em mente povos e culturas diferentes daqueles que comungam da influência judaico-cristã (na Ásia, na África e na Oceania, principalmente), mas o princípio tende a ser válido também para as subculturas locais do mundo contemporâneo, que alguns rotulam como “póscristão”. Encontrar tais identificações culturais é, também, tarefa do plantador de igrejas. Da mesma forma, um planejamento vazio, incompleto ou inconsistente tende a dificultar o processo de plantação de igreja porque interrompe o ciclo de implantação. O ciclo PDCA, descrito brevemente no capítulo 4, fica impossível de

7

RICHARDSON, 1995, p. 28.

93

ser aplicado se o passo do planejamento não for dado. Não havendo o estabelecimento de metas para uma ação organizada, por exemplo, torna-se impossível avaliar os resultados e, consequentemente, colocar em prática ações corretivas para melhorar o alcance das iniciativas da igreja. Tais conclusões não encerram o assunto, mas podem servir como ponto de partida para novos estudos. E, principalmente, devem servir de alerta para aqueles a quem foi confiada a tarefa de expandir o alcance do Evangelho por meio da abertura de novas frentes de trabalho. Para a expansão da fé, percebe-se que a plantação de igrejas é essencial. Que sejam plantadas, então, usando as melhores ferramentas de organização e planejamento – com a excelência que se deve exigir de tão nobre missão.

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ANEXOS

Anexo 1: Imagens do culto inaugural da Igreja Batista Unidos na Fé, em 17 de março de 2013

Diáconos, ministros e membros da Primeira Igreja Batista de Curitiba presentes ao culto inaugural.

Rogério Schmitz (à esquerda) e Vanderlei Vieira, líderes das duas células que deram origem à igreja.

Público presente ao primeiro culto da congregação.

102

Anexo 2: Convites de eventos do primeiro ano da congregação

103

Anexo 3: Lembrança do culto de Páscoa (1º de abril de 2013)

104

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