Sobre o conhecimento para Karl Popper e Ludwing Wittgenstein

July 5, 2017 | Autor: Bianca Guida | Categoria: Wittgenstein, Karl Popper
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Universidade Federal de São Paulo Filosofia da Ciência Professor: Dr. Claudemir Roque

Sobre o conhecimento para Karl Popper e Wittgenstein

Aluna: Bianca Molinas Guida – 55.008 Filosofia – Vespertino 5º termo.

Guarulhos 2011

A evolução da raça humana esteve, desde o início, ligada à busca pelo conhecimento, por explicações dos fenômenos existentes tanto na natureza quando no mundo individual e social. Nossa realidade se altera constantemente conforme apreendemos as novas versões que a descrevem. Esses diferentes pontos de vista que tentam fundamentar uma compreensão para o alcance de um conhecimento são postos à prova de muitas maneiras, assim, um conhecimento que parecia verdadeiro e aceitável em um determinado momento, noutro, pode tornar-se falso. Entretanto, como visto, essa concepção explicita que não temos garantia de um único conhecimento poder ser algum dia alcançado. Karl Popper (1902-1994) e Ludwing Wittgenstein (1889-1951) são dois austríacos com diferentes conceitos sobre o conhecimento, onde o primeiro o concebe nas teorias científicas, nada mais do que hipóteses temporárias, e o segundo na relativização da linguagem de acordo com seus tipos de uso. Os dois são conhecidos pela rivalidade um com o outro no que concerne às suas teorias: positivismo e realismo. Muitos até declaram Wittgenstein um cético devido à estrutura de seus escritos nas Investigações Filosóficas 1, Plínio Smith seria um deles, apresentando em um artigo para a Revista de Filosofia Kriterion2 uma engenhosa comparação entre as posturas do filósofo e dos céticos pirrônicos. Talvez seria cabível compreende-lo assim, entretanto, isso vem de suas pretensões, ou o melhor, sua não pretensão de postular um método fixo para a sistematização da linguagem. Sua exposição, muitas vezes geral e vaga em certos aspectos, garantiria essa possibilidade de interpretação, como diz Grayling em seu livro Wittgenstein3, “...há uma miscelânea de práticas tão diversas que, afirma Wittgenstein, não se pode dar nenhuma descrição daquilo que consistem o significado e a compreensão...”4 A questão do significado da linguagem em Wittgenstein é sua própria concepção de um conhecimento. Como poderíamos conhecer o mundo se nossos critérios, acerca dele, são derivados de proposições, teorias e hipóteses que, se construídas sobre os erros do uso da linguagem, não passariam de nada mais do que equivocadas identificações do mundo com a palavra? Para que um possível conhecimento surgisse, deveríamos procurar descrever, não explicar (isso acarretaria em novas teorias), pois com isso

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WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Petrópolis: Vozes, 1996. Kriterion Revista de Filosofia. v. XXXV nº 92. Belo Horizonte: 1995. pp. 37-65. 3 GRAYLING, A. C. Wittgenstein. São Paulo: Edições Loyola, 2002. 4 Idem. p. 127. 2

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estaríamos organizando e compreendo melhor o que já adquirimos. A linguagem não possui uma única estrutura lógica, devemos estar conscientizados de sua multiplicidade. O conhecimento objetivo de Popper muito se distingue do de Wittgenstein. O método científico processa-se de outro modo, numa tentativa de provar a falseabilidade das hipóteses de que parte, verifica-se até que ponto resistem às hipóteses contrárias. Essa sobrevivência aos testes garantiria sua conservação, apesar de temporária. É necessário, sim, um discernimento para o adequado uso da linguagem, mas a interpretação de Popper para isso é outra. Criticando o que chama de instrumentalismo, “a concepção para qual a teoria nada mais é que um instrumento ou ferramenta para a predição5”, Popper escreve em A Lógica da Pesquisa Científica 6:

Em poucas palavras, entendo que nossa linguagem comum está cheia de teorias; que só o preconceito indutivista leva as pessoas a pensarem em uma possível linguagem fenomênica, livre de teorias, distinguível de uma “linguagem teórica”; e, enfim, que o estudioso está interessado em explicações, ou seja, em teorias passíveis de prova, dotadas de poder explicativo: aplicações e predições interessam-no apenas por motivos teóricos – porque podem ser utilizadas como provas de teorias.7

Os enunciados adquirem outro propósito que não seja ser analisado linguisticamente, como propõe Wittgenstein, eles servem para testar as teorias no sentido de visar uma refutação. São as teorias sobreviventes que garantem um conhecimento acerca do mundo, entretanto, sempre um conhecimento provisório. A relação entre o mundo e a palavra carrega diferentes pesos quando se analisa as ideias desses filósofos. Para Wittgenstein seria necessária uma contínua reformulação e reinterpretação de nossos conceitos para uma compreensão do alheio, pois verdade, realidade e conhecimento são limitados a nós, não são absolutos, mas relativos. Uma grande variedade de conceitos alheios pode existir e até mesmo serem reconhecidos, mas nunca compreendidos em sua totalidade. Desse relativismo cognitivo temos que o mundo racionalmente conhecido não se trata de uma compreensão verdadeira. A imagem do mundo determina nossa própria racionalidade. Plínio Smith explicita nossa limitação racional: “A experiência não justifica nossas previsões, pois nossas

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POPPER, K. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 2007. p. 61. Cf. nota *¹. POPPER, K. Op. cit. 7 POPPER, K. Op. cit., p. 61. Cf. nota *¹. 6

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observações são limitadas e não garantem a universalidade da correlação entre eventos e objetos, o que não impede, contudo, que seja racional guiar-se pelas regularidades da natureza.”8 Apesar de nossos raciocínios para um conhecimento do mundo não ter justificação racional, acabam sendo impostos pela “natureza humana”. A realidade é uma relação gramatical intralingüística, isto é, estar de acordo com a realidade é uma expressão cotidiana de uso não problemático, portanto, não nos cabe perguntar o que é a realidade ou ainda o que é o mundo. A relação (se é que ocorre) está nos jogos de linguagem e estas não privilegiam conceitos. Na multiplicidade da linguagem não é necessário sequer haver correspondência entre palavra e objeto, a lógica não garante um conhecimento novo, pois, centrada em sua gramática pluralizada, torna-se método de apreensão de apenas o que já se tinha. Para Popper, pôr o conhecimento sobre os sistemas de linguagem e seus usos refere-se a um equivoco indutivo, reduzindo a ciência ao campo sensorial, afastando-se da lógica e do método científico. Essa visão exclusiva da perspectiva subjetiva de um sujeito sobre o mundo, provinda do positivismo lógico, causa uma radicalização das sensações que, em certo ponto, tornaria o mundo uma criação particular onde nada de certo existiria além dessa percepção. A negação do psicologismo apresentada por Popper sustenta-se sobre a própria definição de uma teoria científica. O que interessa a ele são os modos de justificação de nossos conhecimentos. Popper não nega completamente o uso da experiência para se emitir um enunciado científico, entretanto, é a partir do momento em que esse conhecimento, derivado da experiência, não cabendo para justificar nem estabelecer sua própria verdade, é descartado. Popper coloca a apreensão de um conhecimento científico de forma intersubjetiva, onde um enunciado científico (ou seja, refutável, porém não refutada) e empírico, usado para refutar uma hipótese, deve ter ele também uma teoria que o sustente, de forma a conduzi-lo à objetividade. Esse enunciado seria caracterizado como um enunciado básico aceito que, como o Popper explica: “Precisamos deles para decidir se uma teoria pode ser chamada de falseável, isto é, empírica. Precisamos deles, ainda, para corroboração de hipóteses falseadoras e, assim, para o falseamento de teorias.” 9

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SMITH, P. J. Wittgenstein: racionalidade e ceticismo. In: Kriterion Revista de Filosofia. v. XXXV nº 92. p. 56. 9 POPPER, K. Op. cit., p. 107. 3

De um lado, enquanto Ludwing Wittgenstein tenta escapar de uma tese metódica, acaba por construir uma filosofia problemática e contraditória em muitos aspectos, suas dificuldades se acumulam para que muitas interpretações concluam a ineficácia da filosofia wittgensteiniana. Apesar disso, não há dúvida de que as visões de Wittgenstein ajudaram a promover o interesse pela linguagem na metade do século XX, dentro da corrente filosófica analítica. Do outro, Karl Popper, coloca sob certos aspectos a evolução do conhecimento científico comparável a um processo de seleção natural, em que a criatividade dos cientistas conduz as novas teorias que, sobrevivendo a rigorosos testes experimentais, pretendem sempre renovar nossas visões do mundo. Popper pode ser considerado um bom exemplo de filósofo no que concerne à recusa do dogmatismo, do irracionalismo e do relativismo. Não obstante, a possibilidade de um conhecimento totalmente objetivo e absoluto acerca do mundo em todos seus aspectos, para ambos os filósofos, é impossível.

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