SOBRE O CRÁTILO (ou da Correção dos Nomes)

June 7, 2017 | Autor: Rafael Garbelini | Categoria: Philosophy Of Language, History of Philosophy
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RAFAEL GARBELINI Universidade Católica de Santos Curso de Filosofia SOBRE O CRÁTILO (ou da Correção dos Nomes) ΠΕΡῚ Ώ ΚΡΑΤΥΛΟΣ (ἤ περὶ ὀνομάτων ὀρθότητος) Trabalho apresentado na disciplina de Lógica e Linguagem do Curso de Filosofia Área de concentração:

Filosofia da Linguagem; Filosofia Antiga.

Santos,2012

RESUMO Trata-se de abordagem sintética do diálogo Crátilo, de Platão, no qual são discorridos aspectos, ainda que embrionários, de Filosofia da Linguagem contidos na filosofia platônica. Fez-se citações extraídas do original baseadas na edição de J. Burnet seguida de traduções de E. Bini. Finalmente, brevíssima questão exegética quanto às discordâncias e imprecisões das traduções consultadas.

SUMÁRIO Sumário _________________________________________________________________ Nota Preliminar ___________________________________________________________ Proêmio _________________________________________________________________ 1 A Problemática __________________________________________________________ 2 Teoria Essencialista ______________________________________________________ 3 Sinonímia ______________________________________________________________ 4 O Criador dos Nomes _____________________________________________________ 5 Exegese do trecho 408c ___________________________________________________ 6 Conclusões _____________________________________________________________ Referências ______________________________________________________________

NOTA PRELIMINAR A elaboração do presente texto exigiu consulta basilar dos códices de Burnet (1903) e Stephanus (1578), respectivamente na edição Plato. Platonis Opera. Oxford: Clarendon Press, 1903, tomo I, nas páginas 383 a 440 e na edição Plato.

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Platonis Opera Quæ Extant Omnia. Boston: John Adams Library, 1578; consultada a edição norte-americana organizada por John H. Cooper em Plato. Complete Works. Indiana: Hackett Publishing Company, 1997, traduzido o Crátilo por C.D.C. Reeve constantes nas páginas 101 a 156; consultada a edição brasileira traduzida por Edson Bini em Platão. Diálogos VI. Bauru: edipro, 2010, constante nas páginas 35 a 137. Por questões de variante, já conhecidas as imprecisões do códice de Stephanus (1579), adotou-se a edição de J. Burnet (1903) como base textual e para as diversas citações, seguida de tradução de E. Bini.

PROÊMIO Ainda que não nas estruturações modernas e contemporâneas Κρατύλος (Crátilo) é um texto versado em Filosofia da Linguagem. A Filosofia Antiga parece não ter se preocupado com a questão da linguagem, nem mesmo explicitado nos trabalhos de Aristóteles, embora haja uma impecável sistematização da lógica, guardadas as devidas proporções com relação à época e pensamento do estagirita. Por certo tempo, o diálogo Κρατύλος passou despercebido como especificamente um texto voltado à discussão do fenômeno da linguagem e os medievos tratavam-no como uma problemática voltada para questão estritamente nominalista, quiçá por se aterem ao subtítulo ἤ περὶ ὀνομάτων ὀρθότητος, de modo que o termo ὀρθότητος designa ὄρθον (correção).

1 A PROBLEMÁTICA No que concerne ao núcleo textual do Κρατύλος a questão da correção do nome tal como ὄνομα em que por aproximação designa o signo abrigador do conceito inferido, faz indagar a «legitimidade» do nome das coisas. De acordo com Πλάτων (Platão), a posição de Ὲρμογένης (Hermógenes), versa na qual o nome em nada tem a ver com relação à origem representativa das coisas nomeadas, a nomeação se dá por conta de simples convenção; a posição de Κρατύλος é contrária, pois se liga à etimologia dos nomes, em que pode se conduzir a uma descrição disfarçada no qual revela corretamente a natureza daquilo que se nomeia; Σωκράτης (Sócrates), segundo Πλάτων, diverge das duas concepções

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realizando a análise da própria linguagem de tal modo que busquemos a natureza imutável e permanente das coisas como são em si mesmas; assim, para Σωκράτης, segundo Πλάτων, as palavras não capacitam, tampouco revelam, o acesso ao mundo inteligível das Formas puras (cf. ROSS, p. 261-5). No extrato constante a seguir, verifica-se a questão de nome da coisa e a relação de igualdade ou identidade dessa mesma coisa.

383b

ὀνομάτων πεφυκέναι καὶ Ἕλλησι καὶ βαρβάροις τὴν αὐτὴν ἅπασιν. ἐρωτῶ οὖν αὐτὸν ἐγὼ εἰ αὐτῷ Κρατύλος τῇ ἀληθείᾳ ὄνομα [ἐστὶν ἢ οὔ]· ὁ δὲ ὁμολογεῖ. Τί δὲ Σωκράτει; ἔφην. Σωκράτης, ἦ δ' ὅς. Οὐκοῦν καὶ τοῖς ἄλλοις ἀνθρώποις πᾶσιν, ὅπερ καλοῦμεν ὄνομα ἕκαστον, τοῦτό ἐστιν ἑκάστῳ ὄνομα; ὁ δέ, Οὔκουν σοί γε, ἦ δ' ὅς, ὄνομα Ἑρμογένης, οὐδὲ ἂν πάντες καλῶσιν ἄνθρωποι. καὶ ἐμοῦ ἐρωτῶντος καὶ προθυμουμένου εἰδέναι ὅτι ποτὲ λέγει [...]

Em sentido aproxima, significa o seguinte: Uma correção inerente aos nomes, que é a mesma para todos, gregos e bárbaros. Pergunto-lhe, consequentemente, se seu nome é verdadeiro Crátilo, com o que ele concorda. «E quanto a Sócrates?», eu disse, «Seu nome é Sócrates», ele disse. «E isso se aplica também para todos os demais seres humanos e o nome particular pelo qual chamamos cada pessoa é seu nome?» E ele disse: «Ora, teu nome não é Hermógenes mesmo que toda a humanidade te chame assim.» [...]

Portanto, verifica-se no extrato acima que logo no início do diálogo há a questão relação de identidade-igualdade.

2 TEORIA ESSENCIALISTA Na concepção essencialista, o nome das coisas deve atingir a sua essência, dizer exatamente aquilo que são e não «simples» representação, o nome é a própria coisa. Essa é a posição de Κρατύλος no que diz respeito à discussão engendrada

por

Πλάτων.

Ao

contrário,

Ὲρμογένης

apresenta

posição

convencionalista na qual a nomeação das coisas são convenções arbitrárias de modo a simples identificação por parte do sujeito. Como se verifica a seguir: 384d

Ὲρμογένης. Καὶ μὴν ἔγωγε, ὦ Σώκρατες, πολλάκις δὴ καὶ τούτῳ διαλεχθεὶς καὶ ἄλλοις πολλοῖς, οὐ δύναμαι πεισθῆναι ὡς ἄλλη τις ὀρθότης ὀνόματος ἢ συνθήκη καὶ ὁμολογία. ἐμοὶ γὰρ δοκεῖ ὅτι ἄν τίς τῳ θῆται ὄνομα, τοῦτο εἶναι τὸ ὀρθόν· καὶ ἂν αὖθίς γε ἕτερον μεταθῆται, ἐκεῖνο δὲ μηκέτι καλῇ, οὐδὲν ἧττον τὸ ὕστερον ὀρθῶς ἔχειν τοῦ προτέρου, ὥσπερ τοῖς οἰκέταις ἡμεῖς μετατιθέμεθα [οὐδὲν ἧττον τοῦτ' εἶναι ὀρθὸν τὸ μετατεθὲν τοῦ πρότερον κειμένου]· οὐ γὰρ φύσει ἑκάστῳ πεφυκέναι ὄνομα οὐδὲν οὐδενί, ἀλλὰ νόμῳ καὶ ἔθει τῶν ἐθισάντων τε καὶ καλούντων. εἰ δέ πῃ ἄλλῃ ἔχει, ἕτοιμος ἔγωγε καὶ μανθάνειν καὶ ἀκούειν οὐ μόνον παρὰ Κρατύλου, ἀλλὰ καὶ παρ' ἄλλου ὁτουοῦν.

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Hermógenes: de minha parte, Sócrates, tenho dialogado frequentemente com Crátilo e muitos outros, e ninguém se mostra capaz de convencer-me de que a correção dos nomes é determinada por outra coisa senão a convenção [συνθήκη] e o consenso [ὁμολογία]. Parece-me que não importa qual o nome que dês a uma coisa, esse é seu nome correto. [...]

Como visto no extrato total do original grego e o extrato parcial na tradução de E. Bini, a posição de Ὲρμογένης é insistente ao estabelecer que a nomeação é algo nada além de convenção e consenso. Pouco importa as noções de essencialidade se não se é conhecida; se se permanecem inatingíveis as formas puras, per si, o nome é algo que se estabelece convencionalmente e consensualmente, i.e., aceitação e conformidade com o estabelecido.

3 SINONÍMIA A questão da sinonímia parte da concepção de que o nome do objeto lhe deve caber com exatidão, como se fosse um encaixe, um acoplamento entre signo e significado (ὃ ἂν φῂς καλῇ τις ἕκαστον, τοῦ θ' ἑκάστῳ ὄνομα; → seja qual for o nome que decidirmos atribuir a uma coisa particular, é esse seu nome? (385a)). Não há exatidão na posição de Πλάτων acerca da nomeação; tanto assim, nas concepções de Σωκράτης o objeto não tem significado em si mesmo; o significado não está no objeto, mas no entendimento do homem decorrente da função do uso do objeto; diferentes significantes para um mesmo objeto (referêncial), p. ex.: cavalo, horse, etc.; diferentes objetos para um mesmo significante, p. ex.: rosa (cf. 384e, 385b, 385c, 385d e 385e).

4 O CRIADOR DOS NOMES A proposta de Πλάτων para problemática e para os critérios de formação dos nomes 1 no diálogo é a possibilidade de o legislador ou o Rei-filósofo 2 estabelecer com a devida precisão o nome das coisas. Como se observa na sequência: Critério Normativo → a norma é apresentada como um dos critérios para se entender a formação e o uso correto dos nomes; não é dado a qualquer pessoa mudar, nomear ou renomear objetos, faz-se necessário observar o critério normativo. p. ex: acordo ortográfico.; Critério Metafísico → que os nomes apresentem certa exatidão natural (exemplo de Ὅμηρος). No ato de nomear, os deuses levam em conta o ser em si do objeto, isto é a sua essência. Assim, de acordo com o exemplo de Σωκράτης, não se deve chamar Θεόφιλο (amigo de Ζεύς) ao homem que é inimigo de Ζεύς. O mesmo ocorre com o nome Ὲρμογένης, que, quando mal usado, pode distanciar a natureza da coisa de sua designação (sinal, nome); Critério Etimológico → é necessário examinar a 1

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Σωκράτης. Οὐκ ἄρα παντὸς ἀνδρός, ὦ Ἑρμόγενες, ὄνομα θέσθαι [ἐστὶν] ἀλλά τινος ὀνοματουργοῦ· οὗτος δ' ἐστίν, ὡς ἔοικεν, ὁ νομοθέτης, ὃς δὴ τῶν δημιουργῶν σπανιώτατος ἐν ἀνθρώποις γίγνεται. Sócrates: consequentemente, não cabe ao homem, Hermógenes, fornecer nomes, mas somente àquele que pode ser chamado de produtor de nomes [ὀνοματουργοῦ], sendo este, pelo que parece, o legislador [νομοθέτης], o mais raro dos artesãos entre os seres humanos.

Na citação acima, evidencia-se que para Πλάτων, caberia ao legislador produzir o nome das coisas, pois aos que exercem outros ofícios tal faculdade seria inviável (cf. 388c, 388d e 388e) pelo própria natureza de seus trabalhos e «faculdades medianas». 5 EXEGESE DO TRECHO 408c Um trecho do texto que é digno de atenção é a parte inicial do 408c no qual Πλάτων menciona a questão do sentido (significado) do discurso. Essa concepção de sentido surgirá somente na segunda fase do trabalho de Wittgenstein, de maneira patente no trabalho de Frege e posteriormente na matemática de Gödel. Observa-se no esquema a seguir o original e as diferentes aproximações semânticas próprias, em vernáculo, por Bini, e em inglês, na aproximação de Reeve.

Σωκράτης. Οἶσθα ὅτι ὁ λόγος τὸ πᾶν σημαίνει καὶ κυκλεῖ καὶ πολεῖ ἀεί, καὶ ἔστι διπλοῦς, ἀληθής τε καὶ ψευδής.

Sócrates: estás ciente de que o discurso dá significado a todas as coisas e sempre as faz circular e se moverem, além do que ele é duplo, ou seja, verdadeiro e falso.

Socrates: you know speech signifies all things (to pan) and keeps them circulating and always going about, and that it has two forms – true and false?

etimologia dos nomes a fim de que se encontre exatidão nos mesmos, sobretudo quando são usados de formas diferentes por indivíduos diferentes. Os nomes devem ser identificados aos objetos pela etimologia. p. ex: «ὀυσία; εἶναι»; Critério Fonético → o nome para estar bem feito deve ter letras e sons adequados àquilo que o objeto é na sua essência. Assim, para Πλάτων, para que o nome seja semelhante ao objeto, seus elementos primitivos constituintes devem, por natureza, também ser semelhantes aos objetos (cf. 434a, 434b, 434c). 2

O Rei-filósofo, de maneira geral, não tem como ideal de felicidade chegar ao poder para ser honrado por sua sabedoria ou para adquirir prestígio e riqueza; ele não cultiva qualquer tipo de orgulho e é feliz por ser o educador maior de todos, aquele que governa para fazer de seus concidadãos homens e mulheres melhores. Por isso, nada melhor alguém com tamanha índole para estabelecer o nome das coisas.

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Primeiro, em vernáculo, verifica-se que o trecho se trata de uma afirmação; na aproximação de Reeve, trata-se de uma indagação. No códice, observa-se o ponto, parecido com nossa pontuação. Ocorre que em grego ático (e no koiné) esse ponto designa uma afirmação e não uma indagação, este seria apresentado como a nossa grafia de ponto e vírgula « ; », i.e., em grego ático o sinal de interrogação é grafado como o nosso ponto e vírgula. Portanto, fica evidente na aproximação de Reeve uma inadequação aproximativa; segundo, o termo λόγος é empregado em vernáculo como discurso; em inglês, por speech. Ambos apresentam aproximação precisa na adequação. Ora, λόγος, no contexto apresentado, é evidentemente uma noção discursiva, pois para os helenos 3, linguagem é expressão do pensamento. Com isso, a utilização dos termos discurso e speech é adequada; terceiro, os termos apresentados σημαίνει, κυκλεῖ, διπλοῦς, ἀληθής

e

ψευδής,

em

vernáculo,

apresentam-se

respectivamente

como

«significado», «circular», «duplo», «verdadeiro» e «falso»; em inglês, «signifies», «circulating», «two forms», «true» e «false». Haveria no discurso uma dança (κυκλεῖ → circularidade) entre as noções de verdadeiro (ἀληθής) e falso (ψευδής), dando, dependo do objetivo (eixo), sentido (σημαίνει) a todas as coisas (τὸ πᾶν). As noções de verdadeiro e/ou falso dependeriam do discurso empregado, tendo-se, assim, uma duplicidade (διπλοῦς) de sentido dependendo do eixo a ser observado ou empregado. Essa noção de duplicidade de sentido com relação ao eixo aparece somente na filosofia contemporânea. Embora o contexto do trabalho de Πλάτων não explicite uma resposta à questão proposta (correção dos nomes), as noções estudadas aparecem de certo modo suscitadas na filosofia antiga.

6 CONCLUSÕES Ante as exposições apresentadas e as observações dos extratos verificadas, conclui-se o seguinte:

A)

a posição de Ὲρμογένης é discordante da teoria

essencialista e apresenta proposta de teoria convencionalista; 3

B)

a posição de

Não se faz destoante a semântica de discurso no emprego utilizado tanto em vernáculo como em inglês (speech), pois se λόγος é também fala e/ou discurso como expressão do pensamento, obviamente o emprego de tais aproximações são adequadas. Demais, Aristóteles, no capítulo IV de Περὶ Ἐρμηνειασ (De Interpretatione, Da Interpretação), serve-se de λόγος no sentido de expressão do pensamento, i.e., exteriorização daquilo que é pensado.

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Κρατύλος é essencialista, na qual o nome é a própria coisa nomeada; C) a posição de Σωκράτης, segundo Πλάτων, é a de que, tendo em vista as posições expostas no diálogo, e sem mesmo dar uma posição concisa à problemática, ficaria a cargo do Rei-filósofo a atribuição do nome das coisas em determinados casos; D) embora um trabalho situado no período antigo, aparece uma noção, mesmo que embrionária, de filosofia da linguagem; e, a concepção de sentido no discurso e empregabilidade das noções de verdadeiro e de falso dependendo do eixo direcional. * * * * *

REFERÊNCIAS PLATO. Complete Works. Indiana: Hackett Publishing Company, 1997. PLATÃO. Diálogos VI. Tradução de Edson Bini. Bauru: edipro, 2010. PLATO. Platonis Opera. Oxford: Clarendon Press, tomo 1, 1903. ______. Platonis Opera Quæ Extant Omnia. Boston: John Adams Library, 1578. ROSS, D. Teoria de Las Ideas de Platon. Traducción de José Luiz Díez Arias. 5. ed. Madrid: Ediciones Cátedra, 2001.

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