Sobre o debate acerca do novo imperialismo comentarios sobre duas criticas aos classicos

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Sobre o debate acerca do “novo imperialismo” – comentários sobre duas críticas aos “clássicos”1 Thiago Fernandes Franco2 Resumo O objetivo deste trabalho é tecer comentários sobre duas críticas que contemporâneas ao “debate clássico” sobre o Imperialismo: a) que aquelas ideias teriam caducado por conta da superação da rivalidade entre as potências e b) que os autores e a autora do “debate clássico” produziram uma análise simplista e economicista da realidade. Procuramos apresentar os principais argumentos dessas críticas e expor seus limites, bem como suas implicações para a luta anticapitalista. Diante desse procedimento, nos parece que tanto os autores contemporãneos não conseguem demonstrar a necessidade de novas teorias quanto as teorias que propõem trazem consequências indesejadas para a luta anticapitalista. Palavras-chave: Imperialismo; Capitalismo; Marxismo; Historiografia. Introdução As pessoas que se dedicam aos estudos sobre o Imperialismo em nossos dias – e felizmente somos em número cada vez maior – se deparam com uma questão crucial que, de partida, chama atenção na historiografia contemporânea: podemos fundamentar nossas reflexões nos chamados “textos clássicos” – escritos a mais de cem anos – ou devemos somar esforços ao lado de quem acredita que se faz necessária a atualização teórica dos conhecimentos sobre o Imperialismo? Observemos que não está em questão se o mundo que vivemos é igual ou diferente daquele descrito no início do século passado. Ainda que sempre seja possível sublinhar as continuidades, pelo menos uma diferença salta aos olhos quando observamos a sociedade em que vivemos de modo comparado à sociedade dos nossos bisavós: vivemos rodeados por uma quantidade incalculável de coisas que elas e eles jamais imaginariam existir. Coisas cujas técnicas de produção são novas; coisas feitas de materiais recentemente descobertos e/ou dominados e que atendem a fins inexistentes nos primórdios do século XX. E, diante disso, nos parece evidente que não poderíamos esperar outra coisa que não grandes mudanças na maneira como nos relacionamos em sociedade. Essas mudanças

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Este trabalho foi concebido para apresentação na XIV Semana de Relações Internacionais da UNESP com base na tese de doutorado Sobre a Odisséia do Capital – comentários acerca da historiografia do Imperialismo Capitalista em nossos dias, defendida em 2015 no Programa de Desenvolvimento Econômico da Unicamp. Temos por objetivo recolher críticas, comentários e sugestões para posterior publicação. 2 Professor da Universidade Católica de Santos (Unisantos), Pesquisador do LARI-Unisantos e do GENII (Unicamp). Mestre e Doutor em História Econômica (Unicamp). Bacharel em Relações Internacionais (Faculdades de Campinas) e em Ciências Sociais (Unicamp). [email protected]

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provavelmente não podem ser explicadas pela introdução destas quinquilharias todas, mas, sobretudo se pensarmos no cotidiano que envolve nossas vidas, alteraram os padrões de socia(bi)lização de modo sensível – nas escolas, nas cidades, nas famílias etc. Para encurtar um pouco nosso trajeto, deixemos claro: para a reprodução mesma da nossa sociedade, em relação aos nossos bisavós, somos infinitamente mais dependentes dos circuitos da mercadoria; e isso se faz notar desde a observação mais rasteira (quantidade de coisas das quais dispomos), até reflexões mais abstratas e sutis (como a percepção sobre o tempo e sobre os relacionamentos). Em síntese, quaisquer que sejam as continuidades do tempo histórico que nos separa do começo do século XX, uma coisa é certa: a nossa experiência cotidiana é muito diferente daquela do tempo das nossas bisavós. Voltando ao debate específico da historiografia do Imperialismo: seriam essas mudanças de natureza tal que exigem a atualização teórica do Imperialismo? A maior parte da historiografia recente não parece se ocupar em demonstrar esse ponto, se limitando a comentários genéricos e aceitando passivamente a hipótese de que sim. Deste modo, ganha força a idéia de que a mera ocorrência de mudanças, ou – muito pior – a mera passagem do tempo fosse condição suficiente para o “envelhecimento” das teorias. Do nosso ponto de vista essa questão não é trivial, mesmo porque a crítica das teorias estabelecidas nos parece uma tarefa absolutamente decisiva – mesmo porque não estamos entre aqueles que acham que dispomos de uma belíssima e perfeita teoria da mudança social e resta apenas “vontade política” para operar a mudança (Revolução). Mas se queremos conferir qualquer grau de inteligibilidade a esse estudo precisamos partir de um pressuposto: para a defesa de que precisamos de novas teorias faz-se necessário que se demonstre, das duas, uma: ou as teorias antigas nunca deram conta da tarefa a que se propuseram, ou a vida em sociedade se alterou tão substantivamente no intervalo entre um debate e outro que precisamos adotar novas teorias para compreender nosso próprio tempo histórico. A tarefa é bastante extensa e dedicamos a ela todos os esforços de nossa tese de doutorado (FRANCO, 2015). E, evidentemente, isso está longe de ser o suficiente. Aqui, temos por objetivo verificar como a historiografia do Imperialismo em nossos dias procura lidar com essa dificuldade sob apenas dois pontos centrais: a) uma supostamente nova dinâmica de rivalidade entre as potências teria alterado a dinâmica do capitalismo de tal modo que as teorias “clássicas” teriam caducado; b) “os clássicos” teriam formulado suas ideias a partir da redução da explicação do Imperialismo aos aspectos “econômicos” em detrimento dos aspectos “políticos” (“economicismo”).

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Com o objetivo de sermos sucintos, deixamos deliberadamente para além do escopo deste trabalho discussões extremamente pertinentes, por exemplo os dois principais trabalhos contemporâneos sobre o imperialismo (WOOD, 2014 [2003] e HARVEY, 2004 [2003]) – extensamente comentados em nossa citada tese3 – e a discussão sobre financeirização – que será trabalhada nesta mesma mesa pela professora Angelita. Ainda a título de recorte, optamos por sintetizar criticamente os argumentos “contemporâneos” e não expor de forma sistemática passagens dos textos “clássicos” que sustentam nossa argumentação. Essa tarefa – a que também nos dedicamos na referida tese – torna o percurso mais longo do que nossas possibilidades nesta ocasião. Em todo caso, pensamos que essas reflexões, ainda que parciais, podem nos ajudar a refletir sobre o Imperialismo sob o qual vivemos. Não deixemos passar batido que a tarefa a que nos dispomos aqui implica em um método (“caminho”; “posição do sujeito frente ao objeto”) peculiar: ao mesmo tempo em que observamos a história – procurando elementos de continuidade e ruptura – devemos observar também historiografia, ou seja, as interpretações sobre a história4. O risco de ficarmos “apenas” no nível da historiografia é que nos limitemos a análises de textos e o risco de ficarmos “apenas” na história é que podemos apresentar como “novidades” ou “especificidades” elementos que já foram descritos cem anos atrás, diante do que não poderíamos explicar a contento como aquela gente poderia ter previsto coisas que somente aconteceriam tanto tempo depois. O que nos traz novamente para a imbricação que queremos ilustrar: não basta apenas apresentar elementos “novos”, mas demonstrar qual é o desafio teórico que eles impõem, pois do contrário, continuam válidas as teorias “velhas”. História é continuidade e mudança. O desafio da periodização é, portanto, um exercício de conferir inteligibilidade a um conjunto infinito de coisas as quais queremos abordar – provavelmente [este é o nosso caso] com a intenção de atuar sobre nosso próprio mundo. Para melhor organizarmos a exposição, procederemos da seguinte forma: primeiramente, nos dedicaremos a apresentar as duas críticas contemporâneas sobre o “debate clássico” com o objetivo de refutá-las. A seguir, apresentaremos uma reflexão sobre o que podemos inferir desse percurso e o que o esforço de periodização impacta na

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Sobre Harvey, oferecemos um minicurso nessa mesma Semana de RI da Unesp comentando especificamente sobre a peculiar maneira como ele se apropria das idéias revolucionárias de Rosa Luxemburg. 4 “Historiografia, stricto sensu, isto é, análise de um corpus de textos de História num determinado recorte [...]” (NOVAIS, 2005 [1995], p. 306)

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forma como estudamos o Imperialismo hoje. As considerações finais apenas resumem os argumentos centrais. Sobre a suposta superação da rivalidade entre as potências Uma crítica bastante presente no debate atual concerne às mudanças da rivalidade entre as potências, o que supostamente exigiria uma reformulação das teorias vigentes sobre o Imperialismo. Entre as mais incisivas tentativas de colocar as novidades dos “novos tempos” nesse ponto gostaríamos de destacar o paradigmaticamente intitulado Imperialismo do nosso tempo, de Aijaz Ahmad – publicado na Socialist Register de 2004. Explica Ahmad: uso a expressão simples ‘imperialismo de nosso tempo’ com o fim de evitar o uso de termos como ‘Novo Imperialismo’, que por estar em voga em diversos momentos, tomou significados distintos. O imperialismo tem estado conosco durante longo tempo, tomando diversas formas e reinventando-se na medida em que, para dizê-lo de algum modo, as estruturas do capitalismo global foram mudando. O que oferecemos aqui é uma série de indicações provisórias que tendem a facilitar a compreensão de uma conjuntura, ‘nosso tempo’, que em si mesma é um complexo de continuidades e descontinuidades – e como tal, algo muito mais novo. (AHMAD, 2004, p. 72)

A observação inicial sobre o fato de que temos muitos “novos” Imperialismos nos parece irrefutável. A própria historiografia sobre o Imperialismo Capitalista – que é muito mais recente do que o imperialismo em geral – é fundada nessa clivagem. Hobson – o pai fundador dessa historiografia –, por exemplo, argumentava já de início que o novo imperialismo distingue-se do velho, primeiro porque, em vez da aspiração de um só império crescente, segue a teoria e a prática de impérios rivais, cada um deles guiando-se por idênticos apetites de expansão política e de lucro comercial; segundo, porque os interesses financeiros, ou relativos ao investimento de capital, predominam sobre os interesses comerciais (HOBSON, 1968 [1902] p. 2)

Também levando em conta a questão da rivalidade, mas destacando a importância do capital financeiro – diferente de “interesses financeiros” – como critério principal da distinção – o que já faz de sua definição muito diferente em relação à de Hobson – Lenin também considerava “novo” o imperialismo que estava analisando, uma vez que a política colonial e o imperialismo já existiam antes da fase contemporânea do capitalismo e mesmo antes do capitalismo. Roma, alicerçada na escravatura, levava a cabo uma política colonial e praticava o imperialismo. (LENIN, 2011 [1917], p. 81)

Assim, procurando demarcar claramente a especificidade do imperialismo capitalista, Lenin destaca a “diferença essencial” de imperialismos cujas “formações econômicas e sociais” são distintas (mesma página). O objetivo, ali – tanto para Lenin

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quanto para Hobson – era demonstrar que o imperialismo que seguia desde a crise de 1870 era distinto do imperialismo precedente pelo seu caráter capitalista. Já na quarta parte do século XX, o historiador britânico Victor Kiernan – e este é apenas um exemplo –, ressaltando o papel da potência americana, publicou Estados Unidos: o novo imperialismo: da colonização branca à hegemonia mundial (KIERNAN, 2009 [1978]). É claro que a demanda também era legítima: deveria haver alguma especificidade no imperialismo capitalista sob uma clara hegemonia estadunidense. Quanto à historiografia mais recente, motivada pela intensificação da agressividade internacional estadunidense sob Bush I com o objetivo declarado de combater o terrorismo, destaca-se como uma de suas principais obras – senão a principal – o livro O Novo Imperialismo (HARVEY, 2004 [2003]), do geógrafo David Harvey, bestseller mundial. Também nos parece legítima aqui a demanda de demonstrar em que o imperialismo em nossos dias se diferencia do “clássico”. Portanto, concordamos com Ahmad que o termo “novo imperialismo” foi utilizado em contextos muito diferentes e com significados distintos. Foi chamado de “novo” o imperialismo identificado por Hobson e Lenin no começo do século XX, assim como é chamado “novo” o imperialismo do século XXI. E também foi chamado de “novo” o imperialismo da quarta parte do século XX5. Portanto, observando este aspecto da historiografia sobre o tema, poderíamos ser levados a acreditar que todo imperialismo é “novo”. O que não é tão simples de definir – para além do fato óbvio de que, com o passar dos anos as coisas mudam – é a delimitação de em que, afinal, consistem as novidades? Ou, melhor dizendo, em que medida essas novidades desafiam as explicações vigentes e exigem uma nova teorização? Nos termos de Ahmad – corretos – trata-se de determinar, retrospectivamente, se os elementos de descontinuidade são mais relevantes para a explicação do que as continuidades. Este autor, como já está claro, acredita que sim. Para ele, a novidade fundamental do imperialismo de nosso tempo é que ele emerge depois da dissolução das duas grandes rivalidades que marcaram a política global do século XX”, ou seja, o que Vladimir I. Ulianov (Lênin) chamava de ‘rivalidade interimperialista’ da primeira metade do século XX, e o que podemos chamar, na falta de um termo melhor, rivalidade intersistêmica entre os EUA e a União Soviética durante cerca de setenta anos. (AHMAD, mesma obra, p. 72)

Isso significaria, para ele, que “o fim de tais rivalidades fecha a era política inaugurada pela Primeira Guerra Mundial”, e surge depois da dissolução dos impérios coloniais, das ambições de países capitalistas rivais (Alemanha e Japão) e da “derrota 5

Para uma visão literária do absurdo dessa fixação com o “novo”, em vários campos do saber, sugerimos VERISSIMO (1983, p. 111 e seguintes).

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definitiva do nacionalismo das burguesias locais em grande parte do chamado Terceiro Mundo” (mesma página). Assim, longe de ser um imperialismo enrolado em um nó de rivalidades interimperiais, trata-se do imperialismo da era na qual a) os capitais nacionais têm sido interpenetrados de tal modo que o capital ativo em qualquer território dado se compõe em proporções variáveis tanto de capital nacional como de transnacional; b) o capital financeiro predomina sobre o capital produtivo numa extensão tal que nem a tese de Lênin sobre ‘exportação de capitais’ nem as advertências de John M. Keynes sobre a rapacidade dos rentistas puderam vislumbrar; e c) tudo, dos mercados de bens até os movimentos financeiros, está globalizado a tal nível que o Estado global, com capacidades militares globais, converteu-se em uma necessidade objetiva do próprio sistema, muito além das ambições dos grupos dominantes norte-americanos que, para impor suas estruturas e disciplinas, têm que expor o complexo como um todo a fissuras tremendas e quebras potenciais. (AHMAD, mesma obra, p. 72-3)

Em síntese, para ele, “na medida em que se revisam aqueles textos clássicos, evidencia-se seu pertencimento a uma época totalmente distinta” (mesma obra, p. 79, grifos nossos). Trata-se, portanto, de uma crítica que não ataca as bases teóricas clássicas, mas que defende que vivemos em uma “época totalmente distinta” e, deste modo, por melhores que fossem as teorias, elas teriam caducado por conta do próprio desenrolar da história. Sob nosso ponto de vista, essa enfática tentativa de Ahmad demarcar as especificidades do “imperialismo do nosso tempo” esbarra em algumas dificuldades lógicas. Primeiramente porque a interpenetrabilidade do capital já era uma característica fundamental da dinâmica do Imperialismo Capitalista “clássico” e, portanto, não pode ser considerada como “novidade” 6. Em segundo lugar porque a sua definição de capital financeiro é frágil: se há síntese entre as formas parciais, desfaz-se essa polêmica entre o predomínio do “capital financeiro” sobre o “capital produtivo”7. Em terceiro, porque não nos parece haver qualquer indício real da “necessidade objetiva do próprio sistema” em contar com um “Estado global” – uma ressurreição da natimorta e teoricamente absurda hipótese do “xerife global”8. No fundo, o raciocínio de Ahmad pode ser reduzido a um único argumento, já apresentado: “a novidade fundamental do imperialismo de nosso tempo é que ele emerge depois da dissolução das duas grandes rivalidades que marcaram a política global do século XX”. Como qualquer observador atual não tem como não perceber, o tabuleiro do

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Conforme brilhantemente expresso por Hilferding na tão criticada parte final de sua grande obra, a qual comentamos em nossa tese de doutorado (FRANCO, 2015). 7 Que também foi assunto dessa mesma tese, embora melhor desenvolvido na dissertação de mestrado (FRANCO, 2011). 8 Cf: p. ex. Huntington [2000], em (DUPAS; LAFER e SILVA, 2008)

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poder entre Estados Unidos, China e Rússia [para não entrarmos no mérito das potências européias hoje em uma capenga (des)União] está longe de se mostrar estável. Em 2016, defender o argumento de que a rivalidade entre as potências está superada é simplesmente inaceitável. É claro que haveria uma saída para essa postura aqui representada por Ahmad. Poder-se-ia argumentar que essa nova ascensão da rivalidade implicaria em um imperialismo ainda mais “novo”. Isso não é de todo incorreto. Novamente: sempre será logicamente possível afirmar que nosso tempo é específico – porque o contrário é a negação da história. Mas se a cada mudança precisarmos de uma nova definição teórica enfrentaremos dificuldades enormes. Voltaremos a elas mais à frente. Mas antes, falemos sobre outra crítica frequente no debate contemporâneo. Sobre o suposto economicismo Além dessa suposta superação da rivalidade entre as potências que marcaria um novo tipo de imperialismo, outra crítica às ditas “teorias clássicas” aparece de forma recorrente na historiografia contemporânea: a que remete ao suposto “simplismo” com que estas encarariam o papel do Estado no desenrolar da dinâmica capitalista. Noutros termos, de acordo com essa crítica, as teorias marxistas do Imperialismo seriam "economicistas". É, por exemplo, a leitura de Callinicos (2009), que defende o argumento de que as teorias clássicas são inconsistentes mesmo para o período que elas se propõem a analisar. Para ele, as principais dessas fragilidades teóricas dos “clássicos” são 1) curto-circuitos na tentativa

de

compatibilizar

as

tendências

operando

na

economia

capitalista

contemporânea com as tendências abstratas identificadas por Marx; 2) Problemas de compatibilizar a teoria e os dados históricos (empiria) por conta de a tese seminal (de Hilferding) se basear em demasia no caso alemão; 3) dificuldade de explicar a relação entre o “econômico” e o “(geo)político” (págs 67 e seguintes). Não precisamos entrar aqui no mérito de saber em que medida Hilferding, Rosa, Lenin e os demais “clássicos” conseguiram ou não compatibilizar suas explicações sobre o tempo presente com as tendências apontadas por Marx na teoria. É claro que esta é uma tarefa de valor para a história do marxismo, mas para a compreensão do nosso tempo – que é o que nos interessa aqui – pensamos que podemos nos concentrar nas duas outras objeções e deixar pra outra ocasião o diálogo dos “clássicos” com O capital – missão heróica.

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A acusação de que a base empírica das teorias do imperialismo se limita ao caso alemão não nos parece sólida por razões que apontamos em trabalhos anteriores9. A de que não apresentam a correta correspondência entre o “econômico” e o “(geo)político” comentaremos de forma detalhada, uma vez que aparece com maior insistência na historiografia recente. É o caso, por exemplo, da leitura de Vivek Chibber, em texto de grande influência – e constantemente citado – no debate atual sobre o imperialismo. Para ele, nos anos imediatamente posteriores à publicação de Imperialism, o grande peso [sheer weight] de algumas figuras como Hilferding, Luxemburg, Lenin e outras figuras da Segunda Internacional exerceu uma atração gravitacional das teorias políticas do Imperialismo para as sistêmicas e econômicas. De fato, a mais notável característica desses trabalhos é a virtual ausência de qualquer discussão em política, ou a mediação política das forças econômicas profundas que supostamente estariam conduzindo os projetos imperiais. Existe, em vez disso, uma determinação única [single-minded determination] para alcançar [to get] a raiz econômica [economic taproot] do fenômeno. (…) Para Lenin e Luxemburg, o Estado não figura como um fator independente na explanação sobre o imperialismo, principalmente porque eles operam com uma razoavelmente simples noção da relação Estadocapital. Na discussão de Lenin sobre toda a miríade de fatores que dirigem os poderes imperialistas, o Estado é quase inteiramente ausente, sendo largamente creditada a ele uma hipótese, penso eu, de que os Estados basicamente fazem o que seus capitalistas dizem a eles para fazer. Assim, uma vez que surgem, as operações dos cartéis e trustes nas economias avançadas decidem sobre como retalhar o mundo entre eles, e é assumido para Lenin que os Estados tomam este como o projeto deles próprios. O legado dessa perspectiva tem sido uma conformidade com o economicismo nas análises da política externa dos Estados Unidos: por trás de toda mudança nas decisões políticas, é iniciada uma procura pelo rastro de dinheiro do grande grupo pronto para lucrar com elas (CHIBBER, 2004, paginas 2-3). Do nosso lado, julgamos importante anotar que esses comentários ignoram completamente todos os outros textos que essas “figuras da Segunda Internacional” escreveram sobre o Estado, nos quais problematizam a questão com muito mais profundidade do que nos textos sobre o Imperialismo – nos quais a questão aparece, diferentemente da leitura de Chibber. Não temos espaço para desenvolver aqui esse argumento, mas deixemos registrado de passagem que, para nós, um estudo sistemático sobre as obras dos autores e da autora “clássicos” mostraria a coerência e a profundidade de suas considerações sobre o papel do Estado no período do imperialismo para muito

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(FRANCO 2011; 2015). Sugerimos também Pereira (2013), muito mais sistemático na exposição deste ponto.

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além dessa redução mecanicistas que a crítica neles aponta. Conforme vimos argumentando noutros trabalhos, essas “figuras da Segunda Internacional” não tinham inicialmente no Imperialismo o assunto central de sua atuação política e teórica. A percepção da importância do combate ao Imperialismo (entendido como totalidade capitalista) foi crescendo com o passar do anos e não pode ser corretamente entendida apenas pela análise dos textos canônicos10. Mas Chibber e Callinicos não são os únicos a acusar “os clássicos” de economicistas. Podemos encontrar uma versão ainda mais profunda desta crítica em um livro tão importante quanto sintomático para o debate marxista contemporâneo, The making of global capitalism: the political economy of American Empire, de Leo Panitch e Sam Gindin (PANITCH e GINDIN, 2012). Além de criticar a incontáveis vezes citada máxima segundo a qual o Estado seria o comitê executivo dos negócios comuns da burguesia (visão esta supostamente defendida em seu suposto simplismo pelos “autores do imperialismo”) Panitch e Gindin vão além e contestam praticamente todas as bases daquelas teorias do imperialismo e colocam em xeque a própria relação entre Capitalismo e Imperialismo. Em suas próprias palavras, a análise da dimensão internacional do capitalismo, e o insight de que a exportação do capital estava transformando o papel do Estado tanto nos países que o exportam quanto no países que o importam, foram as mais importantes contribuições dos teóricos do imperialismo que escreveram no começo do século XX. Mas a ligação que essa teoria estabeleceu entre a exportação de capital e a rivalidade interimperialista naqueles anos era problemática, e se tornaria ainda mais a partir de 1945. O problema não era apenas que as teorias clássicas do imperialismo viam o Estado como mero comandado de suas respectivas classes capitalistas, e, por isso, não deram suficiente importância ao papel que desempenhavam as classes dirigentes pré-capitalistas na rivalidade interimperial daquela época. Era também que eles tratavam a exportação de capital ela mesma como imperialista, e assim, suas teorias não registram, de fato, a diferenciação entre as esferas política e econômica do capitalismo, ou a importância dos impérios informais a esse respeito. Isso, por sua vez, – como disse Colin Leyes – foi produto da dificuldade [failure], em 'desembaraçar [disentangle] o conceito de imperialismo do conceito de capitalismo'. Apesar de isso não ser surpreendente, dada a conjuntura em que essas teorias foram formuladas (na escalada para a Primeira Guerra Mundial e durante seu desenrolar) sua tendência em associar diretamente a nova exportação de capital à velha história do imperialismo (como uma extensão do controle [rule] por meio da conquista armada de territórios), os conduziu a erroneamente concluir que essa fusão define o estágio final 10

Procuramos demonstrar esse ponto em uma parceria com Gabriela Murua, cujo texto, submetido à publicação é ainda inédito (MURUA e FRANCO, 2016).

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[historical terminus] do capitalismo maduro [mature capitalism]. (obra citada, páginas 5-6) Como vemos, a crítica é bastante radical (de raiz), chegando inclusive a contestar as explicações basilares daquelas "teorias clássicas". Segundo os autores, além disso, a noção de 'capital financeiro' (extrapolada de longe dos trustes monopolistas formados entre as firmas industriais e financeiras na virada do século na Alemanha) foi o obstáculo ao entendimento da ligação mais frouxa entre produção e finança que crescentemente se tornou a norma, seguindo a trajetória estadunidense, ao longo do século. Mas o mais problemático de tudo foi a tentativa de explicar a exportação de capitais em termos da saturação dos mercados domésticos nos principais países capitalistas. Desse modo, falharam em reconhecer as implicações de longo-prazo no crescimento das organizações da classe trabalhadora para a dinâmica do capitalismo. Na “Era de Ouro” depois de 1945, quando os mercados domésticos não estavam saturados; os lucros foram realizados pelo aumento do consumo da classe trabalhadora, enquanto o capital ele mesmo foi transformado ao longo do século XX no contexto da integração internacional da produção pelas corporações multinacionais e o extensivo desenvolvimento dos mercados financeiros internacionais. (mesma obra, p. 6) Não parece haver dúvida de que a ampliação do consumo de massa ao longo do século XX alterou substancialmente a dinâmica do capitalismo, mas – insistimos – isso seria suficiente para invalidar as teorias outrora formuladas? Do nosso ponto de vista, pensamos que essas transformações – decisivas para o entendimento do mundo em que vivemos – não colocam em xeque as categorias “clássicas”, mas, do contrário, são compreensíveis por meio delas. A própria transformação dos Estados no centro e na periferia, apontadas pelos autores como “a mais importante contribuição dos teóricos do imperialismo que escreveram no começo do século XX” simplesmente não pode ser explicada senão pelas transformações na natureza imperialista das exportações de capital [que tinham por objetivo gerar lucros por meio da apropriação dos recursos “naturais” e “humanos” da periferia]. Além disso, a fusão entre a “nova exportação de capitais” e “a velha história do imperialismo” é a raiz de toda a explicação marxista sobre o Imperialismo. Para nós, e esse é o ponto central de nosso argumento neste artigo, nas “teorias clássicas”, o Imperialismo não deve ser entendido como um recorte “econômico” [como Panitch e Gindin os acusam] ou “político” [o recorte por eles preferido] mas como uma totalidade e, portanto uma temporalidade – nos termos daquela época: um (novo) estágio/fase/período/etapa do capitalismo. Voltaremos a esse ponto posteriormente, mas ainda no que toca o trabalho de Panitch e Gindin, é importante frisarmos que, sob nosso ponto de vista, apesar de

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oferecerem contribuições relevantes na “descrição atualizada” do fenômeno do Imperialismo – em especial quando discorrem sobre as dinâmicas estadunidense no pósGuerra –; do ponto de vista teórico, ignoram um século de tradição dos estudos sobre o Imperialismo. Inclusive, não consideram a importância dos avanços empreendidos pelo próprio Hobson, amplamente elogiado por enxergar além das políticas imperiais e desvendar as “raízes profundas” do Imperialismo em sua relação com a dinâmica do capital. Assim, Panitch e Gindin não apenas acrescentam novidade nenhuma à teoria marxista sobre o imperialismo como a negam radicalmente. No anseio por criticar o “economicismo”, passam ao largo das pressões estruturais do modo de produção capitalista e situam o imperialismo em sua dimensão exclusivamente “política”. Superdimensionam a questão da política internacional e passam ao largo das determinações capitalistas. Ao que nos parece que deveríamos indagar se não seria isso uma espécie de “politicismo”, algum tipo de inversão “simplista” do “economicismo” que procuram refutar. Comentamos largamente essa hipótese em nossa tese de doutorado, na qual procuramos levar o debate sobre o economicismo à sua raiz e denunciar a hipótese “politicista” como manifestação do fetiche da ciência burguesa pela compartimentação da realidade. Não temos aqui condições de refazer esse longo percurso nem ao menos em seus traços essenciais. Mas cumpre que deixemos anotado que já foi percebida a conexão – ainda que involuntária – deste raciocínio com o que há de mais conservador no pensamento político estadunidense11. Para nós, cumpre que anotemos que o que essa retomada parcial do conceito Imperialismo sem a consideração de seu caráter capitalista faz – pouco importa se essa tarefa é executada à esquerda ou à direita – é esterilizar a problemática do Imperialismo de todo o seu potencial revolucionário. Deste modo, o discurso “crítico” se aproxima perigosamente do discurso da ala imperialista mais ufanista. Esse ponto também será comentado mais à frente. Do nosso lado, o que propomos – sem novidade alguma – para a crítica efetiva do imperialismo (e do capitalismo, do qual o imperialismo é um momento), é que não nos 11

É exatamente esse o mecanismo do pensamento conservador que estabelece os paralelos entre o império estadunidense e o império romano. Nas palavras de um opositor dessa tese, “tudo o que é preciso para tornar a comparação plenamente aproveitável é libertar o conceito das suas velhas associações marxistas de hierarquia econômica e de exploração – para não mencionar o racismo” e, assim, “eles devem evitar quaisquer noções radicais que liguem imperialismo com capitalismo e exploração”. Ao que conclui que, “a redescoberta do imperialismo pelos medias dominantes (sic) significa somente que estes processos estão a ser agora apresentados, especialmente nos círculos governantes dos Estados Unidos — uma realidade da qual não há nenhuma escapatória. A revolta contra esta nova fase do imperialismo, contudo, claramente só agora começou. A maior parte da população do mundo sabe aquilo que os sábios americanos convenientemente esquecem, que o imperialismo americano assemelha-se aos impérios exploradores do passado, e provavelmente sofrerá o mesmo destino dos outros, com revoltas internas e ‘bárbaros’ às portas.” (FOSTER, 2002).

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basta estabelecer duas categorias estáticas “economia” e “política” e apresentar a relação – de (sobre) determinação – entre elas – por mais “dialético” que o argumento possa parecer à primeira vista, e seus defensores insistam em argumentar. Nem tampouco seria menos inadequado se a elas duas, com o objetivo de tornar a explicação menos “simplista” e, portanto, mais “complexa”, acrescentássemos quaisquer outras, como a “cultura” ou a “religião”. O que a perspectiva anticapitalista exige, não é a apresentação da dinâmica entre cada uma dessas “esferas” – o fetiche máximo da “interdisciplinaridade” –, mas a adoção de uma perspectiva radicalmente distinta; a perspectiva da totalidade – um modo de pensar o mundo diferente da perspectiva das dimensões parciais das “esferas da existência” (“economia”, “política”, “cultura” etc.) e que surge somente da crítica a esta. Considerações sobre a periodização do imperialismo Sigamos aquela hipótese de que cada mudança implicaria uma noviade teórica, vendo, inicialmente, como ficaria a cronologia. Se focarmos com a questão da rivalidade, a cronologia poderia ser descrita a partir o seguinte roteiro: 1) 1870-1914: a dinâmica da rivalidade que precedeu a “Primeira Guerra”; 2) 1914-1918: “Primeira Guerra”; 3) 1919-1939: “Entre-guerras” [“os vinte anos de crise”]; 4) 1939-1945: “Segunda Guerra”; 5) 1945-1991: [ou 1989] “Guerra Fria”; 6) 1991-2001: “Nova Ordem Mundial” [?]; 7) 2001-2013[ou 2008?]: “Consenso antiTerrorismo”; 8) 2013-hoje: “Retomada da rivalidade entre as potências”. Se, por outro lado, seguissemos a questão do movimento do capital, poderíamos utilizar um esquema mais ou menos assim: 1) de 1870 a 1900: da depressão que seguiu a crise financeira ao que Lenin chamou de momento de virada do imperialismo (LENIN, obra citada, p. 136); 2) 1900-1914: “Corrida armamentista”; 3) 1914-1918: “Primeira Grande Guerra”; 4) 1919-1939: “Entre-guerras”; 4) 1939-1945: “Segunda Grande Guerra”; 5) 1945-1947: imediato pós-Guerra [período de muita instabilidade e indefinições cruciais, muito negligenciado nas narrativas do século XX]; 6) 1947-1973: o período de expansão do industrialismo como forma característica do capitalismo; 7) 1973 até nossos dias: “financeirização”, “pós-fordismo”, “desregulamentação da produção”, etc. Qual é melhor? Depende, claro, do que se pretende destacar. Mas o grau de arbitrariedade é gigantesco mesmo dentro dos critérios. Por exemplo, podemos seguir o consenso que sucedeu a publicação de Carr (2001 [1939]) e destacar a continuidade entre as duas guerras, ou um conjunto grande de autores e dividir o período da Guerra Fria e demarcar as estratégias da “contenção” e da “distensão”; ou ainda ressaltar a “Segunda Guerra Fria”. Podemos querer destacar a discussão sobre o (suposto) declínio e a

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(suposta) retomada da hegemonia americana; ou a conquista da tecnologia atômica e dos mísseis balísticos continentais. Por outro lado, por que não classificar a expansão do capital pelos processos de mundialização da produção e da concomitante urbanização maciça da população global e da formação da sociedade de consumo de massa? Por que não utilizar como critério a descolonização formal da periferia ou a conquista da igualdade de direitos pelas mulheres? E o que as crises de 1929 e 2008 representariam para a periodização? O que pretendemos demonstrar é que este tipo de descrição evidentemente tem o seu valor, mas não é um procedimento que colabora com a compreensão teórica do processo histórico do Imperialismo. Ainda que aceitemos o grau de arbítrio na seleção dos subperíodos, observemos que quando utilizamos o critério da rivalidade, tivemos 8 subperíodos. No critério da expansão do capital, 7. Se reduzirmos o grau de especificidade, poderíamos ter subdivisões menores. Se ampliarmos, poderíamos ter subperíodos menores. Se concordarmos, então, que a) o Imperialismo é uma – à maneira dos sociólogos clássicos, chamemos de – “coisa” em que há sobreposição de elementos “econômicos” e “militares”, e b) cada mudança exige uma nova teoria; quantas teorias do imperialismo precisaríamos para dar conta de nosso problema? Oito, sete, vinte? Quantas? Essa postura nos parece completamente absurda. E é claro que ninguém propôs isso. Mesmo porque – nos parece uma característica essencial da historiografia de nossos dias, e é isso que queremos enfatizar – as autoras e os autores contemporâneos tomam como dada a suposição de que uma mudança histórica exige uma mudança teórica, mas não consideram as implicações dessa suposição. Do nosso ponto de vista, essa suposição é equivocada e a demonstração das implicações é uma amostra12 desse absurdo. É preciso encontrar outra forma de lidar com esse problema. Uma pergunta que pode ajudar nessa missão é retroceder alguns passos e nos questionarmos, afinal de contas, o que podemos esperar de uma “teoria”? É um assunto grande demais para caber aqui, uma vez que teríamos que remeter a um debate historiográfico bastante amplo – abarcando tanto o materialismo histórico (afinal de contas é disso que estamos falando) quanto as teorias das relações internacionais (que é onde estamos, e que já possuem um acúmulo razoável desse debate). Mas podemos arriscar mais alguns comentários a título de encaminhamento da questão. Primeiramente, temos que reconhecer que o desafio da periodização não se encerra em si mesmo. Pelo contrário, ele traz consigo uma dupla questão que é o que de fato está em jogo. Por um lado, periodizar também significa definir o que a tal coisa é. Por outro, significa – do nosso ponto de vista, ou seja: do materialismo histórico; 12

Ou seja: não comprova, por si mesma.

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anticapitalista – avançar algumas posições nas possibilidades de estabelecimento de estratégias de combate. Em síntese, periodizar o Imperialismo é também dizer o que ele é e, assim, procurar algum auxílio nas formas de combatê-lo. Como não cabe mais aqui qualquer discussão de grande fôlego, fiquemos com uma definição bastante geral, mas que pelo menos nos ajuda neste ponto da periodização. O Imperialismo Capitalista é um período – ou seja, uma totalidade histórica que não pode ser descrita de forma analítica (“economia”, “política” etc) – no qual o capital financeiro – síntese de todas as formas parciais de capital – se expande em extensão e profundidade, ou seja, impondo a mercadoria enquanto relação social dominante a um número cada vez maior de pessoas e subordinando cada vez mais aspectos da vida dessas pessoas ao “mercado”, avançando, portanto, no domínio do “metabolismo socio-ambiental” de tudo o que encontra pela frente – incluindo, cada dia mais, o espaço ultra-terrestre – depredando as condições naturais – de forma a cada dia mais irreversível – e gerando rivalidades (guerras) que não se resolvem senão pela superação dessa própria formação histórica (o capitalismo). Assim categorias fundamentais de análise, portanto, do Imperialismo, seriam o próprio capital financeiro e a reprodução social total do modo de produção capitalista. A característica essencial deste momento seria exatamente a transformação do mundo em um mundo dominado pelo capital; a imposição da relação social capital de forma dominante. É possível argumentar que essa visão seja excessivamente ampla e possa fundir o Imperialismo ao próprio capitalismo. Não deixa de ser uma afirmação verdadeira, na medida em que o Imperialismo é uma totalidade histórica (período, fase, estágio) do próprio capitalismo. Mas poderíamos nos opor ao argumento de que estaríamos confundindo os conceitos contra-argumentando – seguindo Lenin – que é exatamente na centralidade do capital financeiro enquanto categoria definitiva que poderíamos afirmar com algum grau de precisão quando o capitalismo se transformou em imperialismo: na transição do século XIX para o século XX, com a síntese das formas parciais de capital, que não é um processo “econômico”, mas um processo histórico muito mais amplo que inclui o aburguesamento da nobreza e o enobrecimento da burguesia – formando uma “nova” classe dominante; a redução do campesinato a uma parcela ínfima da população global e à subordinação da população proletária (toda aquela que não é detentora dos meios de produção) à valorização do capital financeiro – formando uma “nova” classe dominada. Incontáveis outras objeções poderiam ser levantadas, especialmente que se trata de uma periodização que está centrada nas potências da Europa e, posteriormente, os Estados Unidos. Sim, justamente. Porque essas ainda são as potências dominantes do mundo em que vivemos (capitalista) e a história do Imperialismo é também a história da

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expropriação da periferia de forma capitalista. Visto sob o prisma do capital financeiro – síntese de todas as formas parciais – nos parece menos complicado de compreender a gigantesca flexibilidade com que o capital se apropria tanto de formas ditas précapitalistas (como o extrativismo mineral e a agricultura milenar) quanto de formas ditas capitalistas (produtos industriais e serviços) sem qualquer escrúpulo de distinção. O que cabe anotar é que essas categorias – capital financeiro e reprodução social total – são as contribuições principais dos autores – e da autora – clássicos. É evidente que precisamos da descrição histórica e dos subperíodos para compreender essas transformações. Mas nós não precisamos de “novas teorias”, a menos que isso seja demonstrado. E caso precisemos de novas teorias, cumpre que elas não sejam piores que as antigas. E aqui temos que traçar nossa crítica central à maneira como se procede a crítica ao suposto economicismo dos “clássicos”. Enquanto o estabelecimento do Imperialismo enquanto totalidade nos leva à necessidade de uma crítica total ao capitalismo, a segmentação segue caminho diverso. A crítica à rivalidade entre as potências descolada da discussão sobre a dinâmica de acumulação monopolista de capital leva a acreditar na possibilidade de arranjos geopolíticos e acordos que tornem o mundo melhor. Não podemos obviamente nos opor a isso. Menos violência é melhor que mais violência. O problema é que – conforme demonstram claramente “os clássicos” – esses arranjos não podem ser mantidos no médio ou longo prazo justamente por conta da dinâmica de acumulação do capital. O desvio do problema da totalidade histórica do Imperialismo – portanto, de uma estrutura temporal secular – para os acordos de paz entorpece a análise do capitalismo e faz as pessoas e os movimentos sociais acreditarem no conto da carochinha da “paz liberal”. E fatalmente será superado por um novo período de violência – como o que estamos enfrentando hoje, depois de apenas meio século, ou talvez nem isso, de “paz” entre as potências. A crítica da financeirização, como não teremos a ocasião de demonstrar aqui, passa por problema semelhante, porque parte da mesma raiz. O que essa sorte de interpretações que se volta a dimensões parciais da existência, ao negar os vínculos da totalidade, provoca é a abertura de espaço para todo o tipo de pseudo-críticas que confundem as possibilidades de ação anti-imperialista com o fomento de agendas reformistas extremamente limitadas, como por exemplo, combater responsabilizar tal ou qual líder pela agressividade de um Estado; combater tal ou qual empresa pela destruição dos recursos naturais e/ou utilização de trabalho escravo; tecer discursos inflamadíssimos contra o “neoliberalismo” ou o “capital especulativo”. Sim, devemos combater tudo isso. Mas se não conectarmos cada um desses problemas ao modo de produção capitalista em sua totalidade, continuaremos bradando contra as aparências sem atacar as causas das desgraças.

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Considerações finais Neste artigo, procuramos concentrar nossas atenções em duas das críticas apontadas em nossos dias contra as assim chamadas “teorias clássicas do imperialismo”. A primeira delas, que argumenta que a rivalidade entre as potências teria sido superada com o final da Guerra Fria, nos parece absurda em momento de extrema hostilidade e uma visível corrida armamentista entre Estados Unidos, Rússia e China e com a União Europeia com futuro absolutamente incerto. Quanto à acusação sobre o “economicismo”, procuramos argumentar que ela é feita partindo de um diapasão completamente equivocado que se funda na separação entre “economia” e “política”, propondo no lugar de uma teoria que se assenta na totalidade (período histórico) uma teoria segmentada propensa a reformismos. Sendo assim, pensamos que nem essas críticas são efetivas na demonstração da necessidade de “novas teorias” nem o que propõem traz vantagens do ponto de vista da luta anticapitalista. Para nós, o que esses trabalho podem contribuir é na – necessária – descrição atualizada dos processos imperialistas. Referências AHMAD, Aijaz. Imperialismo do nosso tempo. In: PANITCH, Leo; LEYES, Colin (Org.). Socialist Register 2004: o novo desafio imperial. Buenos Aires: Clacso, 2006[2003]. CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939. 2. ed. Brasilia e São Paulo: Editora Universidade de Brasília e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001[1939]. CALLINICOS, Alex. Imperialism and Global Political Economy. Cambridge/Maiden: Polity Press, 2009. CHIBBER, Vivek. The return of imperialism to Social Science. European Journal of Sociology, v. 45, n. 3, p.427-441, 1999. Cambridge University Press (CUP). FOSTER, John Bellamy. A redescoberta do imperialismo. Monthly Review, v. 54, n. 6, p.12, nov. 2002. FRANCO, Thiago Fernandes. Imperialismo capitalista em três atos: investigações sobre o capitalismo. 2011. Dissertação (Mestrado) - Curso de Desenvolvimento Econômico História Econômica, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011. _________________________________. Sobre a Odisséia do Capital: comentários acerca da historiografia do Imperialismo Capitalista em nossos dias. 2015. Tese (Doutorado) - Curso de Desenvolvimento Econômico - História Econômica, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015. HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004[2003]. HOBSON, John Atkinson. Imperialism: a study. 3. ed. Frome; London: Butler & Tanner Ltd., 1968[1902]. Sétima impressão a partir da terceira edição completamente revista e recomposta. HUNTINGTON, Samuel. A superpotência solitária. Em DUPAS, Gilberto; LAFER, Celso; SILVA, Carlos Eduardo Lins da. A Nova Configuração Mundial do Poder. São Paulo: Paz e Terra, 2008. KIERNAN, V.G.. Estados Unidos: o novo imperialismo: da colonização branca à hegemonia mundial. Rio de Janeiro: Record, 2009[1978].

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