Sobre o Estado do Bem-Estar e o Neoliberalismo

June 5, 2017 | Autor: Marcelo Carvalho | Categoria: Liberalismo
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SOBRE O ESTADO DO BEM-ESTAR E O NEOLIBERALISMO

Marcelo Carvalho Universidade Federal de São Paulo

Crise e Gestão do Capitalismo: O Estado do Bem-Estar1 Apresentação O neoliberalismo é um modelo de gestão das economias capitalistas e do processo de acumulação que se torna dominante a partir dos anos 1990. Como seu nome indica, trata-se de uma reformulação e uma retomada do modelo liberal dominante até a crise de 1929, então progressivamente substituído por um estado intervencionista de raiz keynesiana. O retorno ao modelo de mercado e a reconstrução da doutrina liberal se dá no contexto da crise dos anos 1970, caracterizada em geral como uma crise do modelo de Estado intervencionista e empreendedor, com forte presença na economia e concebido como mediador dos conflitos de classe, chamado no Pós-Guerra (1945) de Estado do Bem-Estar Social. Esse modelo neoliberal tornou-se ideologia dominante em quase todo o mundo ao longo da década de 1990, entretanto isso ocorreu em meio a severas críticas e conflitos, tanto no meio teórico quanto nas ruas, devido às duras conseqüências de sua implementação para os assalariados e excluídos do mundo todo. Esse embate se deu em torno do processo de globalização da economia capitalista, ao qual o neoliberalismo está associado, ainda que sejam independentes um do outro.

Crises cíclicas e a Crise de 1929

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Publicado como: CARVALHO, Marcelo. Crise e gestão do capitalismo: o Estado do Bem-Estar. In: L. Praun (Org.). Relações Mundializadas, Neoliberalismo e Sociedade Humana. São Bernardo do Campo: Ed. Universidade Metodista, 2008. 1

O processo de acumulação capitalista, quando submetido a uma dinâmica de mercado, está sujeito, como já se reconhecia desde meados do séc. XIX, a processos cíclicos de crescimento e retração. A origem dessas crises cíclicas (recessões que ocorreriam aproximadamente a cada década) seria a falta de informação perfeita e a necessidade periódica de ajustar as expectativas de crescimento com o crescimento real da economia, ou seja, ajustar o “lado da oferta” com o “lado da demanda”. Dessa perspectiva (liberal) do processo cíclico, a melhor maneira de lidar com esses processos seria aprofundar a dinâmica de mercado e aperfeiçoá-la, na medida em o homem econômico é um agente racional e que, portanto, bastaria que ele tivesse acesso a informações adequadas para que não se produzissem expectativas infundadas que resultasses em superprodução, inflação ou recessão. A base do modelo liberal de gestão da economia capitalista que dominou a Europa e a maior parte do mundo ocidental ao longo do séc. XIX e até a crise de 1929 era a crença de que o próprio mercado dispunha de mecanismos de auto-ajuste que possibilitariam a superação de qualquer crise da melhor maneira que se poderia fazê-lo – ou, dito de outra maneira, que a intervenção de qualquer agente “planejador” (o Estado) poderia, na melhor das hipóteses, obter um resultado apenas equivalente ao obtido pelo próprio mercado. O abandono do modelo de desenvolvimento econômico e industrial por meio do mercado teve a sua primeira contestação implementada pelo estado soviético, sob a forma de uma economia planejada, ou seja, em que o ajuste das quantidades produzidas e dos preços relativos não era estabelecido pelo mercado, mas por um planejamento central realizado pelo Estado. O modelo soviético, tão criticado posteriormente por sua burocratização e ineficiência, mostrou-se, entretanto, da perspectiva dos anos 1920 e 1930, como extremamente eficiente, possibilitando a rápida industrialização (e a transformação em potência militar e tecnológica) de uma Rússia que iniciara o séc. XX ainda envolta em um modelo feudal. Essa experiência seria determinante na escolha de alternativas ao modelo liberal após a crise de 1929. As crises cíclicas do séc. XIX, mesmo as mais graves dentre elas, não seriam, entretanto, comparáveis à grave crise que se estende de 1929 a 1933. A origem da crise foi um forte movimento especulativo sustentado durante toda a década de 1920, após o final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que projetava um forte crescimento do consumo resultante da 2

recuperação da Europa no pós-guerra. Essa recuperação não vem no momento previsto mas a especulação irracional continuava a sustentar as expectativas, o que se desdobrava, de um lado, na atribuição de preço excessivamente valorizado às ações das empresas na Bolsa de Valores e, de outro, na acumulação de estoques destinados a um aumento do consumo que nunca se realizava. A irracionalidade dessa especulação, em que se fazia negócios para um mundo que não existia e nunca existiria, já era evidente muito tempo antes do estouro da bolha, mas o modelo liberal dominante sequer disponibilizava aos governos instrumentos por meio dos quais regular os mercados e estimular processos de ajuste menos drásticos do que aquele que viria. A reversão das expectativas ocorre em outubro de 1929, quando, em um “movimento de manada”, os agentes do mercado resolveram vender as ações supervalorizadas que tinham em seu poder antes que fosse tarde demais. Como esse movimento se espalha, os vendedores se acumulam e os compradores desaparecem. O preço das ações, frente ao desaparecimento da demanda, despenca, estima-se, em 80%: as ações passavam a ser oferecidas por 20% de seu valor anterior, e ainda assim não se achava comprador. Do “lado real” da economia o impacto é muito mais dramático. O excesso de estoques em muitos setores e a demanda menor que a oferta levam um número imenso de empresas a interromper a produção, por falta de compradores, e conseqüentemente a demitir trabalhadores, o que inicia um ciclo vicioso em que a diminuição do consumo provoca demissões e as demissões provocam nova redução do consumo. A taxa de desemprego dos EUA saem de 9% em 1930, imediatamente após o início da crise, e atingem 25% em 1933. De maneira geral, o impacto da crise é um empobrecimento geral da população, com grande carestia e sofrimento dos menos protegidos. Mais do que uma crise grave, o processo iniciado em 1929 mostra-se persistente, sem alternativas, e segue se agravando nos anos seguintes. Evidenciava-se que, mais do que uma crise de um conjunto de empresas, ou do que um processo cíclico de retração e crescimento, tratava-se de uma crise estrutural, de uma crise do próprio modelo de acumulação por meio do livre mercado adotado ao longo do século anterior. Esse cenário se fazia completar pela “ameaça” de avanço do movimento operário, impulsionado pela revolução russa de 1917 (e pela “imunidade” que a economia soviética, que não se estruturava a partir do mercado, mostrava em relação à crise). A gestão do capitalismo e do processo de acumulação parecia exigir um modelo novo, uma alternativa aos “fracos”

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estados liberais então existentes (como dizia a propaganda fascista na Itália e na Alemanha desse período).

Keynesianismo e um novo modelo de Estado O núcleo teórico ao redor do qual se construiria, ao longo dos anos 1930 e 1940 (antes e depois da guerra), a alternativa que por meio século se sobrepôs ao modelo liberal foi a Economia Keynesiana, em particular o conjunto de concepções apresentadas na Teoria Geral do Emprego, Juros e Moeda, do economista inglês J. M. Keynes. A concepção keynesiana partia de uma crítica à análise clássica do desemprego, segundo a qual só haveria desemprego “friccional”, provocado por falta de plena mobilidade ou informação (e, portanto, residual), ou voluntário. Keynes contrapõe a essa concepção a descrição de um desemprego estrutural, vinculado à dinâmica da atividade produtiva (ou, mais especificamente, à demanda agregada) e à sua incapacidade de acomodar toda a força de trabalho. Sua análise se desdobra na explicitação dos mecanismos que determinariam a dinâmica do processo produtivo e, conseqüentemente, na confecção de políticas de intervenção na economia de modo a realizar o “pleno emprego”. Esse intervencionismo tornava o Estado o grande gestor do processo de acumulação de capital e, mais do que isso, o implementador das políticas responsáveis pelo nível de emprego e renda da população. Não seria mais o mercado que determinaria a forma e a velocidade da acumulação capitalista, mas sim um novo estado intervencionista e que teria como prioridade a manutenção de níveis elevados de emprego, em uma ação anticíclica, que impediria a especulação, incrementaria a demanda, estimularia a expansão e ditaria o ritmo de crescimento. O mercado, que se mostrara extremamente ineficaz em 1929, seria substituído por um Estado Keynesiano e por suas políticas de pleno emprego. O Estado Keynesiano encontrou terreno fértil para se difundir na década de 1930, em meio aos esforços para a superação da crise de 1929 e, logo depois, em meio aos preparativos para a 2ª Guerra Mundial. Foi através desse modelo de política, em particular dos gastos diretos do Estado, que se reaqueceu a economia no período pós-crise. Não parecia mais haver lugar, em meio ao novo “consenso” que se construía, para um Estado que não dispusesse de instrumentos para empreender políticas anti-cíclicas e que submetesse a 4

sociedade e o próprio processo de acumulação à irracionalidade do mercado. Em particular em economias ainda afetadas pela Primeira Grande Guerra, como a Alemanha e a Itália, ou em países periféricos, ainda não industrializados e em processo de urbanização, como o Brasil e a Argentina, esse modelo de Estado foi adaptado e revelou-se fundamental no estabelecimento da base da industrialização e do desenvolvimento ao longo dos anos 1930 e 1940.

O pós-guerra e as bases políticas do Estado do Bem-Estar Social O contexto das relações internacionais do pós-guerra, a partir de 1945, complementam o cenário por meio do qual o modelo de Estado Keynesiano se amplia e se desdobra no que ficou conhecido como Estado do Bem-Estar Social (Welfare State). A ocupação soviética do Leste Europeu e os primeiros movimentos da Guerra Fria foram fundamentais para a constituição, por meio de um Estado fortemente intervencionista, de uma ampla rede de seguridade social, com seu sistema previdenciário, seguro desemprego, serviços básicos, etc., que reduz a tensão de classes nos países capitalistas da Europa Ocidental e reduz o “risco” de fortalecimento dos movimentos de esquerda, operários, e de ampliação da influência soviética na região. O Estado do Bem-Estar é o resultado desse processo. A social-democracia européia propõe-se a gerir o Estado como “mediador” na luta de classes e responsável por políticas públicas de segurança e “redução de danos” no contexto do modelo capitalista então vigente. Essa estrutura se estabelece de maneira exemplar nos países do Norte da Europa Ocidental, mas o modelo de “capitalismo nacionalista e de Estado” se difunde por todo o mundo, em maior e menor grau. Esse novo modelo de Estado, gestor da atividade econômica, com forte poder sobre os mercados, administrador de política fiscal e monetária, responsável por uma ampla rede de seguridade social, e portanto empreendedor, seja no setor de serviços (educação, saúde, etc.), seja no setor energético e de indústria de base, resulta em um agente econômico e político super-poderoso. A sustentação desse estado se dá por um contínuo aumento da arrecadação e da carga tributária, atrelando-se os destinos da economia e da sociedade à dinâmica da gestão estatal.

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A crise dos anos 1970 O estado do Bem-Estar começa a evidenciar uma crise profunda, depois de duas décadas de enorme prosperidade, a partir da década de 1970. O núcleo de uma nova crise econômica mundial ocorrida então foi a forte elevação dos preços do petróleo que se seguiu à criação da OPEP. Durante a primeira crise do petróleo, em 1973, o preço do produto chegou a subir mais de 400% em poucos meses. A crise se agrava no final da década, com a “segunda crise”, decorrente dos impactos da revolução islâmica no Irã. Em uma década o preço do barril sai de próximo de 1 dólar para mais de 40 dólares. O impacto dessa elevação de preço sobre os países importadores do produto foi devastador. As balanças comerciais se desequilibram e promove-se um forte processo de transferência de riquezas do ocidente para o mundo árabe. Desencadeia-se um persistente processo inflacionário e as taxas de juros sobem também de maneira acelerada. A dívida pública, que até então não representava uma das principais preocupações da economia mundial, passa a ser um problema grave, com sucessivos déficits públicos que alimentam a inflação, a estagnação da economia e o desemprego. No novo cenário o tamanho do Estado, que lhe daria as ferramentas para combater crises e promover o pleno emprego, parecia ser a origem e não a solução para o problema. E a crise ampliava os gastos públicos, com juros, com seguro-desemprego e com políticas de combate à pobreza que se ampliava. A crise foi particularmente grave em países como o Brasil, que nos anos anteriores haviam crescido por meio de financiamento à implementação de um moderno parque industrial e agora se deparavam com enormes dificuldades para cumprir os compromissos pesados em que as dívidas externas se converteram. Nesses casos, além da inflação e subseqüente recessão, a crise da dívida provocou a falência do Estado (e de seus Bancos Centrais) e a eliminação de sua capacidade de gerir o processo de crescimento, passando a representar, pelo contrário, o grande limitador desse processo, com uma dívida pública inadministrável que resultaria na hiperinflação da década de 1980. Este é o cenário em meio ao qual se consolidam as políticas neoliberais dominantes na década de 1990.

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O Contexto do Neoliberalismo2

Contexto político da implementação do Neoliberalismo A crise econômica da União Soviética na década de 1980 e o enfraquecimento dos regimes do Leste Europeu são em parte causa, em parte conseqüência das políticas neoliberais. A superação, na Europa, da ameaça de ampliação da influência do regime soviético possibilitou a aceitação de um conjunto de reformas do modelo de gestão do capitalismo no sentido de reduzir a intervenção do Estado na economia, aumentar a competitividade, reduzir a foca do movimento operário, ampliar as margens de lucro e acelerar o processo de acumulação de capital. Essas políticas, implementadas pelo governo de R. Reagan nos EUA e de M. Thatcher na Inglaterra, resultam diretamente da crise do modelo keynesiano de estado durante a década de 1970 e do momento de fragilidade soviética ao final do governo Brejniev. Somente essa conjuntura possibilita, por exemplo, que Thatcher enfrente com mão-de-ferro uma longa greve dos mineiros, em 1984, contra as conseqüências da reforma do Estado empreendida por seu governo. De sua vitória nessa dura queda de braços, e da vitória de seu projeto, resultaria um aumento significativo da taxa de desemprego e uma conseqüente desestruturação do movimento operário, reduzindo-se dramaticamente sua capacidade de pressão sobre o estado e sobre a economia. Resultaria ainda um aumento da velocidade na corrida tecnológica-armamentista entre EUA e URSS, propositalmente provocada pelo governo Reagan, que apostou (e ganhou) que a economia soviética não teria capacidade de acompanhar o ritmo de investimentos norte-americano.

As bases teóricas do Neoliberalismo A base teórica do neoliberalismo já havia sido lançada na década de 1940, por F. A. von Hayek, economista austríaco, principal crítico do keynesianismo, em sua crítica do Estado intervencionista e da interferência do Estado na luta de classes. Esse tipo de intervenção

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Publicado como: CARVALHO, Marcelo. O Contexto do Neoliberalismo. In: L. Praun (Org.). Relações Mundializadas, Neoliberalismo e Sociedade Humana. São Bernardo do Campo: Ed. Universidade Metodista, 2008. 7

representaria uma limitação das liberdades fundamentais do indivíduo e das possibilidades de desenvolvimento embutidas na dinâmica da concorrência capitalista. O objetivo fundamental do neoliberalismo seria “libertar” as forças produtivas do capitalismo ocidental, impedidas e aprisionadas pela pressão exercida pela presença de um Estado ineficiente e burocratizado que controlava todos os processos. O caminho dessa reforma partia da defesa da eliminação do déficit público por meio da redução de seus gastos (sociais) e da privatização de todas as atividades por ele exercidas que não lhe seriam “inerentes” (controle de infra-estrutura, do setor energético, de telecomunicações, de parte do sistema de educação, saúde e previdência, etc.). Disso se esperava uma redução da ineficiência na gestão de setores estratégicos, um aumento da concorrência (e conseqüente combate à inflação) e, assim, uma aceleração do processo de desenvolvimento tecnológico, de concentração de riqueza e de acumulação de capital. O núcleo desse discurso é a contraposição entre a suposta ineficiência do Estado, tema central nas análises da crise dos anos 1970, à suposta eficiência do mercado, apresentado como panacéia à crise e única via capaz de salvar o ocidente da petrificação, da corrupção e da ineficiência. O debate travado é fortemente ideológico, sem muita objetividade, em meio a uma longa temporada de reformas: privatizações, austeridade na gestão da política monetária, redução dos gastos públicos e do endividamento e reformas no sistema previdenciário (núcleo dos gastos do estado do Bem-estar), os quais se faziam acompanhar por redução de impostos e ampliação da liberdade de ação das empresas no mercado e, mais adiante, em defesa apaixonada da liberdade de comércio, do fim das políticas protecionistas e da “globalização”. Um desdobramento desejado dessas políticas é o aumento da taxa de desemprego, o qual possibilita, de um lado, a “derrota” do movimento operário, que ao longo da década de 1980 passa por uma mudança profunda em sua forma de organização, perdendo grande parte de seu poder de pressão e sendo obrigado a “negociar” as reduções de direitos exigidas pelos defensores do novo modelo de gestão do Estado. De outro lado, amplia-se a concentração de riquezas, de modo a tornar mais eficaz o processo de produção por meio de economias de escala.

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O mundo da nova onda neoliberal era mais desigual e excludente e eliminava as estruturas de proteção social conquistadas no meio século precedente. Essa desigualdade era, entretanto, “saudável” segundo seus defensores, pois ampliava a concorrência e garantia aumento na eficiência do processo produtivo e de acumulação de capital.

A difusão das políticas neoliberais Ainda antes das experiências americana e inglesa da década de 1980, o Chile do General A. Pinochet havia, nos anos 1970, iniciado uma série de reformas neoliberais e servido de laboratório para os experimentos que se difundiriam na década seguinte. No final dos anos 1980 a ideologia neoliberal já se tornava dominante e passava a ter representantes entusiasmados nos principais governos da Europa e, depois, do planeta. A queda do Muro de Berlin em 1989 e o fim da URSS em 1991 aceleraram o consenso criado sobre a ineficiência do Estado e as virtudes do mercado e, na medida em que esses acontecimentos paralisaram a esquerda por pelo menos uma década, deixou o mundo à mercê de um neoliberalismo contra o qual, ainda que houvesse objeções, não havia alternativas. Na Europa a implementação dessas políticas resultou na mudança do papel do Estado na economia e na eliminação das estruturas de seguridade que caracterizavam o Estado do Bem-Estar. Sua implementação em países pobres, entretanto, era ainda mais violenta e desastrosa, na medida em que neles não havia sido implementado anteriormente um Estado do Bem-Estar e que, portanto, a redução da estrutura de seguridade se dava sobre uma base já deprimida, assim como a redução de direitos e salários dos trabalhadores e o aumento do desemprego. O neoliberalismo triunfante dos anos 1990, com suas privatizações e “reformas estruturais” (da previdência e das leis trabalhistas), foi responsável pela criação de uma sociedade ainda mais desigual e excludente do que a anteriormente existente. O resultado dessas políticas, entretanto, foi muito diverso do que o esperado. O longo período de prosperidade dos anos 1990 limitou-se ao núcleo da nova economia globalizada, os EUA, com ampliação do desemprego e da pobreza mesmo em países da Europa. As taxas de inflação são reduzidas, mas ainda permanecem em patamares muito elevados quando comparadas com o período anterior à crise. O Estado, apesar de reduzir os direitos dos trabalhadores, não diminui de forma significativa seus gastos e, por outro lado, o 9

mercado, propalado como meio mais eficaz de gestão, se revela pouco transparente e mesmo ineficiente, como se observou nos casos WorldCom e Enron. Mais grave ainda, no final da década o mundo inteiro estava envolvido em ondas de crises graves como não se via no ocidente desde 1929, as quais destruíram economias nacionais, mesmo as que eram até então apresentadas como modelo de gestão neoliberal, caso da Argentina.

Pós-Neoliberalismo A década de 1990 é um período marcado pela surpreendente sobreposição de diversos processos complexos e diferentes: a implantação em grande escala de políticas neoliberais, a globalização da economia, a revolução tecnológica, em particular no setor de informática e telecomunicações, o fim da guerra fria e a crise de modelos da esquerda ocidental, além do agravamento das tenções com o mundo árabe, ao final do período, e o aumento das preocupações ambientais. Todos esses são processos interligados, mas a diferenciação entre eles é fundamental para uma análise crítica do neoliberalismo. O modelo de mercado por si só se mostro incapaz de realizar as reformas propostas e, assim, ineficaz por seus próprios critérios. Por outro lado, a sobreposição da dinâmica de acumulação aos interesses da sociedade, sobre a qual ele se estabelece, e o conseqüente agravamento da exclusão e da violência social em que se desdobra, parecem pouco defensáveis à luz do dia e pouco aceitáveis na medida em que se estabeleçam alternativas efetivas à apologia da dinâmica de mercado. Na verdade, talvez apenas a conjuntura muito específica da crise que marca o final da década de 1970 e o início da década de 1980 tenha possibilitado a adoção dessas políticas com o fervor que se observou – e, superado aquele contexto de crise, as sociedades ocidentais têm se mostrado pouco dispostas à violência das medidas econômicas neoliberais, que hoje ainda permanecem no centro do debate, mas que já estão, inegavelmente, transformadas. Pelo novo cenário de reestruturação de modelos alternativos que parece se estabelecer a partir do início do séc. XXI.

Bibliografia

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