SOBRE O LIVRO V DO ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES

May 29, 2017 | Autor: Lorena Costa | Categoria: Philosophy, Aristotle, Virtue Ethics, Justice, Ancient Greek Philosophy
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SOBRE O LIVRO V DO ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES1 Lorena da Silva Bulhões Costa2 / Saulo Monteiro Martinho de Matos³ ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. do grego de António de Castro Caeiro, São Paulo: Atlas, 2009, pp. 103 - 127 RESUMO: O objetivo do presente trabalho é esclarecer o conceito de justiça em Aristóteles, no livro Ética a Nicômaco. Buscou-se esclarecer as duas formas de justiça de forma geral e as três formas da justiça especial. Cada exemplo foi detalhado e exemplificado para que os conceitos expostos pelo filósofo se tornassem mais acessíveis. Além disto foram abordados os conceitos de meio-termo, dialética aristótelica aplicada ao conceito de justiça, bem como as formas de proporção que viabilizam a aplicação da justiça. PALAVRAS-CHAVE: Aristóteles; Justiça; Justiça Particular; Meio- termo; Proporções. ABSTRACT: This review aims to clarify the Concept of Justice in Aristotle. According him there are two forms of General Justice and three special forms of Justice. Examples were detailed and exposed to show Aristotle in a more didactic fashion. Besides were approached the concepts of middle-term, dialectics, applied to the Concept of Justice with the forms of proportionality that enable enforcement of Justice. Keywords: Aristotle. Justice. Concept.

1 INTRODUÇÃO: A TEORIA DA JUSTIÇA DE ARISTÓTELES. Há, desde a filosofia da Antiguidade, diversas teorias que visam explicar ou determinar o que é a justiça e qual a melhor forma de aplicá-la. A obra “Ética a Nicômaco” de Aristóteles, dentre as várias teorias que tentam responder estas perguntas, desde a escola pitagórica até Rawls, apresenta uma das mais influentes e determinantes teorias da justiça do pensamento ocidental. A escolha da teoria aristótelica tem com principal motivo o fato de que esta representou uma nova forma de conceber a justiça, pois a trata de forma diferente de seus antecessores, sobretudo, de Platão. Aristóteles aponta para a bilateralidade da justiça, considerando-a tanto em sua totalidade (como justiça universal), quanto em parte (como

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Resenha recebida em 30/05/2015 e aprovada em 06/09/2015. Graduanda em Direito pela Faculdade de Castanhal – FCAT, 6º. Semestre. Monitora de Filosofia do Direito e Filosofia Geral, ano de 2015. 3. Professor Adjunto de Ética, Hermenêutica e Teoria do Direito da Universidade Federal do Pará – UFPA. 2

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justiça particular), e com isto, conseguiu fazer com que esta virtude fosse aplicada em todas as vertentes de um sistema natural. O principal escopo do presente trabalho é, portanto, mostrar de que forma Aristóteles concebeu a justiça, tendo como foco a justiça particular, bem como elucidar os limites e possibilidades da sua concepção do justo. O estudo da justiça também interfere na compreensão do direito, haja vista que aquela é uma das formas de legitimar o direito dentro da sociedade na qual este se aplica. É quase impossível aplicar normas jurídicas sem se questionar acerca da natureza da lei que está sendo aplicada, ou seja, se a mesma é justa ou não. Aplicar o direito sem considerar as questões abordadas pelo estudo da justiça é concebê-lo de forma incompleta, uma vez que aplicar e criar leis sem ter como um dos princípios norteadores a ideia de justo, é conceber o direito como um simples conjunto de normas. No curto espaço disponível para esta apresentação da teoria da justiça de Aristóteles, apenas poucos aspectos, sobretudo, aqueles vinculados ao livro V do livro Ética a Nicômaco, serão abordados. A intenção de uma resenha, contudo, não é simplesmente resumir toda a obra resenhada, mas, ao revés, desenvolver uma breve análise crítica sobre questões fundamentais do trabalho estudado. Eis o desafio deste estudo: apresentar ao leitor de uma obra clássica, uma visão crítica dos seus principais elementos, que, ao mesmo tempo, preserve o seu caráter clássico. Para tanto, analisar-se-á, sobretudo, a justiça particular, a saber, o problema da igualdade na esfera dos bens exteriores. O livro V da Ética a Nicômaco é, por conseguinte, o determinante. A ideia é explicar as subdivisões da justiça particular em Aristóteles e trazer um exemplo para a sua elucidação. Por fim, destaca-se, como grande contribuição deste trabalho, os esquemas ou imagens apresentadas no texto. Estas podem ser de grande valia para uma melhor compreensão da teoria aristotélica, na medida em que possibilitam um olhar amplo e uma interpretação iconográfica dos conceitos de justiça em Aristóteles. 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS Antes que possamos adentrar na análise do objeto de estudo principal deste trabalho, que foi proposto acima, faz-se mister abordar, muito brevemente as questões discutidas por Aristóteles nos livros anteriores ao quinto, (mais especificamente os dois primeiros), da obra Ética a Nicômaco, na medida em que o entendimento de algumas questões nestes contidas ajudam sobremaneira na compreensão do livro V. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 3, n.5, p. 125-138, jul./dez., 2014 | |

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Aristóteles começa a exposição de sua ética definindo o objeto principal da mesma. Este objeto, argumenta o filósofo, deverá ser um bem fundamental que não poderá ser escolhido em função de outro bem. A perícia, ou ciência, que investigará tal bem é a Política, haja vista que esta determinará a necessidade das outras perícias, bem como sua distribuição no Estado. Aristóteles argumenta que a Política, por sua vez, será responsável por realizar o maior bem capaz de ser adquirido por qualquer perícia humana: a felicidade. Este bem será perseguido por todo ser humano e será escolhido sempre em função de si mesmo, e nunca em função de outros bens. Todos os bens são escolhidos, em última instância, por conta da felicidade, pois se acredita que, na medida em que se obtém tais bens, a felicidade será atingida. (ARISTÓTELES, 2009) Segundo o estagirita, o bem supremo de cada perícia ou atividade é obtido por meio da atividade que lhe é própria. A função do ser humano é uma atividade da alma segundo a razão e a do homem virtuoso, por sua vez, será a atividade da alma segundo a razão realizada de acordo com a excelência. No entanto, ainda que a função específica do homem diga respeito à alma, esta necessita de bens que lhe são exteriores para que seja realizada de forma completa. (ARISTÓTELES, 2009) Aristóteles (2009) passa então a investigar de que forma a felicidade pode ser adquirida. Ele chega à conclusão de que a felicidade só poderá ser adquirida através do hábito, uma vez que seria absurdo considerar que o maior bem a ser perseguido pelo ser humano fosse dado a este por mero acaso ou sorte. Os hábitos que levam à felicidade, contundo, não são todos, e sim, somente aqueles que estão de acordo com as excelências éticas, e, uma vez adquirido qualquer destes hábitos será mais fácil para o indivíduo continuar praticando tais excelências, e a partir do momento em que a felicidade for alcançada, esta será estável. Além disso, para Aristóteles, a felicidade se encontra entre as coisas que são completas, ou seja, não são apenas louváveis e, sim, inestimáveis. Mas, então, surge o questionamento acerca do que são estas excelências que, uma vez levadas a cabo, concederão ao homem o mais supremo dos bens. Primeiramente, as excelências que promovem a felicidade são as da alma e não as do corpo. A alma, por sua vez, pode ser dividida em três partes, sendo duas irracionais e uma racional. A primeira parte é a alma vegetativa que é responsável pelo crescimento e as funções vitais do ser humano, esta parte não possui qualquer vínculo com a parte racional. A segunda parte é a alma sensitiva. Esta é responsável pelos impulsos e participa da parte racional da alma na medida em que, em um indivíduo virtuoso esta parte é dócil à parte racional. A parte racional é Amazônia em Foco, Castanhal, v. 3, n.5, p. 125-138, jul./dez., 2014 | |

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puramente intelectiva e, quando uma virtude diz respeito unicamente a esta parte da alma dizemos que é uma virtude dianoética. Por outro lado, quando a virtude consiste no controle da parte racional à parte sensitiva temos uma virtude ética, tal como a coragem ou a justiça. (REALE, 2013) Assim, se um indivíduo age de forma corajosa, se tornará corajoso, se sempre tem atos de covardia então se tornará covarde. O hábito poderá gerar, portanto, atitudes conforme a excelência e contrárias a esta. Além disso, para que o indivíduo pratique a excelência é necessário que ele saiba e planeje agir desta maneira. As excelências também se configuram por serem disposições de caráter, ou seja, dizem respeito ao modo como um indivíduo se comporta quando fica com raiva ou sente piedade. (ARISTÓTELES, 2009) Por fim, mostra-se útil esclarecer como o ser humano pode encontrar a excelência. Aqui apresentaremos tal definição no que concerne as virtudes éticas como um todo, mas trataremos esta questão de forma específica mais adiante quando a abordamos dentro do estudo da justiça. As virtudes éticas se caracterizam por serem o meio termo entre dois extremos, um por falta e o outro por excesso. Este meio termo não é absoluto, mas relativo ao indivíduo. A coragem, por exemplo, se constitui por ser o meio termo entre a covardia e a temeridade. É evidente que existirão certas ações que não permitirão a existência de um meio termo como, por exemplo, a inveja. Não há como existir um meio termo neste tipo de ação porque esta será sempre ruim. Os dois extremos de perversão, ou seja, o por excesso e o por falta, são opostos entre si, e opostos ao meio termo. (ARISTÓTELES, 2009) Entendidas essas bases do sistema ético de Aristóteles ficará mais claro entender o que é a justiça, uma vez que está é a virtude que o estagirita considera como a mais importante. 3 DA DIALÉTICA ARISTOTÉLICA NO QUE CONCERNE AO FENÔMENO DA JUSTIÇA. Um dos pontos centrais da metodologia aristotélica consiste em iniciar qualquer investigação filosófica pela dialética, isto é, pela apresentação e confronto entre as opiniões existentes sobre o fenômeno a ser compreendido. Anterior ao conceito aristótelico de justiça, havia o conceito pertencente à escola pitagórica. Segundo tal concepção, a justiça correspondia à igualdade e esta última como uma correspondência de opostos. Independente de ser considerada como uma necessidade natural, ou seja, inerente ao homem, ou como uma instituição humana, ou seja, como uma mera criação humana, a justiça era o princípio Amazônia em Foco, Castanhal, v. 3, n.5, p. 125-138, jul./dez., 2014 | |

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fundamental de toda a ordem social, sendo sua presença em uma comunidade imprescindível para o estabelecimento de uma sociedade minimamente harmônica. Platão amplia este conceito de justiça. Concebendo-a como reguladora de algo maior, ou seja, não se restringindo somente à esfera social. A justiça, para Aristóteles, é a disposição, ou seja, uma aptidão do homem para querer agir de forma justa e tem como base uma escolha voluntária. Além disto, possui a característica de ser um meio termo, ou seja, não admite contrários, ou uma ação é justa ou é injusta, a justiça só possui meio termo quando é aplicada, consistindo este último justamente na forma de efetiva-la, tal explicou-se no primeiro no tópico anterior. 4 DO CONCEITO DE JUSTIÇA EM ARISTÓTELES. Segundo Höffe (2003), a justiça, na teoria aristotélica se subdivide em dois tipos, seguindo o significado dos termos gregos dikaion e dikaiosynê, que significam, respectivamente, justiça universal e justiça particular. Estas formas de justiça podem ser vislumbradas na imagem abaixo: FÍGURA 1- As duas formas de justiça

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Fonte: Autores Na senda da interpretação tomista da ética aristotélica, a primeira diz respeito à conformidade com a lei, e uma vez que esta última é a forma de regular todos os atos da vida humana. A justiça, neste sentido, acaba recebendo um caráter universal. Cabe à lei, por meio do Estado, sancionar os atos conforme as virtudes, uma vez que a moral não possui caráter coercitivo para isto (FERRAZ JUNIOR, 2003). Mas este trabalho, assim como o livro V da obra Ética a Nicômaco, tem por escopo analisar a justiça particular. Esta última tem por objetivo o estabelecimento da igualdade na esfera dos bens exteriores. Os bens exteriores, têm como função promover a felicidade e correspondem à prosperidade ou à adversidade e devem ser repartidos respeitando uma regra de proporcionalidade das subespécies da justiça particular: a justiça de corretiva e a justiça distributiva. (LIVET, 2009) A primeira, justiça de corretiva, deve ter como princípio a proporção aritmética, uma vez que leva em consideração os objetos da relação entre as partes e deve ser regulada tendo em base uma soma, este tipo de proporção na justiça corretiva só se torna problemática quando aplicada à justiça de troca, como veremos adiante. Na justiça distributiva, entretanto, não basta somente a soma, haja vista o mérito dos sujeitos da relação também deve ser analisado. Faz-se necessário, então, ter como princípio a proporção geométrica, que se caracteriza justamente pela divisão que possibilita a análise dos méritos de cada cidadão. (LIVET, 2009) Estas divisões podem ser vislumbradas na ilustração abaixo:

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FÍGURA 2- As três formas de justiça particular Fonte: Autores Cabe agora analisar mais profundamente as três subdivisões da justiça particular. Primeiro, analisaremos a justiça distributiva e seu exemplo, depois, a justiça corretiva e seu exemplo e, por último, a subdivisão desta, a justiça de troca e seu exemplo. Em todas estas espécies de justiça há a possibilidade de ocorrência de um injusto tanto pelo excesso quanto pela falta, por isso, faz-se necessário buscar uma posição intermediária entre um e outro. A fim de estabelecer isto, o estagirita criou o “meio-termo”, ou seja, a média entre a injustiça Amazônia em Foco, Castanhal, v. 3, n.5, p. 125-138, jul./dez., 2014 | |

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por excesso e por falta. O homem justo sempre escolherá o meio termo, o homem injusto violará tal proporção. (HÖFFE, 2003). O meio termo pode ser entendido por meio da imagem abaixo: FÍGURA -3: O meio termo

Fonte: Autores 5 IGUAL E JUSTO: TIPOS DE IGUALDADE E DE PROPORÇÕES Aristóteles prossegue então, apontando a diferença entre igual e justo. Sobre o primeiro conceito, ele dispõe que igualdade diz respeito a duas ou mais coisas, portanto, deve conter, no mínimo, dois termos. O justo é intermediário, igual e relativo. Intermediário, pois se encontra no meio de dois extremos. Igual, porque diz respeito a duas coisas. Relativo, pois é justo com certos indivíduos. O justo, portanto, diz respeito tanto às pessoas, a quem a justiça é aplicada, quanto aos objetos que o justo distribui entre os indivíduos. Deste modo, o justo comporta, pelo menos, quatro termos. Por conta disto conclui-se que o meio termo, na justiça distributiva, deve ser analisado sobre a forma de proporção geométrica, uma vez que esta é a igualdade entre quatro termos. (ARISTÓTELES, 2009) Faz-se necessário, no entanto, distinguir entre dois tipos de proporção: a contínua e a descontínua. No primeiro tipo tem-se a repetição de um termo, por exemplo: A/B = B/C. Neste caso teríamos que considerar o termo B como um indivíduo e um objeto, o que seria, no mínimo, absurdo. Portanto, para uma distribuição correta é necessário que se considere uma proporção descontínua. Tem-se portanto: A/C = B/D. Há, então, uma diferenciação entre os quatro termos, e, portanto, considera-se duas pessoas e duas coisas. (ARISTÓTELES, 2009) Amazônia em Foco, Castanhal, v. 3, n.5, p. 125-138, jul./dez., 2014 | |

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6 DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA. 6.1 EXPLICAÇÃO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA COM BASE NA PROPORÇÃO DESCONTÍNUA. A partir disto, Aristóteles procura estabelecer uma fórmula que possa ser usada para determinar a justa repartição das honras e riquezas dentro de uma comunidade. Aqui, por honras deve-se entender a repartição de cargos públicos e por riquezas os bens arrecadados pela comunidade. Considerando que maneira de repartir os bens deve ser uma proporção geométrica, isto é, descontinua, então, o justo seria determinado pela razão entre os indivíduos mais os bens, que deve ser igual à razão do mérito dos indivíduos. Tem-se portanto: (A+C)/(B+D)=A/B. (LIVET, 2009). Neste caso, haveria uma distribuição justa, uma vez que, na mesma fórmula foram consideradas tanto a igualdade entre os bens quanto o mérito daqueles que os receberam. A injustiça surge, então, quando duas pessoas que possuem méritos diferentes recebem a mesma coisa, ou quando duas pessoas possuem méritos iguais e recebem coisas diversas. (ARISTÓTELES, 2009) Em relação à razão entre o mérito dos indivíduos, faz-se tecer um breve comentário acerca da disposição entre esta razão entre os indivíduos e a fairness desenvolvida, sobretudo, pela filosofia inglesa. Esta se caracteriza por negar o caráter absoluto da aplicação da igualdade como forma de eliminar qualquer forma de desigualdade. Para esta corrente filosófica é possível aceitar a desigualdade se os fundamentos desta forem suficientes para justificá-la. Para Rawls (apud. LIVET, 2009), por exemplo, o mérito, que tem a possibilidade de estar ligado a uma combinação aleatória, não deve ser aceito como fundamento para a desigualdade. Os modelos socioeconômicos, entretanto, são uma forma de fundamentar e justificar a desigualdade. Pois, é necessário, nestes casos, a existência de uma classe subordinada responsável por manter a economia, o que pode ser aferido ao longo da história da humanidade.

6.2 EXEMPLO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA.

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A fim de que haja um maior entendimento da teoria aristotélica sobre a justiça distributiva; consideremos o país Omega, que tem como moeda oficial Phi. Seu governante, Deltha, observa que não há uma justa distribuição, pois no referido país existem duas etnias, com características muito semelhantes (Alpha e Iotha). Ambas recebem recursos de forma desigual. Todas as moedas do país são entregues à etnia Alpha, e os Iotha nada recebem. O governante, então, decide se valer da teoria aristotélica da justiça distributiva para repartir as moedas de seu país. Ele percebe que as duas etnias têm uma quantidade igual, ou muito próxima, de integrantes, além de participarem de maneira muito semelhante das atividades do país. Desta forma, ele reparte as moedas do país da seguinte maneira: de um total de 2.000.000 de Phis, 1.000.000 Phis são entregues à etnia Alpha e um 1.000.000 Phis à etnia Iotha. Assim, é estabelecida uma justa repartição dos bens do país. Todavia, alguns anos depois, há uma significativa modificação em relação às etnias. A etnia Alpha perde grande parte de seus integrantes e, por conta disto, não é mais tão presente nas atividades estatais, enquanto a etnia Iotha apresenta um crescimento tanto no número de participantes, quanto na atividade estatal. O governante, então, percebe que não é justo dividir os bens da mesma maneira. Ele reavalia a situação dos grupos que compõem seu país e decide repartir a riqueza da seguinte maneira: de um total de 2.000.000 Phis, 1.500.000 Phis é destinado à etnia Iotha e 500.000 Phis para a etnia Alpha. No exemplo disposto há perfeita adequação com a teoria aristotélica. Em um primeiro momento, há uma avaliação de mérito dos grupos e constata-se a sua semelhança. Portanto, seria injusto continuar pendendo a balança para o grupo Alpha. Mas, em um segundo momento, percebe-se que há uma significativa modificação nos grupos e, portanto, não é mais correto afirmar que os mesmos são iguais e, por conseguinte, há a necessidade de uma repartição diferenciada, considerando o mérito de cada etnia. O exemplo pode ser vislumbrado em sua totalidade na ilustração abaixo:

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Ilustração 1.4: Exemplo de justiça distributiva Fonte: Autores 7 DA JUSTIÇA CORRETIVA. 7.1 EXPLICAÇÃO DA JUSTIÇA CORRETIVA. Justiça corretiva é aquela que lida com uma reparação de certa desigualdade que surge entre dois indivíduos por meio de uma ação de um deles, sendo a justiça corretiva, portanto, o meio termo entre os extremos da perda e do ganho. Tem-se, portanto, um desequilíbrio entre as partes, ou seja, o deslocamento o termo médio entre elas. Este desequilíbrio, segundo Aristóteles, deve ser resolvido por meio de uma proporção aritmética, através do cálculo de uma média, ou seja, da diferença de bens entre os indivíduos, considerando a situação original era de igualdade. (ARISTÓTELES, 2009)

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7.2 EXEMPLO DA JUSTIÇA CORRETIVA. Consideremos, que um dia a paz do país Ômega, citado anteriormente, é interrompida por um roubo. João subtrai 1.000 Phis de Maria. Ambos, antes do roubo possuíam 5.000 Phis. Após o fato delituoso, João possui 6.000 Phis e Maria 4.000 Phis. Depois de todos os trâmites legais, a lide chega às mãos de um magistrado de Ômega. Este garante a João todas possibilidades de defesa, além de analisar todas as provas e escutar todas as testemunhas. Por fim, o juiz declara que o réu teve culpa. Ele estabelece, então que o mesmo tem que devolver a Maria o valor que excede o que ele possui no seu patrimônio. E faz o seguinte cálculo a fim de descobrir quanto deverá ser devolvido, haja vista que ele não conhece a situação original e nem a quantia que foi roubada. Ele primeiro verifica qual a diferença entre a quantia que Maria e João possuem, no caso, 2.000 Phis. Em seguida ele divide essa quantia pelo por dois. Tem então o resultado: 1.000 Phis, exatamente a quantidade que foi subtraída por João. Após a devolução da quantia é restabelecido então o estado original das coisas. A devolução garante, a manutenção do termo intermediário, e, portando a justiça. 8 DA JUSTIÇA DE TROCA. 8.1 EXPLICAÇÃO DA JUSTIÇA DE TROCA. No caso da justiça de troca, a questão é estabelecer a igualdade entre o que é ofertado pelo comprador e o que é pago pelo vendedor. O problema aqui seria encontrar o meio termo (igualdade) entre dois objetos diversos. Aristóteles propõe utilizar, neste caso, a proporção aritmética para determinar a justa repartição de bens entre os indivíduos. Porém, isto parece ser falso, uma vez que a proporção aritmética não considera o mérito dos indivíduos, e esta operação é necessária para aplicar a justiça de troca. Não há possibilidade, portanto, da utilização da proporção aritmética ou da proporção geométrica. A solução encontrada pelo autor é considerar então a necessidade do vendedor e do comprador na hora de uma transação. Segundo o autor, a troca ocorre porque havia uma procura das partes pelos produtos em questão, ou seja, o vendedor tem necessidade de ter o produto que o comprador oferece e vice-versa. Isto estabilizaria o valor dos produtos. E o representante da necessidade do comprador e do vendedor, dentro de uma relação seria o dinheiro. Segundo o estagirita a moeda surgiu para trazer ainda mais igualdade para as relações de troca. (ARISTÓTELES, 2009) Amazônia em Foco, Castanhal, v. 3, n.5, p. 125-138, jul./dez., 2014 | |

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8.2 EXEMPLO DA JUSTIÇA DE TROCA. Como exemplo da justiça de troca, consideremos que Ivan tem necessidade de um relógio e Dimitri de um livro. Um possui o bem que o outro deseja. Dimitri e Ivan resolvem, então, trocar os referidos bens. Ora, o relógio que Ivan tinha necessidade tem um valor muito maior que o livro de Dimitri, mas neste caso não há injustiça, pois a necessidade que Dimitri tem pelo objeto justifica a troca. Assim, não importa encontrar uma média ou estabelecer uma proporção e sim, estabelecer a média entre as necessidades de Ivan e Dimitri, para assim estabelecer, ou não a justiça na troca. 9 CONCLUSÃO Vê-se então que a justiça, na visão de Aristóteles, é a forma de aplicar a lei e, principalmente, é o exercício de dar a cada cidadão aquilo que lhe é devido. O filósofo oferece critérios que podem determinar qual a forma mais justa de resolver uma injustiça, seja para corrigir um ilícito, seja para determinar a justa troca ou, saindo da esfera estritamente individual, determinar qual a melhor maneira de dividir os bens de um estado entre os cidadãos. As imagens referentes às formas de justiça e às subdivisões da justiça particular mostram de forma mais clara a lógica da teoria aristotélica e ajudam a compreender as partes mais importantes do livro V do Ética a Nicômaco. A ilustração sobre o meio termo visa tornar mais claro como funciona o critério utilizado para a aplicação da justiça, bem como explicitar qual sua função dentro da teoria de Aristóteles. A imagem 1.4, “Exemplo da Justiça distributiva”, busca tornar mais clara a compreensão dos dois momentos em que a teoria da justiça foi aplicada no caso do país Ômega. A noção do que seria a “razão entre o mérito do cidadão” se torna mais clara por meio da imagem e do exemplo. Os exemplos das outras formas de justiça particular também esclarecem de que forma a justiça seria aplicada em um caso concreto. A justiça, como é tratada na Ética a Nicômaco, é essencial para o estudo da justiça na filosofia por conta se sua clareza e por ser aplicável tanto no âmbito das leis, quanto nas relações entre indivíduos. A questão de como dividir os bens de uma determinada sociedade é discutida até hoje e a solução apontada por Aristóteles é bastante plausível pelo fato de

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considerar as diferenças entre os indivíduos: entender, e aceitar, que deve existir uma diferença na distribuição, e que esta diferença deve considerar a natureza de cada indivíduo. Um dos princípios adotados por Aristóteles (considerar as desigualdades entre os indivíduos e distribuir os bens levando em consideração os méritos de cada um) é aplicável, e prova disto são as legislações especiais criadas justamente para amparar grupos menos favorecidos, como crianças e adolescentes, por exemplo. A justa distribuição é problemática até hoje, seja por conta do esquecimento de certas camadas da sociedade ou por causa da dificuldade de conceber a aplicação de um único princípio para que a distribuição seja realizada de forma correta. A filosofia de Aristóteles, apesar de não conseguir resolver estes problemas em sua totalidade, nos aponta os caminhos para que tais problemas sejam dirimidos. REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Atlas, 2009, pp. 103 - 127 FERRAZ JUNIOR. T. S. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 141 - 209. HÖFFE, O. Aristotle. New York: State University of New York Press, 2003. LIVET, P. Normas: Análise e noção, estudo de textos: Wittgenstein, Leibniz, Kelsen, Aristóteles. Rio de Janeiro: Vozes, 2009, pp. 187 - 200. REALE, G. História da filosofia grega e romana: Aristóteles. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2013. V.4.

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