Sobre o valor do trabalho - parte 1

October 16, 2017 | Autor: Rodrigo de Carvalho | Categoria: Marxism, Postmarxism
Share Embed


Descrição do Produto

Sobre o valor do trabalho no setor público, comparado ao setor privado. Por: Rodrigo de Carvalho. Agosto de 2014

No século XX o trabalho assumiu papel de força motora das economias capitalistas, sustentadas na produção e no consumo de mercadorias e serviços. Um papel que se conserva no século XXI, especialmente no âmbito privado, onde a concorrência de mercado eleva a valorização de características pessoais do trabalhador, como a capacidade de liderança e o empreendedorismo. Também o trabalhador do setor público deve fazer saltarem suas características de eficácia e capacidade de autogestão se quiser se ver valorizado. Mas essa busca pelo reconhecimento de valor do trabalho nas esferas pública e privada ocorre de maneiras diferentes. No século XVIII, com o fortalecimento do liberalismo e a conseqüente decadência do sistema feudal, difundiu-se o conceito de valor do trabalho, em substituição à servidão vigente. No Estado Liberal as relações de mercado não recebiam intervenção do Governo, a não ser para garantir a livre concorrência. De modo que a força de trabalho assumiu caráter de produto, cujo valor seria negociado entre as partes: prestador do serviço e contratante. Já no século XIX, o marxismo questionou a lógica liberal. O conceito individualista de valoração do trabalho-produto foi confrontado com um valor coletivo, voltado para o benefício promovido à sociedade, ou seja, o reconhecimento do valor individual do trabalho reconhecido em face de seu valor público. Nos séculos XX e XXI, um novo valor do trabalho se sobrepôs aos benefícios coletivos adquiridos desde a difusão do pensamento marxista. As exigências do mercado de competição trouxeram novas condições à relação do empregador com o empregado. Regidas pelos Direitos Civil e Trabalhista, as novas relações de trabalho na era da industrialização acelerada dos regimes capitalistas não carregam sombra da escravidão imposta na antiguidade. Tampouco da servidão consentida no período de instauração do regime feudal. A especialização dos mercados reflete-se na seleção e contratação do trabalhador, imputando-lhe uma série de requisitos individuais, necessários ao reconhecimento de seu valor produtivo e social, e para o conseqüente reconhecimento de valor financeiro do seu trabalho. Outras especificidades assumem as relações de trabalho no serviço público, regidas pelo Direito Administrativo, que delimita claramente a expectativa de valor do

trabalho, reduzindo-a a cinco princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Ainda, distingue a pessoa do cargo, esclarecendo que, ao assumir um cargo, o agente público deve exercer as funções a ele atribuídas. O modelo de trabalho na esfera pública, regido pelo conceito do ‘direito positivo’, consiste no reconhecimento e aplicação desses princípios, ficando o agente público limitado a um escopo rígido de tarefas, em contraposição à flexibilidade criativa da ‘liberdade negativa’ concedida ao trabalhador da iniciativa privada. Esta dicotomia do público e do privado confronta-se, por exemplo, nas relações de prestação de serviços de empresas privadas a empresas públicas: se à empresa privada é legitimado o direito de buscar vantagens competitivas, pautando sua atuação em lacunas existentes na legislação, desde que não execute ato expressamente proibido por lei; ao Gestor Público de contrato cabe fazer cumprir a lei de maneira estrita, tendo por suporte o poder coercitivo imputado pelo Estado ao cargo em exercício. Esta divergência de expectativas estabelece uma linha de tensão nas relações público-privadas, que somente pode ser dirimida ante a observância dos valores reconhecidos por cada uma das partes. Lecionando para cursos técnicos, recebi questionamentos de alunos quanto à decisão quanto a submeterem-se às regras do mercado, ou aplicarem-se nos ‘preparatórios’ para concursos, visando à estabilidade confortável de um cargo público. Encontrar realização no trabalho, digo aos alunos, depende de analisar quais valores têm mais peso do ponto de vista pessoal. É necessário que o profissional encontre motivação na persecução dos objetivos, de lucro – no caso de empresa privada – ou de promoção do bem coletivo – no caso do serviço público, e aplicar-se em cumprir suas tarefas com a maior correção possível, atendendo às expectativas de quem o emprega, seja na empresa pública ou privada. A expressão servidor público expressa o caráter de servidão ao interesse coletivo, deixando claro seu antagonismo à idéia de subserviência ao interesse da minoria, característica do regime feudal. Também não se aproxima do conceito purista de produto do trabalho enquanto valor coletivo, idealizado pelo socialismo. Nesta nova mais-valia do trabalho, além do domínio técnico do cargo, o Estado espera que o Gestor seja sua representação

junto

ao

público,

agindo

com

diligência,

responsabilidade,

impessoalidade e cordialidade. Afinal, todo agente público deve carregar consigo o entendimento de que o servidor do Estado é um servidor do público.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.