Sobre os conceitos de belo e sublime em Kant

July 5, 2017 | Autor: E. Rodrigues | Categoria: Immanuel Kant, Estética
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Sobre os conceitos de belo e sublime na Crítica do Juízo de Immanuel Kant.


Prof. Dr. Eli Vagner Francisco Rodrigues

Unesp Bauru

Pretende-se nestas linhas analisar as ideias estéticas de Kant
contidas na Analítica do Belo e na Analítica do Sublime. Podemos iniciar
uma análise da teoria estética de Kant, mais exatamente dos conceitos de
belo e de sublime, pela seguinte pergunta:
Que é o belo na sua imediata expressão natural, e de que maneira se
nos revela no gosto estético?
Para decidir se algo é belo ou não, ligamos a representação, não pela
compreensão do objeto de cognição, mas pela imaginação (em conjunção com o
entendimento) do indivíduo e a sua sensação de prazer ou dor. O juízo de
gosto é, portanto, um juízo estético e não lógico ou cognitivo. O
fundamento que determina tal juízo, como diz Kant, não pode ser outro senão
subjetivo. A referência de uma representação pode ser objetiva (significa o
real numa representação empírica). Uma referência à sensação de prazer ou
desprazer, na qual nada do objeto se exprime, é resultado de uma afecção
"no sujeito". Kant esclarece que se as representações são racionais mas se
ligam, no juízo, simplesmente ao indivíduo (aos seus sentimentos) então o
juízo é estético.
A satisfação (complacência) que combinamos com a representação da
existência de um objeto chama-se interesse. Tal satisfação sempre tem
conexão com a faculdade do desejo, ou como seu fundamento determinante, ou
estando, de alguma forma, ligada a ele. Quando pergunto se uma coisa é bela
ou não, não desejo saber se algo depende ou pode depender da existência da
coisa para mim ou para qualquer outra pessoa, mas como a julgo através da
mera observação (intuição ou reflexão). Se me perguntam se acho belo um
certo palácio posso responder, por exemplo, que não gosto de coisas que só
servem para ser admiradas.
"Posso ainda fazer como Rousseau, censurar a vaidade dos grandes que
desperdiçam o suor do povo em coisas supérfluas". Mas Kant aponta que o
que importa é saber se uma mera representação do objeto se acompanha, em
mim, de satisfação por mais indiferente que me seja a existência do objeto
desta representação. Ao dizer que é belo e mostrar que tenho gosto eu me
ocupo não da dependência que possa ter a existência do objeto, mas do que
faço dessa representação em mim mesmo. Devemos admitir, com Kant, que todo
julgamento (juízo) de beleza em que influa uma partícula de interesse,
deixa de ser um puro juízo de gosto para se tornar um juízo parcial. Para
Kant, não devemos nos deixar influenciar pela existência das coisas, mas
permanecer totalmente indiferentes para podermos julgar se algo é belo ou
não.
O belo, afirma Kant, é aquilo que independentemente de conceitos, se
representa como objeto de uma satisfação universal. Esta explicação do belo
deriva da explicação precedente como objeto de uma satisfação inteiramente
desinteressada. O fundamento universal parece ser o fato de que todos se
dão conta de que a satisfação é para cada um perfeitamente desinteressada.
Este fato, de que todos se dão conta de que a satisfação é para cada um
desinteressada, implica num fundamento de satisfação para todos. Uma vez
que a satisfação não se baseia em nenhuma inclinação do indivíduo, nem
sobre qualquer outro interesse premeditado e que, no caso, aquele que julga
se sinta totalmente livre com respeito à satisfação dedicada ao objeto, ele
não encontra nenhum fundamento (para a satisfação) relacionado com o seu
próprio sujeito. A base de tal satisfação deve estar, então, naquilo que
ele, como juiz, pode pressupor em todos os outros homens.
O juízo de gosto, como vimos, é estético, mas tem uma similaridade
com o juízo lógico. O indivíduo falará do belo como se a beleza fosse uma
característica do objeto e como se o juízo fosse lógico, constituindo uma
cognição do objeto através dos seus conceitos, no entanto este juízo é
apenas estético e envolve somente uma referência da representação do objeto
para o indivíduo. A similaridade com o julgamento lógico leva a
pressuposição da validez para todos. A universalidade do juízo de gosto é
uma universalidade subjetiva, ela não depende de objetos.
"De fato quem tem consciência de ser
desinteressado no prazer que prova de alguma coisa
não pode julgar a coisa mesma senão como contendo uma
causa do prazer, que seja válida para cada um. Não
sendo o prazer fundado sobre alguma inclinação do
sujeito e sentindo-se, ao invés, quem julga,
completamente livre em relação ao prazer que dedica
ao objeto ; ele não poderá achar nenhuma condição
particular, exclusiva do seu sujeito, como fundamento
do seu prazer, e deverá, portanto considerá-lo como
baseado sobre algo que se possa pressupor nos outros:
conseqüentemente deverá crer de Ter razão ao
pretender dos outros o mesmo prazer. Ele falará assim
do belo como se fosse uma qualidade do objeto, e como
se o seu juízo fosse lógico...embora seja somente
estético e não implique senão a relação da
representação do objeto com o sujeito." (Crítica do
Juízo "Analítica do belo" § 6)
Destas considerações podemos concluir que Kant define, em certo
sentido, o belo como aquilo que agrada sem interesse. A partir disto, Kant
formula uma indagação sobre as várias modalidades nas quais um prazer pode
manifestar-se ligado ao interesse: o prazer provocado pelo agradável, o
prazer provocado pelo útil e o prazer provocado pelo bom.
Sobre a primeira modalidade, Kant estabelece uma diferença entre
sensação e sentimento. Confunde-se estes dois termos pois todo prazer é por
si mesmo uma sensação. Para desfazer a confusão basta considerar o seguinte
exemplo: A cor verde dos prados pertence à sensação objetiva, pois é
percepção de um objeto do sentido; o prazer que ela produz se refere, ao
invés, à sensação subjetiva, com a qual nenhum objeto é representado: quer
dizer, ao sentimento, no qual o objeto é considerado como termo do prazer,
que não dá nenhum conhecimento dele.
Com relação ao prazer provocado pelo agradável podemos dizer que o
juízo exprime um interesse em relação ao objeto, porque o juízo mesmo,
mediante sensação, suscitaria o desejo de objetos semelhantes. Em outras
palavras, o agradável revela e traduz fielmente um interesse sensível
imediato, cuja finalidade é o gozo do objeto ou de objetos semelhantes.
Tanto é verdade que do agradável não se diz simplesmente que agrada mas que
satisfaz.
Sobre o prazer provocado pelo útil, Kant aproxima da terceira
modalidade, o prazer provocado pelo bom, visto que útil e bom respondem a
interesses racionais. Tanto o útil como o bom dependem do conceito que
temos, como homens, das coisas em relação às nossas necessidades ou em
relação à nossa destinação moral. Há, porém, diferença entre o útil e o
bom: nós dizemos que uma coisa é útil quando é boa para algum fim que não
esteja contido nela, isto é, quando nos agrada só como meio; enquanto, ao
invés, dizemos que uma coisa é "boa" (bom) quando, mediante a razão, nos
agrada por si mesma, pelo seu conceito, isto é, quando tem em si mesma o
próprio fim.
A exclusão de todo interesse no prazer do belo se especifica, para
Kant, nas três modalidades do agradável, do útil e do bom. Estes são três
elementos que têm o poder de iniciar nosso puro juízo de gosto, e é,
portanto, pela falta destes três elementos "perturbadores" que podemos de
certa maneira definir o caráter positivo da beleza.
A meu ver, um dos problemas que podemos apontar aqui é sobre a
universalidade do juízo de gosto. O senso comum, bem como a "comunidade dos
estetas" apontam para a relativização do gosto, de certa maneira estas
considerações se chocam com a idéia de universalidade apontada por Kant. A
solução, a meu ver, está no fato de Kant admitir uma indiscutível
relatividade dos juízos que concernem ao agradável, mas esta espécie de
juízo, afirma, deriva do "gosto dos sentidos" e não do "gosto da
reflexão". Para o filósofo só este último pretende à universalidade e, como
se trata de um juízo reflexivo e não determinante, a sua universalidade não
poderá de maneira alguma fundamentar-se sobre os conceitos do objeto, e não
é, por isso, uma universalidade lógica, e sim, somente estética. Dada,
porém, a relação estabelecida com a categoria da quantidade, pode-se
concordar com Kant que esta espécie de universalidade sui generis não
inclui uma quantidade objetiva do juízo, mas só uma quantidade subjetiva.
Se persistirmos na pergunta: Como um juízo de gosto, que é um juízo
particular, pode ser universal? Kant vai dizer, por exemplo, que a rosa que
eu olho a declaro bela com um juízo de gosto; enquanto que, o juízo que
corresponde à comparação de muitos juízos – as rosas em geral são belas –
não exprime mais um simples juízo estético, mas um juízo lógico fundado
sobre um juízo estético.
Outra questão que Kant destaca é sobre a precedência ou não do
sentimento de prazer no juízo de gosto, isto é, se este sentimento de
prazer precede o juízo de gosto ou se é o juízo de gosto precede o
sentimento de prazer. A preocupação de Kant deve ter advindo da contradição
de se admitir que no juízo de gosto primeiro vem o prazer dado pelo objeto
e que a sua validade universal tivesse de se atribuir, somente depois, à
representação do próprio objeto. O prazer, neste caso, não seria outra
coisa senão o simples "agradável" da sensação, e não poderia ter senão uma
validez particular dependente da representação do objeto.
Kant vai dizer que o juízo puramente subjetivo (estético) do objeto,
ou das representações com as quais ele é dado no juízo de gosto, precede o
prazer que se tem do objeto, e o fundamento deste prazer (posterior) está
na harmonia das faculdades de conhecer.
Conclui-se, como vimos, que no juízo de gosto a universalidade não
está ligada a nenhum conceito da coisa, importando-lhe principalmente
livrar o juízo mesmo da influência de qualquer conceito que não poderia
deixar de falsificá-lo. O belo não só deve agradar sem interesse algum,
mas também universalmente sem conceito. "Belo é o que, no imediato juízo de
gosto, agrada universalmente, sem interesse e sem conceito. "


Analítica do Sublime.
Kant começa suas considerações sobre o conceito do sublime através de
uma comparação deste com o conceito de belo. Belo e sublime estão de acordo
pelo fato agradarem ambos por si mesmos. Além disto, tanto em um caso como
em outro, o prazer não depende nem de uma sensação (como acontece com o
"agradável"), nem de um conceito determinado (como acontece com o "bom"). O
juízo sobre o belo e o juízo sobre o sublime são juízos singulares e não
entram em nenhuma classe a qual se possa enquadrar- assim como sob um
conceito- todos os casos de beleza ou de sublimidade. Mas estes juízos se
apresentam à consciência de cada um, como verdadeiros juízos universais,
embora pretendam somente ao sentimento de prazer e não ao conhecimento do
objeto.
Consideradas as características comuns constatamos que em outros
aspectos o belo e o sublime diferem consideravelmente. Por exemplo:
enquanto o belo (da natureza, por exemplo) concerne à forma do objeto, a
qual consiste na limitação do mesmo, o sublime se pode, ao contrário, achar
também num objeto informe, porém com a condição de que a falta dos limites
seja representada junto com a totalidade. Assim, o belo pode ser
considerado como a exteriorização de um conceito indefinido do intelecto, e
o sublime como um conceito indefinido da razão.
Ainda nos valendo da comparação com o conceito de belo na tentativa de
definir o conceito de sublime, podemos apontar, agora como diferença, que
enquanto o belo produz diretamente uma sensação de euforia que é quase uma
garantia de intensificação ou de conservação da nossa vida sensível, o
sublime, pelo contrário, é um prazer que se produz só indiretamente, e só o
experimentamos depois de uma "momentânea suspensão dos movimentos vitais",
e se nos apresenta como uma emoção que é algo muito mais profundo do que um
simples jogo no uso da imaginação. "Não é uma alegria positiva; antes por
conter estima e maravilha, merece ser chamada de um prazer negativo."
Kant parece entender o sentimento que se tem diante do sublime como
algo que eleva o espírito acima da matéria, mesmo sendo a contemplação algo
que acontece através de um contato com o mundo sensível.
Tentando escapar de mais uma comparação com o belo podemos definir o
sublime como aquilo que surge sempre que deparamos com um objeto que escapa
de nossa capacidade de compreensão e que, portanto, não somos capazes de
agrupar em um todo sistemático, nem na intuição, nem no conceito. Kant
denomina Sublime aquilo que reveste nossos olhos de verdadeira grandeza de
extensão ou de força, seja uma grandeza matemática ou dinâmica.
Aqui aparece já a questão da finalidade. O belo natural "que está por
si" inclui, segundo Kant, uma finalidade na sua forma de modo que o objeto
parece predisposto para o nosso juízo e, por isso, constitui, ele próprio,
um objeto de prazer. O que produz em nós o sentimento de sublime, na
simples apreensão, sem raciocínio, pode parecer, no que diz respeito à
forma, em contraste com a finalidade para o nosso juízo, ou inadequado à
nossa faculdade de exibição e quase como violento contra a própria
imaginação, de modo que, quanto maior for a violência mais intenso será o
grau de sublimidade.[1]
Pelos motivos descritos acima conclui-se que à natureza, mais
precisamente, ao objeto da natureza, convém o atributo da beleza e não o da
sublimidade, O verdadeiro sublime não pode estar contido em nenhuma forma
sensível e somente está relacionado com as idéias da razão que não são
exteriorizadas adequadamente em termos lógicos mas que são despertadas na
nossa alma justamente por tal desproporção. Assim o imenso oceano revolto
pela tempestade não pode ser chamado de sublime por si mesmo, mas ele faz
com que a alma abandone a sensibilidade para afogar-se num mar de idéias
que contém uma finalidade superior.
"Para o belo natural devemos procurar um
princípio fora de nós, enquanto para o sublime
natural devemos procurá-lo unicamente em nós
mesmo no modo de pensar que confere a
sublimidade à representação da natureza. "
(Crítica do Juízo, Analítica do Sublime, § 25).
Conforme o esquema da Crítica da Razão Pura o prazer do sublime deve
ser representado como universal, segundo a quantidade, sem interesse,
segundo a qualidade, subjetivamente final, segundo a relação e necessário
nesta finalidade, segundo a modalidade.
Kant ainda distingue o sublime em matemático e dinâmico. O sublime
matemático surge na presença de uma grandeza que a nossa imaginação é
incapaz de representar-se, já o sublime dinâmico surge por ocasião de uma
potência da natureza que a nossa força física é absolutamente impotente
para conter, mas que não consegue por isso dominarmos moralmente,
despertando, antes, a consciência de uma força espiritual sobre-humana em
nós, uma força que desafia toda força física e a própria morte do corpo.
A comtemplação, a partir de um ponto seguro, das forças titânicas da
natureza leva o homem à comparações de sua dimensão diante do espetáculo da
natureza e isto leva-o a pensamentos de valorização do ser racional que ele
é. A alma em momentos de contemplação do sublime pode sentir a sublimidade
da própria destinação. Este aspecto diz respeito ao sublime dinâmico.
O que acontece na gênese do sentimento do sublime pelo homem é o
encontro que a nossa imaginação faz com o seu próprio limite. Este encontro
contrasta com a necessidade da nossa razão de colher a infinidade contida
na totalidade. O contraste excita a nossa imaginação a continuar no seu
processo representativo. Na sua limitação, isto é, na limitação o processo
representativo a imaginação se dirige para a razão e suas idéias, ou seja,
para a potência supra-sensível do nosso espírito, onde poderá transcender o
sensível.
O sentido do limite que é encontrado pela nossa imaginação deprime o
homem como ser sensível. A percepção da sublimidade do espírito deverá ser,
por reflexão, referida às coisas ou aos objetos que causaram o juízo. Isto
pode ser explicado da seguinte maneira: Deve chamar-se sublime, não o
objeto, mas a disposição da alma que resulta de uma certa representação que
ocupa o juízo reflexivo. Noutra definição Kant afirma que é sublime o que
demonstra que se pode também pensar apenas numa faculdade da alma que
supera toda medida dos sentidos.

Bibliografia:

KANT. I., Crítica do Juízo,Trad.Valério Rhoden, Ed. Forense Universitária.
LOPARIC, J. A Semântica Transcendental de Kant.
LOPARIC, J. O Fato da Razão.

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[1] Kant, Crítica do Juízo, Analítica do Sublime § 23.
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