Sobre sexualidade feminina na década de 1970: o discurso sobre sexo e o lugar da revista Nova/Cosmopolitan

May 30, 2017 | Autor: Mariana Vita | Categoria: Discourse Analysis, Media Studies, Gender and Sexuality, Women and Gender Studies
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO

MARIANA DA SILVA VITA

Sobre sexualidade feminina na década de 1970: o discurso sobre sexo e o lugar da revista Nova/Cosmopolitan

Universidade Federal Fluminense Niterói, 2013

MARIANA DA SILVA VITA

Sobre sexualidade feminina na década de 1970: o discurso sobre sexo e o lugar da revista Nova/Cosmopolitan

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Comunicação Social Jornalismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharelado Orientadora: Profa. Dra. Silmara Cristina Dela da Silva

Universidade Federal Fluminense Niterói, 2013

AGRADECIMENTOS À Família, pelo suporte, base e paciência. Às Professoras, pelas sementes. À Irmã sempre presente. E a Quem não tem pretensão de me apontar os caminhos, mas mostra que eles existem.

DEDICATÓRIA Às Roxas.

RESUMO

Levando-se em consideração que a imprensa exerce um papel importante na formação do imaginário popular e na constituição da memória social (MARIANI, 1998), manter na pauta dos estudos acadêmicos sua observação e crítica se torna relevante para a compreensão de processos histórico-sociais. As publicações a que chamamos “revistas femininas”, tendo as mulheres como público-alvo, atuam no processo de significação do lugar e do papel das mulheres, do que significa ser mulher. No Brasil, essas publicações passaram a falar também sobre sexo principalmente a partir da década de 1970. Nova/Cosmopolitan surgiu no Brasil em setembro de 1973, e, não podendo ignorar o contexto histórico, a temática sexo aparece em praticamente todas as edições durante a década de 1970. O presente trabalho é uma análise do discurso sobre sexo da revista Nova/Cosmopolitan. O recorte para as análises compreende um artigo sobre sexo por ano, de 1973 até 1979. A análise é feita com base no quadro teórico-metodológico da Análise de Discurso de corrente francesa (PÊCHEUX, 1975), e parte das formulações de Beauvoir (1980) e Friedan (1971) para contextualizar o lugar da mulher construído na sociedade, e pensar o discurso sobre sexo da revista em relação às principais expressões do feminismo na época. As análises realizadas tiveram foco nas formações imaginárias que a posição sujeito da revista faz de sua leitora, e constrói para si mesma, em antecipação à imagem que acredita que a leitora fará dela. Percebe-se uma tendência à repetição de sentidos no corpus analisado, trazendo uma memória da imagem de mulher da mística feminina, descrita por Friedan (1971).

Palavras-chave: Análise de Discurso, mulher, sexualidade, mídia, movimentos feministas

ABSTRACT

Considering that media plays an important role in the building of social imagination and social memory (MARIANI, 1998), keeping its analysis on the agenda of academic studies becomes relevant for the understanding of historical and social processes. The publications we call women's magazines, having women as their audience, act in the construction of the meaning of the role of women in society, what it means to be a woman. In Brazil, these publications started to talk about sex mostly from the 1970s on. Nova/Cosmopolitan was released in Brazil in September 1973, and as it couldn’t ignore the historical context, sex appeared as a frequent theme in practically every edition during the 1970s. This present work is an analysis of the discourse about sex in Nova/Cosmopolitan magazine in the 1970s. As corpus of analysis we have selected one article about sex per year, from 1973 until 1979. The analysis is based on theoretical and methodological framework of Discourse Analysis (Pêcheux, 1975), and the ideas of Beauvoir (1980) and Friedan (1971) to bring the historical context that explains the development of women’s role in society, and think the magazine’s discourse about sex comparing to the thoughts of the main expressions of feminism at the time. Through the analysis we were able to notice a tendency for repetition of senses in the corpus, bringing a memory of the image of women built by the feminine mystique (FRIEDAN, 1971).

Keywords: Discourse Analysis, woman, sexuality, media, feminist movements

SUMÁRIO

CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO _________________________________________ 9 CAPÍTULO II – MULHERES: HISTÓRIA E IMPRENSA NO SÉCULO XX ____ 10 CAPÍTULO III – ANÁLISE DE DISCURSO _____________________________ 20 CAPÍTULO IV – O DISCURSO SOBRE SEXO E O LUGAR DA REVISTA NOVA ____________________________________________________________ 27 CAPÍTULO V – CONSIDERAÇÕES FINAIS ____________________________ 45

9 CAPÍTULO I INTRODUÇÃO A revista Nova/Cosmopolitan foi pioneira no Brasil ao abordar, com frequência e linguagem direta, o tema sexo para o público feminino (dentro do período analisado, de 1973 a 1979, há pelo menos um artigo sobre sexo em quase todas as edições) (LAMOUNIER, 2006). Entendemos que, ao atribuir sentidos aos acontecimentos, a mídia exerce influência na formação do imaginário popular, e na constituição da memória social (MARIANI, 1998). Partindo da ideia de que “As palavras simples do nosso cotidiano já chegam até nós carregadas de sentidos que não sabemos como se constituíram e que no entanto significam em nós e para nós” (ORLANDI, 2001, p. 20), propomos entender o lugar que a revista Nova/Cosmopolitan procura ocupar nesse dizer, novo no Brasil, sobre sexo para a mulher. Para isso, como primeiro passo, selecionamos como corpus de análise um artigo sobre sexo publicado por ano na revista Nova/Cosmopolitan, de 1973 a 1979. No primeiro momento do presente trabalho, buscamos apresentar parte da história da construção do lugar da mulher na sociedade e das publicações destinadas ao público feminino. Então, apresentamos, num segundo momento, a fundamentação teórico-metodológica da Análise de Discurso de linha francesa (Pêcheux, 1975). Finalmente, procuramos entender o funcionamento da constituição de sentidos de sexo no discurso da revista, e o que ele representaria para a leitora, em sua formação imaginária projetada pela posição sujeito revista Nova/Cosmopolitan. Na análise, trabalhamos ainda as noções de memória, formação discursiva, e procuramos ressaltar, nas considerações finais, o trabalho da ideologia na ilusão da transparência de sentidos. A partir do dizer sobre sexo da revista, é feita uma comparação com o que é dito sobre sexo em Mística Feminina, best seller de Betty Friedan (1971), uma das principais expressões do feminismo na época, para tentar entender o posicionamento da revista em relação ao contexto histórico da década de 1970.

10 CAPÍTULO II MULHERES: HISTÓRIA E IMPRENSA NO SÉCULO XX

A análise do discurso de uma publicação que começou a circular no Brasil em 1973, demanda a compreensão não só do momento em que esta foi lançada, mas do trajeto histórico das mulheres e das publicações voltadas para o público feminino, especialmente as revistas femininas. Devido à necessidade de um recorte, aqui se apresenta um breve apanhado desta história. Ainda que com o objetivo máximo de atingir igualdade entre os sexos, o feminismo é construído como uma luta diversa, plural, podendo haver divergências de pautas e propostas entre movimentos feministas. Chamaram expressiva atenção na esfera feminista O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, publicado em 19491, e Mística Feminina, de Betty Friedan, publicado em 1963 – este considerado um fator do desenlace dos acontecimentos da onda feminista de 19702, não só nos EUA, onde foi best seller, como no Brasil (ZUCCO, 2005). Dito isto, e levando em consideração que analisar um discurso corrente na década de 1970 implica em utilizar embasamento teórico anterior e/ou contemporâneo ao período em questão – de acordo com a realidade histórica e social vivenciada pelos autores dos artigos analisados – ambos os livros serão utilizados na fundamentação teórica, como referência dos dizeres feministas correntes, justamente por sua fama3 e característica emblemática. O fato de as autoras sustentarem suas teorias na história torna conveniente, no presente trabalho, narrar os acontecimentos históricos em constante associação com as obras. Em O Segundo Sexo, Beauvoir (1980) reflete sobre o lugar da mulher desde a ideologia cristã, e suas influências na sociedade, tanto no que concerne à moral, quanto à legislação.

Logo no início do cristianismo, eram as mulheres, quando se submetiam ao jugo da Igreja, relativamente honradas; testemunhavam como mártires ao lado dos homens; não podiam, entretanto, tomar parte no culto senão a título secundário; as "diaconisas" só eram autorizadas a realizar tarefas laicas: cuidados aos doentes, socorros aos indigentes. (...) Os imperadores sofrem a influência dos Padres da Igreja de modo mitigado; a legislação de Justiniano4 honra a mulher como esposa e mãe, mas escraviza-a a essas funções (BEAUVOIR, 1980, p. 117-118)

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Publicado originalmente em 1949, dividido em v. 1, Fatos e mitos, e v. 2, A experiência vivida. Aqui, utilizamos a 4ª edição em português do v. 1, de 1980. 2 De acordo com Zucco (2005), a atuação feminista ressurge fortemente em uma segunda onda a partir de 1960. 3 Tanto Simone de Beauvoir quanto Betty Friedan são citadas em algumas reportagens de Nova/Cosmopolitan, apesar de não aparecerem em nenhum dos artigos analisados. 4 Justiniano foi imperador bizantino no século VI.

11 Assim, grande parte dos direitos das mulheres ficou amarrada à moral religiosa – esta, no entanto, se manteve graças ao apoio que muitas vezes encontrou no capitalismo. Como mostra Beauvoir (1980), a virgindade feminina antes do casamento, por exemplo, provém do cristianismo, mas é, acima de tudo, uma questão capitalista, pois é encarada de formas diversas em outras culturas – também tradicionalmente sexistas – que não se baseiam nos valores burgueses de família, capital e herança 5. Essa nova concepção familiar culminou com a criação da família nuclear (pai, mãe e filho), tipicamente burguesa, que se constituiu a partir do contrato matrimonial e do matrimônio por amor. Coutinho observa, a partir das observações de Shorter, que ocorreu na época o que foi denominado a “Revolução Sentimental do Século XVIII”, ou seja, o aparecimento do amor materno, do amor conjugal e do sentimento doméstico de intimidade. Tal revolução teve como consequência a mudança das prioridades da vida e as formas de enlace entre os membros da família. O romantismo reinante começa a ser utilizado como instrumento de submissão cultural da mulher à sua nova condição, que viria a ser intensificada, no Brasil, por meio de mídias, como os folhetins. (RAMALHO, 2013, p. 37).

Como afirma Ramalho (2013), as histórias românticas voltadas para o público feminino (romances, contos, folhetins) foram usadas como instrumento para perpetuar a cultura de submissão da mulher. No entanto, cabe aqui fazer um parêntesis considerando a evolução das publicações voltadas para o público feminino a partir da reflexão de Giddens (1993) sobre este gênero no período vitoriano: O consumo ávido de novelas e histórias românticas não era em qualquer sentido um testemunho de passividade. O indivíduo buscava no êxtase o que lhe era negado no mundo comum. Vista deste ângulo, a realidade das histórias românticas era uma expressão de fraqueza, uma incapacidade de se chegar a um acordo com a autoidentidade frustrada na vida social real. Mas a literatura romântica era (e ainda é hoje) também uma literatura de esperança, uma espécie de recusa. Frequentemente rejeitava a ideia da domesticidade estabelecida como único ideal proeminente. Em muitas histórias românticas, após um namoro com outros tipos de homens, a heroína descobre as virtudes do indivíduo íntegro, sólido, que se torna um marido confiável. Entretanto, pelo menos com a mesma frequência, o verdadeiro herói é um brilhante aventureiro que se distingue por suas características exóticas e ignora a convenção em sua busca de uma vida errante. (GIDDENS, 1993, p. 55-56)

Assim, apesar das representações de mulheres belas, dóceis e frágeis a serem resgatadas por homens, e quase sempre com desfecho em casamento, muitas dessas mesmas histórias representam, ainda dentro dessa concepção, os homens ideais com os quais as personagens se casam – logo, os homens desejados para a vida real. Após os avanços nos direitos da mulher – como o direito ao divórcio e sufrágio feminino – alcançados em muitos países na primeira metade do século XX, as principais revistas femininas dos Estados Unidos passaram, em 1939, a publicar contos com 5

Ver Beauvoir, 1980, p. 193-195.

12 personagens femininas ao redor das quais havia “uma aura de alguém que viria a ser muito importante, caminhando para um futuro que seria diferente do passado” (FRIEDAN, 1971, p. 36).

Assim eram as revistas de grande circulação no tempo do apogeu. Os contos eram convencionais: Moça encontra rapaz e o conquista. Mas frequentemente este não era o ponto principal da história. As heroínas, ao encontrarem seu homem, estavam em geral caminhando em direção a um objetivo ou visão pessoal, lutando com algum problema de trabalho, ou então algo de caráter mais amplo. E essa Nova Mulher, menos frivolamente feminina, tão independente e decidida a conquistar uma vida pessoal, era heroína de um tipo diferente de história de amor. Era menos agressiva na conquista do homem. Seu apaixonado compromisso com o mundo, o senso do seu valor pessoal, sua autoconfiança davam um diferente sabor ao relacionamento com o outro sexo. (FRIEDAN, 1971, p. 36)

No entanto, a partir de 1949, há uma guinada na linha editorial, e passam a ser publicados “inúmeros contos no estilo «ocupação: dona de casa», que começaram a aparecer nas revistas femininas de então, prolongando-se por toda a década de cinquenta” (Friedan, 1971, p. 38-39). Assim, reaparecia, de certa forma, a máxima trama das histórias românticas referida por Giddens (1993). Nos Estados Unidos, as mulheres conquistaram direito de estudar em universidades e competir com os homens no mercado de trabalho graças às suffragettes6 em associação, mais tarde, à Segunda Guerra Mundial - que ocasionou nova brecha para as mulheres trabalharem fora de casa, preenchendo o espaço dos homens empregados no conflito. Beauvoir (1980) reflete sobre as condições cotidianas da abertura das instituições para as mulheres:

O fato que determina a condição atual da mulher é a sobrevivência obstinada, na civilização nova que se vai esboçando, das tradições mais antigas. É o que não percebem os observadores apressados que estimam ser a mulher inferior às possibilidades que lhe são oferecidas, ou que só vêem nessas possibilidades tentações perigosas. Na verdade, a situação é sem equilíbrio e é por essa razão que lhe é difícil adaptar-se a ela. Abrem-se as fábricas, os escritórios, as faculdades às mulheres, mas continua-se a considerar que o casamento é para elas uma carreira das mais honrosas e que a dispensa de qualquer outra participação na vida coletiva. (BEAUVOIR, 1980, p. 175-176)

Depois que os homens voltaram da guerra, houve demissão em massa de mulheres. Na prática, as que se mantiveram empregadas sofriam discriminações no ambiente de trabalho, dificilmente eram promovidas ou ganhavam cargos de chefia. Em Mística Feminina, as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que decidiam seguir os estudos ou uma carreira são colocadas como parte das justificativas da “volta ao lar” dos anos 1950.

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Suffragettes: feministas do final do século XIX, e início do século XX, que lutavam, principalmente, pelo direito ao sufrágio feminino.

13 Com o tempo, mulheres da classe média se tornaram donas-de-casa, cada vez mais dedicadas à família e ao casamento. Desocupavam as vagas universitárias e de emprego para ocupar vagas em clínicas e consultórios de psicanalistas devido ao “problema sem nome”. «Não há nada realmente errado — repetiam a si mesmas. — Não existe problema algum». Mas, em certa manhã de abril de 1959, ouvi uma mãe de quatro filhos, tomando café com quatro outras mães, num bairro residencial a quinze milhas de Nova York, falar do «problema» num tom de mudo desespero. As outras compreenderam tacitamente que ela não se referia ao marido, aos filhos, à casa e perceberam de súbito que partilhavam de um problema sem nome. (FRIEDAN, 1971, p. 21)

Friedan apresenta depoimentos de donas-de-casa, psicanalistas e médicos que entrevistou para comprovar e ilustrar a existência dessa “insatisfação, uma estranha agitação, um anseio de que ela [dona-de-casa] começou a padecer em meados do século XX, nos Estados Unidos” (FRIEDAN, 1971, p. 17). O problema sem nome — que se reduz ao fato de a americana ser impedida de evoluir até a plenitude de sua capacidade humana — está pesando mais na saúde física e mental do país que qualquer outra doença. Consideremos a alta incidência de colapsos nervosos entre as mulheres de vinte e trinta anos; o alcoolismo e os suicídios entre as de quarenta e cinquenta; a monopolização do tempo dos médicos pelas donas de casa. Consideremos a quantidade de casamentos entre adolescentes, o número crescente de filhos ilegítimos e, o que é mais sério, a patologia da simbiose mãe-filho. (FRIEDAN, 1971, p. 312)

O conceito que dá origem ao título do livro seria a causa desse mal sem nome. A mística feminina consiste na ideia de que a mulher não seria inferior ao homem, ela seria apenas diferente. De acordo com a mística, a mulher se sentiria realizada ao exercer sua feminilidade, em seu papel – essencial à sociedade – de mãe e esposa, no ambiente doméstico; enquanto o homem se encarregaria do trabalho fora de casa. Vale ressaltar que, anteriormente a Friedan (1971), Beauvoir (1980) também havia apresentado um mito: É sempre difícil descrever um mito; êle não se deixa apanhar nem cercar, habita as consciências sem nunca postar-se diante delas como um objeto imóvel. É por vezes tão fluido, tão contraditório que não se lhe percebe, de início, a unidade: Dalila e Judite, Aspásia e Lucrécia, Pandora e Atená, a mulher é, a um tempo, Eva e a Virgem Maria. É um ídolo, uma serva, a fonte da vida, uma força das trevas; é o silêncio elementar da verdade, é artifício, tagarelice e mentira; a que cura e a que enfeita; é a presa do homem e sua perda, é tudo o que êle quer ter, sua negação e sua razão de ser. (BEAUVOIR, 1980, p. 183)

A imprensa se mostra, para Friedan, instrumento crucial na campanha pelo regresso ao lar:

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Todas as revistas falavam então na «Modern Woman: The Lost Sex» (Mulher Moderna: O Sexo Perdido), de Garnham e Lundberg, lançado em 1942, com seu aviso de que as carreiras profissionais e uma educação mais requintada estavam conduzindo a mulher à masculinização, com consequências profundamente perigosas para o lar, as crianças e a vida sexual, tanto do homem como da mulher. E assim a mística feminina começou a espalhar-se pelo país, acrescida de velhos preconceitos e confortáveis convenções, que facilmente deram ao passado um apoio no presente. Por detrás da nova mística existiam preconceitos e teorias enganadoras em sua sofistificação e aparência de verdades consagradas. Essas teorias eram, supunha-se, tão complexas que só se mostravam acessíveis a uns poucos iniciados, tornando-se, portanto, irrefutáveis. (FRIEDAN, 1971, p. 40)

Dentre as teorias discutidas em seus textos, Beauvoir (1980) e Friedan (1971) abordam principalmente a psicanálise – em voga nas revistas femininas em 1970 7. “Ponho em dúvida seu uso, não em terapia, mas no modo como se infiltrou na vida da americana — através de revistas populares e das opiniões e interpretações de pseudo-entendidos” (FRIEDAN, 1971, p. 92). Baseadas no argumento de autoridade, com artigos escritos por “especialistas” ou publicando resumos de livros dos mesmos, a mídia apontava novos problemas que teriam surgido a partir do avanço da emancipação feminina – “Como pode uma americana culta, não analista, pretender pôr em dúvida uma verdade freudiana?” (FRIEDAN, 1971, p. 91). Ambas criticam a obra de Freud no que concerne à mulher, pois ele teria, segundo elas, calcado a “descrição do destino feminino sobre o masculino, restringindo-se a modificar alguns traços” (BEAUVOIR, 1980, p. 60). Beauvoir (1980) continua: “Freud (...) admite que a sexualidade da mulher é tão evoluída quanto a do homem; mas não a estuda, por assim dizer, em si mesma. Escreve: ‘A libido é de maneira constante e regular de essência masculina, surja ela no homem ou na mulher’” (1980, p. 60). Freud também teria trabalhado com uma amostragem de mulheres, suas pacientes, que estaria longe de ser representativa, devido à carência de participação de mulheres de origens diferentes (mesmo dentro da cultura ocidental), e de camadas economicamente mais baixas8. As autoras questionam ainda a aplicabilidade de teorias criadas na Viena vitoriana para as mulheres do século XX, em um contexto posterior aos avanços conquistados pelas suffragettes. Friedan utiliza relatos da biografia escrita por Ernest

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Durante a década de 1970, Nova/Cosmopolitan publicou a sessão fixa O sofá do analista, com o “Dr. Renato Hartogs” respondendo a cartas de leitoras. 8 Curiosamente, críticas similares foram feitas à Mística Feminina, que manteve foco em donas-de-casa de classe média nos EUA. Além disso, assim como Freud, Friedan também apresenta traços de preconceitos correntes de seu tempo, por exemplo ao problematizar “filhos ilegítimos” (p. 312) e no que diz respeito a homossexualidade (p. 237-239). Todo autor é um ser humano que cresceu e vive, no momento da escrita, em determinada(s) cultura(s), tornando impossível afastar-se completamente da posição ideológica em que ele se inscreve.

15 Jones que revelam, entre outras questões, o que Freud esperava das mulheres – por meio das cartas que trocava com Martha Bernays durante o noivado. Este é considerado, de modo geral, um observador minucioso e perspicaz de importantes problemas da personalidade humana. Mas, ao descrever e interpretar esses problemas, continuou prisioneiro de sua própria cultura. Embora criasse uma nova estrutura para a nossa, não podia fugir a que êle próprio havia recebido. (FRIEDAN, 1971, p. 93)

Para Friedan, ao representar a mulher de maneira conservadora os veículos de comunicação aparecem como agentes de manutenção e propagação da mística feminina. O caso do relatório Kinsey é um exemplo emblemático da atitude da mídia perante a conquista de espaços públicos pelas mulheres. Divulgada antes de ser concluída, a pesquisa a princípio indicava que mulheres com nível de escolaridade mais elevado teriam menos chances de atingir orgasmo do que mulheres com níveis mais baixos. “Mil vezes mastigado foi o horrendo fato de que 50 e 85% das universitárias entrevistadas jamais haviam sentido o orgasmo sexual, e menos de um quinto das ginasianas registravam o mesmo problema” (FRIEDAN, 1971, p. 169). Quase uma década transcorreu antes que fosse publicado o relatório Kinsey completo sobre a mulher, contradizendo totalmente as primeiras descobertas. (...) Contudo, a mística, alimentada pelos primeiros dados incorretos, não foi facilmente corrigido. (...) Qualquer estudo sugerindo que a mãe que trabalha fora era responsável pela delinquência juvenil, problemas escolares e perturbações emocionais partia direto para as manchetes. (FRIEDAN, 1971, p. 169-170)

Sendo assim, a mídia seria chave na promoção da reforma da imagem da mulher, caso mudasse sua linha editorial. Não obstante, Friedan propõe uma transformação através da atuação de profissionais de diversas áreas da sociedade:

Precisamos de uma drástica reformulação da imagem cultural da feminilidade, que permita à mulher alcançar a verdadeira maturidade, a plenitude pessoal, sem conflitos e com realização sexual. Uma tentativa em massa precisa ser feita por pais, educadores, ministros, editores de revistas, psicólogos, orientadores, a fim de deter os casamentos prematuros, impedir as jovens de desejarem ser «apenas donas de casa». Deter insistindo em que pais e educadores concedam desde a infância às meninas a mesma atenção que aos meninos, a fim de que também elas desenvolvam os recursos de personalidade, vontade e os objetivos que lhes permitam descobrir a própria identidade. (FRIEDAN, 1971, p. 312)

No Brasil, o primeiro impresso voltado para o público feminino foi o Espelho Diamantino, de 18279. Segundo Buitoni (1981 apud Cabral, 2008), no século XIX, os periódicos destinados às mulheres se dividiam em: tradicionais, que incentivavam as 9

Segundo Cabral (2008), o Lady’s Mercury é o primeiro periódico feminino que se tem registro, lançado em 1693 na Grã-Bretanha, quando no Brasil não havia sequer imprensa.

16 virtudes dóceis femininas, lar, filhos, casamento; e feministas, que incentivavam a emancipação e defendiam os direitos da mulher. O surgimento da imprensa feminina no Brasil respondeu a uma necessidade da burguesia de elevar o nível das mulheres de sociedade e à necessidade das mulheres de exprimirem suas queixas e reivindicações. Logo, os movimentos feministas se apropriaram desses mesmos canais. (CABRAL, 2008, p. 5)

Além do atraso tecnológico em relação a Europa e Estados Unidos, considerar a sucessão de regimes autoritários é pertinente para a compreensão da evolução da história das brasileiras. Os direitos das mulheres chegaram um pouco mais tarde no país devido à conjuntura nacional. As mulheres no Brasil só conseguiram exercer efetivamente direito de voto para eleições presidenciais em 1945, por exemplo, com o fim da Ditadura do Estado Novo10. Ademais, segundo Beauvoir, “Os países latinos (...) oprimem a mulher pelo rigor dos costumes mais do que pelo rigor das leis” (BEAUVOIR, 1980, p. 164). Durante a segunda onda feminista, foi estabelecida a ditadura militar no Brasil através do golpe de 1964, o que prejudicou o avanço dos movimentos sociais. Como afirma Ana Arruda Callado 11, considerada a primeira mulher chefe de reportagem de um jornal brasileiro, em 1966: “A ditadura retardou todos os processos de modernização do país. Eles [militares] ficam falando das estradas que fizeram, das hidrelétricas. Mas foram 20 anos de atraso.” O autoritarismo interferiu fortemente na estrutura e na receptividade dos movimentos feministas no país, principalmente a partir da implantação do Ato Institucional nº 5 (dezembro de 1968). O feminismo no Brasil não teve uma grande aceitação, nem do regime militar nem da esquerda. Muitas mulheres e homens tinham uma idéia deturpada sobre o feminismo, e acreditavam que era um movimento separatista, diante da luta política pela conquista da democracia. (ZUCCO, 2005, p. 7)

A imprensa voltada para o público feminino (em referência à imprensa não feminista), assim como em outros países, publicava temas ligados a literatura, culinária, moda, e contos românticos. Ao abordar assuntos gerais, ligados à política, por exemplo, o fazia de forma superficial, com foco na educação da mulher com objetivo de torná-la capaz de cumprir melhor suas tarefas, ora de mãe ou esposa, ora de professora ou enfermeira.

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Sobre o feminismo no Brasil na primeira metade do século XX, ver Soihet, 1998. Declaração concedida em entrevista, no dia 11 de janeiro de 2013.

17 Na década de 1950 (...) o público feminino foi “bombardeado” com as revistas de fotonovelas, que além de histórias românticas fotografadas nada mais traziam em termos de conteúdo jornalístico para oferecer ao seu público leitor. Não havia, por parte destas publicações, qualquer preocupação em pensar, discutir ou apontar questões relativas à sociedade da época que começava a dar ares de mudanças. (BAPTISTA; ABREU, 2010, p. 17)

Tais publicações preteriam temas relacionados à política, ciência e economia; não obstante, ganhavam espaço no mercado: Especialmente no período (...) – 1945-1964 – as revistas são uma importante fonte de informação e referência para as mulheres, principalmente leitoras de classe média. As revistas femininas penetram no espaço doméstico e procuram atuar como guias de ação, conselheiras persuasivas, companheiras de lazer ou alienação. (BASSANEZI, 1993, p. 112)

Essa realidade destacada por Bassanezi se estende aos anos 1970, em processo natural de transição evolutiva das mídias (do impresso para o rádio, para a TV, para a internet – a mídia anterior perdendo público e se reformulando até encontrar seu espaço para coexistência com as novas tecnologias). Segundo Zucco (2005) e Bassanezi (1993), a jornalista Carmem da Silva é apontada como uma das precursoras do feminismo da segunda onda no Brasil. No entanto, entre as revistas femininas brasileiras, “é uma voz isolada e única” (BASSANEZI, 1993, p. 136) em meio a outras mais conservadoras12. Em seus textos, “é possível observar seu contato com a obra de Betty Friedan” (ZUCCO, 2005, p. 8). Ainda assim, a segunda onda feminista chega ao Brasil:

Uma confluência de fatores contribuiu para a eclosão do feminismo brasileiro na década de 1970. Em 1975, a ONU declara o Ano Internacional da Mulher, pelo impacto que já se fazia sentir do feminismo europeu e norte-americano, favorecendo a discussão da condição feminina no cenário internacional. Essas circunstâncias se somavam às mudanças efetivas na situação da mulher no Brasil a partir dos anos 1960, propiciadas pela modernização por que vinha passando o país (...), pondo em questão a tradicional hierarquia de gênero. Ao mesmo tempo, esse processo desenrolou-se no amargo contexto das ditaduras latinoamericanas, que calavam vozes discordantes. O feminismo militante no Brasil, que começou a aparecer nas ruas, dando visibilidade à questão da mulher, surge, naquele momento, sobretudo, como conseqüência da resistência das mulheres à ditadura, depois da derrota das que acreditaram na luta armada e com o sentido de elaborar política e pessoalmente essa derrota. (SARTI, 2004, s/p.)

Como consequência do contexto descrito, temas considerados polêmicos como a sexualidade feminina passavam a ser pautados cada vez mais na sociedade, através da arte, mídia, e em manifestações. A Editora Abril S.A. percebeu nessa tendência uma demanda, e, 12

Carmem da Silva escrevia para a revista Claudia desde 1963.

18 logo, uma lacuna editorial. Assim, lançou Nova/Cosmopolitan13 no Brasil em setembro de 1973 - parte da Rede Cosmopolitan14, tendo como público-alvo mulheres de cerca de 14 a 30 anos de idade15. A revista Cosmopolitan ficou conhecida após o trabalho de Helen Gurley Brown, autora do livro Sex and the Single Girl, publicado em 1962. Brown se tornou editora chefe da revista em 1965 e, segundo Nova/Cosmopolitan, “conquistou um público de milhões de mulheres, dizendo para elas duas coisas muito simples. Primeiro: Você também pode. Você também pode ser mais feliz, mais bonita, mais realizada, mais... Segundo: Eu quero é ser útil a todas vocês” (1973, p. 4). Alessandro Porro assina o editorial da primeira edição de Nova/Cosmopolitan, com o título “O Nosso Novo Mundo”. Nele, conta os comentários que ouviu durante o processo de construção da primeira edição em relação ao lançamento de uma revista feminina. Houve quem a confundisse com uma versão feminina da revista Playboy16, ou com uma revista de um “Movimento de Libertação da Mulher Brasileira”. A resposta de Porro foi: “E os homens nus? Jardel Filho (...) está de barba e agasalhado: mas o que ele diz deixa de rosto aceso qualquer um. Brados do MLF, sinto muito, não há” (1973, p. 4). Segundo Nova/Cosmopolitan, Ela nasceu da necessidade de oferecer à mulher brasileira uma companheira útil e atualizada para permitir-lhe o ingresso no fechadíssimo clube das cabeças que pensam, julgam e decidem. Até ontem, este clube estava reservado aos homens, e somente a eles. Hoje, com NOVA, estamos pretendendo fornecer-lhe a chave deste clube. (1973, p. 4)

Apesar de assinar o primeiro editorial, Porro não continua na revista, e assim explica a transferência do cargo para Fatima Ali: “Só uma mulher poderia ter inventado um programa ao mesmo tempo tão simples e tão revolucionário [refere-se a Helen Gurley Brown]. E somente uma mulher poderia continuá-lo aqui. É por isso que a partir do próximo mês Fatima Ali vai me substituir na chefia da equipe de NOVA. Eis outro exemplo de mulher que parece pequena e frágil, mas que sabe muito bem o que quer e como obtê-lo” (1973, p. 4). Durante o período analisado (1973-1979) a revista teve por conteúdo básico a publicação de artigos, testes, reportagens, contos, crônicas, horóscopo, dicas de filmes, livros 13

A escolha do título se deu devido a uma pesquisa de mercado que indicou maior aceitação por um nome em português (LAMOUNIER, 2006), por isso a dupla nomeação: Nova/Cosmopolitan. Não se pode afirmar se é ou não uma referência à Nova Mulher dos contos de 1939 citada por Friedan (1971). Mas o resgate dessa palavra, querendo ou não fazer referência a esse sentido, é no mínimo curioso. 14 Sob permissão de The Hearst Cosporation, Nova Yorque, EUA. 15 Esta informação sobre a idade do público-alvo da revista se baseia no critério de seleção de respostas ao questionário usado na pesquisa publicada no artigo “Mulher e sexo: o que mudou nos anos 70” (1979). 16 Revista de entretenimento erótico voltada para o público masculino lançada em 1953.

19 e discos, e respostas a cartas de leitoras, além do editorial. Os temas fixos da revista eram comportamento, “consultório sentimental” – intitulado por Nova/Cosmopolitan: “Sofá do analista” (1973) ou “Divã do analista” (1979) –, decoração, culinária, saúde, viagens, moda e beleza – estas se desdobravam em uma sessão com dicas de produtos de beleza, roupas e acessórios, com uma lista dos endereços das lojas onde as leitoras poderiam adquirir os produtos indicados –, e uma sessão de, em média, duas páginas intitulada “Nova conta tudo” com textos curtos e variados, comentários, sobre acontecimentos na política, moda, artes e notícias sobre celebridades, para, segundo Nova/Cosmopolitan, “deixar você em dia com tudo o que está acontecendo” (nov. 1979, p. 4). A revista Nova/Cosmopolitan foi inovadora no Brasil ao abordar o tema sexo, explicitamente indicado pela marca sexo no título do texto, em praticamente todas as suas edições, e usando termos que até então não eram muito presentes nas revistas femininas, como “orgasmo” e “masturbação”. O tema aparece em diversos espaços na revista: artigo, depoimento, reportagem, charge, etc. Porém, a partir de uma primeira análise superficial, percebemos que nos artigos o tema é apresentado em sua forma mais pedagógica, dentre os outros formatos de texto da revista. Assim, o discurso sobre sexo presente nos artigos de Nova/Cosmopolitan foi escolhido para objeto de análise, por representar uma ruptura no dizer sobre sexo para a mulher (LAMOUNIER, 2006).

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CAPÍTULO III ANÁLISE DE DISCURSO Análise de Discurso é uma disciplina desenvolvida na França, no final da década de 1960, pelo filosofo Michel Pêcheux, e que toma por objetivo estudar o discurso. Uma vez que este não é entendido como um texto ou enunciado pontual (com começo, meio e fim), seria “(...) impossível analisar um discurso como um texto, isto é, como uma sequência linguística fechada sobre si mesma, (...) é necessário referi-lo ao conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido das condições de produção” (PÊCHEUX, 1997a, p. 79). Para a Análise de Discurso, Não há essa relação linear entre enunciador e destinatário. Ambos estão sempre já tocados pelo simbólico. Tampouco a língua é apenas um código no qual se pautaria a mensagem que seria assim transmitida de um a outro. Não há, além disso, esta transmissão: há efeitos de sentidos entre locutores. Efeitos que resultam da relação de sujeitos simbólicos que participam do discurso. Dentro de circunstâncias dadas. (ORLANDI, 2006, p. 14-15)

Assim, a Análise de Discurso propõe um deslocamento em relação à concepção comunicacional de linguagem, pois, como afirma Orlandi, “os sentidos não estão só nas palavras, nos textos, mas na relação com a exterioridade, nas condições em que eles são produzidos e que não dependem só das intenções dos sujeitos” (2001, p. 30). Nesse sentido, a Análise de Discurso,

(...) se propõe construir escutas que permitam levar em conta esses efeitos e explicitar a relação com esse “saber” que não se aprende, não se ensina mas que produz seus efeitos. Essa nova prática de leitura, que é a discursiva, consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não-dito naquilo que é dito, como uma presença de uma ausência necessária. Isso porque (...) só uma parte do dizível é acessível ao sujeito pois mesmo o que ele não diz (e que muitas vezes ele desconhece) significa em suas palavras. (ORLANDI, 2001, p. 34)

Além de uma teoria que pensa o discurso, a Análise de Discurso é um método usado para analisar os discursos, como o próprio nome sugere, com objetivo de entender seus funcionamentos e depreender os sentidos que ali são construídos e reproduzidos, e suas relações com a história. Seus procedimentos têm foco na noção de funcionamento da linguagem, observando “os processos e mecanismos de constituição de sentidos e de sujeitos” (ORLANDI, 2001, p. 77). Ela é, assim, trabalhada como fundamentação teórica e metodológica.

21 Como assevera Santos (2004), os procedimentos metodológicos em Análise do Discurso podem ser pensados em duas instâncias. Uma macro-instância, a partir da qual situamos o discurso em sua conjuntura, buscando compreender suas condições de produção, ou seja, os aspectos históricos, sociais e ideológicos que determinam a produção do discurso; e também o lugar dos sujeitos na história, a situação enunciativa e os sentidos produzidos nesse conjunto. E uma micro-instância, na qual se focaliza o interior de uma formação discursiva, apreendem-se suas regularidades, opera-se a análise por meio de recortes das sequências linguístico-discursivas, ou de enunciados; busca-se apreender a heterogeneidade, a polifonia, etc. Ressaltamos, porém que essas instâncias são inseparáveis (...) Há um constante movimento de ir e vir da materialidade linguística, objeto aos nossos olhos, à sua exterioridade histórica, social e ideológica, espaço de produção e movência dos discursos e dos sentidos. (FERNANDES, 2008, p. 70-71)

Da perspectiva da Análise de Discurso entende-se que o dizer de um modo geral e as produções midiáticas, mais especificamente, não possuem apenas um componente linguístico, mas produzem os seus sentidos segundo condições – as supracitadas condições de produção, que, de acordo com Orlandi (2001), compreendem os sujeitos e a situação, as circunstâncias da enunciação (contexto imediato) e o contexto sócio-histórico, ideológico. Assim, a inserção dos indivíduos em certo tempo na história, cultura e sociedade, influencia no dizer. “O sentido é assim uma relação determinada do sujeito – afetado pela língua – com a história. É o gesto de interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos” (ORLANDI, 2001, p. 47). Para que os sentidos se produzam, para que “a língua faça sentido, é preciso que a história intervenha, pelo equívoco, pela opacidade, pela espessura material do significante.” (ORLANDI, 2001, p. 47). Ou seja, é preciso que um saber sobre as palavras e os dizeres formulados pelos sujeitos já existam, que os sentidos se remetam ao já dito, através do interdiscurso. Como afirma Orlandi, retomando o analista de discurso francês Courtine: O interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. Para que minhas palavras façam sentido é preciso que elas já façam sentido. E isto é efeito do interdiscurso: é preciso que o que foi dito por um sujeito específico, em um momento particular se apague na memória para que, passando para o “anonimato”, possa fazer sentido em “minhas” palavras. No interdiscurso, diz Courtine (1984), fala uma voz sem nome. (ORLANDI, 2001, p. 33-34)

Segundo Orlandi, o interdiscurso abrange todo o já dito, e funciona, assim, como uma memória do dizer. De acordo com Pêcheux, a “memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos (...)) de que sua leitura necessita” (1999, p. 52). Por pré-construído entende-se, na Análise de Discurso, um saber cristalizado, o que parece óbvio, claro – ele é da ordem da memória porque é através dele que a memória discursiva se apresenta. Pré-construído é “o já-dito que está na base do

22 dizível, sustentando cada tomada de palavra” (ORLANDI, 2001, p. 31). Entende-se, desta perspectiva teórica, que nos discursos atuam relações de sentido, por meio das quais um dizer está sempre retomando – seja para reafirmar ou para propor deslocamentos – sentidos já-ditos, se inscrevendo na memória discursiva. Outra relação importante para se pensar nos discursos são as relações de forças. Parte-se do princípio de que “o lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz.” (ORLANDI, 2001, p. 39). Logo, o dizer também sofre influência da posição ocupada pelos sujeitos – a qual não é necessariamente idêntica ao lugar que os indivíduos ocupam na sociedade. O que interessa à Análise de Discurso são as posições discursivas: “não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos como tal, isto é, como estão inscritos na sociedade, e que poderiam ser sociologicamente descritos, que funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projeções” (ORLANDI, 2001, p. 40). Para a análise das relações de força e das suas projeções no discurso, a Análise de Discurso propõe a noção de formações imaginárias. Propostas por Pêcheux, as formações imaginárias compreendem as imagens que os sujeitos fazem de si mesmos, do outro com quem falam, e do objeto do discurso, pensadas de forma atrelada às relações de força presentes na sociedade. É a capacidade do sujeito de colocar-se no lugar do outro e testar, projetar os sentidos que suas palavras podem produzir. Como afirma Pêcheux: “Isso implica que o orador experimente de certa maneira o lugar de ouvinte a partir de seu próprio lugar de orador: sua habilidade de imaginar, de preceder o ouvinte é, às vezes, decisiva se ele sabe prever, em tempo hábil, onde este ouvinte o ‘espera’” (1997a, p. 77). Representando a posição do orador por A, e a do ouvinte por B, Pêcheux (1997a) designa o jogo das formações imaginárias da seguinte maneira 17: Pensando a imagem do lugar de A para o próprio sujeito A: “Quem sou eu para lhe falar assim?”; a imagem do lugar de B para o sujeito A: “Quem é ele para que eu lhe fale assim?”; a imagem do lugar de A para o sujeito B: “Quem é ele para que me fale assim?”; e a imagem do lugar de B para o próprio sujeito B: “Quem sou eu para que ele me fale assim?”.

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Ver esquemas construídos por Pêcheux (1997), p. 83-84.

23 Ainda segundo Pêcheux (1997a), a imagem que os “protagonistas do discurso” fazem do referente – que não se trata da realidade física do objeto, mas de um objeto imaginário, do ponto de vista do sujeito – também pertence às condições de produção do discurso. Dessa forma: o “ponto de vista” de A sobre o referente, “De que lhe falo assim?”; e o “ponto de vista” de B sobre o referente, “De que ele me fala assim?” integram igualmente as formações imaginárias projetadas no dizer. Para Orlandi, o jogo de antecipações se torna mais complexo ao considerar “a imagem que o locutor faz da imagem que seu interlocutor faz dele, a imagem que o interlocutor faz da imagem que ele faz do objeto do discurso e assim por diante” (2001, p. 40). Segundo Mariani (1998), o discurso jornalístico – o discurso da revista Nova/Cosmopolitan incluso, por ser parte da imprensa, onde trabalham sujeitos jornalistas – configura uma modalidade de discurso sobre.

Os discursos sobre são discursos que atuam na institucionalização dos sentidos, portanto, no efeito de linearidade e homogeneidade da memória. Os discursos sobre são discursos intermediários, pois o falar sobre um discurso de (‘discurso-origem’), situam-se entre este e o interlocutor, qualquer que seja. De modo geral, representam lugares de autoridade em que se efetua algum tipo de transmissão de conhecimento, já que o falar sobre transita na co-relação entre o narrar/descrever um acontecimento singular, estabelecendo sua relação com um campo de saberes já reconhecido pelo interlocutor. (MARIANI, 1998, p. 60)

Assim, o discurso jornalístico fala a partir de uma posição de autoridade, que compõe parte de sua formação imaginária. Além disso, os sujeitos vão se constituindo através de dizeres, que por sua vez estão sempre relacionados a outros dizeres anteriores ou contemporâneos: (...) é porque há o outro nas sociedades e na história, correspondente a esse outro próprio ao linguajeiro discursivo, que aí pode haver ligação, identificação ou transferência, isto é, existência de uma relação abrindo a possibilidade de interpretar. E é porque há essa ligação que as filiações históricas podem-se organizar em memórias, e as relações sociais em redes de significantes. (PÊCHEUX, 1990, p. 54)

Ao ocupar uma posição sujeito ou outra, a partir da qual interpreta, o sujeito o faz por filiação a uma ou outra formação discursiva. Segundo Pêcheux, formação discursiva é “aquilo que numa formação ideológica dada, (...) determina o que pode e deve ser dito” (1997b, p. 160). Quer dizer, o que pode ser dito por alguém dentro de um limite temporal, em um dado contexto histórico, a partir de uma posição, uma situação dada. Isto posto,

24 sabe-se que grupos sociais diferentes podem entender a mesma expressão, enunciado, ou palavra de formas diferentes, o que permite a compreensão de que os sentidos não estão nas palavras e não são decorrentes somente do linguístico, como afirma Pêcheux:

(...) se uma mesma palavra, uma mesma expressão e uma mesma proposição podem receber sentidos diferentes – todos igualmente “evidentes” – conforme se refiram a esta ou aquela formação discursiva, é porque (...) uma palavra, uma expressão ou uma proposição não tem um sentido que lhe seria “próprio”, vinculado a sua literalidade. Ao contrário, seu sentido se constitui em cada formação discursiva, nas relações que tais palavras, expressões ou proposições mantêm com outras palavras, expressões ou proposições da mesma formação discursiva. (PÊCHEUX, 1997b, p. 161)

Desse modo, pela Análise de Discurso, entende-se que os discursos são formulados a partir: 1. de sua materialidade (suporte, língua sujeita a equívocos); 2. do que é institucional (formação social, história); e 3. do mecanismo imaginário que marca no dizer os sujeitos e as suas projeções (formações imaginárias). Dizer que o discurso é construído com base em determinadas condições de produção não significa que o dizer seja imobilizado por elas. O dizer e, consequentemente, os sentidos não são congelados, afinal: “Se o real da língua não fosse sujeito a falha e o real da história não fosse passível de ruptura não haveria transformação, não haveria movimento possível, nem dos sujeitos, nem dos sentidos” (ORLANDI, 2001, p. 37). Assim,

(...) todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro (...) Todo enunciado, toda sequência de enunciados é, pois, linguisticamente descritível como uma série (léxico-sintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar a interpretação. (PÊCHEUX, 1990, p. 53)

O funcionamento do discurso pauta-se, desse modo, pelos mecanismos de paráfrase, que consiste no “retorno aos mesmos espaços do dizer”, e polissemia, que possibilita “deslocamento, ruptura de processos de significação” (ORLANDI, 2001, p. 36). Nos termos de Orlandi:

Essas são duas forças que trabalham continuamente o dizer, de tal modo que todo discurso se faz nessa tensão: entre o mesmo e o diferente. Se toda vez que falamos, ao tomar a palavra, produzimos uma mexida na rede de filiação dos sentidos, no entanto, falamos com palavras já ditas. E é nesse jogo entre paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o diferente, entre o já-dito e o a se dizer que os sujeitos e os sentidos se movimentam, fazem seus percursos, (se) significam. (ORLANDI, 2001, p. 36)

Os sentidos se constituem também através da ideologia – o que, para Análise de Discurso, é o mecanismo de produção de evidências do sujeito e do sentido. Como afirma

25 Orlandi, o “trabalho ideológico é um trabalho da memória e do esquecimento pois é só quando passa para o anonimato que o dizer produz seu efeito de literalidade, a impressão do sentido lá” (2001, p. 49). A Análise de Discurso propõe a sua noção de ideologia a partir da releitura que o filósofo Althusser faz de Marx. De acordo com Pêcheux, É a ideologia que fornece as evidências pelas quais “todo mundo sabe” o que é um soldado, um operário, um patrão (...) evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado “queiram dizer o que realmente dizem” e que mascaram, assim, sob a “transparência da linguagem”, aquilo que chamaremos o caráter material do sentido das palavras e dos enunciados. (PÊCHEUX, 1997b, p. 160)

Assim, entende-se que é a ideologia que leva os sujeitos a interpretar todos os sinais ao seu redor, sem a percepção desse ato de interpretar – que é negado pelos sujeitos, como se o sentido fosse transparente e sempre estivesse ali, claramente posto. Não obstante, “a ideologia não é ocultação mas função da relação necessária entre linguagem e mundo” (ORLANDI, 2001, p. 47). A condição mesmo de sujeito é um produto da interpelação ideológica, uma vez que as relações com a exterioridade são feitas pela linguagem. Por esse mecanismo – ideológico – de apagamento da interpretação, há transposições de formas materiais em outras, construindo-se transparências – como se a linguagem e a história não tivessem sua espessura, sua opacidade – para serem interpretadas por determinações históricas que se apresentam como imutáveis, naturalizadas. (ORLANDI, 2001, p. 46)

Pelo efeito da ideologia, as formações discursivas dissimulam sua dependência do interdiscurso. Quer dizer, (...) que o próprio de toda formação discursiva é dissimular, na transparência do sentido que nela se forma, a objetividade material contraditória do interdiscurso, que determina essa formação discursiva como tal, objetividade material essa que reside no fato de que “algo fala” (ça parle) sempre “antes, em outro lugar e independentemente” (PÊCHEUX, 1997b, p. 162)

Segundo Orlandi, os “sentidos não estão nas palavras elas mesmas. Estão aquém e além delas.” (2001, p. 42) – estão no que poderia ter sido dito, mas não foi, e no que poderia ter sido dito de outra maneira, com outras palavras. Ou seja, os sentidos também se encontram no não-dito, no implícito, no subentendido, nos deslocamentos. A relevância do não-dito se dá pela ideia de que um dizer “tem relação com outros dizeres realizados,

26 imaginados ou possíveis” (ORLANDI, 2001, p. 39), pela relação que todo dizer mantém com o interdiscurso, enquanto memória discursiva. “A questão é saber onde residem esses famosos implícitos, que estão ‘ausentes por sua presença’ na leitura da sequência” (PÊCHEUX, 1999, p. 52). No momento da análise, “partimos do dizer, de suas condições e da relação com a memória, com o saber discursivo para delinearmos as margens do não-dito que faz os contornos do dito significativamente. Não é tudo que não foi dito, é só o não dito relevante para aquela situação significativa” (ORLANDI, 2001, p. 83), e dessa forma entender o processo discursivo. Como explica Pêcheux, a expressão processo discursivo designa “o sistema de relações de substituição, paráfrases, sinonímias, etc., que funcionam entre elementos linguísticos – ‘significantes’ – em uma formação discursiva dada” (1997b, p. 161). O papel do analista de discurso é justamente compreender os modos como os sentidos se constituem, ou seja, chegar ao funcionamento do processo discursivo. A análise se faz num primeiro momento com a seleção do corpus, e do recorte das sequências discursivas, o que já constitui em si um gesto de análise. Então, parte-se para a análise sob a luz da teoria, ou seja, considerando as condições de produção do discurso, a relação entre o dito e o não-dito, a produção de evidências de sentido, em consequência da ideologia. O analista busca chegar ao funcionamento do processo discursivo, ao modo como se constituem os efeitos de sentido que se apresentam a partir de uma materialidade textual. Assim, remete o texto a um discurso que “se explicita em suas regularidades pela sua referência a uma ou outra formação discursiva” (ORLANDI, 2001, p. 63), pelas marcas, que já se encontram desde o princípio no material analisado. No caso da análise do discurso sobre sexo da revista Nova/Cosmopolitan, na década de 1970, o dispositivo de análise será constituído pelas noções teóricometodológicas de discurso, condições de produção, formações imaginárias, memória como interdiscurso, e formações discursivas. O modo como foi constituído o corpus de análise será explicitado na próxima seção, no capítulo dedicado às análises. Considerando o exposto, e a premissa de que “a relação com a linguagem não é jamais inocente, não é uma relação com as evidências e poderá se situar face à articulação do simbólico com o político” (ORLANDI, 2001, p. 95), resta seguir para a análise.

27 CAPÍTULO IV O DISCURSO SOBRE SEXO E O LUGAR DA REVISTA NOVA

A imprensa trabalha na constituição da memória social, registra acontecimentos e os significa (MARIANI, 1998). As revistas femininas, em geral, se propõem a pautar temas que seriam pertinentes ao sexo feminino, definindo, assim, um lugar da mulher e se dirigindo para um público feminino. Segundo Bassanezi,

Na primeira metade dos anos 60, a ênfase no prazer sexual/sentimental feminino ameaça as bases da dupla moral para os sexos e da dominação masculina na hierarquia de gênero. São abalados vários dos tradicionais pilares que sustentam o controle da sexualidade feminina, as distinções “naturais” entre feminino e masculino e as exigências, atribuições e expectativas que compõem o relacionamento homem-mulher. (BASSANEZI, 1993, p. 143)

Como dito anteriormente, um apelo erótico mais explícito na mídia e a pressão de movimentos sociais feministas estimularam a demanda por publicações dedicadas ao público feminino que falassem sobre a sexualidade da mulher, para a mulher. Na análise, pretendemos desdobrar o percurso dos efeitos de sentido sobre sexo para a mulher, segundo a revista Nova/Cosmopolitan (doravante Nova) a concebe. O conteúdo publicado em veículos impressos de comunicação, como jornais e revistas, sofre interferência típica dos próprios procedimentos do funcionamento do jornalismo, com uma linha editorial a ser seguida. Retomando o que foi exposto no capítulo anterior, quem fala no discurso não são os indivíduos a partir de seus lugares empíricos na sociedade, mas os sujeitos a partir de posições determinadas ideologicamente, que se marcam no discurso por meio de formações imaginárias (ORLANDI, 2001). Partindo dessas premissas, se pode depreender que não interessa referir-se aos indivíduos que assinam os artigos da revista como interlocutores, pois quem fala no discurso é sempre a posição sujeito da revista Nova. Para constituição do corpus de análise foi selecionado um artigo da revista Nova por ano – de 1973 a 1979 – todos com a temática principal ligada a sexo, explicitada pela marca sexo no título e sua discussão ao longo do texto: “Segredos da sexualidade masculina” (1973), “Ninfomania – O mito da mulher que não pode passar sem sexo” (1974), “’Eu quero’ - duas palavras importantes para o prazer sexual” (1975), “Sexo: prazer ou obrigação?” (1976), “Sexo: pouca gente é tão liberada quanto pensa” (1977), “Quanto tempo pode durar o interesse sexual dele por você?” (1978), “Mulher e sexo: o

28 que mudou nos anos 70” (1979). Estes foram escolhidos com o objetivo de trazer o máximo de variedade de assuntos dentro do tema principal. Os artigos são assinados por jornalistas colaboradoras da revista Nova, exceto “Segredos da sexualidade masculina” (1979), assinado por um homem, Dr. David Reuben, “especialista em sexo” (1973, p. 69), e “Mulher e sexo: o que mudou nos anos 70” (1979), que não é creditado a uma pessoa específica. Este apresenta dados de uma pesquisa feita em 1978 através de um questionário sobre o “comportamento sexual de homens e mulheres” publicado nos fascículos Amar da Editora Abril. A partir das cerca de três mil respostas enviadas por leitores, foram selecionadas pela revista 450 respostas de mulheres entre 14 e 30 anos18. Todos os artigos que compõem o corpus de análise foram escritos em primeira pessoa, e se utilizam de estatísticas, afirmações tiradas de livros de “especialistas” (por vezes apontados como “terapeutas” ou “psiquiatras”), e depoimentos de mulheres entrevistadas19, às vezes depoimentos que seriam das próprias autoras, ou de seus conhecidos. Outro recurso são as pequenas narrativas, histórias cujos personagens por vezes não são sequer denominados, e que podem ser usadas para projetar, imaginariamente, a reação, o pensamento, ou a atitude que a leitora, a entrevistada ou as mulheres em geral teriam em determinada situação – baseada na formação imaginária que a revista Nova faz de sua leitora –, o que pode levar à criação de um efeito de identificação. Este é o caso da sequência discursiva (doravante SD) a seguir, que pertence à narrativa que abre o artigo “’Eu quero’ – Duas palavras importantes para o prazer sexual” (1975): SD 1: “Em silêncio, cada um se vira para o seu lado. Pouco a pouco, os corpos se aproximam, como ‘por acaso’. E, ‘por acaso’, pode ser que terminem fazendo amor. Depois, de novo cada um para o seu lado, um quê de insatisfação. Talvez ela arrisque um olhar disfarçado, ‘só pra ver como ele está reagindo’. E ele, inquieto, dê um sorriso insosso, fazendo de conta que está tudo bem.” (1975, p. 47)20

18

Segundo dados da revista, das mulheres que responderam ao questionário, há 73% solteiras, 26% casadas ou amigadas e 1% separadas ou desquitadas. 44% moram na Grande São Paulo, 28% no Grande Rio. 67% trabalham fora, 47% tem o “curso colegial” completo, 9% completaram o 3º grau. Dentre as solteiras e casadas, 65% declararam já ter mantido relações sexuais. 19 Essas mulheres entrevistadas aparecem apenas com o primeiro nome, ou nome fictício. Nem sempre a revista sente necessidade de explicar quem são, colocando simplesmente um nome próprio, como “Magali” (1974, p. 60) ou “Uma cliente de um amigo meu, psiquiatra (...)” (1975, p. 48). O motivo não chega a ser explicitamente apresentado nos artigos analisados, mas, em se tratando de sexo, existe a ideia de que a identidade das personagens pode se manter oculta para evitar constrangimentos, sem prejudicar a credibilidade do texto. 20 As marcas em negrito são grifo nosso.

29 A SD 1 mostra o aspecto principal da formação imaginária que Nova constitui para sua leitora: ela está insatisfeita sexualmente (como está expresso em “um quê de insatisfação”). Como dito anteriormente, as formações imaginárias são projeções feitas pelos sujeitos no discurso. Estas projeções fazem parte das condições de produção do discurso, são constitutivas do dizer. Logo, entender a formação imaginária que Nova faz dessa mulher, sujeito a quem direciona o seu dizer, é primordial para compreender o processo discursivo em questão. Nos artigos, são apresentados possíveis fatores dessa “insatisfação”, e para cada fator, uma solução. SD 2: “(...) alguma coisa serve como bloqueio: ou você tem medo da reação dele, ou nem conhece suas próprias preferências (o que é comum).” (1975, p. 47) A SD 2 expressa duas razões da “insatisfação” que a revista atribui para a leitora: medo da rejeição – que implica em preocupação com o julgamento alheio, no caso, do homem (expressa em “medo da reação dele”); e o fato de a leitora não conhecer seu próprio corpo e sexualidade (“nem conhece suas próprias preferências”). Essa mesma formação imaginária marcada pelo medo aparece de três formas diferentes nos artigos analisados: medo da rejeição do homem, do que o homem ou a sociedade vai pensar dela, e de ser trocada por outra mulher – o que se expressa pelas marcas “medo de ser rejeitada”, “Pior ainda: ‘E se eu parecer imoral?’” e “’senão ele arruma outra’”, nas SDs a seguir: SD 3: “Muitos outros medos precisam ser superados antes que cheguem a isso. Entre eles, o medo de ser rejeitada. ‘E se eu disser e ele se recusar?’ Pior ainda: ‘E se eu parecer imoral?’” (1975, p. 47) SD 4: “Eunice fingia que estava dormindo, mas nem sempre dava para fingir. Ela terminava ‘cedendo’ aos apelos do marido, ‘senão ele arruma outra’.” (1976, p. 63) Pela Análise de Discurso, sabe-se que todo dizer se relaciona a um já-dito, a uma memória discursiva – que, por sua vez, é lacunar e pode sofrer apagamentos (PÊCHEUX, 1999) –, esta formação imaginária que a revista faz da mulher como quem está preocupada com sua imagem perante o homem e a sociedade, sob a vigilância do outro, traz uma memória da mulher da mística feminina, de Friedan (1971), que “só pode encontrar realização na passividade sexual, no domínio do macho, na criação dos filhos, e no amor materno” (FRIEDAN, 1971, p. 40). A formação imaginária de mulher projetada pela revista para a sua leitora seria aquela que tem medo do julgamento do outro, que por sua vez, segundo a formação imaginária da mística feminina que ela deveria seguir, a domina.

30 Outra característica da formação imaginária da leitora, que se constitui na revista, é a da mulher que não sabe o que a estimula sexualmente, uma vez que ela estaria em fase de descobrimento de seu corpo, de seu prazer, o que se expressa na SD 2 (“nem conhece suas próprias preferências”). Essa imagem é reafirmada na seguinte SD: SD 5: “Mas se você perseguir o orgasmo múltiplo antes da hora, você não terá nem aquele único que antes lhe parecia tão satisfatório. O que você precisa é conhecer e aceitar os seus limites.” (1977, p. 89) A revista atribui como motivador desse estranhamento das mulheres em relação ao próprio corpo aos sentidos de família que caracterizam a formação imaginária da leitora. SD 6: "Sua mãe, que você provavelmente nunca viu seminua, (...) lhe dá sérios conselhos sobre recato e sobriedade. Sua irmã noiva namora no portão, concessão máxima após o pedido. Seu pai, tão bonzinho no dia-a-dia, vira fera somente se pensar que a filha dele, algum dia..." (1977, p. 86) SD 7: “Passei a vida ouvindo ‘não mexe’, ‘não pega’, ‘não toca’. Todos, em casa, pareciam contaminados por uma neurose sexual.” (1976, p. 64-65) SD 8: “Numa análise mais profunda, meu amigo21 constatou que essa mulher, desde criança, tinha sido proibida de dizer eu quero. (...) os pais a impediam de pedir qualquer coisa (...) Educada no sentido de não manifestar seus desejos, ela aprendeu a usar métodos indiretos.” (1975, p. 48, grifo em itálico original) SD 9: “‘Fui criada achando que sexo antes do casamento é pecado.’” (1979, p. 70) Como se pode perceber, na formação imaginária que a revista faz para a leitora, os sentidos de família são determinados pela formação discursiva cristã, caracterizada como “rígida”, através das expressões “recato” e “pecado”. As formações discursivas, como foi dito anteriormente, “determinam o que pode e deve ser dito” (PÊCHEUX, 1997b, p. 160). Ainda segundo Pêcheux, “próprio de toda formação discursiva é dissimular, na transparência do sentido que nela se forma, a objetividade material contraditória do interdiscurso, que determina essa formação discursiva como tal” (1997b, p. 162). Dessa forma, a família, no dizer da revista, circunscrita na formação discursiva cristã, determina um lugar de mulher, que é diferente do lugar de mulher para a revista. Mesmo que a leitora não seja necessariamente cristã, ela traz vestígios da cultura cristã, o que se nota nas seguintes SDs (três depoimentos de personagens): SD 10: “‘Papai sempre sonhou em levar a filha virgem ao altar, e eu não vou decepcionar o velho. Adoro o coroa e estou com ele e não abro.’” (1979, p. 70) 21

Psiquiatra, que seria amigo da autora do artigo.

31 SD 11: “‘Pretendo me casar nos moldes antigos, de consciência limpa e tranquila.’” (1979, p. 70) SD 12: “Até pensar era pecado. ‘O corpo é o invólucro do espírito’. Imagine uma criança ouvindo isso, depois de saber que só o espírito contava, que só ele era merecedor da vida eterna. (...) Eu odiava meu corpo, sempre me solicitando coisas ilícitas e pecaminosas. Às vezes, cedia aos seus apelos e me sentia a última das mortais. ‘Maldito corpo que me induz a perdição!’ Não fiz nada de tão terrível, mas, diante de tantas ameaças, pedia mil perdões a Deus e me sentia culpada e nojenta.” (1976, p. 64-65) A filiação à formação discursiva cristã se expressa em termos usados no discurso religioso cristão, como “altar”, “consciência limpa”, “maldito”, “perdões a Deus”, e no sentimento de “culpa”. A família, na formação imaginária que a revista faz para a leitora, seria uma família “tradicional”, o que se nota pela marca do casamento “nos moldes antigos” (SD 11). Desse modo, o lugar de mulher, segundo os sentidos de família da revista – que, por sua vez, traz vestígios da formação discursiva cristã – remete a uma memória discursiva da mulher “tradicional”. Por outro lado, a revista considera que a leitora se sentiria, segundo sua formação imaginária, “pressionada” pela mídia e por círculos sociais fora da família, como colegas de trabalho e amigos, a se “liberar” sexualmente: SD 13: “Você anda na rua e vê a moça seminua no enorme cartaz, vendendo amortecedores. Você entra no cinema (...) Você compra uma revista e lá está Papai Noel descendo pela chaminé, trazendo, com laço para presente, a mocinha seminua. Você vai à festinha, e as conversas giram ao redor de sexo, de como uns e outros, nus e seminus, desenvolvem sua maestria no atletismo sexual. Você ouve falar em sexo, sexo, sexo.” (1977, p. 86) SD 14: “A sociedade de consumo está se hipererotizando. (...) Sexo, dinheiro, carros, poder, potência, posse, tudo se confunde. E você é martelada, junto com cada mensagem destinada a fazê-la comprar mais e mais, com precisas mensagens eróticas.” (1977, p. 89) SD 15: “E você se sente ‘careta’ diante do grupo, se sente fora da roda, fora do brinquedo, fora do seu tempo.” (1977, p. 87) Representantes da mentalidade “moderna” da época, a mídia mostra corpos “sexualizados” de mulheres, e as pessoas que teriam por volta da idade da leitora estariam, de acordo com o artigo, usando suas experiências sexuais como símbolo de status. Nota-se ainda que, ao caracterizar cartaz publicitário, cinema e revista como posições onde seriam representadas mulheres “seminuas”, a nudez sexualizada da mulher, Nova se coloca em

32 outra posição. A revista Nova não faria parte dessa mídia, pois ela fala sobre essa mídia de mulheres “seminuas”, constituindo para si, uma posição “acima do Bem e do Mal”. Conforme a formação imaginária projetada no discurso da revista, a leitora se encontra, então, divida entre estas duas imagens: de mulher “tradicional”, “restringida” que seria ligada aos sentidos de família determinados pela formação discursiva cristã; e de mulher “moderna”, “liberada”, que aparece ligada à mídia e a outras mulheres colegas de trabalho ou amigas da leitora. SD 16: “E você no meio. A liberação de um lado, a restrição do outro. O estímulo ao sexo martelando, a restrição ao sexo segurando. Você no meio, dividida, cheia de dúvidas, sofrendo (...)” (1977, p. 86) SD 17: “O normal é que você se sinta dividida. Uma divisão cuja tendência é em direção ao avanço, à renovação.” (1977, p. 89) Mostrando essas duas posições, a própria revista separa três formações imaginárias: a mulher “tradicional”, a mulher “liberada”, e, no grupo ao qual pertenceria a leitora, em sua formação imaginária, a mulher “dividida” entre a “liberação” e a “restrição”, “insatisfeita” sexualmente, e “sofrendo” (SD 16). SD 18: “(...) até que ponto você está pronta para uma reformulação desse nível. Tão simples em si, mas tão complicada quando a gente não está preparada.” (1975, p. 49, grifo em itálico original) SD 19: “Se o grupo diz que é certo e bom ser sexualmente mais livre, a liberdade imediata parece até mais fácil do que se esperava. Se o grupo cultua certo tipo de aberração sexual, a aberração deixa de sê-lo e torna-se a prática, o normal. A curto prazo tudo pode funcionar maravilhosamente. A curto prazo, antes que se estabeleçam os conflitos internos, conflitos muitas vezes inconscientes e, como tais, mais difíceis de dominar. (...) se o preconceito continua existindo lá no fundo, se não foi lentamente diluído, mais cedo ou mais tarde ele entrará em choque com seu comportamento. E você sofrerá.” (1977, p. 89) Seguindo este raciocínio, pode-se inferir que a formação imaginária que Nova faz da leitora é de uma mulher que não está pronta para a “liberação” tal qual é apresentada, como diz a revista, pelos amigos e colegas da leitora e pela mídia (as outras mídias, não a revista Nova), e caso ela “force” essa “liberação”, “sofrerá” – não obstante, da posição em que se encontra, segundo a revista, a mulher “dividida” também está “sofrendo” (SD 16). Observando outros artigos, nota-se que a incerteza da posição do homem em relação a essas duas imagens de mulher, “tradicional” e “liberada”, configuraria o medo da leitora, segundo sua formação imaginária.

33 SD 20: “Durante toda a conversa, ela frisou umas dez vezes que a mulher devia se manter casta e inocente, pois o homem gosta disso.” (1976, p. 64) SD 21: “Imagine o que Evandro sofreu para conseguir me atingir. Como enfiar na minha cabeça que algo que eu achava ‘grotesco’, ‘animalesco’, era uma das coisas ‘mais bonitas’ que podem acontecer a um casal? Mas ele conseguiu. Fez com que eu aprendesse a me amar, a gostar deste corpo, este mesmo, e a querer sexo.” (1976, p. 65)22 As duas SDs, 20 e 21, foram recortadas do artigo “Sexo: prazer ou obrigação?” (1979), de um trecho sobre a personagem Ana Maria, que teria sido educada segundo a ideia de que “‘A mulher deve ser sempre passiva, ou o homem vai pensar que ela não presta’” (1976, p. 65). Ana Maria teria “graças a esse mesmo bom Deus” que ela considerava seu “juiz e carrasco” (1976, p. 65) se casado com um homem “maravilhoso” que teria se preocupado com o prazer sexual dela. Este caso mostra a marca no dizer da revista do medo da leitora em relação ao julgamento do homem. A personagem não só teria se preocupado em se comportar conforme a formação imaginária que faria dos homens (interessados na mulher “tradicional”, “casta e inocente”), como esta formação imaginária se mostrou distante do que ela teria entendido como a realidade do marido “maravilhoso” que se preocupava com seu prazer sexual. Uma regularidade que se pode observar no discurso sobre sexo da revista Nova é a descrição de problemas que seriam próprios das mulheres. Para isso, usa recursos como depoimentos de personagens e especialistas, cita estatísticas. Depois oferece conselhos sobre como proceder em dada situação. Desse modo, afirma que a leitora partilha desses problemas, e assim, segue traçando sua formação imaginária para a leitora e para si mesma, como aquela que aconselha. O efeito de generalização em cima dos problemas, sugere que todas, ou ao menos grande parte das mulheres, sofrem com as mesmas questões. É o que mostra o comentário entre parêntesis da SD 2: “o que é comum”, e “qualquer mulher” e “Todas nós quisemos”, das seguintes SDs: SD 22: “Olhando as publicações destinadas aos homens, qualquer mulher corre o risco de se sentir uma deficiente física.” (1978, p. 76) SD 23: "Todas nós quisemos, ardentemente, ser boas de cama." (1977, p. 86) A partir do exposto, podemos inferir que a formação imaginária que Nova faz da leitora, sujeito a quem direciona o seu dizer, é de uma mulher que acredita ter problemas sexuais, está insatisfeita, mas não conhece seu corpo, ainda não descobriu o que lhe dá 22

A SD 21 e a citação (1976, p. 65) foram retiradas de depoimentos da personagem.

34 prazer sexual. Ela tem medo da reação e do julgamento do outro (que pode ser o homem ou a sociedade em geral) perante seus desejos sexuais, e é interpelada por uma formação discursiva cristã (independente de seguir religião). Nessa posição sujeito “dividida”, a leitora de Nova “sofre” e precisa dos conselhos da revista. Nota-se pela SD 23: “Todas nós quisemos (...) ser boas de cama”, que a posição sujeito da revista se coloca junto à leitora em relação aos seus desejos, pois ela também, assim como a formação imaginária que faz de sua leitora, teria desejado ser “boa de cama” e se sentido “uma deficiente física” ao ver as publicações destinadas aos homens (SD 22). Ao mesmo tempo, a revista se afasta do grupo das mulheres que sofrem “divididas” entre a “restrição” e a “liberação” ao compartilhar com a leitora o conhecimento sobre o que seriam, segundo a revista (e os “especialistas” por ela consultados), as origens dos problemas e suas soluções. De acordo com Mariani, “A imprensa não é o ‘mundo’, mas deve falar sobre esse mundo, retratá-lo, torná-lo compreensível para os leitores” (1998, p. 61). Assim, a revista vai construindo sua posição sujeito no discurso, como quem partilha dos desejos e dificuldades da leitora, porém possui o conhecimento sobre as origens e soluções dessas dificuldades. Para a revista, a carência de informação da leitora, em sua formação imaginária, também seria um dos motivos para a “insatisfação” – o que se expressa na SD 24, que resume as origens desse problema: “ignorância, timidez, educação muito rígida”. SD 24: “Enfim, por ignorância, timidez, educação muito rígida ou seja lá o que for, muitas dessas mulheres desconhecem as carícias que podem aumentar o prazer sexual.” (1975, p. 47) O processo discursivo de construção da posição sujeito da revista no discurso também se dá pelo uso que faz do termo “liberação”: SD 25: “Antes de mais nada, é preciso definir, ou tentar definir, esta palavra que você ouve com tanta freqüência e que as pessoas empregam sem nem saber direito o que estão dizendo. Liberado, segundo o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, é o indivíduo: 1. Tornado livre. 2. Desobrigado, dispensado. 3. Que se tornou ou está livre de ônus ou restrições. 4. Jur. Que é beneficiário da liberação. 5. Bras. Jur. O sentenciado que se acha em livramento condicional. (...) A mulher liberada seria então aquela que tinha preconceitos, tinha restrições, e não tem mais. Está desobrigada em relação aos preconceitos ainda vigentes. Ela está livre.” (1977, p. 86, grifos em itálico original) SD 26: “Mas, se você tentar tomar a si mesma como medida, é capaz de descobrir que tem dado bons passos ultimamente em direção à sua própria liberação. Você pode descobrir que, embora não esteja praticando o sexo passageiro, o sexo-caronasó-por-uma-noite, você já consegue enfrentar aproximações sexuais sem aquele mal-estar

35 antigo, sem aquela sensação de culpa. Isso já é uma liberação, e das mais importantes.” (1977, p. 88) Nota-se pelas SDs 25 e 26 que a revista se posiciona como se apresentasse outra forma de liberação. Nova se coloca, assim, na posição de quem fala à leitora sobre o que seria outra “liberação”, que se baseia na definição do dicionário (autoridade na língua), e assim também fala de outras “liberações” (o que se explicita pelo emprego do artigo indefinido em “Isso já é uma liberação”, se é uma, é porque há mais de uma). Esta tomada de posição, permeada pela escolha de fontes como estatísticas de pesquisas, “especialistas” e dicionários, constitui a posição sujeito de Nova. Mariani (1998), retomando Beacco & Moirand (1995), explica: Beacco & Moirand (1995), sem mencionar especificamente o discurso jornalístico, atribuem um aspecto didático aos discursos mediáticos, uma vez que, para transmitir informações sobre acontecimentos (midiatizando, e, dando a conhecer sobre algo), eles comparecem permeados por esquemas, desenhos (...), além de definições, explicações, estatísticas, questionamentos e citações de autoridade, enfocando, assim, um acontecimento singular a partir de generalizações feitas a partir de um campo de saberes já estabelecidos. (MARIANI, 1998, p. 61)

A forma com que a revista se apresenta para a leitora é feita através dessas escolhas de abordagem próprias do jogo de forças das formações imaginárias. Se as formações imaginárias constituem a capacidade do sujeito de testar os sentidos que suas palavras podem produzir, e, como afirma Pêcheux, “sua habilidade de imaginar, de preceder o ouvinte é, às vezes, decisiva se ele sabe prever, em tempo hábil, onde este ouvinte o ‘espera’” (1997a, p. 77), então a revista, ao se apresentar de certo modo, e não de outro, está construindo a formação imaginária para si mesma, em consonância à antecipação que faz da imagem que acredita que a leitora fará dela – doravante formação imaginária N(L(N))23. Como afirma Mariani a respeito do funcionamento do discurso jornalístico: Consideramos o discurso jornalístico como uma modalidade de discurso sobre. (...) Por esse viés, o sujeito enunciador produz um efeito de distanciamento – o jornalista projeta a imagem de um observador imparcial – e marca uma diferença com relação ao que é falado, podendo, desta forma, formular juízos de valor, emitir opiniões, etc. justamente porque não se ‘envolveu’ com a questão. (MARIANI, 1998, p. 60)

Assim, para Mariani, “o discurso jornalístico atua à semelhança de um discurso pedagógico em sua forma mais autoritária” (1998, p. 61-62). No entanto, as revistas

23

“N” representa a posição sujeito da revista Nova, e “L”, a posição sujeito da leitora da revista. Como afirma Orlandi, o jogo de antecipações se torna mais complexo ao considerar “a imagem que o locutor faz da imagem que seu interlocutor faz dele” (2001, p. 40).

36 femininas fogem da formação imaginária estrita do jornalismo, pois se apresentam na posição de amiga das leitoras – “companheira” – como afirma Nova, ao se dirigir à leitora no fim de seu primeiro editorial: “Tchau, amiga de NOVA, minha nova amiga” (1973, p. 4). Giddens expõe o contexto sócio-histórico de fortalecimento das relações de amizade entre as mulheres: Durante o período vitoriano, a amizade masculina perdeu muito da qualidade de envolvimento mútuo que os camaradas mantinham um pelo outro. Os sentimentos da camaradagem masculina foram em grande parte relegados a atividades marginais, como o esporte ou outras atividades de lazer, ou ainda a participação na guerra. Para muitas mulheres, as coisas ocorreram na direção oposta. Como especialistas do coração, as mulheres estabelecem contato uma com a outra em uma condição de igualdade pessoal e social, dentro dos espectros amplos das divisões de classe. As amizades entre mulheres ajudaram a mitigar os desapontamentos do casamento, mas também mostraram-se por si sós compensadoras. As mulheres falavam das amizades, assim como os homens frequentemente o faziam, em termos de amor, e ali encontraram um verdadeiro confessionário. (GIDDENS, 1993, p. 55)

Partindo da reflexão de Giddens (1993) sobre a valorização da amizade entre mulheres, entende-se que a posição de amiga, teria se tornado, para a mulher, uma posição privilegiada. Segundo a declaração que um editor da revista McCall’s fez a Friedan (1971): “era fato aceito [na década de 1950 nos Estados Unidos] sem discussão por editores e escritores que a mulher não se interessava por política, pela vida fora dos Estados Unidos, por assuntos de âmbito nacional, arte, ciência, ideias, aventura, educação e até mesmo pela comunidade em que vivia” (FRIEDAN, 1971, p. 46-47). Assim, a posição da amiga funcionaria, no caso das revistas femininas, de forma mais eficiente que a posição do jornalista. A posição de amiga se marca no discurso de Nova, por exemplo, pela escrita em primeira pessoa, mais coloquial do que a utilizada segundo a formação imaginária do discurso jornalístico, em terceira pessoa – e que, segundo Mariani (1998), procura criar efeito de distanciamento em relação ao objeto do discurso. Vale fazer aqui um parêntesis para observar que Friedan (1971) relata ter feito uma pesquisa em 1957 com ex-alunas do colégio Smith, que se formaram em 1942 – de acordo com Friedan, antes da mística feminina. Entre os resultados, “Mais de 90% [das entrevistadas] declararam ler o jornal de ponta a ponta, diariamente” (FRIEDAN, 1971, p. 308)24. Segundo Friedan (1971), esse interesse teria mudado devido à propagação da imagem de mulher da mística feminina – podendo ser notada a diferença entre as personagens principais dos contos publicados em revistas para mulheres em 1939, “decididas” e independentes, e em 1949, “no estilo «ocupação: dona de casa»” (FRIEDAN, 1971, p. 38). Por consequência desse incentivo à busca de se encaixar na 24

Sobre outros resultados da pesquisa, ver Friedan (1971), p. 306-308.

37 formação imaginária da mística, na década de 1960 surgiram pesquisas demonstrando que mulheres com menos de 35 anos “não podiam identificar-se com uma heroína decidida” (FRIEDAN, 1971, p. 48). Segundo Mariani, “a chamada ‘imprensa de referência’ enuncia de um lugar historicamente constituído e o faz em nome de determinados segmentos da sociedade” (1998, p. 66). A partir desta afirmação, é curioso perceber a transformação da linha editorial na imprensa em relação à posição sujeito mulher, da “decidida” que lia o jornal inteiro diariamente, para a “estilo «ocupação: dona de casa»” que “não se interessava por política” (FRIEDAN, 1971, p. 46). Assim, na década de 1970, se dirigir à mulher a partir da posição de amiga, tornaria o discurso da revista mais acessível e atraente para sua leitora, na formação imaginária de Nova. A formação imaginária N(L(N)) vai se construindo: a revista se coloca como mulher (“Todas nós quisemos” SD 23), ou, no caso de “Segredos da sexualidade masculina” (1973), como o homem que tem autoridade para revelar os segredos masculinos. Nos dois casos a posição sujeito da revista se apresenta atravessada pelos problemas da formação imaginária de sua leitora, seja como a mulher que sofre igualmente, ou como o homem que sofre por consequência (como Evandro, da SD 21, que se incomodava com a dificuldade de sua esposa, e “sofreu” para ajudá-la). Portanto, a posição sujeito da revista teria, ao mesmo tempo, o interesse na superação dessas dificuldades, e a autoridade para falar sobre as dificuldades e apontar as soluções, representando, no jogo de forças que sustenta o discurso, amizade e poder. Dessa forma, o discurso das revistas femininas seria constituído tanto pela posição sujeito do jornalismo, quanto pela posição sujeito da amiga. Segundo Mariani, “Esse sujeito jornalista se investe e é investido imaginariamente pelo leitor como aquele que sabe. A posição do leitor, por sua vez, é a de quem precisa ser informado por aquele que detém o conhecimento” (1998, p. 100). Em cada artigo analisado se apresenta um recorte para o problema da “insatisfação” da mulher-leitora, e para cada recorte, um conselho. Os conselhos, por sua vez, vêm na forma de promessas, como mostram as SDs: SD 27: “Se um trabalho interno longo e profundo liberta você de um preconceito ao qual estava presa desde a infância, não haverá necessidade de rupturas dolorosas, você não precisará se impor o gesto, ele será espontâneo, será mesmo um resultado, não uma imposição. E o que é espontâneo não dói.” (1977, p. 87) SD 28: “Se você encarar a realidade, enxergar que não é nada disso e que o homem perfeito é aquele que consegue excitar você – seja porque tem uma grande atração por ele ou porque o ama de verdade -, aí sim. Você vai relaxar, vai olhar de frente para o homem que está ao seu lado, vai começar a sentir o prazer com ele. O relacionamento de vocês vai mudar muito e você poderá ajudá-lo a se tornar cada vez melhor. Esta certeza é

38 contagiosa: por causa dela o homem se tornará também mais tranquilo, e encorajado para realizar você.” (1973, p. 71) SD 29: “Temos certeza de que esse resumo (...) vai ajudá-la.” (1973, p. 69) Pela marca se + verbo no futuro, Nova indica uma relação direta entre o cumprimento das ações explicitadas após se, e a recompensa prometida (“Se você encarar a realidade, (...) O relacionamento de vocês vai mudar muito (...)” SD 28). Ora, se a falta de informação é um dos fatores do problema da leitora, e a revista se dispõe a dar conselhos sobre como proceder para superar o dito problema da “insatisfação”, então a responsabilidade sobre essa solução recai sobre a própria leitora. Se a leitora seguir os conselhos da revista, então ela será capaz de resolver seu problema. Logo, a “realização” da leitora depende dela mesma, do que ela vai fazer a partir do conhecimento adquirido através da revista. Não se limitando a dar conselhos, por vezes a revista explica como a mulher deve se comportar para evitar ou solucionar problemas: SD 30: “(...) se você estiver disposta a lhe dizer sempre – se tem convicção, é claro – que ele é sexualmente o único para você, estará também criando ambiente emocional para que seja a única para ele” (1973, p. 71) SD 31: “(...) o problema está justamente entre vocês dois. Então não adianta folhear o famoso Kama-Sutra antes de dormir. (...) Melhor é, antes do sexo, procurar conversar, esclarecer, para depois, restabelecido o entendimento, entregar-se às delícias da reconciliação. E à medida que a relação, assim alimentada, for se adensando e se prolongando, você verá com surpresa que aquela pergunta (...) – Por quanto tempo será que ele vai me desejar assim? – nem lhe ocorre mais.” (1978, p. 77) Com o efeito de ilustrar a eficiência das soluções oferecidas, a revista Nova apresenta personagens que teriam superado suas dificuldades de maneira semelhante à sugerida pela revista, e teriam sido bem sucedidas. Com isso, a publicação oferece um objetivo à leitora: outra posição de mulher a buscar para si. SD 32: “Dizem que pela expressão se conhece uma mulher sexualmente realizada. (...) senti que alguma coisa emanava de Helena enquanto ela falava. Embora enfrentando problemas sérios, de trabalho e falta de dinheiro, existia um brilho no olhar, um jeito de confiança.” (1975, p. 48) SD 33: “Solange teve que superar conceitos de moralidade, até que atingisse uma relação livre de medo, plena de prazer.” (1975, p. 48)

39 SD 34: “Como diz Ana Lúcia, que se sente hoje ‘uma mulher plenamente realizada’: ‘Perdi o medo (...) tinha medo de ser vista como uma mulher vulgar, sei lá!’” (1975, p. 47) Através dessas personagens, que representam no dizer da revista a imagem da mulher “realizada” – e que seria, portanto, feliz –, cria-se o efeito de identificação da leitora com a mulher que ela poderia se tornar, se seguir os conselhos da revista. Esse efeito se faz pela descrição das personagens antes de “se resolverem”, se encaixando na formação imaginária que Nova faz da leitora; e depois, a descrição das personagens já “realizadas”, configurando a posição da mulher “realizada” que a leitora deveria buscar para si. SD 35: “[Helena:] - Realmente me sinto à vontade para falar de sexo. Fui uma mulher muito reprimida e tudo era extremamente difícil para mim. (...) E hoje somos peritos exploradores um do outro. Como é bom!” (1975, p. 48) De acordo com Pêcheux, “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro” (1990, p. 53). Pela descrição da mulher “realizada”, através das expressões “livre de medo”, “Perdi o medo”, e “é bom!” percebe-se que essas seriam marcas da posição sujeito mulher “realizada”. Por oposição à formação imaginária da mulher “dividida” (que estaria “insatisfeita”), estas também são marcas da “satisfação” e, logo, da felicidade, como se nota na seguinte SD: SD 36: “Hoje, Jô é casada, mãe de duas garotas, e vive feliz com o marido. Seu caso exigiu apenas compreensão e coragem. E a quebra de certas convenções que fazem as pessoas se fecharem, impedindo-as de encontrar um meio natural de atingir a satisfação que desejam.” (1974, p. 61) Assim, estar “casada”, ser “mãe de duas garotas”, viver “feliz com o marido”, são, segundo a revista, sinais de “satisfação” – o que, pelo mecanismo de substituição, significa “realização” e “felicidade”. É também pelo mecanismo de substituição de uma palavra por outra no dizer da revista que a formação imaginária da mulher “sexualmente realizada” (em Helena, na SD 32) passa para “plenamente realizada” (em Ana Lúcia, na SD 34). Daí entende-se que a “realização” significa “realização sexual”. No corpus aqui analisado, “satisfação”, “realização” e “felicidade” significam “realização sexual”, e viriam através do sexo. Para entender como se constituem os efeitos de sentido de sexo na revista, aplica-se novamente o mecanismo de substituição:

40 SD 37: “A característica da verdadeira ninfomaníaca é a promiscuidade compulsiva, o impulso violento e quase inconsciente de fazer amor com qualquer homem que cruze o seu caminho, independente de carinho ou escolha.” (1974, p. 59) SD 38: “(...) não há mais uma regra fixa sobre quem começa o jogo amoroso (...)” (1979, p. 72) Nas SDs 37 e 38, percebe-se através dos deslizamentos que substituem a palavra sexo, que este aparece relacionado a amor, como em “fazer amor” e “jogo de amor” – mesmo em se tratando da mulher chamada “ninfomaníaca”, que faria sexo com “qualquer homem que cruze o seu caminho, independente de carinho ou escolha” (SD 37). Consequentemente, sexo aparece relacionado ao homem – afinal, não é só a satisfação feminina que aparece no discurso da revista, “o homem se tornará mais tranquilo, e encorajado para realizar você” (SD 28). Assim, há, no discurso de Nova, uma dupla responsabilidade da mulher sobre sua própria “satisfação” sexual: a responsabilidade de cumprir as condições indicadas pela revista para a “realização”, e a responsabilidade sobre a “satisfação” do homem, para que, por sua vez, ele possa tomar parte na “satisfação” da mulher. Vale fazer um parêntesis para observar que há duas formações imaginárias do homem presentes no corpus analisado: o “homem certo” e o “homem errado”. Eles são colocados como parcialmente responsáveis pelo problema da mulher, pois no dizer da revista, a mulher pode estar com o “homem certo”, aquele que se preocupa com o prazer dela, ou pode estar com o “homem errado”, aquele que pode “piorar as coisas”: SD 39: “Ou nunca ouviram falar do que se pode descobrir na intimidade, ou não encontraram um marido muito preocupado com o prazer delas também.” (1975, p. 47) SD 40: “Eu tive sorte. Nem todo mundo tem. Às vezes um homem errado pode piorar as coisas...” (1975, p. 48) SD 41: “A falta de prazer sexual pode ser causada por qualquer outra neurose ou, simplesmente, pelo fato de a mulher fazer amor com o homem errado.” (1974, p. 59) A partir dessas SDs, pode-se inferir que, segundo as formações imaginárias de mulher na revista Nova (“tradicional”, “liberada” e “dividida”), a mulher pode estar com o “homem certo” ou com o “homem errado”, mas está (ou procura estar) com um homem. Através do não-dito, essa única forma de sexo nos diz que o prazer sexual da mulher está diretamente ligado a um relacionamento afetivo com um homem. Assim, ela pode até descobrir seu corpo sozinha, mas para depois “revelá-lo a ele”:

41 SD 42: “Descubra seu próprio corpo, antes de revelá-lo a ele. Aprenda o que a estimula mais. Sinta sua própria sensibilidade (parece estranho?).” (1975, p. 49) Essas formações imaginárias de mulher (“tradicional”, “liberada” e “dividida”) cujo prazer se dá através do homem também remetem a uma memória de mulher da mística feminina – dado que a mulher da mística, assim como a mulher segundo o dizer da revista, constrói sua personalidade em contraste (no sentido de reforçar sua “feminilidade”) e ao mesmo tempo em função do homem. Portanto, mulher que vive através do homem (FRIEDAN, 1971). Ao falar sobre sexo, a revista fala sobre relacionamentos afetivos, com personagens que contam suas histórias de “superação” das dificuldades ligadas a sexo a partir da experiência que tiveram com seus maridos ou namorados. Assim, sexo e amor se entrelaçam no dizer de Nova, da mesma forma que se entrelaçam sexo e a solução dos problemas – logo, sexo e “realização”. De acordo com Orlandi, As formações discursivas podem ser vistas como regionalizações do interdiscurso, configurações específicas dos discursos em suas relações. O interdiscurso disponibiliza dizeres, determinando, pelo já-dito, aquilo que constitui uma formação discursiva em relação a outra. Dizer que a palavra significa em relação a outras, é afirmar essa articulação de formações discursivas dominadas pelo interdiscurso em sua objetividade material contraditória. (ORLANDI, 2001, p. 43-44)

Partindo do que diz Orlandi (2001) sobre a relação entre sentidos e formações discursivas, é pertinente observar os efeitos de sentido de sexo para a revista Nova, em comparação com as considerações sobre sexo apresentadas por Friedan (1971) em Mística Feminina – livro que influenciou feministas principalmente durante as décadas de 1960 e 1970. No livro, Friedan (1971) mostra os resultados finais do relatório Kinsey, já mencionado anteriormente: Quanto mais culta a mulher, maior sua possibilidade de realização sexual. A mulher com uma educação de nível primário mais dificilmente chegaria ao orgasmo, enquanto que a que terminava a faculdade, fazia curso de pós-graduação, ou cursava uma escola profissional mais facilmente chegava ao orgasmo em 100 por cento das relações. (FRIEDAN, 1971, p. 169)

A autora ainda apresenta como um fenômeno o aumento, durante a década de 1950 nos Estados Unidos, do número de artigos publicados em revistas e livros falando sobre sexo, lidos pelas donas-de-casa. As próprias referências à psicanálise nas revistas femininas e o crescimento da procura por tratamento psiquiátrico por parte das mulheres seriam outros sinais deste fenômeno.

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Por que existe tal mercado de livros e artigos oferecendo conselhos sexuais? A espécie de orgasmo sexual que Kinsey descobriu em plenitude estatística nas recentes gerações aparentemente não resolve o problema da mulher americana. Pelo contrário, surgem novas neuroses femininas e problemas ainda não classificados como tais, que Freud e seus discípulos não previram, acompanhados de sintomas físicos, ansiedade e mecanismos de defesa iguais aos causados pelo recalque sexual. (FRIEDAN, 1971, p. 29)

Friedan apresenta entrevistas com donas-de-casa, médicos, terapeutas e jornalistas, retoma dados históricos – como a demissão em massa de mulheres no pós-guerra – e questiona pesquisas e informações publicadas na mídia que apontavam educação e carreira como prejudiciais à sexualidade da mulher, em comparação com outras pesquisas, como as de Kinsey. Assim, procura comprovar a ideia de que o “problema sem nome” seria resultado da mística feminina, e sua solução viria através do incentivo à personalidade na mulher. Daí, a mulher seria capaz de atingir a “realização sexual” como consequência. Como afirma Friedan, retomando Maslow: Mais uma vez o professor Maslow descobriu um elo evidente entre «a força da personalidade e a sexualidade, a liberdade de ser elas mesmas e a liberdade para submeterse». Descobriu que as mulheres «tímidas, modestas, bem arrumadas, quietas, introvertidas, cheias de tato, mais femininas e convencionais» não eram capazes de se realizar sexualmente com a mesma intensidade das de forte personalidade e auto-estima. (FRIEDAN, 1971, p. 276)

Para a revista Nova, através do sexo “satisfatório” a mulher é capaz de conseguir “realização”

25

. No entanto, para Friedan (1971) a “realização” viria primeiro, através do

desenvolvimento da personalidade na mulher, independente do homem – o que, para a autora, pode ser atingido com educação e atuação profissional. Daí a mulher instruída, com personalidade independente, de acordo com o relatório Kinsey citado por Friedan, teria, consequentemente, mais chances de atingir a “realização sexual”. Segundo Orlandi (2001), uma palavra pode significar de formas diferentes dependendo da formação discursiva à qual está inserida. Logo, na formação discursiva de Friedan (1971), a conquista da personalidade (através de educação e atuação profissional) traz a “realização sexual” como consequência. Enquanto que, na formação discursiva da revista Nova, a “realização” é sexual, e deve ser buscada através da relação com o homem – na superação do medo, dos “conceitos de moralidade” (SD 33), da descoberta de sua própria sexualidade – para então ser capaz de se relacionar com o homem no sexo, e aí se “realizar”. 25

Helena, na SD 32, enfrentava problemas financeiros e no trabalho, mas tinha “brilho no olhar, um jeito de confiança” – era uma mulher “realizada” por ser “sexualmente realizada”.

43 O livro Mística Feminina, foi best seller nos Estados Unidos, e o feminismo reconquistava espaço na mídia durante as décadas de 1960 e 1970 – a própria revista Nova publicou textos sobre feminismo durante a década de 197026. Não obstante, no corpus aqui analisado, pode-se observar que a revista se filia a outras formações discursivas, e mesmo citando os movimentos feministas em outros textos, cria, nos artigos analisados, o efeito de apagamento desses movimentos em seu discurso. Esse efeito de apagamento do “acontecimento que é absorvido na memória, como se não tivesse ocorrido” (PÊCHEUX, 1999, p. 50) se dá, na materialidade do texto, pela comparação que a revista faz entre “antigamente” e “hoje”, marcado nas SDs: SD 43: “Antigamente muita gente achava que ‘casamento é assim mesmo’, ou seja, uma coisa insípida e rotineira que, paradoxalmente, deveria realizar a mulher! Hoje, já se começa a derrubar esses conceitos e a reconhecer que, por maior esforço que faça, a mulher não pode negar seu instinto natural.” (1976, p. 65) SD 44: “Houve um avanço generalizado na liberação. Apesar da grande discrepância entre o que se apregoa e o que se realiza, não podemos negar o avanço destas últimas em direção à liberação sexual. (1977, p. 88-89 – grifo em negrito original) SD 45: “Depois de tantos séculos fechado a sete chaves, sexo deixa de ser tabu. Uma nova mentalidade surgiu, e o assunto passa a ser encarado com mais naturalidade. Mas essa abertura não se dá de repente. Até que se torne algo tão natural como qualquer das demais necessidades humanas, ainda leva algum tempo. Mesmo as gerações mais jovens receberam uma mensagem negativa. Muitas mulheres, através da informação e da experiência, conseguiram vencer barreiras de medo, de insegurança, de culpa e se libertaram, podendo viver o amor completo.” (1976, p. 65) Assim, entre “antigamente” (quando o sexo estava “fechado a sete chaves”) e “hoje” (quando “deixa de ser tabu”), “Houve um avanço generalizado na liberação”. Mas o que teria motivado essa transformação social não aparece, o que se diz é que muitas mulheres “através da informação e da experiência, conseguiram vencer barreiras de medo, de insegurança, de culpa e se libertaram” – e essa “libertação” significa poder “viver o amor completo”. De acordo com Mariani,

É por aí nossa compreensão do discurso jornalístico ter como característica atuar na institucionalização social de sentidos. E com isto estamos afirmando, em decorrência, que o discurso jornalístico contribui na constituição do imaginário social e na cristalização da memória do passado, bem como na construção da memória do futuro. (MARIANI, 1998, p. 61) 26

“A mulher que eu deveria ser” (BEAUVOIR, Simone de. NOVA/COSMOPOLITAN, ed. 15, dez. 1974) e “Woman’s Lib – Afinal, alguém sabe o que é isso?” (COLASANTI, Marina. NOVA/COSMOPOLITAN, ed. 19, abr. 1975).

44 Em Nova, a mudança “surge”, e os processos sociais que provocam essa mudança são apagados. Assim, pelo efeito de evidência de sentidos, a revista silencia outros sentidos possíveis para o que teria motivado o “avanço generalizado na liberação”. Em seu lugar, coloca o “vencer barreiras de medo, de insegurança, de culpa”. A superação individual, que substitui o social.

45 CAPÍTULO V CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há milênios os seres humanos registram suas culturas de diversas maneiras, de forma que se torna difícil garantir a origem desse hábito. Criada com esse objetivo ou não, a imprensa toma lugar no registro da história. A mídia trabalha na produção de sentidos dos acontecimentos, contribuindo na “constituição do imaginário social e na cristalização da memória do passado, bem como na construção da memória do futuro” (MARIANI, 1998, p. 61). Neste trabalho, pretendemos dissecar parte do processo de produção de sentidos sobre sexo no discurso da revista Nova, e colocá-los em relação ao que foi dito sobre sexo por Friedan (1971) no best seller Mística Feminina. Friedan (1971) verifica a existência de um problema em comum a muitas donasde-casa na década de 1950, nos Estados Unidos. Problema esse que as mulheres, segundo os terapeutas e as donas-de-casa por ela entrevistadas, não sabiam nomear. Não se pode garantir que as brasileiras também sofressem com o “problema sem nome”. Mas – assim como as tendências dos movimentos feministas presentes na Europa e nos Estados Unidos chegaram ao Brasil (não sem encontrar barreiras e dificuldades devido à ditadura em vigor) (ZUCCO, 2005) – o conteúdo em circulação na mídia brasileira sofreu influência dos Estados Unidos27, devido ao processo de globalização. No presente trabalho, procuramos expor parte do processo sócio-histórico de constituição da formação imaginária sobre mulher e das publicações destinadas ao público feminino. Os artigos sobre sexo selecionados da revista Nova, na década de 1970, foram trabalhados com base no campo teórico-metodológico da Análise de Discurso de linha francesa (Pêcheux, 1975). Como foi exposto, a revista Nova se dirige a uma mulher sexualmente insatisfeita, mas que não sabe dizer o que quer por não conhecer seu próprio corpo e sexualidade. Neste contexto, representando amizade e poder, a revista Nova se coloca na posição de quem contém as informações e quem vai dizer à leitora o que ela quer e como conseguir. As considerações de Fischer (2001) em relação a seu objeto de estudo – o programa de televisão Erotica, do canal MTV – traz reflexões pertinentes sobre o processo de construção de uma memória das posições de gênero em espaços da mídia de informação sobre sexo e amor:

27

A própria revista Nova é vinculada à norte americana Cosmopolitan.

46 Ora, esse processo todo mostra-se como plenamente “pedagógico”: (...) se busca explícita e didaticamente informar sobre sexo e amor, (...) há o recurso permanente a toda uma “tecnologia de si”, a uma produção de verdade sobre e para o sujeito individual, que “deve” olhar para dentro de si mesmo e julgar-se como sujeito de uma determinada sexualidade e de um determinado gênero. (FISCHER, 2001, p. 595)

Sob o olhar da Análise de Discurso, os discursos midiáticos – que produzem verdades sobre e para os indivíduos, que devem entender-se como sujeitos de um determinado gênero – ajudam a fortalecer ou modificar formações imaginárias de mulher. Como afirma Ramalho, “Essas discursividades ajudaram a formar diferentes sentidos sobre o feminino, posto que de tanto que foram repetidas transformaram-se em “verdades”, ao ganharem o anonimato do seu interlocutor, e reverberam através de nossas falas” (2013, p. 34). Em Análise de Discurso, como dito anteriormente, é “impossível analisar um discurso (...) como uma sequencia linguística fechada sobre si mesma, (...) é necessário referi-lo ao conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido das condições de produção” (PÊCHEUX, 1997a, p. 79). A formação imaginária de mulher “decidida” projetada nas heroínas dos contos publicados em revistas femininas de 1939, foi possível naquele momento histórico. Será que esse discurso não seria possível na década de 1970, para além dos periódicos que se autodeclaravam feministas? De acordo com Bassanezi, A imprensa feminina comercial em geral, (...) não surge com questões novas ou revolucionárias, mas também não pode ficar muito distante das transformações de seu tempo (sob o risco de perder seu público leitor). (...) O discurso (ou o conjunto de discursos) das revistas tenta corresponder à demanda, aos interesses e aspirações do público leitor. E, concomitantemente, com suas repetições e constância de assuntos e idéias, procura moldar este público - formar gostos, opiniões e padrões de consumo e de conduta - de acordo com certas normas que reforçam as distinções e desigualdades de gênero (tendo o poder masculino como dominante) ainda que haja mudanças (e apesar destas) ao longo do tempo. (...) Nem sempre o discurso das revistas é homogêneo e unilateral, e de forma alguma está isento de contradições e lacunas. Algumas poucas vezes, nas revistas, podem ser abertas certas brechas a novas possibilidades e formas de pensar as relações homem-mulher (desde que fiquem garantidas suas bases morais e valorativas e que as vendas e a publicidade não saiam prejudicadas). Assim, também contribuem na reformulação das representações de gênero no contexto social do qual fazem parte. (BASSANEZI, 1993, p. 145-146)

A revista Nova reproduz um dizer para a mulher, que não se filia plenamente à formação discursiva da mística feminina, mas que traz vestígios dessa memória discursiva. Em sua posição de poder, no discurso jornalístico, e de amizade, na demonstração de interesse na superação da “insatisfação” sexual feminina, o falar sobre sexo da revista Nova se apresenta do lugar da “companheira útil” que está para revelar os segredos da “realização” e da felicidade – afinal, como diz em seu primeiro editorial, “Você também

47 pode ser mais feliz, mais bonita, mais realizada, mais...” (1973, p. 4). No corpus analisado, durante toda a década de 1970, a revista Nova se dirigiu à mesma formação imaginária de leitora “dividida”, reafirmando um já dito sobre a mulher e suas posições na sociedade. Conforme o discurso da revista, a “realização” viria através do sexo, e, consequentemente, ainda para a revista, através da relação com o homem. Por outro lado, de acordo com Friedan (1971), a “realização sexual” da mulher seria consequência de sua “realização” pessoal, do incentivo, na sociedade, à construção da personalidade independente nas mulheres, tal qual aconteceria nos homens. Ao ecoar um discurso sobre sexo para a mulher, e não outro – também corrente segundo Friedan (1971) – Nova se posiciona politicamente através de uma escolha de linha editorial. Como foi citado na introdução, “As palavras simples do nosso cotidiano já chegam até nós carregadas de sentidos que não sabemos como se constituíram e que no entanto significam em nós e para nós” (ORLANDI, 2001, p. 20). Termos como mulher, sexo, movimentos feministas, e liberação nos trazem já-ditos, que podem remeter a diferentes memórias discursivas, dependendo do contexto em que se inserem – tanto histórico (macro, contexto sócio-histórico), quanto imediato (micro, circunstância da enunciação). A Análise de Discurso estuda o funcionamento do processo discursivo, da produção de efeitos de sentido. Assim, destaca a ilusão da transparência da linguagem, dos efeitos de evidências do sentido, que se dá pelo mecanismo da ideologia. Como a mídia atua na produção de sentidos para os acontecimentos (MARIANI, 1998), entendemos que esta tem ainda sua parcela de responsabilidade sobre os sentidos em circulação na sociedade. Desse modo, assim como o estudo da história é relevante para compreensão dos acontecimentos do presente, o estudo do discurso da mídia é relevante para a compreensão da construção dos sentidos em circulação no presente. Como foi dito anteriormente, “a chamada ‘imprensa de referência’ enuncia de um lugar historicamente constituído e o faz em nome de determinados segmentos da sociedade” (MARIANI, 1998, p. 66). Portanto, ao buscar entender como chegamos a um determinado sentido para termos como mulher, sexo, movimentos feministas, e liberação, também estamos buscando entender as influências e os interesses em jogo na construção desses sentidos, e seus registros ou apagamentos da memória social.

48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAPTISTA, Íria C. Q.; ABREU, Karen C. K.. A história das revistas no Brasil: Um olhar sobre o segmentado mercado editorial. Plural: revista do programa de pós-graduação em sociologia, v. s/n, p. 01-23, 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2013. BEAUVOIR, Simone (1949). O Segundo sexo: fatos e mitos; tradução de Sérgio Milliet. 4 ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1980. CABRAL, Eugênia Melo. Primeiras Histórias: O surgimento das imprensas feminina e feminista no Brasil. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, v. 2008. Disponível em: . Acesso em: 9 jul. 2013. FERNANDES, Cleudemar A. Análise do Discurso: reflexões introdutórias. São Carlos: Editora Claraluz, 2008. FRIEDAN, Betty. Mística Feminina. Petrópolis: Editora Vozes Limitada, 1971. GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993. LAMOUNIER, Carolina B.; GONZALES, Lucilene S.. A Revista NOVA/Cosmopolitan no Contexto Histórico da Mídia Impressa Brasileira. In: XI Simpósio de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Intercom. Ribeirão Preto: mai. 2006. MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa – Os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989). Rio de Janeiro: Editora Revan; Editora da Unicamp, 1998. ORLANDI, Eni P.. Análise de Discurso: Princípios e procedimentos. 3 ed. Campinas: Pontes Editores, 2001. _______________. Análise de Discurso. In: ORLANDI, Eni P.; LAGAZZIRODRIGUES, S. (Orgs.). Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. Campinas: Pontes Editores, 2006. p. 11-31. PÊCHEUX, Michel. O discurso: Estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes Editores, 1990. ______________. (1969). Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, F.; HAK, T. (Org.). Por uma análise automática do discurso. 3 ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1997a. p. 61-161.

49 ______________ (1975). A forma-sujeito do discurso. In: Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da Unicamp, 1997b. p. 159-185. ______________ (1983). Papel da Memória. In. ACHARD, Pierre (et al.). Papel da Memória. Campinas: Pontes Editores, 1999. p. 49-57. RAMALHO, Thalita Souza Aragão. Memórias do feminino na obra de Walter Hugo Khouri. Dissertação (Mestrado em Memória Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. SARTI, Cynthia. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 2: maio/ago., 2004. Disponível em: . Acesso em 18 abr. 2013. SOIHET, Rachel. « La première vague du féminisme brésilien de la fin du XIX e siècle aux années trente », CLIO. Histoire, femmes et sociétés [En ligne], 7 | 1998. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2013. ZUCCO, Maise Caroline. Influências do feminismo estadunidense no Brasil: relatos e leituras. Londrina: ANPUH, 2005. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2013.

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