Sobre \"Star Wars: o despertar da força\" e a importância da personalidade jurídica

June 6, 2017 | Autor: Raphael Fraemam | Categoria: Star Wars, Direito Civil, Sujeito De Direito, Personalidade Jurídica
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Sobre “Star Wars: o despertar da força” e a importância da personalidade jurídica

As primeiras cenas e os primeiros atos do personagem Finn de Star Wars: O despertar da força, para mim, possuem um significado imenso. A ideia deste personagem foi tão bem montada e expressada que tenho certeza de que nem os próprios produtores tinham noção do alcance do simbolismo que eles criaram. Para quem não viu o filme Star Wars – Episódio VII (O despertar da força) este texto contém spoilers das cenas iniciais. Então, SPOILER ALERT devidamente registrado! Antes de contextualizarmos Finn nesta postagem, é importante ter em mente que a personalidade jurídica é a aptidão que uma pessoa tem de contrair direitos e obrigações. Pelo nosso Código Civil (art. 1o), para alguém possuir personalidade jurídica, basta ser uma pessoa. E, diz o art. 2o do Código Civil, o início da personalidade jurídica se dá através do nascimento com vida. Afinal, nada mais lógico do que todos os seres humanos poderem exercer seus direitos e contrair obrigações. Agora, se é tão óbvio pensarmos que qualquer um pode ser um sujeito de direito, qual a razão de existir desta norma? Por que precisamos de uma norma afirmando algo assim? Precisamos do art. 1o do Código Civil porque nem sempre foi desta maneira. Nos tempos da escravidão, os escravos não possuíam a aptidão de adquirir direitos e obrigações. Eles eram seres humanos que não tinham personalidade jurídica. Eles eram classificados na categoria de bens e integravam o patrimônio das pessoas que possuíam personalidade jurídica. Feitas estas ponderações iniciais, voltemos para Finn. No início do filme, Finn nos é apresentado como um stormtrooper. Ele é um soldado da organização paramilitar denominada “Primeira Ordem”. Se ele é um soldado, a tendência é pensar que em algum momento ele se alistou para esta organização, recebeu treinamento, está a serviço dela por livre e espontânea vontade, além de provavelmente receber um salário pelos serviços prestados. Todavia, o filme deixa bem claro que não é bem assim que a Primeira Ordem opera.

Não existe alistamento de stormtroopers na Primeira Ordem, a tropa de choque (stormtroopers) desta organização é composta por pessoas sequestradas de suas famílias desde o nascimento. Elas crescem dentro da instituição, recebem treinamento durante anos e são doutrinadas a pensar que a Primeira Ordem é invencível, que estão do lado correto da batalha e que seu objetivo principal é dominar a galáxia para colocar ordem no universo e garantir a paz. A partir desta maneira de agir da Primeira Ordem para a captura de soldados, ficou claro que o filme faz uma alusão à questão histórica da captura de escravos em tribos africanas que eram retirados de suas famílias e transportados para servir os seus senhores do outro lado do oceano. Os stormtroopers da Primeira Ordem são escravos. Finn, consequentemente, é um escravo. Existe uma espécie de coisificação desses soldados. Eles não são tratados como pessoas, mas sim como objetos humanos que devem ser “programados” para receber e executar ordens. Pode-se tirar tais conclusões por conta de alguns indícios. Em primeiro lugar, os stormtroopers não possuem nomes. Eles apenas têm um registro (o de Finn é FN-2187). Além disso, o filme dá a entender que os stormtroopers quase nunca têm autorização para retirar o capacete ou a armadura, de modo que não existe uma identificação visual entre eles. Logo, não há como diferenciá-los pelo nome e nem visualmente. Por fim, os stormtroopers são constantemente submetidos a uma fiscalização rigorosa e os que não cumprem estritamente as ordens dadas sofrem sanções. Se não é possível criar uma identidade com esses soldados, então não existem muitas chances de se apegar ou criar simpatia por algum indivíduo específico. A razão disso tudo é que eles são soldados descartáveis. Preparados, desde o nascimento, para morrer pela Primeira Ordem.

Voltando agora para a análise jurídica, pode-se perceber facilmente que os stormtroopers não são sujeitos de direito dentro da Primeira Ordem. Eles não possuem personalidade jurídica. Eles não estão lá por escolha própria e nem podem sair de lá quando bem entenderem. Não podem expressar suas ideias e nem podem realizar questionamentos. A Primeira Ordem é uma referência ao fascismo, assim como era o Império na trilogia clássica de Star Wars, mas existe uma diferença essencial a respeito dos seus soldados. Nos tempos imperiais, havia uma academia, com alistamento e recrutamento. A maneira pela qual ocorria o ingresso no Império se

assemelhava, de certa maneira, à juventude hitlerista. Ou seja, os stormtroopers do império, apesar de também servirem uma entidade fascista, eram sujeitos de direito e possuíam personalidade jurídica (ainda que estivessem submetidos a um governo que violava diversos direitos humanos). No caso da Primeira Ordem, é diferente, porque estamos lidando com escravos criados para a guerra. Em relação à importância de Finn. Ele é um stormtrooper que, em sua primeira missão, simplesmente surta. Ele não consegue matar e cometer atrocidades em nome da Primeira Ordem, diferentemente de seus colegas. Por não concordar com a instituição a que ele foi obrigado a servir, Finn decide desertar. Para isso, ele ajuda um prisioneiro de guerra da Primeira Ordem, Poe Dameron, a sair da sala em que ele estava preso para que os dois pudessem ajudar um ao outro na fuga.

Uma das cenas que considero mais interessantes é o momento em que Poe pergunta a Finn qual é o nome dele e sua resposta é: “FN-2187”. Dameron acha essa resposta bizarra. Logo em seguida, responde que não vai aceitar o fato de ele não possuir um nome e por isto vai chamá-lo de Finn. A partir deste momento, FN-2187 diz que gostou do seu novo nome e que vai aceitá-lo. Do ponto de vista jurídico, esta cena é bastante rica. Isto porque Poe Dameron estranha o fato de Finn não possuir um nome. Existe este estranhamento porque ele é o primeiro no filme a reconhecer Finn como uma pessoa e não como um escravo. Poe reconhece Finn como um sujeito de direito e por isto diz que não vai aceitar o fato dele não possuir um nome porque todo mundo merece um nome. FN-2187, ao aceitar o nome Finn, está se reconhecendo como um sujeito de direito, com personalidade jurídica, e está exercendo o seu direito a um nome (um dos principais direitos da personalidade, previsto no art. 16 do Código Civil). Outra cena cheia de simbolismo é o momento em que Finn está caminhando sozinho no deserto do planeta Jakku. Aos poucos, ele vai retirando e abandonando os pedaços da armadura branca de stormtrooper e fazendo prevalecer a roupa negra que ele possui por baixo. Para finalizar, após abandonar completamente a sua antiga armadura ele se veste com uma jaqueta marrom que pertencia a Poe Dameron. Nesta cena há a demonstração do período de transição em que ele deixa de ser um soldado sem identidade, um escravo da Primeira Ordem, uma pessoa que não era vista como um sujeito de direito, alguém que não tinha liberdade para se expressar e tomar suas

próprias decisões para se transformar em Finn, um sujeito de direito, com personalidade jurídica, cujos atos não são mais controlados por ninguém. Ao realizar esta transição, Finn exerce outro importantíssimo direito da personalidade: o direito à imagem. Ele constrói a sua própria identidade. Ele saiu de uma realidade em que ele era apenas um objeto descartável, criado para realizar uma função, e passa para outra realidade onde ele é um sujeito de direito com personalidade jurídica.

Daí até o fim do filme, podemos observar um personagem cheio de particularidades, que toma difíceis escolhas para salvar as pessoas com quem ele se importa, realiza acordos (negócios jurídicos) para atingir os seus objetivos e também, em determinado momento, esconde o seu passado de stormtrooper e, nesta última parte, exerce seu direito à intimidade (outro direito da personalidade). Para concluir, esta transformação na vida de Finn é a razão pela qual o art. 1o do Código Civil se faz não apenas necessário, mas o torna um dos dispositivos mais importantes do ordenamento jurídico. Os stormtroopers da Primeira Ordem representam o nosso passado, tanto em relação a sua condição de escravos como também pelas atrocidades que a Primeira Ordem comanda que eles cometam. Quando Finn deserta e é reconhecido por Poe como um sujeito de direito, ele entra no nosso presente. Na situação em que toda e qualquer pessoa tem aptidão de adquirir direitos e obrigações e, consequentemente, exerce a sua personalidade jurídica. A questão é que essa transformação do personagem representa que conseguimos progredir e estamos tentando corrigir os erros que a humanidade cometeu no passado. Entretanto, o art. 1o do Código Civil e dispositivos análogos nos ordenamentos jurídicos de outros países sempre serão necessários para que nunca exista a menor possibilidade de retornarmos sequer para algo próximo desta situação de selvageria em que um ser humano é considerado uma pessoa e outro é visto como uma coisa. Por Raphael Fraemam Braga Viana.

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